Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09361/16
Secção:CT
Data do Acordão:02/09/2017
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:GERÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
CULPA
Sumário:I – Estando em apreciação dívidas enquadradas no âmbito da alínea b), do artigo 24.º da Lei Geral Tributária, em que o facto ilícito se consubstancia na falta de pagamento da obrigação tributária (elemento objectivo) acompanhada duma actuação conducente à insuficiência do património da sociedade (elemento subjectivo) o legislador consagrou uma inversão do ónus da prova, isto é, a lei presume do incumprimento da obrigação que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, o que significa que, para que seja dado como provado que não foi por culpa daquele que a falta de pagamento se verifica, é exigível que o revertido alegue e prove factos de onde possa ser extraída essa irresponsabilidade ou, o mesmo é dizer-se, que essa falta de pagamento não lhe é culposamente imputável.
II – Tendo os gerentes alegado e demonstrado que no período de tempo a que respeitam as dívidas exequendas o seu principal cliente suspendeu integralmente o pagamento dos serviços prestados, provocando com essa conduta a existência de uma indisponibilidade financeira na devedora originária para solver aquelas dívidas e que, na sequência do comportamento assumido pelo referido cliente, intentaram diversas acções judiciais tendo em vista obter a satisfação do seu crédito e que em todas, até ao momento, obtiveram ganho de causa, é de julgar preenchido o requisito de não imputabilidade de culpa pela insuficiência do património da devedora originária para satisfação daquelas dívidas, sendo irrelevante, neste contexto e para aferição dessa culpa, o mero facto de os gestores não terem apresentado a sociedade que gerem a processo de insolvência.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I – Relatório

R..., J..., M..., J... e M... intentaram a presente Oposição Judicial à execução fiscal n.º... e apensos - originariamente instaurada contra a sociedade “C...- Empresa de Formação Profissional, Lda” por dívidas de IRC, dos anos de 2008, 2009 e 2011 e de IRC (retenção na fonte) do ano de 2010, no valor global de 5.011,09€ -, invocando, em síntese, que apenas exerceram as funções gerentes de direito da sociedade originária devedora; a falta de excussão prévia do património da devedora originária e que a Administração Fiscal, não fez prova, como lhe competia, da sua ausência de culpa na insuficiência de património da sociedade.

Após ter recebido e instruído a Oposição, foi proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, na qual se julgou totalmente improcedente a Oposição Judicial quanto aos Oponentes J... e M... e procedente quanto aos Oponentes M..., R... e J... e, consequentemente, aí se mantendo e anulando, respectivamente, os despachos de reversão proferidos pela Administração Fiscal.

Inconformados, os Oponentes J... e M..., interpuseram o presente recurso, tendo concluído as alegações apresentadas com a formulação das seguintes conclusões:

«A - O Tribunal a quo não deu como provado, que a executada primitiva (C...) instaurou contra a A..., uma ação pedindo a condenação no pagamento do valor de: 170.022,30 euros + 65.925,30 euros + 23.861,98 euros, totalizando o valor de 278.948,67 euros, que correu os seus trâmites junto das Varas de Competência Mista do Funchal, sob o número ...1.1TCFUN.

B - O Tribunal a quo não deu como provado que a referida associação foi condenada a pagar à primitiva executada as quantias de: 170.022,88 euros e 65.925,30 euros, conforme sentença e acórdão junto aos autos.

C - O Tribunal a quo não deu como provado que o Tribunal da Relação de Lisboa, confirmou a condenação, conforme acórdão que foi junto aos autos.

D - O Tribunal a quo não deu como provado que a dívida da referida associação - A... - se deve a facturas e serviços prestados entre Dezembro de 2009 e Abril de 2010. Portanto, não havendo a liquidação destas facturas não houve disponibilidades para satisfação dos compromissos com terceiros e com a Administração Tributária.

E - O Tribunal a quo não deu como provado que, aquando do tributo, o único cliente que a devedora originária tinha era a supra referida associação.

F - O Tribunal a quo não de como provado que a devedora originária comunicou a AT da existência do crédito, tendo solicitado o penhor o crédito supra referido

G - O Tribunal a quo não deu como provado que a executada originária, bem como os gerentes fizeram tudo o que estava ao seu alcance para cumprir com as suas obrigações.

H - Na data de pagamento do tributo, a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos, e a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que possa ser censurável aos executados, atendendo que a falta de pagamento do tributo se deveu à falta de pagamento da referida associação.

l - O Tribunal a quo não deu como assente que o ónus da prova da culpa do gerente na insuficiência do património societário para satisfação das dívidas tributárias cabe à Administração Tributária - artigo 24°, n°1, al. a) da LGT, prova essa que a AT não fez.

J - Neste mesmo sentido sufraga a AT, no art. 1.3 ofício-circulado n°060 043 - DSJT.

K - Ora, salvo melhor opinião, os oponentes provaram que tomaram medidas, tais como interpuseram a ação contra a referida associação.

L - Tribunal a quo condenou os recorrentes J... e M... no pagamento de 60% das custas, numa oposição que foi deduzida por 5 oponentes, e o Tribunal absolveu em relação a três.

M - O Tribunal a quo ao condenar os ora dois recorrentes em 60% das custas viola o princípio da equidade.

Nestes termos e nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossa Excelência, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a Sentença proferido no Tribunal a quo, assim se fazendo serena, sã e objectiva Justiça.»

A Recorrida, Fazenda Pública, notificada da admissão do recurso, não contra-alegou.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal Central emitiu douto parecer, no qual se pronunciou, a final, no sentido da procedência do recurso

Colhidos os «Vistos» dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

II - Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, importa, assim, decidir:

- Se a sentença recorrida errou no julgamento de facto realizado ao não dar como provados factos essenciais para a decisão das questões suscitadas pelos Oponentes [matéria vertida nas conclusões A) a E) e G)];

- Se a sentença, face aos factos que apurou e aos que devia ter dado como provados, errou uma vez que os Oponentes lograram provar que a falta de pagamento não decorreu de um comportamento por si assumido enquanto gerentes que seja susceptível de um juízo de censura legalmente relevante [matéria vertida na conclusão H) e J)];

- Saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento na parte em que julgou que o ónus da prova relativamente à culpa do insuficiência do património cabe, na situação concreta, aos Oponentes, por ser à Fazenda Pública que cabe alegar e provar factos susceptíveis ao preenchimento desse pressuposto de reversão e ao ter decidido que à Fazenda Pública não era exigível procedido à penhora dos que perante si foram invocados como existindo pela devedora originária e pelos Oponentes [conclusões F) e I)];

- Saber se na sentença recorrida, na parte em que condenou os ora recorrentes em custas, violou o princípio da equidade [matéria vertida nas conclusões L) e M)].


III - Fundamentação de Facto

3.1. Em 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1. Desde 04/05/1992 constam no registo comercial referente à sociedade C... - Empresa de Formação Profissional, Lda., como gerentes, J..., J..., M..., M... e R.... [cfr. doc. a fls. 5-6 do proc. de execução fiscal].

2. Em 28/06/1999, os Oponentes J..., J..., M..., R... e M..., outorgaram na qualidade de sócios, uma escritura relativa a cessão de quotas, aumento de capital e alteração parcial de pacto social, relativa à sociedade C... - Empresa de Formação Profissional, [cfr. doc. a fls. 97-99 dos autos].

3. Os Oponentes M... e J... efectuaram um pedido de pagamento faseado de dívidas fiscais da sociedade C... - Empresa de Formação Profissional, Lda., ao Serviço de Finanças de .... [cfr. doc. a fls. 120 dos autos].

4. Os Oponentes M... e J... assinaram diversos contratos de prestação de serviços em nome da sociedade C...- Empresa de Formação Profissional, Lda.. com a A... .... [cfr. doc. a fls. 104-110 dos autos]

5. O Oponente M..., assinou uma declaração de alteração de actividade da sociedade C... - Empresa de Formação Profissional. Lda. [cfr. doc. a fls. 100-101 dos autos, vide motivação infra].

6. A A... não reconheceu o crédito da sociedade C... -Empresa de Formação Profissional, Lda. [vide motivação infra].

7. Em 30/05/2014 o Chefe do Serviço de Finanças de ... reverteu, por despacho, contra os Oponentes o processo de execução fiscal n°..., ao abrigo do disposto no art.23° e art.24°, n°1, alínea b), ambos da LGT. [cfr. docs. a fls. 71-104 do processo de execução fiscal].

8. Os Oponentes foram citados da reversão da execução fiscal n°... nos termos das quais consta, como fundamentos da reversão:
"Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.23°,n°2, da LGT).
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo, art. 24°, nº1, alínea b), da LGT." (cfr.doc. a fls. 71-104 do processo de execução fiscal).

9. O Oponente M... é técnico oficial de contas desde 1990, tendo exercido funções na sociedade devedora originária até ao ano de 2001/2002. [vide motivação infra].

3.2. Mais ficou consignado, a título de «Factos não Provados» que «Os Oponentes J..., M..., J... e M..., assinaram uma declaração de alterações em sede de IVA referente à sociedade C... - Empresa de Formação Profissional, Lda» e que «não se tomou em consideração a demais matéria alegada por esta integrar factos inócuos para a decisão da causa ou não integrar factos mas antes meras conclusões, juízos de direito e considerações subjectivas».

3.3. Lê-se ainda na sentença recorrida, em sede de «Motivação da decisão de facto» que «O Tribunal formou a sua convicção, quanto aos factos provados, pela análise crítica efectuada dos documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal, supra referidos incluindo os despachos de reversão contra os Oponentes e as citações da reversão, os quais não foram impugnados, bem como das declarações de parte prestadas pelos Oponentes em audiência final. Não obstante as declarações de parte terem sido consonantes com as posições já assumidas na petição inicial, as mesmas contribuíram para uma adequada percepção da actividade desenvolvida pelos Oponentes na vida e dinâmica da sociedade devedora originária.
Deu-se como provado o facto inserto em 5. supra atenta a falta de impugnação da assinatura pelo Oponente, arts.374°, n°1 e 376º, n°1, ambos do Código Civil.
Deu-se como provado o facto inserto em 6. supra considerando as declarações de parte do Oponente M.... Efectivamente, este Oponente assumindo a sua qualidade de gerente da sociedade devedora originária disse ao Tribunal que a A... não reconheceu o crédito reclamado por aquela, deixando -a numa situação económica complicada após o ano de 2010.
Deu-se como provado o facto inserto em 9. supra considerando as declarações de parte do Oponente.
Quanto aos factos não provados, tal deveu-se à ausência de prova sobre os mesmos. Efectivamente, a declaração de alterações em sede de IVA referente à sociedade C... - Empresa de Formação Profissional, Lda., não se encontra assinada pelos Oponentes. Antes, consta da mesma o nome dos Oponentes e respectivos números de identificação fiscal. O preenchimento dos nomes é efectuado com a mesma caligrafia em todos eles, pelo que não é possível afirmar a assinatura dos diversos Oponentes


IV – Fundamentação de Direito

Como se alcança dos pontos I e II supra, o inconformismo dos Oponentes que não viram acolhida no julgado a sua pretensão assenta em duas ordens de razão essenciais. Por um lado, num alegado défice do probatório que evidencia claramente, em seu entender, um erro do julgamento de facto. Por outro, no erro de julgamento de direito, determinado por aquele défice de facto e revelador de uma inadequada subsunção jurídica, quer relativamente ao ónus de prova no que concerne à culpa na insuficiência patrimonial da devedora para solver os créditos exequendos, quer quanto à não verificação do fundamento invocado de existência de bens da devedora susceptíveis de, penhorados que sejam, assegurar o pagamento da dívida exequenda.

Considerando os vários fundamentos que sustentam o ataque dirigido à sentença, é manifesto que a primeira questão que este Tribunal Central deve enfrentar é a da alegada insuficiência do probatório uma vez que, assentando os Oponentes, no essencial, nesse erro a sua pretensão recursória, apenas a devida estabilização da matéria de facto nos permitirá, com segurança, decidir dos demais vícios arguidos.

Assim:

4.1. Relativamente ao erro de julgamento de facto por omissão no probatório de factos essenciais à boa decisão da causa - vício que se aprecia por ser evidente da conjugação das conclusões com as alegações deduzidas que os recorrentes cumpriram com o ónus que sobre si impendia no que respeita à identificação dos factos a integrar no probatório e aos concretos meios probatórios (documentos e depoimentos, incluindo passagens relevantes da gravação do seu depoimento) em que a peticionada integração factual deverá assentarcomecemos por salientar que, na petição inicial, como nos é revelado pela leitura dos artigos 4.º a 11.º, 19.º, 20.º (2ª parte) desse articulado, aduziram um conjunto de factos, que o Tribunal não incluiu nos factos provados, mais concretamente, que:


- A executada primitiva (C...) instaurou contra a A..., uma ação pedindo a condenação no pagamento do valor de: 170.022,30 euros + 65.925,30 euros + 23.861,98 euros, totalizando o valor de 278.948,67 euros, que correu os seus trâmites junto das Varas de Competência Mista do Funchal, sob o número ...1.1TCFUN;

- A referida associação foi condenada a pagar à primitiva executada as quantias de € 170.022,88 e de 65.925,30 euros;

- O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou aquela condenação, conforme acórdão que foi junto aos autos;

- A dívida da referida associação - A... – resultou de facturas e serviços prestados entre Dezembro de 2009 e Abril de 2010 e que foi por não ter havido essa liquidação que se verificou indisponibilidades para satisfação dos compromissos com terceiros e com a Administração Tributária;

- Aquando do tributo, o único cliente que a devedora originária tinha era a supra referida associação;

- A devedora originária comunicou a AT da existência do crédito, tendo solicitado a constituição de penhor do referido crédito;

- A executada originária, bem como seus gerentes fizeram tudo o que estava ao seu alcance para cumprir com as suas obrigações.
Tais factos, insiste-se, que não constam do probatório, e alegadamente pertinente, foram invocados, como decorre claramente da petição inicial, tendo em vista provar que a culpa pelo não pagamento dos impostos em questão não era imputável aos Oponentes e que a sociedade devedora originária possuía bens capazes de assegurar a dívida sendo desnecessário o recurso à reversão e ao património dos revertidos para esse efeito.

Em sede de julgamento o Tribunal a quo não deu nenhum desses factos – excluímos, obviamente, do objecto desta apreciação e da qualificação como facto a afirmação de que «A executada originária, bem como os gerentes fizeram tudo o que estava ao seu alcance para cumprir com as suas obrigações», uma vez que a mesma encerra uma conclusão que o Tribunal terá que extrair dos factos apurados e, como tal, de per si, insusceptível de ser integrada no probatório – como provados.

Para tanto, e como se vê da fundamentação aduzida na sentença, o Meritíssimo Juiz adiantou que essa matéria não era considerada por «integrar factos inócuos para a decisão da causa ou não integrar factos mas antes meras conclusões, juízos de direito e considerações subjectivas.».

Ora, salvo o devido respeito, este juízo, que fundamenta a não integração no probatório da referida factualidade não pode manter-se.

Desde logo, porque não podia ter deixado de se ter presente que os tributos cujos pagamentos foram omitidos pela devedora originária, no valor total de € 5.011,09, se reportam aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011 e que com os factos alegados – diminuição abrupta de clientes acompanhada de absoluta falta de pagamento dos serviços prestados pela devedora originária no valor de 170.022,88 euros e diligências realizadas tendentes a obter o pagamento e uma recuperação da sua situação económica – pretendiam os Oponentes provar que não foi por culpa sua que não proveram ao cumprimento das exigências fiscais que sobre si recaíam. Não devia, pois, o Tribunal concluir pela sua irrelevância ou inocuidade, muito menos que encerram meros juízos subjectivos ou se esgotam, globalmente considerados, em juízos de direito.

Depois, e partindo deste pressuposto, porque esses factos estão, efectivamente comprovados nos autos e são, segundo as várias soluções plausíveis de direito, susceptíveis de sustentar decisão de direito distinta da que foi proferida pelo Tribunal a quo deveriam ter sido integrados no probatório.

Neste enquadramento, este Tribunal Central acorda, julgando procedente nesta parte o recurso, em aditar ao probatório a seguinte factualidade:


9. No âmbito de uma acção intentada pela A... contra a C... (devedora originária), que correu termos nas Varas de Competência Mista do Funchal, sob o número ...1.1TCFUN, foi pela Ré deduzido, em reconvenção, designadamente, a condenação da Autora no pagamento dos valores de € 170.022,30 e de € 23.861,98 euros, acrescido de juros de mora (cfr. documento de fls. 215 a 229 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

10. No âmbito da acção supra identificada, o pedido formulado pela exequente, na parte referida em 9., foi julgado procedente (cfr. o mesmo documento já dado por reproduzido).

11. Interposto recurso jurisdicional da sentença referida em 10., veio o mesmo a ser julgado improcedente e mantida na íntegra a condenação da A... (cfr., documento de fls. 230 a 249 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente por reproduzido).

12. Os valores referidos em 10. reportam-se a serviços prestados pela devedora originária à A... e que deviam ter sido liquidados ente 2009 e 2010 (cfr. o mesmo documento e, ainda, documentos de fls. 104 a 109 dos presentes autos).

13. A A... constituía um cliente de dimensão económica considerável dentro do âmbito da actividade desenvolvida pela devedora originária (cfr., os contratos celebrados e constantes de fls. 104 a 109, depoimento das testemunhas e sentença e acórdãos supra referidos, proferidos no âmbito da acção n.º ...1.1TCFUN).

14. A devedora originária comunicou à Administração tributária a existência do crédito, tendo solicitado o penhor do mesmo (cfr. documento de fls. 63 a 66 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

4.2. Estabilizado o probatório, apreciemos agora a decisão de direito cuja bondade vem questionada.

Nesse sentido, começamos por deixar claro que, contrariamente ao que defendem os recorrentes, o Tribunal a quo não deu nem tinha que dar “por assente” – presume-se que esta terminologia foi utilizada pelos Oponentes no sentido de pressuposto jurídico de que deveria ter partido na apreciação e decisão que lhe era colocada – que é sobre a Administração Fiscal que recai o ónus de prova da culpa dos gerentes pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer os créditos tributários.

Na verdade, e como bem salientou o Meritíssimo Juiz, a questão do ónus da prova sobre a não verificação desse pressuposto – inexistência de culpa – tendo o despacho de reversão assentado no preceituado na al. b) do artigo 24.º da Lei Geral Tributária [que prescreve … “dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento, não é há longos anos objecto de discussão, antes sendo pacífico o entendimento que, face ao normativo citado, é aos gerentes/revertidos que incumbe alegar e provar os factos demonstrativos de que essa culpa não existe, ainda que, tendo em consideração que se trata da prova de um facto negativo, por natureza de acrescida dificuldade na sua comprovação, o julgador deva ter um maior cuidado na sua apreciação, isto é, atentar de forma conjugada em toda a prova produzida e lançar ainda mão, se o justificar a realidade concreta em apreço, dos dados colhidos da experiência que lhe permitam extrair ilações relevantes.
Em suma, tratando-se de dívidas enquadradas no âmbito dessa alínea, em que o facto ilícito se consubstancia na falta de pagamento da obrigação tributária (elemento objectivo) acompanhada duma actuação conducente à insuficiência do património da sociedade (elemento subjectivo) o legislador consagrou uma inversão do ónus da prova, isto é, a lei presume do incumprimento da obrigação que foi por acto culposo do gestor que o património da sociedade se tornou insuficiente para a satisfação da dívida, o que significa que, para que seja dado como provado que não foi por culpa sua que a falta de pagamento é exigível que o revertido alegue e prove factos de onde possa ser extraída essa irresponsabilidade ou, o mesmo é dizer-se, que essa falta de pagamento não lhe é culposamente imputável.

Regressemos agora aos factos apurados e à forma como foi sustentado o juízo de culpa, salientando que, como se colhe da sentença recorrida, esse juízo assentou desde logo numa conclusão, qual seja, a de que os Oponentes não lograram provar que a falta de pagamento não lhes é imputável, em termos de causalidade adequada.

Para demonstrar essa conclusão, adianta o Meritíssimo Juiz que se não provou que tenham tomado «quaisquer medidas em ordem a tentar inverter tal estado de coisas e a evitar o não pagamento das dívidas fiscais», uma vez que não alegaram, nem demonstraram que «tenham apresentado a sociedade devedora originária, a medida de recuperação ou insolvência (ao tempo a que se reportam as dívidas), como também lhes era exigível, dado que esta se traduz numa situação de impotência económica que se exterioriza tipicamente pela impossibilidade em que se encontra de cumprir as suas obrigações.

Reforçando ainda mais este seu entendimento, o Tribunal a quo expressa também que os Oponentes com sua conduta, na falta de qualquer causa de justificação ou de escusa, e sendo aferida pelos deveres que se lhe impunham como gerentes, não ilidiram a presunção de culpa que sobre si recaía, já que, «Em concreto, (…)nada disseram que possa ser atendido para efeitos de afastamento da presunção de culpa», ficando-se por «referências genéricas à falta de meios financeiros da sociedade devedora originária para pagar as dívidas tributárias e à existência de créditos desta sobre outras entidades, à crise internacional, a diminuição do número de alunos e a diminuição de fundos comunitários para a formação» que em «nada contribuem para afastar a culpa dos Oponentes.».

Discordamos, pelas razões de facto e direito que de seguida explicitamos.

É verdade, já o deixámos consignado, que a Lei Geral Tributária, no seu artigo 24.º, n.º 1, al. b) estabelece que «Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. "

É também verdade, como a própria sentença expende, que a responsabilidade subsidiária dos membros dos corpos sociais de pessoas colectivas, por dívidas fiscais, assenta na culpa dos respectivos agentes, podendo afirmar-se que do que aqui se trata é de uma responsabilidade subjectiva. E que a culpa traduz um juízo de censura em relação à actuação do agente: em face das circunstâncias concretas o agente podia e devia ter agido de outro modo.

E, por fim, relembremos mais uma vez, é igualmente verdade que nos termos em que essa culpa dos gerentes está legalmente pré-delimitada pela presunção estabelecida no referido preceito, aos gerentes não basta criar a dúvida quanto à sua responsabilidade, antes tendo que, sem margem para dúvidas, a comprovar.

Porém, e salvo o devido respeito, foi precisamente essa prova que os Oponentes e ora recorrentes lograram realizar, como o revelam os factos vertidos no probatório, especialmente os por nós aditados.

Efectivamente, estando em causa impostos relativos aos anos de 2008 a 2011 e tendo os recorrentes alegado que não lhes foi possível proceder ao pagamento do valor em dívida porque o seu único cliente no período a que se reportam os tributos em exigência lhes tinha deixado de pagar a retribuição dos serviços prestados, que em Tribunal tinham exigido esse pagamento, que judicialmente lhes havia sido reconhecido esse pagamento e que persistiam na cobrança desses valores, factos que, no essencial, provaram, não vemos como pode concluir-se que não foram alegados nem comprovados factos capazes de afastar um juízo de censura ou que acrescidos factos deveriam ter invocado para prova do pressuposto que lhe incumbia provar.

É certo que os demais factos, designadamente a crise económica e a diminuição de fundos comunitários para a formação, são factos genéricos, mas que não deixam de corresponder a uma realidade conhecida no contexto económico nacional e internacional, especialmente no período temporal considerado (2008 – 2011) e que, alegados que foram, não podem deixar de ser valorados enquanto contributo de prova realizado pelos Oponentes de afastamento da sua culpa.
Por último, e no que concerne à convocada «apresentação da devedora originária a insolvência» e à aparente crença de que este comportamento de parte dos gerentes é que seria o facto capaz de provar a inexistência de culpa, adiantamos que, se é certo que o dever de requerer a declaração da insolvência está previsto no artigo 18º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)» [De acordo com este normativo “o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 30 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no nº 1 do artigo 3º, ou à data em que devesse conhecê-la”], e que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. (artigo 3.º, n.º 1, do CIRE), esta medida constitui a última ratio, isto é, o resultado de uma situação de impossibilidade absoluta da empresa manter a sua actividade e de através dela, ainda que de forma mais dilatada no tempo e/ou com o acordo dos credores, cumprir as suas obrigações.

No caso concreto, dos autos nada se apurou nesse sentido, podendo apenas concluir-se, tão só, que poderá ter havido falta de habilidade na gestão da sociedade, só por si insuficiente para fundamentar a decisão de reversão por esta exigir «uma gestão que se traduza em factos ilícitos e violadores de normas concretas de protecção dos credores sociais.».(1)

Ora, no caso concreto nada disso ficou provado, tendo os Oponente alegado precisamente que a situação de insuficiência patrimonial que viveram naquele período de tempo foi gerada, no essencial e de forma relevante, pelo não pagamento dos serviços prestados a um cliente de relevo na dinâmica da actividade desenvolvida, tendo mesmo visto, por actuação desta, a sua actividade (certificado) suspenso, como decorre do teor da sentença e do acórdão que oportunamente aqueles juntaram aos autos.

Ou seja, os Oponentes alegaram e demonstraram que não há qualquer nexo de causalidade entre o incumprimento verificado, a insuficiência da devedora originária e a sua actuação, antes pelo contrário, que face a esse comportamento de terceiro que colocou em risco a sua actividade e sobre o qual detinha um crédito muitíssimo mais elevado que o valor em dívida, recorreram a Tribunal no sentido de o recuperar, o que, até então (data de instauração da acção) não lograram, não obstante o sobrevindo transito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, alcançar.

Tudo, pois, para que se conclua, que os Oponentes lograram provar que não foi por acção ou omissão do cumprimento dos seus deveres funcionais, tal como plasmados no artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais, que a devedora originária ficou numa situação de insuficiência patrimonial.

E, sendo assim, procede, nesta parte, o recurso interposto, ficando prejudicadas, no mais, as questões enunciadas no ponto II supra, incluindo a relativa à condenação em custas que, pela procedência deste e consequente revogação da sentença recorrida deverão ser suportadas integralmente pela Fazenda Pública.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, julgando procedente o recurso jurisdicional interposto pelos Oponentes J... e M..., em revogar a sentença recorrida e, em conformidade, anular o despacho de reversão que contra aqueles foi formulado e contra si extinta a execução.

Custas pela Fazenda Pública em 1ª e 2ª instância.

Registe e notifique.

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Lisboa, 9 de Fevereiro de 2017


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[Anabela Russo]

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[Lurdes Toscano]



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[Ana Pinhol]



(1) Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 10 de Outubro de 2013, proferido no processo n.º 257/11.1BEPNF, à luz de uma análise à alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral tributária mas cuja doutrina é aqui inteiramente aplicável, por se estar a decidir o que devia ter sido alegado e provado e não sobre quem recaía o ónus da prova.