Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05633/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:05/29/2012
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL. ISENÇÃO/DISPENSA PRESTAÇÃO GARANTIA. COMPENSAÇÃO.
Sumário:Doutrina que dimana decisão:
1. O pagamento em prestações com a inerente prestação de garantia, constitui um dos fundamentos para que inexista o direito à compensação de dívidas de tributos por iniciativa da AT;
2. Porém, a lei equipara a prestação de garantia à sua isenção/dispensa, caso em que igualmente não pode haver lugar a tal compensação;
3. E também não pode haver lugar a tal compensação quando essa isenção/dispensa for indeferida mas o executado interpor reclamação judicial, que tenha subida imediata a tribunal, o que equivale ao efeito suspensivo dessa decisão reclamada;
4. Nestes casos, tal compensação não pode ter lugar enquanto não houver decisão com trânsito em julgado que ponha termo a tal reclamação.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A...– A... – Consultoria E Engenharia, SA, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 3.ª Unidade Orgânica - que julgou improcedente a reclamação deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I - Pela alegação e análise da prova documental, nomeadamente: Requerimento de Pagamento em Prestações, bem
como, Isenção da Prestação de Garantia junto ao Apenso de Execução a fls ... e "DESPACHO" de deferimento do pedido de pagamento em prestações e indeferimento do pedido de isenção de prestação de garantia junto aos autos a fls. ..., também, devem dar-se como provados os factos seguintes:
- A Reclamante Requereu o Pagamento em Prestações, bem como, Isenção da Prestação de Garantia.
- Em 2011-04-21, foi proferido pelo Excelentíssimo Senhor "Director de Finanças Adjunto (em substituição", o "DESPACHO" seguinte: "Nos termos e com os fundamentos constantes da informação anexa defiro o pedido de pagamento em 12 prestações mensais iguais e sucessivas, condicionado à prestação de garantia nos termos e prazos legais, visto que se indefere o pedido de dispensa da prestação de garantia por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais".
II – Para o caso não é convocável o “art.º 169.º, do CPPT” mas sim e antes o artigo 52.º, da Lei Geral Tributária.
III - Nos termos do artigo 52.º, da Lei Geral Tributária, o "pagamento em prestações", desde que associado à prestação de garantia ou à isenção de prestação confere ao executado o direito a ver suspensa a cobrança da prestação tributária.
IV – O indeferimento do pedido de isenção de prestação de garantia não poderia produzir efeitos na esfera jurídica da Reclamante até que se mostre decidida, com trânsito em julgado, a Reclamação Judicial do mesmo apresentada pela Reclamante.
Neste entendimento
V – O “acto de aplicação de depósitos da penhora de créditos nº 2599, no montante de € 13.896,96, no pagamento da dívida em cobrança no processo” foi ilegalmente praticado.
TERMOS EM QUE E SEMPRE COM O SÁBIO SUPRIMENTO DE VOSSAS
EXCELÊNCIAS, DEVE JULGAR-SE PROCEDENTE O RECURSO
- DEVEM DAR-SE COMO PROVADOS OS FACTOS SEGUINTES:
A Reclamante Requereu o Pagamento em Prestações, bem
como, Isenção da prestação de Garantia.
Em 2011-04-21, foi proferido pelo Excelentíssimo Senhor
"Director de Finanças Adjunto (em substituição", o " DESPACHO” seguinte: "Nos termos e com os fundamentos constantes da informação anexa defiro o pedido de pagamento em 12 prestações mensais iguais e sucessivas, condicionado à prestação de garantia nos termos e prazos legais, visto que se indefere o pedido de dispensa da prestação de garantia por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais".
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REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUIR-SE POR ACÓRDÃO QUE JULGUE A RECLAMAÇÃO PROCEDENTE E CONSEQUENTEMENTE ANULANDO-SE O “acto de aplicação de depósitos da penhora de créditos nº 2599, no montante de €13.896,96, no pagamento da dívida em cobrança no processo”, POR ILEGALMENTE PRATICADO.
DECIDINDO EM CONFORMIDADE FARÃO VOSSAS EXCELÊNCIAS SERENA, SÃ E OBJECTIVA JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por não se encontrarem preenchidos, quer os pressupostos quer do art.º 52.º da LGT, quer do art.º 169.º do CPPT, como bem se entendeu na sentença recorrida.


Não foram colhidos os vistos prévios dos Exmos Adjuntos por se tratarem de autos classificados de urgentes.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se à matéria de facto constante do probatório da sentença recorrida deve ser acrescida a que a ora recorrente pretende; E se a reclamação judicial contra o despacho que indeferiu a isenção/dispensa de prestação de garantia, que teve subida imediata a tribunal, impede que seja efectuada a compensação no processo de execução fiscal, enquanto tal decisão não transitar em julgado.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1. Em 11/01/2011, foi instaurado contra a Reclamante o processo executivo nº 3107201101004751 pela quantia exequenda de €53.329,25 proveniente de IRS/2010 (retenções na fonte) e Imposto de Selo do mesmo ano (capa do PEF e certidão de dívida, fls. 37 e 38 do apenso e informação a fls. 6);
2. A Reclamante apresentou reclamação judicial dos actos de penhora de créditos números 1055 e 1056, nos montantes respectivos de €17.165,88 e €5.721,96 (fls. 125 do apenso e informação a fls.6);
3. A reclamação teve regime de subida imediata (informação a fls. 6);
4. Em 20/06/2011, a Reclamante apresentou reclamação judicial do despacho proferido em 21/04/2011 de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito do pedido de pagamento da dívida em prestações (fls. 176 e 185 do apenso e informação a fls. 6);
5. Esta reclamação também teve regime de subida imediata (informação a fls. 6);
6. Por ofício de 24/06/2011 foi a Reclamante notificada do acto de aplicação de depósitos da penhora de créditos nº 2599, no montante de €13.896,96, no pagamento da dívida em cobrança no processo (demonstração de aplicação do crédito a fls. 25 e informação a fls. 6);
7. Deduziu a presente reclamação em 04/07/2011 (carimbo de entrada aposto pelo Serviço de Finanças a fls.11 e informação a fls. 6)

Factos não provados: Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou de relevante.

Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e apenso de execução, com destaque para a assinalada.


4. Para julgar improcedente a presente reclamação deduzida contra tal acto de compensação da penhora de crédito na dívida exequenda, considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a reclamação judicial, atento o seu objecto de actos praticados no processo de execução fiscal, nunca tem por virtualidade a de fazer suspender o processo de execução fiscal, tendo em conta que a mesma não visa sindicar a legalidade da dívida exequenda, sendo que a imediata subida apenas tem por efeito suspender o acto aí reclamado ou de actos que dele dependam, sendo que a reclamação das duas penhoras e do indeferimento da prestação de garantia, ainda que com subida imediata, não se demonstrando que daquelas é absolutamente dependente do objecto dessas reclamações, não podem conduzir a tal pretensão.

Para a reclamante e ora recorrente é contra esta fundamentação que vem esgrimir argumentos tendentes a reexaminar a sentença recorrida em ordem a sobre ela ser emitido um juízo de censura conducente à sua revogação, pugnando que o deferimento em prestações da quantia exequenda, com a prestação de garantia ou com a sua isenção, torna ilegal a compensação de créditos ora operada, por força do disposto no art.º 52.º da LGT, para além do invocado errado julgamento da matéria de facto, pugnando que outra seja levada ao probatório da sentença recorrida.

Vejamos então.
Tendo sido assacada à sentença recorrida o errado julgamento sobre a matéria de facto importa, em primeiro lugar, conhecer deste invocado fundamento a fim de se formar a necessária base factual a que depois se possa aplicar o direito devido.

Nos termos do disposto nos art.ºs 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 511.º do Código de Processo Civil (CPC), ao probatório das sentenças (e dos despachos que não sejam de mero expediente, art.ºs 156.º, n.º4 e 158.º do CPC), devem ser levados os factos provados e que sejam relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, tendo em vista permitir aplicar o direito devido pelo tribunal que funcione como 1.ª instância, quer para permitir aos tribunais superiores que não conhecem de matéria de facto, sindicar da aplicação do direito que sobre eles as instâncias efectuaram, em ordem a dizer o direito do caso (factual) concreto.

No caso, pela matéria constante dos pontos 1. a 7. da sentença recorrida, deles se pode colher que os autos contêm a matéria de facto suficiente e necessária em relação aos pontos que a recorrente reputa como necessários, designadamente da contida no ponto 4. do mesmo probatório, não tendo nenhum interesse que o despacho que lhe indeferiu a isenção de prestação de garantia seja transcrito na sua totalidade como a mesma fez na matéria da sua conclusão recursiva I. e no seu pedido a final formulado, pelo que o recurso não pode deixar de improceder quanto a esta pretendida alteração da matéria de facto.

O objecto deste litígio consiste em saber, em síntese, se a executada que requereu a isenção da prestação de garantia e lhe foi indeferida, pode ver um seu crédito que havia sido penhorado, ser aplicado em compensação dessa dívida exequenda, quando sobre este indeferimento ainda não houve trânsito em julgado por dele ter reclamado e ter subido a tribunal, de imediato.

O M. Juiz do Tribunal “a quo” entende que sim, abrigando-se no preceituado no art.º 169.º do CPTT que exige, para a suspensão da execução, que a executada se encontre a discutir a legalidade da dívida exequenda e tenha prestado garantia ou exista penhora que garanta a totalidade da mesma dívida.

Ao invés, a recorrente pretende que tal indeferimento da isenção da garantia peticionada só seja operativa quando houver trânsito em julgado da decisão que lhe ponha termo, isto é, que até então não possa haver lugar a tal acto de compensação nessa execução fiscal, que por isso, redunda em ilegal.

E a razão encontra-se do lado da reclamante e ora recorrente, ainda que por fundamentos jurídicos não coincidentes dos por si, directamente, avançados.

Senão vejamos.
O instituto da compensação no âmbito tributário em que nos encontramos, encontra-se previsto nos art.ºs 42.º, n.º2 da LGT e 89.º do CPTT, sendo que o pagamento em prestações (além de outras causas), legalmente autorizado, configura uma excepção para que possa haver lugar a tal compensação entre a dívida exequenda e o crédito do executado, desde que tenha sido prestada garantia idónea nos termos deste CPTT.

Porém, a lei, na norma do art.º 52.º da LGT, equipara tal prestação de garantia à sua isenção/dispensa, no n.º4 deste preceito, tendo por isso os mesmos efeitos, ou seja, se o interessado obtiver tal isenção ou dispensa de garantia, tudo se passa, para este efeito, como se tal requisito da sua prestação tivesse sido, legalmente, efectuada.

No caso, a ora recorrente viu indeferida tal pedido de isenção/dispensa de garantia mas de tal pedido deduziu reclamação judicial, a qual teve subida imediata a tribunal – cfr. pontos 4. e 5. do probatório firmado na sentença recorrida – sendo que tal subida imediata tem os mesmos efeitos que a subida imediata nos recursos jurisdicionais em que lhe é atribuído o efeito de suspensivo(1) que, como se sabe, tolhe os efeitos da decisão recorrida, a qual, assim, não pode ser executada, excepto nos termos expressamente previstos na lei (cfr. art.ºs 692.º e 693.º do CPC, na redacção actual).

Ora, no caso, se ao órgão da execução fiscal lhe fosse permitido operar tal acto de compensação na pendência de tal reclamação, encontrar-se-ia já a executar tal decisão de indeferimento da isenção/dispensa da prestação de garantia ou a não considerar um dos seus efeitos possíveis, a sua revogação, sem respeitar o regime de subida imediata e consequente efeito de suspensivo da reclamação que contra tal indeferimento havia sido interposta, sendo que por via deste efeito de suspensivo assume a paralisação dos efeitos dessa decisão, desta forma quedando sem o respectivo efeito útil tal regime de suspensivo se a sua execução logo pudesse ter lugar, sendo desta forma violador dos requisitos erigidos por aquela norma do art.º 89.º do CPPT para que possa haver lugar a tal compensação, a qual assim, não pode deixar de ser ilegal.


Nestes termos, procede assim, nesta parte, a matéria das conclusões as alegações do recurso, sendo de conceder provimento e de revogar a sentença recorrida que em contrário decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, julgando-se procedente a reclamação e anulando-se o acto de compensação em causa.


Custas pela recorrida, mas só na 1.ª Instância, já que não contra-alegou.


Lisboa, 29/05/2012

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO



1- Cfr. neste sentido João Valente Torrão, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2005, Almedina, pág. 938, nota de rodapé n.º 782 e pág. 940, nota 12 e o acórdão do STA de 4-6-2003, recurso n.º 644/03-30.