Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06003/12
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/10/2015
Relator:BÁRBARA TAVARES TELES
Descritores:CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO; FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE REVERSÃO; AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Sumário:1. Contradição entre os fundamentos e a decisão; O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.

2. Um dos requisitos constitutivos do direito à reversão da execução fiscal é o exercício efectivo da gerência, o qual, se estiverem em causa situações susceptíveis de enquadramento na previsão das alíneas a) e b) do nº 1 do art. 24º da LGT, impõe a circunstanciada indicação do período do exercício do cargo: se na data da constituição das dívidas, se na data do pagamento ou entrega do respectivo tributo, se em ambos os períodos; Tais pressupostos têm de ser alegados/incorporados no despacho de reversão, com a obrigatoriedade de indicação das concretas normas legais em que o órgão da execução faz apoiar a responsabilidade subsidiária imputada ao revertido, para lhe permitir conhecer e questionar, atacando se necessário, os concretos pressupostos determinantes da reversão da execução contra si, habilitando-o a reagir eficazmente, pelas vias legais, contra a lesividade do acto caso com ele não se conforme;

3.Da ampliação do objecto do recurso.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.RELATÓRIO
António ……………, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou totalmente improcedente a oposição referente ao processo executivo …………… e parcialmente procedente a oposição referente ao processo executivo nº …………….. e, em consequência desta, determinou a extinção da execução na parte revertida contra o Recorrente referente à Coima e, no demais, a determinou o prosseguimento da execução,
veio dela interpor o presente recurso jurisdicional terminando as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
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“CONCLUSÕES E NORMAS VIOLADAS:

A) O acto administrativo da Reversão, como, aliás, concluiu a douta sentença recorrida, não se mostra fundamentado, pelo que, contrariamente ao decidido, deveria ter sido anulado, por sofrer do vício da falta de fundamentação, nos termos do disposto nos artºs 124º e 125º do CPA, 268º/3 da CRP e 23º/4 e 77º da LGT.

Com efeito,

B) Não basta o despacho de Reversão remeter para os preceitos legais, como se fez, impondo-se a explicitação dos fundamentos materiais da Reversão, o que “in casu” não sucedeu.

C). Quer a Administração Tributária (AT), quer a sentença recorrida, nenhuma imputação concreta apontam que comprove a actuação culposa do Recorrente, sendo certo que era à AT que incumbia fazer tal prova, em conformidade com o disposto no artº24º/ al.a) da LGT.

D). Sem prescindir, ainda que se entendesse que sobre o Recorrente recaía a presunção de culpa, o que não se concede, o mesmo, com a prova produzida, deixou demonstrado que a sua actuação não foi culposa e que o incumprimento por parte da devedora principal não derivou de qualquer acto culposo ou negligente a si imputável.

E). Nenhum facto concreto é imputado ao Recorrente na sentença recorrida, e da prova produzida, analisada de forma crítica e criteriosa, resulta o contrário, padecendo a sentença sob censura também do vício de falta de fundamentação, como resulta do que consta do ponto “ II.3-Motivação” a pág.s 8 e 9.

F). Acresce que a sentença recorrida padece da nulidade decorrente da contradição entre os fundamentos e a decisão (cfr. artº668º/1 al.c) do CPC) reconhecendo que o despacho de Reversão é ilegal (pág.13). Ora, a consequência da ilegalidade é a anulação.

G). A sentença recorrida viola as disposições legais constantes dos artºs 2º, 135º, 136º do CPA e 24º da LGT.

Nestes termos e mais de direito, revogando a sentença recorrida e dando provimento à oposição, V. Excelências, farão JUSTIÇA”


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A Recorrida apresentou contra-alegações concluindo da seguinte forma:

“9º
Conclusões
Por todo o exposto e sempre confiando no douto suprimento de v. ex.ªs,
Deve ser negado provimento ao recurso ou, a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação num caso e prevenindo a hipótese de procedência das questões pelo recorrente no outro caso, ser dado provimento à recorrida nas questões suscitadas em 3º e 4º das presentes alegações em ampliação do âmbito do recurso.”
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Neste Tribunal, a Digna Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer, defendendo a improcedência do recurso, por entender que a decisão não merece censura.
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Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pela Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
As questões suscitadas pelo Recorrente consistem em apreciar se a sentença a quo, padece de nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, e de erro de julgamento de facto e de direito.
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II.FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
“II. 1- DOS FACTOS PROVADOS
Compulsados os autos e analisada a prova documental e testemunhal apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão:

1.Em 29/05/1984, a empresa Guilhermes ………………., Lda. foi constituída por escritura pública registada na Conservatória do Registo Comercial de ……………….., com capital social de Esc. 400.000$00, tendo por objeto social a indústria de construção civil e obras públicas e camarárias – cfr. fls. 77 dos presentes autos;

2.Desde 01/04/92, encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial a aquisição de uma quota de Esc. 100.000$00 e outra de Esc. 100.000$00, tendo-se procedido à unificação das duas numa de Esc. 200.000$00, a favor de António ……………………. Na mesma data, Lídia …………………., renúncia à gerência – cfr. fls. 78 presentes autos;

3.Na mesma data, referida em 2, a empresa Guilhermes ………………, Lda. procede à alteração do contrato de sociedade, com reforço do capital social no valor de Esc. 9.600.000$00, para Esc. 10.000.000$00, subscrito pelos sócios, António ……………….. (Esc. 5.000.000$00) e João ………………… (Esc. 4.000.000$00). Ambos os sócios são nomeados gerentes, sendo suficiente a assinatura de qualquer um deles para obrigar a sociedade – cfr. fls. 80 dos presentes autos;

4.Em 18/09/96, é alterado parcialmente o pacto social, encontrando-se o capital social dividido em duas quotas, uma de Esc. 8.750.000$00 pertencente a António …………………, e outra de Esc. 1.250.000$00, pertencente à sócia Maria …………………….. A gerência passa a pertencer a ambos os sócios, sendo suficiente a assinatura de qualquer um deles para obrigar a sociedade - cfr. fls. 81 dos presentes autos;

5. Em 18/09/96, é registada a cessação de funções do gerente João ……………………. - cfr. fls. 81 dos presentes autos;

6. O oponente era sócio-gerente e TOC da “Guilhermes ……………….., Lda., entregou a declaração mod. 22 de IRC/2005 em branco e não procedeu à entrega da declaração referente ao exercício de 2004; a última declaração anual de informação contabilística e fiscal, entregue, reporta-se a 2003 – cfr. fls.147 dos presentes autos;

7. Em 19/01/2005, é iniciada inspeção externa, no âmbito de IRC e IVA, à “Guilhermes ………………….., Lda., fiscalização motivada pela falta de entrega das declarações periódicas de IVA e de IRC dos exercícios de 2002 e 2003, tendo sido efetuadas correções, em sede de IRC e de IVA, para os exercícios de 2002 e 2003 – cfr. fls. 188 dos presentes autos;

8. A “Guilhermes ……………………, Lda., veio a regularizar a situação de falta de entrega declarações mod. 22 de IRC de 2002 e 2003, em 23/02/2005 e 16/02/2005, respectivamente. - cfr. fls. 197 dos presentes autos;

9. Durante a ação de inspeção procedeu também à entrega das declarações anuais de 2002 e 2003, em 29/02/2005 e, em 20/04/2005, respectivamente – cfr. fls. 197 dos presentes autos;

10. Em 30/06/2006, o Administrador de Insolvência procedeu à cessação de atividade da “Guilhermes …………………., Lda.” para efeitos de IVA e IRC, tendo vindo a comunicar esse facto, pessoalmente, ao TOC/Oponente - cfr. fls.148 dos presentes autos;

11. Em 12/07/2006, é registada a insolvência da sociedade “ Declarada insolvente por sentença de 10/07/2006 preferido pelas 12.00 horas pelo Tribunal Judicial de ………………” - cfr. fls. 82 e 161 e 165 dos presentes autos;

12. Após a declaração de insolvência, os gerentes foram notificados com a finalidade de ser efetuado o arrolamento dos bens e elementos de escrita da insolvente, contudo tal não se veio a verificar uma vez que não responderam ao Administrador de Insolvência – cfr. fls. 145 dos presentes autos;

13. A única informação contabilística completa fornecida pela empresa “Guilhermes …………….., Lda., reporta-se ao exercício de 2003, sendo certo que a demonstração de resultados de 2003 evidencia, um total de proveitos no valor de € 377.107,01 e, um resultado liquido do exercício no valor de € 135.311,26 – cfr. fls. 149 dos presentes autos;

14. Do balanço de 2003, resulta o valor de € 721.295,74 de Imobilizado - cfr. fls. 150 dos presentes autos;

15. A empresa “Guilhermes ……………., Lda., em 2003, não contabiliza Dividas de Terceiros de médio e longo prazo, mas apenas Dívidas de Terceiros de Curto Prazo no valor de € 1.301.359,34 – cfr. fls. 150 dos presentes autos;

16. Em 2003, contabiliza em Depósitos Bancários/Caixa o montante de € 150.487,98 – cfr. fls. 150 dos presentes autos;

17. No Passivo, em 2003, contabiliza Dividas da empresa a Terceiros, a curto prazo, no valor de € 951.701,48 – cfr. fls. 150 dos presentes autos;

18. O relatório do Administrador da Insolvência conclui que “ (…) para o exercício de 2003, as dívidas de terceiros apresentavam um saldo muito elevado, quando comparado com o volume de negócios daquele exercício (Dividas de Terceiros: € 1.301.359,34; volume de negócios: € 377.107,01) (…) analisado o gráfico decorrente do Ativo, Capital Próprio e Passivo, a empresa não se encontrava em situação de insolvência “ - cfr. fls. 150 e 151 dos presentes autos;

19. Para a qualificação da insolvência refere o Relatório do Administrador Insolvência “ (…) o processamento da contabilidade de 2004 é fulcral para se aperceber o que se passou com a empresa. Pois em 31/12/2003, tinha de créditos sobre terceiros € 1.301.359,34 e de dívidas a terceiros € 951.701,48, para além do imobilizado e dos valores em Caixa/DO de € 150.467,98 (…) por outro lado, foram efetuadas escrituras em 2004, nomeadamente ao prédio sob descrição 938-B. Esclarecimento sobre as transações dos prédios 937-A e 939 –C. Correspondência das áreas dos prédios 648 e 649 Lameiras vendidos em 2002 como lotes M2 e M3, face às áreas indicadas aquando da desanexação do prédio 936. Pelo exposto, a insolvência da “Guilhermes …………………., Lda.”, presume-se culposa, nos termos do nº 3 do art. 186º do CIRE, afeta aos sócios gerentes (…)” - cfr. fls. 154 e 155 dos presentes autos;

20. Em 21/08/2006, o Chefe do Serviço de Finanças de F………………., profere o despacho de reversão, que se dá aqui como integralmente reproduzido, que refere, resumidamente “ Face às diligências de fls. 8 a 14 e estando concretizada a audição do responsável subsidiário, prossiga-se com a reversão contra António ………………… (…) ” - cfr. fls. 45 dos presentes autos;

21. Em 22/08/2006, o oponente assina o aviso de recepção a que se refere a citação (reversão) emitida pelo ofício nº 674, do Serviço de Finanças de ……………., para em trinta dias o oponente vir pagar a quantia exequenda de € 69.096,49, referente ao processo de execução fiscal nº ……………………. e apensos, relativo a IVA e IRC de 2002 e 2003 e IMI de 2005 – cfr. fls. 35 e 36 dos presentes autos;

22. Em 22/08/2006, através do ofício nº 693 é emitida a citação (Reversão) para, em 30 dias, o oponente vir ao processo executivo nº …………………… e apensos, pagar as dívidas de IRC, IVA, IMI e Coimas dos anos de ano de 2003, 2004 e 2005, no valor de € 74.396,86 – cfr. fls. 99 a 102 dos presentes autos;

23. Em ambas as citações, o Despacho de Reversão no quadro “Fundamentos da Reversão”, é referido “ art. 13º do CPT, art. 153º, nº 2 a) do CPPT e art. 24º da LGT, art. 8º do RGIT “- cfr. fls. 99 dos presentes autos;

24. Desde 1992, quem aparece no giro comercial da empresa é Manuel ………………….., é ele quem fala com os clientes, contacta com fornecedores, quem leva os automóveis a reparar e abastecer de combustível. É ele o gerente de facto da “Guilhermes ……………………, Lda.”, não sendo vista, em qualquer ocasião da vida comercial da empresa, a sua mulher Maria ………………… – cfr. depoimento das testemunhas Manuel ……………………..; Victor ……………………….. e João ……………………………

II. 2- DOS FACTOS NÃO PROVADOS:

Não existem factos relevantes para a decisão que importe destacar como não provados.

II. 3- MOTIVAÇÃO

A convicção do tribunal formou-se com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas, expressamente referidos no probatório supra.

Manuel …………………….., era fornecedor da “Guilhermes …………….., Lda., referiu que era sempre o António …………. quem aparecia e negociava as condições de vários contratos, procedia ao respectivo pagamento, assegurando portanto que a esposa, Maria …………………., em fase alguma, apareceu como gerente da empresa.

Victor …………………., empregado bancário da Caixa ……………………, garantiu que quem aparecia na instituição bancária e tratava dos depósitos e pagamentos foi sempre o António …………., desconhecendo ou, não se recordando, se os cheques ou outros documentos apresentados ao banco se encontravam assinados pela Maria ………………..

João ……………………, era fornecedor de gasóleo e possuía oficina de reparação de automóveis, sendo a sua empresa a fornecedora de gasóleo da “Guilhermes ………………….., Lda., e onde a mesma depositava os seus veículos para reparação.

Assegurou que os negócios eram tratados com o António .………., não tendo em fase alguma, negociado ou tratado o que fosse com Maria ………….., pelo que considera que o único gerente de facto da empresa era o António ………………...

Todas as testemunhas referiram que o oponente, era pessoa que gostava de pagar as suas contas a tempo e horas e que a empresa ficou insolvente por motivo de uns clientes da “Guilhermes ……………………., Lda., do Porto que nunca vieram a pagar, deixando a empresa em situação muito complicada.

Porém, nenhuma das testemunhas conseguiu identificar quer o nome da empresa ou empresas do Porto, nem concretamente, a morada das mesmas. Neste âmbito, os seus depoimentos foram vagos e bastante imprecisos e portanto pouco conclusivos.

Por outro lado, a prova documental, nomeadamente, o Relatório do Administrador da Insolvência, é bastante assertivo tocando em questões, como a falta de colaboração do oponente para esclarecer o passivo da empresa, concluindo que não houve qualquer esclarecimento, de António ………………………., sobre quais os bens que fazem parte do imobilizado e aqueles que foram vendidos entre 2000 e 2004.

No resto, os depoimentos das testemunhas foram credíveis, não só pela argumentação que se manifestou dentro de uma linha factual homogénea traçada pelas mesmas, a qual é reforçada pela prova documental existente nos autos.


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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para a questão que nos vem colocada.

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II.2. Do Direito

Antes de mais, o que importa averiguar é se a sentença a quo enferma de nulidade, por contradição entre os fundamentos e a decisão, por ter reconhecido que o despacho de reversão é ilegal e, no decidido, não ter daí retirado como consequência a sua anulação.

A respeito da alegada falta de fundamentação do despacho de reversão a decisão a quo entendeu o seguinte:

“Ora, do probatório resulta que por despacho de 21/08/2006, a execução referida foi revertida contra o ora oponente, sendo que, desse despacho consta a enunciação de normas legais.

É em face desta fundamentação com a ausência de enunciação dos pressupostos de facto ou qualquer outra referência, mas apenas a normas e diplomas legislativos, que cumpre aferir da suficiência da fundamentação do despacho de reversão.

Afigura-se-nos ser aquele ilegal por não se encontrar devidamente fundamentado considerando o disposto nos arts. 268.°, n.º 3, da CRP e 23º, nº 4 e 77º, ambos da Lei Geral Tributária.

Porém, a verdade é que a oponente não teve dificuldade nenhuma em se defender, alegando além do mais, não ter culpa quanto à insuficiência de bens da originária devedora para solver os créditos tributários.

Ora, também se tem entendido que «Demonstrado no procedimento administrativo e pela análise dos termos da ação administrativa especial de impugnação de ato que o destinatário do mesmo o conheceu e compreendeu na sua integralidade, apercebendo-se e captando o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo seu autor, não ocorre ilegalidade por falta de fundamentação». (Ac do TCN n.º 00206/08.4BEPNF, de 16-12-2010) Da petição inicial resulta que a oponente captou o itinerário cognoscitivo seguido pela AF, pelo que não releva a falta de fundamentação do despacho de reversão.

Por outro lado, o despacho de reversão obedeceu ao pressuposto da efetiva verificação da inexistência ou fundada insuficiência do património do originário devedor, uma vez que a AF fez diligências no sentido de apurar bens da originária devedora, pelo que encontravam-se verificados os pressupostos para a reversão, nos termos do disposto no art. 23º da LGT.”

No decidido consta:

Julgo parcialmente procedente a oposição, nos seguintes termos:
a).Improcede totalmente a oposição referente ao processo executivo com o nº ………………… e apensos, relativo a IVA e IRC de 2002 e 2003 e IMI de 2005;
b).Procede parcialmente a oposição quanto ao processo de execução fiscal nº ……………………., pelo que determino a extinção da execução na parte” revertida contra o oponente referente à coima no valor de € 11.140,78, no mais deverá a execução prosseguir os seus trâmites posteriores.

Por sua vez o Recorrente nas suas conclusões de recurso invoca que a sentença recorrida padece da nulidade decorrente da contradição entre os fundamentos e a decisão (cfr. artº668º/1 al.c) do CPC) reconhecendo que o despacho de Reversão é ilegal (pág.13). Ora, a consequência da ilegalidade é a anulação.”

Mas não tem razão, senão vejamos.

Nos termos do preceituado art.615º, nº.1, al. c), do CPC actualmente em vigor e anterior 668º nº1 al. c), é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no art.154, nº.1, do CPC. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada.
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do CPPT. Mais se dirá que não ocorre esta nulidade quando a alegada contradição for entre os fundamentos de facto da decisão ou, por outras palavras, quando se tenham dado como assentes factos incompatíveis entre si.

Posto isto, e analisando o caso em concreto, o que verifica é que a Mm.a Juiz a quo ao fazer o seu percurso de raciocínio afigurou-se-lhe, numa primeira analise meramente formal, que o despacho de reversão poderia não estar fundamentado. No entanto, mais adiante e continuando a exposição do seu raciocínio vem a concluir, numa segunda etapa da sequência logica, que o mesmo não padece de tal vício, sendo esta a conclusão final da sua exposição feita a este propósito e que deve valer para efeitos de eventual contradição com o decidido. Ora, tendo o itinerário lógico da análise do vício de falta de fundamentação terminado com a improcedência de tal vício, e tendo a decisão sido no sentido da improcedência da oposição, à excepção da questão das Coimas cuja razão da procedência é outra, conclui-se que a sentença em análise não padece de nulidade.


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Importa agora analisar se a decisão da 1ª instância errou ao concluir, e decidir, que o despacho de fundamentação que consta do probatório, se mostra suficientemente fundamentado.

Então vejamos:

A este propósito o STA pronunciou-se em termos que aqui vamos seguir, por se tratar de análise com a qual concordamos e cuja aplicação aqui se justifica inteiramente. Com efeito, escreveu-se no acórdão de 29/10/14, no processo nº 0925/13 o seguinte:

“(…) não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do art. 23.º da LGT) e que este despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (art. 268.º n.º 3 da CRP; arts. 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, LGT). E sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts. 23.º n.º 4 e 24.º n.º 1, da LGT) a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (art. 23.º n.º 2 da LGT; art. 153.º n.º 2 do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega (art. 24.º n.º 1 da LGT), então o despacho de reversão, enquanto acto administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (nº 1 do art. 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração daqueles pressupostos e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art. 23º nº 4 LGT). Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no acórdão do Pleno desta Secção do STA, proferido em 16/10/13, 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» (cfr., igualmente, os acórdãos desta Secção do STA, de 31/10/2012, proc. nº 580/12 e de 23/1/2013, proc. nº 953/12). (…)”.

Recuperando, agora, o caso concreto, temos que no despacho de reversão, referido na alínea 22 do probatório, consta apenas o seguinte:

“FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Artº 13º CPT, Artº 153, nº2, a) CPPT e Artº 24º LGT e Art. 8º do RGIT.”

É inquestionável que a Administração tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou legítimos interesses dos administrados, em harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 124º do CPA e 77º da LGT. E como a doutrina e a jurisprudência têm vindo exaustivamente a repetir, a fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.
Assim, a fundamentação deve ser entendida como a obrigação de enunciar expressamente (de modo directo ou por remissão) os motivos de facto e de direito que determinaram o agente ou órgão decisor, esclarecendo o seu destinatário das razões que o motivaram e do porquê do sentido decisório, visando proporcionar ao administrado o conhecimento do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto.
Deste modo, o acto só estará fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o artigo 487º, nº 2, do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação.

No caso presente, face ao teor da fundamentação supra descrita, não emerge clara e expressamente do teor do despacho de reversão supra transcrito a título se responsabiliza o Recorrente pelo pagamento das dívidas exequendas. Se na qualidade de «administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas …»; se por (i) «Ter sido feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período de exercício do cargo»; por (ii) «Ter sida feita prova da culpa destes pela insuficiência do património da pessoa colectiva e entidades fiscalmente equiparadas para o pagamento, quando o prazo legal de pagamento/entrega terminou depois do exercício do cargo»; ou ainda por (iii) «Não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da divida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo».

Tal fundamentação apenas refere o artigo 24º da LGT e 13º do CPT e 8º RGIT que versam todos eles sobre a responsabilidade subsidiária.
É, assim, inequívoco que o despacho de reversão se fundamenta simultaneamente nas várias normas contidas nos enunciados preceitos legais, pese embora cada uma delas tenha um âmbito de aplicação próprio e específico: enquanto a norma da alínea a) se aplica aos casos em que as dívidas se constituíram no período de exercício do cargo de gerente mas foram postas à cobrança depois da cessão dessas funções ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício, já a norma da alínea aplica-se aos casos em que o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tenha terminado no período de exercício do cargo.
E as implicações da imputação da responsabilidade por cada uma dessas normas são legalmente relevantes, tendo em conta a bipartição de regimes quanto à repartição do ónus da prova: enquanto na alínea a) não se prevê qualquer presunção de culpa do gerente da sociedade, ficando, por isso, a cargo da Fazenda Pública o ónus de provar que foi por culpa daquele que o património social se tornou insuficiente para satisfação das dívidas, já na alínea b) se onera o responsável subsidiário com a prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento.

O que significa que, no caso, e face ao teor do despacho de reversão, não se sabe qual delas determinou a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, ora recorrido, isto é, não se sabe se recaía sobre este o ónus de prova de que não tinha tido culpa na insuficiência dos bens da executada originária para pagamento das dívidas tributárias ou se esse ónus de prova recaía sobre a administração tributária.
E essa imputação também não se extrai do restante contexto fundamentador do despacho de reversão que é totalmente inexistente, porque dele não consta, ainda que por mera remissão, o período em que o revertido exerceu a gerência da sociedade devedora originária – se no período da constituição das dívidas, se no período do pagamento ou entrega do tributo, se em ambos os períodos.
Ora, como se sabe, um dos requisitos constitutivos do direito à reversão é o exercício efectivo da gerência, o qual, se estiverem em causa situações susceptíveis de enquadramento na previsão do nº 1 do art. 24º da LGT e art. 8º do RGIT, impõe a circunstanciada indicação do período do exercício do cargo: se na data da constituição das dívidas, se na data do pagamento ou entrega do respectivo tributo, se em ambos os períodos.
Tais pressupostos têm de ser alegados/incorporados no despacho de reversão, com a obrigatoriedade de indicação das concretas normas legais em que o órgão da execução faz apoiar a responsabilidade subsidiária imputada ao revertido, para lhe permitir conhecer e questionar, atacando se necessário, os concretos pressupostos determinantes da reversão da execução contra si, habilitando-o a reagir eficazmente, pelas vias legais, contra a lesividade do acto caso com a mesma não se conforme.

Neste contexto, e tendo em conta a ausência de indicação do período de exercício do cargo pelo revertido, conclui-se pela falta de fundamentação do despacho que determinou a reversão contra o Recorrente por se desconhecer “a que título lhe é imputável a culpa, porquanto o despacho de reversão reproduz todo o artigo 24º da LGT e 8º do RGIT sem subsumir a situação do revertido numa das suas alíneas.
Neste sentido veja-se, entre outros, o douto acórdão do STA nº 0954/13, de 09/04/2014.

Ora, a sentença recorrida reconhece esta insuficiente fundamentação mas conclui, como vimos supra a propósito da invocada nulidade, que “não releva a falta de fundamentação do despacho de reversão, (...) uma vez que da petição inicial resulta que a oponente captou o itinerário cognoscitivo seguido pela AF.”
No entanto a Mm.a Juiz a quo errou no seu julgamento.
Da leitura da pi resulta claro que toda a sua argumentação vai no sentido da falta de fundamentação do despacho de reversão, versando sobre este assunto os artigos 1 a 17.
Apenas no final do articulado o Recorrente diz o seguinte:
“Se assim se não entender, o que não concedendo só por mera cautela de patrocínio se admite, então, embora com dúvidas e reserva resultante da inexistente fundamentação da reversão”, e termina dedicando 3 artigos à sua ilegitimidade para a reversão.
Do que vem dito na pi resulta claro que a falta de fundamentação não pode estar sanada pelo simples facto de o Recorrente, por mera cautela e sempre com as dúvidas e reservas que a falta de fundamentação lhe suscita, ter dedicado a sua parte final alguns artigos a afastar a sua culpa na insuficiência do património da sociedade executada originária.
Face ao exposto, resta concluir que pese embora o recorrente não ter alcançado, contrariamente ao decidido em 1º instância, o itinerário cognoscitivo seguido pela AT para a reversão das dívidas tributárias em crise, apenas por mero dever de patrocínio abordou a questão da culpa.

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Da ampliação do objecto do recurso.

Veio a Recorrida nas suas contra-alegações requerer a ampliação do objecto do recurso por entender que merecem provimento as questões por si suscitadas nos pontos 3º e 4º das presentes alegações, invocando para tal o art. 684º - A nº 1 e 2º do CPC, respectivamente.
Nos termos do artigo 684º-A nº 1 e 2 do CPC, em vigor à data:
1. No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2. Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre os pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por ele suscitadas.”

Posto isto, avancemos:
Como resulta do ponto 3º das alegações a Recorrida vem, nos termos do nº 1 do supra citado artigo 684-A, requerer que “ (…) a titulo subsidiário e prevenindo a necessidade da sua apreciação, deverá ser reconhecido pelo tribunal ad quem que o despacho de reversão, que é o culminar do iter procedimental levado a cabo pelo órgão de execução fiscal na sua busca dos factos e recolha da respectiva prova documental dos mesmos para apreensão do comportamento fiscal da originária devedora e respectivos gerentes – sendo o ora recorrente gerente e técnico oficial de contas (e sócio) da devedora originária, - se encontra devidamente fundamentado, de facto e de direito.” (destaque nosso)
Ora, uma vez que a falta de fundamentação do despacho de reversão foi já objecto de apreciação no presente recurso, fica assim prejudicada o conhecimento do pedido ampliação do objecto do recurso nesta parte.

Do teor do ponto 4º das alegações resulta que a Recorrida, sustentando-se no nº 2 do citado artigo, vem impugnar a douta sentença proferida uma vez que na sua contestação suscitou a excepção dilatória inominada, arguindo que estando na presença de dois processos de execução fiscal distintos em que o oponente, aqui Recorrente, foi citado, não pode servir-se agora de uma única pi para deduzir oposição
Termina a sua alegação dizendo que “(…) a Fazenda publica vem, a título subsidiário, impugnar a douta decisão proferida nesta matéria uma vez que, ao não atender a fundamentação da fazenda violou o artigo 179º do CPPT e os artigos 234º -A/1, 288/1 alinea e), 439/1 e 2, 495 e 660/1, todos do CPC.

Da leitura da alegação aqui em causa resulta óbvio que apesar da Recorrida ter sustentado a presente ampliação no nº 2 do citado artigo (arguição de nulidade da sentença ou na impugnação da decisão proferida sobre os pontos determinados da matéria de facto) a verdade é que não o fez, limitando-se na sua alegação a discordar com a sentença por esta não ter atendido à sua fundamentação na apreciação da invocada excepção. Conclui-se assim que mais este pedido estará votado ao insucesso.
No entanto, sempre se dirá que andou a sentença a quo quando a este respeito decidiu que:
“porque nenhum prejuízo se descortina que resulta para as partes com a dedução da presente oposição interposta contra duas execuções ficais que não se encontram apensadas, mas que mantem os mesmos executados e exequente, em que a causa de pedir e o pedido são idênticos, ao invés de decretar, nesta fase, a absolvição da instancia, por uma questão de economia processual, e considera o art. 288º, nº 3 do CPC, ex vi art. 2º do CPPT, passaremos a verificar o mérito do pedido (…)”
De facto, face aos princípios do pro actione e da economia processual e face ao plasmado no artigo 288º nº 3 do CPC, nada obsta, no caso em concreto, a que, no momento da apreciação da excepção, se conheça o mérito da causa como fez a Mm.a Juíza.


III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença na parte recorrida e julgar procedente a oposição, nessa parte, com a consequente anulação do despacho de reversão".
Lisboa, 10 de Julho de 2015.

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(Barbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)
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(Anabela Russo)