Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:571/08.3BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2020
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:SEGURANÇA SOCIAL – NATUREZA DAS DÍVIDAS
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA – NOTIFICAÇÃO
PROCESSO DE AVERIGUAÇÕES
INEXIGIBILIDADE DA DÍVIDA
Sumário:I – As contribuições para a Segurança Social são consideradas, à luz do actual quadro legislativo, como impostos.
II – A liquidação de contribuições para Segurança Social pode ser oficiosa e resultar da iniciativa da Administração, em suprimento das obrigações dos contribuintes.
III – A inscrição e a declaração de remunerações, bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem uma verificação constitutiva da existência daquela obrigação contributiva, e assumem, por isso, a natureza de uma verdadeira liquidação.
IV – No caso, não estando demonstrada a notificação para pagamento voluntário da obrigação contributiva apurada, tal há-de constituir fundamento válido de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, uma vez que a cobrança coerciva só é possível desde que demonstrada a impossibilidade da cobrança voluntária.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

C..., Montagens e Reparações Industriais, Lda., inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou improcedente a oposição deduzida contra a execução fiscal n.º1... e apensos, instaurada pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), por dívidas provenientes de contribuições e cotizações relativas ao período de Janeiro de 2004 a Dezembro de 2006, Abril e Maio de 2007, no valor de € 451.729,26 e acrescidos, no montante de €159.808,22, dela veio recorrer.

Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:


*

A Recorrida, Segurança Social, veio oferecer as suas contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1. O recorrente e o mandatário foram notificados, para efeitos do artigo 208º nº 2 do CPPT, do resultado da reanálise da conta corrente, ou seja, que as declarações de remunerações que deram origem ao débito participado em sede de processo de execução fiscal, entraram em conta corrente, em 2007-06-22, 2007- 07-17, 2007-10-19, 2007-12-13 e 2007-12-14.

2. A declaração de situação contributiva regularizada, emitida pela entidade credora, em 12 de outubro de 2007, não constitui instrumento de quitação de dívida de cotizações, contribuições e juros de mora.

3. Os mapas de apuramento de remunerações referentes aos anos de 2004,2005 e 2006,foram notificados ao recorrente juntamente com a notificação para o exercício de audiência prévia, tendo sido efetuada a liquidação dos tributos a serem entregues ao Estado, em conformidade com o estatuído no artigo 36º do CPPT e no artigo 77º nº6 da LGT.

4. A notificação da decisão, o mapa de apuramento de remunerações, respeitantes aos anos de 2004 a 2006, bem como aos valores de liquidação apurados, foi validamente efetuada, como ficou demonstrado nos autos, não se verificando assim a alegada caducidade do direito de liquidação.

5. Termos em que, deverá manter-se a douta sentença recorrida que julgou improcedente a oposição.

Nestes termos e nos melhores de direito, deverão V. Exas negar provimento ao recurso, assim fazendo a costumada Justiça!


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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

Consideram-se documentalmente provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:

1. Em 4/6/2007, no âmbito do Processo de Averiguações 1545/2005, o Instituto da Segurança Social, I.P. (ISS, I.P.) Serviços de Fiscalização do Norte enviou à oponente por carta postal registada com aviso de recepção, o ofício constante de fls. 55 a 58 e o anexo “MAPA DE REMUNERAÇÕES constante de fls. 68 a 96, dos quais consta a identificação do trabalhador, o ano, os meses, as remunerações em falta a taxa aplicável e as respectivas contribuições falta, com o assunto “ Regularização de Contribuições à Segurança Social EE: C... Montagens Reparações Industriais, Lda. NISS 2... NIF 5....” cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta em síntese o seguinte:

“ (…)

No âmbito do processo de Averiguações n° 1545/2005, instaurado à Entidade Empregadora “C... Montagens e Reparações Industriais, Lda.", constatou-se a existência de remunerações não declaradas por V. Exas. à Segurança Social, referentes ao período de Janeiro de 2004 a Dezembro de 2006, a que correspondem omissões nas contribuições devidas, no valor de € 826 227,10, conforme cópias dos Mapas de Apuramento que se anexam e se dão como integralmente reproduzidos.

As citadas Omissões estão relacionadas com verbas pagas aos trabalhadores da empresa (indicados nos Mapas de Apuramento anexos), nos anos de 2004, 2005 e 2006, a título de Ajudas de Custo, as quais consideramos serem verdadeiras remunerações que, de acordo com o art 1º e 2º do DR n.º 12/83, de 12 de Fevereiro, são passíveis de descontos para a Segurança Social.

Assim, nas averiguações efectuadas, foram analisados os contratos de trabalho celebrados entre a empresa e os seus trabalhadores tendo-se detectado as seguintes Irregularidades:

(…)

Assim, notifica-se V. Exas de que serão elaboradas, as correspondentes Declarações de Remunerações com os elementos em falta, ao abrigo do artigo 33.° do D.L. n.º 8-B/2002, de 15 de Janeiro, se, findo o prazo de 10 dias úteis a contar da data da recepção deste ofício, não der entrada, nestes Serviços, resposta por escrito, devidamente fundamentada, que possa obstar ou alterar o sentido provável da decisão ora notificada, ou prova da entrega, nos termos regulamentares, das Declarações c e Remunerações em consonância com os Mapas de Apuramento agora remetidos.

Nesse mesmo período, poderá consultar este processo nos nossos serviços, durante as horas normais de expediente (9.00h-12.00b, 14,00h-16.30h).

(…)”

2. Em 7/6/2008, a Oponente recepcionou o aviso de recepção que acompanhou o ofício descrito no ponto que antecede (cf. AR assinado a fls. 59 dos autos).

3. Em 22/6/2007, a Oponente pronunciou-se em sede de audição prévia, nos termos constantes de fls. 61 a 63 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

4. Em 24/7/2007, a oponente recepcionou o aviso de recepção que acompanhou o envio postal do oficio emitido ISS, I.P., constante de fls. 64 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com o assunto: “Falta de Declarações de Remunerações EE: C... Montagens Reparações Industriais, Lda. NISS 2... NIF 5....” do qual consta o seguinte (cf. registo e AR a fls. 65 e 66 dos autos):

“ (…)

Relativamente ao Processo de Averiguações acima identificado, informa-se V. Exa (s) do seguinte:

Em virtude de, na resposta n.º 0196-RM/DC, de 2007.06.22 à notificação n.º 503606, de 2007.06.05, não constarem elementos que possam obstar ou alterar o sentido da decisão na mesma comunicada, serão elaboradas oficiosamente as Declarações de Remunerações, ao abrigo do artigo 33.º do D. L. n.º 8-B/2002, de 15 de Janeiro, referentes ao período de Janeiro de 2004 a Dezembro de 2006, a que correspondem omissões nas contribuições devidas, no valor de € 826.227,10 (oitocentos e vinte seis mil duzentos e vinte e sete euros e dez cêntimos), para o que será enviado o processo ao Centro Distrital de Segurança Social do Porto.

(…)”

5. Em 28/2/2008, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. enviou ao oponente o oficio constante de fls. 1 e seguintes do Processo de Execução Fiscal (PEF), no âmbito do PEF n.º 1... e apensos, com o assunto “Citação” acompanhado das duas certidões de divida n.º 48674 e n.º 48738, uma relativa a contribuições relativas a Janeiro de 2001 a Abril de 2004 e outra relativa a cotizações de Janeiro de 2001 a Abril de 2007, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

6. Em 5/9/2007, a presente oposição à execução fiscal foi enviada ao Serviço de Finanças do Montijo, via Fax (cf. comprovativo a fls. 50 do PEF).

7. Em 23/6/2008, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social enviou à oponente e sua mandatária o ofício constante de fls. 22 do PEF, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com o assunto “ Processo de Execução Fiscal n.º 1... e apensos no qual informa que “após reanalise da conta corrente pelo CDSS de Setúbal para efeitos do previsto no artigo 208.º, n.º 2 do CPPT, foram anulados os montantes de €798,39 e 1.723,79 da quantia exequenda referente aos tributos de cotizações e contribuições, respectivamente. No que respeita ao valor restante, a entidade credora reafirma “…que os valores constantes das certidões n.º 48674 e n.º 48738, se mantém em divida, pelo que os mesmos deverão prosseguir para cobrança coerciva.”


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A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos.

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Inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.

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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões da alegação recursória, dúvidas não restam que as questões a decidir são as seguintes:

- saber se o probatório contém lapsos que importa corrigir;

- saber se a sentença errou ao não concluir pela inexigibilidade da dívida por falta de notificação;

- saber se a sentença errou ao não concluir pela caducidade do direito à liquidação;

- saber se a sentença errou ao não concluir pela falsidade do título executivo.

Vejamos, então, começando pelos apontados erros da matéria de facto, tal como constam indicados nas conclusões A e B).

Aí se lê, conforme ficou dito, que “Há um erro na matéria de facto consignada nos números 5 e 6, porquanto o ofício contendo a citação da oponente e as certidões de dívida nºs 48674 e 48738, a fls. 1 e seguintes do PEF, referem-se a contribuições e cotizações de Janeiro de 2004 (200401) a Dezembro de 2006 (200612) e a Abril e Maio de 2007 (200704 e 200705) e não a “Janeiro de 2001 a Abril de 2004 e (…) Janeiro de 2001 a Abril de 2007 como por lapso consta da sentença, e a oposição à execução foi remetida aos Sr. Coordenador da secção de Processo de Setúbal em 11/04/2008, por carta registada com aviso de recepção, conforme cópia junta a fls. 13 ao Processo Instrutor”.

Efectivamente, o ponto 5 dos factos provados contém um lapso que importa corrigir relativo à identificação do período da dívida, pois as contribuições e cotizações em causa referem-se ao período de Janeiro de 2004 (200401) a Dezembro de 2006 (200612) e de Abril e Maio de 2007 (200704 e 200705) e não a “Janeiro de 2001 a Abril de 2004 e (…) Janeiro de 2001 a Abril de 2007, o que decorre, além do mais, de fls. 3 a 6 do PEF.

Assim, corrigindo-se o ponto 5 do probatório passa a constar do mesmo a seguinte redacção:

5. Em 28/2/2008, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. enviou à oponente o oficio constante de fls. 1 e seguintes do Processo de Execução Fiscal (PEF), no âmbito do PEF n.º 1... e apensos, com o assunto “Citação” acompanhado de duas certidões de dívida, com os n.ºs 48674 e 48738, relativas a contribuições e cotizações respeitantes aos períodos de Janeiro de 2004 a Dezembro de 2006 e de Abril e Maio de 2007 – cfr. fls. 3 a 6 do PEF.

Quanto ao ponto 6 dos factos provados, contém o mesmo um lapso, pois a p.i foi remetida ao órgão da execução fiscal por correio no mês de Abril de 2008. Embora a Recorrente afirme que a p.i foi remetida aos serviços da Segurança Social no dia 11 de Abril de 2008, por carta registada com aviso de recepção, conforme cópia junta a fls. 13 ao Processo Instrutor, a verdade é que dos autos não consta qualquer elemento atinente ao correio registado, nem ao aviso de recepção. Porém, no dia 15 de Abril os Serviços da Segurança Social já haviam recebido a p.i remetida por correio, pois nesse dia foi aposto um carimbo (com essa data) no articulado inicial.

Assim, do ponto 6 do probatório passa a constar o seguinte:

6. Em data não concretamente apurada, embora anterior a 15/04/08, a presente oposição à execução fiscal foi enviada por correio ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, Secção de Processo de Setúbal – cfr- fls. 7 e ss do PEF.


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Vista esta primeira questão e estabilizada a matéria de facto, avancemos para o erro de julgamento de direito.

Comecemos pela invocada falta de notificação da liquidação subjacente à dívida exequenda e, consequentemente, pela sua inexigibilidade.

Antes do mais, deixemos devida nota da resposta do TAF de Almada a esta questão. Lê-se na sentença, além do mais, o seguinte:

“(…)

A falta de notificação da liquidação constitui um fundamento de oposição previsto na alínea i) do art. 204.º do CPPT, porque constitui fundamento de inexigibilidade da dívida.

(…)

Assim, estamos em condições de concluir que nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 38.º do CPPT as notificações relativas às liquidações de tributos que resultem de correcções à matéria tributável que tenham sido objecto de notificação para efeitos de direito de audição, são efectuadas por mera carta registada.

Regressemos, então, ao caso dos autos e verifiquemos se foram cumpridos os competentes formalismos legais.

Em 24/7/2007, a oponente foi notificada para exercer o direito de audição prévia sobre a falta de declaração das remunerações constantes dos anexos ao ofício, dos quais consta a identificação do trabalhador, o ano, os meses, as remunerações em falta a taxa aplicável e as respectivas contribuições falta.

Após o exercício de audição prévia, a oponente foi notificada por carta postal registada da manutenção da decisão anterior e do preenchimento das respectivas declarações em falta nos termos do artigo 33.º do D. L. n.º 8-B/2002, de 15 de Janeiro.

Pelo que, nos termos do artigo 38.º, n.º 3 do CPPT, a validade da notificação da liquidação à oponente não depende do seu envio por carta postal registada como alega.

Contudo, da análise dos autos verifica-se que a oponente foi notificada por carta registada com Aviso de Recepção (cf. pontos n.º 2 e n.º 4 dos factos provados)”.

A Recorrente discorda do assim decidido, evidenciando que “a notificação reproduzida no nº4 da matéria de facto não constituiu a notificação da liquidação de contribuições e cotizações, mas antes a comunicação de que essa liquidação irá ser efectuada pela entidade competente, em consequência da decisão final do procedimento de averiguações expressamente identificado naquela notificação” e, bem assim, que “esta notificação refere-se à decisão final do procedimento de averiguações, que pode ser conducente à liquidação de contribuições e cotizações como sucedeu no caso em apreço, ocorrendo a liquidação oficiosa de contribuições e cotizações por parte do ISSIP com a elaboração de declarações de remunerações de forma oficiosa”. Para a Recorrente, “a decisão final do procedimento de fiscalização ou de averiguações não se confunde nem corresponde à liquidação das contribuições e cotizações apuradas em dívida”. Em conclusão, sustenta a Recorrente que nunca foi notificada do acto de liquidação de contribuições e cotizações, já que a notificação a que se reporta o nº4 dos factos provados não pode ser considerada enquanto tal, razão pela qual a dívida é inexigível. Sendo a inexigibilidade fundamento bastante de oposição, tal deve determinar a extinção da execução fiscal.

Vejamos, então, o que dizer sobre esta questão.

No sentido de enquadrar a matéria em questão, importa fazer uma breve incursão na natureza das contribuições para a Segurança Social, tendo presente o exposto no Ac. do STA (Pleno) de 26/02/14, proferido no proc. nº 01481/13.

“(…)Em primeiro lugar cumpre referir, como bem se nota no acórdão fundamento, que doutrinária e jurisprudencialmente, as contribuições para a Segurança Social são consideradas como impostos, ou pelo menos como equiparadas a impostos (Neste sentido, e sobre a natureza das contribuições para a Segurança Social vide , Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pags. 662 e segs., Nazaré da Costa Cabral, Contribuições para a Segurança Social - Natureza de Regime e de Técnicas e Perspectivas de Evolução num Contexto de Incerteza, Cadernos do IDEFF, nº 12, ed. Almedina, J.J.Teixeira Ribeiro, anotações ao Acórdão de 24 de Janeiro de 1996, revista de Legislação e Jurisprudência, 1 de Junho de 1996, Ano 129º, nº 3863, e Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, vol. I, ed. Rei dos Livros, pág. 322.).

Como refere Casalta Nabais (ob. citada, pág. 663) trata-se de uma acepção que vem sendo admitida um pouco por toda a parte e que, no nosso regime jurídico, tem manifestações importantes traduzidas no seguinte: «1) na integração das contribuições para a segurança social no nível de fiscalidade ou carga fiscal, nomeadamente para efeitos da sua comparação internacional;2) na equiparação das contribuições para a segurança social aos impostos, ao menos para efeitos jurídico-constitucionais, que o mesmo é dizer em sede da constituição fiscal; 3) na aplicação às contribuições para a segurança social das normas do procedimento e processo tributários e do regime das infracções tributárias (v. o art. 1.º do CPPT e os arts. 1.º, n.º 1, al. d) e 106.º e 107.º do RGIT)”.Também a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem considerado as contribuições para a Segurança Social como impostos, desde a Constituição de 1976, e como tal sujeitas ao princípio da legalidade tributária (cfr., entre outros, os Acórdãos n ºs 183/96 e 621/99, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 23/05/1996 e 23/02/2000).

E no mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência desta secção, de que destacamos, para além dos arestos citados no acórdão fundamento, os Acórdãos de 16.06.1999, recurso 23889 e de 23.05.2007, recurso 63/07, ambos in www.dgsi.pt.

Temos pois por seguro que, em termos doutrinais e jurisprudenciais, as contribuições para a Segurança Social são consideradas, à luz do actual quadro legislativo, como impostos (pese embora com algumas peculiaridades).

Por outro lado, e como já ficou dito, o caso em apreço tem características específicas porque não está em causa uma situação de autoliquidação mas sim uma liquidação oficiosa de contribuições para a Segurança Social.

Por norma as contribuições para a Segurança Social resultam da apresentação das declarações de remunerações pelo contribuinte, a quem compete também proceder à liquidação dos montantes a entregar, aplicando as percentagens legais às remunerações, numa figura próxima da autoliquidação.

Verifica-se, nestes casos, como refere Casalta Nabais, (Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, 2010, pág. 664) reportando-se à liquidação e cobrança da Taxa Social Única, «uma autoliquidação relativamente às contribuições das entidades patronais, e uma liquidação por terceiro (liquidação em substituição) no concernente às contribuições dos trabalhadores, já que estas são objecto de retenção na fonte a título definitivo pelas entidades patronais».

Nestas situações, que têm assim um carácter de autoliquidação, a jurisprudência desta secção vem entendendo que não será aplicável o regime previsto no artº 45º da Lei Geral Tributária, o que se justifica porque «o acto da entidade emitente do respectivo título executivo (certidão de dívida) não pode ser formalmente definido como acto de liquidação, desde logo, porque não está subordinado a qualquer procedimento próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo de execução] fiscal» - cf., neste sentido, os já citados acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 14.06.2012, recurso 443/12, de 23 de Setembro de 2009, recurso n.º 436/09, e de - de 30 de Maio de 2012, recurso n.º 104/12, todos in www.dgsi.pt.

Mas nem sempre será assim.

Casos há, como o dos presentes autos, em que a liquidação é oficiosa e resulta da iniciativa da Administração, em suprimento das obrigações dos contribuintes.

Com efeito o artº 33º do decreto-lei nº 8-B/2002, sob a epígrafe «suprimento oficioso das obrigações dos contribuintes» dispõe o seguinte:

«1 - Nos casos em que as entidades obrigadas a promover a respectiva inscrição como contribuinte ou a apresentar a declaração de remunerações não cumpram tais obrigações, a inscrição e a declaração de remunerações são efectuadas oficiosamente ou por solicitação de terceiro que prove ter interesse no cumprimento daquelas obrigações.

2 - A inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam são efectuados oficiosamente, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção.» …”

Como resulta do probatório, no caso sub judice a dívida exequenda respeita a montantes oficiosamente apurados pela Segurança Social, na sequência de procedimento de averiguações levado a cabo relativamente à Recorrente, C..., no qual se constatou a existência de remunerações não declaradas à Segurança Social, omissões estas correspondentes a verbas pagas aos trabalhadores da empresa a título de ajudas de custo, as quais foram consideradas como remunerações.

Contrariamente ao que se passa nas situações de autoliquidação, em que se verifica “por via de regra uma homologação implícita pela Administração decorrente da aceitação do pagamento do imposto, já na liquidação estamos perante uma verificação constitutiva da existência da obrigação de imposto, cujos efeitos se reportam ao momento da verificação do facto tributário, por via de uma retrodatação de efeitos. (Mas não retroactividade de efeitos - cf., neste sentido, Casalta Nabais, Direito Fiscal, 6ª edição, Almedina, pág. 325)” – cfr. ac. do STA, de 28/05/14, processo nº 220/14.

Ora, dúvidas não subsistem, atento o regime previsto no já transcrito artigo 33º do Decreto-lei 8-B/2002, “que esta inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem uma verificação constitutiva da existência daquela obrigação contributiva, e assumem, por isso, a natureza de uma verdadeira liquidação – cfr. ac. citado de 28/05/14.

Tendo isto presente – repete-se, que a declaração de remunerações, bem como o cálculo das contribuições correspondentes, levadas a cabo oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos no âmbito de acções de fiscalização/ averiguações, constituem a verificação da existência da obrigação contributiva e assumem a natureza de uma verdadeira liquidação – a verdade é que, no caso, a notificação a que se reporta o nº 4 dos factos provados não se assume, contrariamente ao decidido, como a comunicação da liquidação dos montantes ora em dívida.

Vejamos as razões para assim entendermos. Para isso, lançamos mão, desde já, de um recente acórdão deste TCA que apreciou e decidiu uma oposição à execução fiscal à qual estava subjacente um circunstancialismo de facto muito próximo daquele que aqui se verifica e na qual foi, também como aqui, apreciada a inexigibilidade da dívida.

Em tal aresto pode ler-se, além do mais, o seguinte:

“Comece por notar-se que a certidão de dívida que há-de constituir o título executivo e servir de base à instauração do processo de execução fiscal só pode ser extraída na sequência da falta de pagamento voluntário (cfr. artigo 88.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT). Significa isto que a dívida só pode ser exigida coercivamente depois de ter sido facultada aos responsáveis pelo seu pagamento a possibilidade de a pagarem voluntariamente dentro de determinado prazo para o efeito (cfr. artigo 84.º do CPPT). E, nos casos em que as leis tributárias não estabeleçam prazo de pagamento, este será de 30 dias após a notificação para pagamento efectuada pelos serviços competentes (cfr. artigo 84.º, n.º2 do CPPT).

(…)

Conforme supra dissemos, a Recorrente foi objecto de processo de averiguações que viria a culminar com a elaboração do Relatório Final, no qual concluiu que: « a) A Entidade Empregadora em apreço não incluiu nas declarações de remunerações enviadas à Segurança Social, como legalmente estava obrigada, a totalidade das remunerações respeitantes ao período Janeiro de 2006 a Abril de 2010, da generalidade dos seus trabalhadores, identificados no mapas de apuramento, anexo como documentos de fls. 5801 a 5836; b) A Entidade Empregadora violou assim o disposto no nº 1 e nº 2 do art° 56° da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, e art° 6° do Dec - Regulamentar nº 26/99, de 27 de Outubro, do qual decorre a obrigação, por parte da entidade empregadora, de entregar as declarações de remunerações até ao dia 15 do mês seguinte a que se verificou o exercício de actividade por parte dos trabalhadores;».

E determinou, em consequência:

«- o suprimento oficioso das Declarações de Remunerações, ao abrigo das competências previstas na alínea c) do n° 2 do artigo 10º da Portaria n° 638/2007, de 30 de Maio, republicados pela Portaria nº 1460-A/2009, de 31 de Dezembro e do artigo 33° do Decreto Lei nº 8-B/2002, de 15 de Janeiro;

- Liquidar as contribuições totais no valor de 1.804.721,39 Euros, correspondentes aos valores que não foram objecto de incidência de taxa social única, inscritos no mapa de apuramento, anexo ao processo de 5801 a 5836, que dele fazem parte integrante.».

Ora, a comunicação operada pelo ofício a que nos vimos reportando, não constitui qualquer acto de liquidação, desde logo, porque o Relatório Final que foi comunicado por via do referido oficio é claro ao ordenar o «suprimento oficioso das Declarações de Remunerações, ao abrigo das competências previstas na alínea c) do n° 2 do artigo 10º da Portaria n° 638/2007, de 30 de Maio, republicados pela Portaria nº 1460-A/2009, de 31 de Dezembro e do artigo 33° do Decreto Lei nº 8-B/2002, de 15 de Janeiro;» e que se liquide « as contribuições totais no valor de 1.804.721,39 Euros, correspondentes aos valores que não foram objecto de incidência de taxa social única, inscritos no mapa de apuramento, anexo ao processo de 5801 a 5836, que dele fazem parte integrante.».

Por isso, o Relatório Final de Averiguações não é, nem nunca poderia ser considerado uma liquidação, mas apenas o apuramento das responsabilidades da Recorrente de acordo com os dados obtidos no âmbito do procedimento. Note-se, por último, que são diferentes as entidades a quem compete a acção de averiguações e aquela que promove a execução do registo oficioso das Declarações de Remunerações e a notificação para pagamento voluntário da quantia apurada em sede do procedimento de averiguações, estando esta última a cargo do Centro Distrital de Lisboa.

Tanto que assim é que, posteriormente, foi a Recorrente notificada por ofício enviado pelo Centro Distrital de Lisboa (28.03.2012) de « (…) que foram registadas oficiosamente Declarações de Remunerações no valor de 5.198.49.69, e em consequência passa essa Entidade a ser devedora à Segurança Social da importância de € 924.58 conforme taxa contributiva de 23% e de € 1.805.085.97, à taxa de 34,75% aplicada de acordo com o art. 53º da Lei 110/2009 de 16 de Setembro , alterada pela Lei 119/2009 de 30/12.» [cfr. al.M) do probatório].

Esta comunicação é, em nosso entendimento, a correspondente à notificação da liquidação [a liquidação (em sentido estrito) de um imposto (como, aliás, o apuramento de qualquer parte de um todo) se faz pela aplicação (multiplicação) de uma taxa (valor expresso em percentagem) à matéria colectável- Acórdão do TCA Norte de 08.01.2009, proferido no processo n.º 430/07.3BEPNF, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)] que claramente indica a quantia a pagar resultante da «taxa contributiva de 23% e de € 1.805.085.97, à taxa de 34,75% aplicada de acordo com o art. 53º da Lei 110/2009.»

De resto, nem tão pouco o montante monetário constante nos ofícios identificados nas alíneas I) e M) é idêntico, o que se compreende, pois que, o procedimento de inspecção e o procedimento de liquidação são realidades distintas, traduzindo-se este último na operação matemática através da qual se aplica a taxa ao montante apurado com base nas declarações de remunerações oficiosamente elaboradas no âmbito do procedimento de inspecção.

Assim, face às circunstâncias fácticas supra referidas, embora estejamos de acordo com a sentença no que diz respeito ao prazo de 30 dias para pagamento voluntário do montante liquidado (cfr. artigo 85.º, nº 2 do CPPT), o certo é que a Recorrente não foi notificada para proceder ao pagamento voluntário da dívida em questão (sendo que é sobre a Recorrida que recai o ónus da prova dos pressupostos de que depende o seu direito de exigir a obrigação tributária - artigo 342.º, nº.1, do C.Civil; artigo 74.º, nº.1, da LGT - , designadamente que houve uma notificação validamente efectuada ou foi atingido o fim por ela visado de transmitir ao destinatário o teor da liquidação).

Sempre se diga, aliás, que o Relatório de Averiguações, sobre o qual recaiu o despacho de concordância proferido em 25.11.2010 pelo Director do Serviço de Fiscalização de LVT, do ISS, IP, não deixou de determinar «que o CDist de Lisboa promova o registo oficioso das Declarações de Remunerações, devendo este proceder à notificação do contribuinte para pagamento voluntário da dívida, com a cominação de, não o fazendo, o processo seguir para cobrança coerciva;» - sublinhado da nossa autoria- [Conclusão H)]” - cfr. ac. do TCA Sul, de 14/11/19, processo nº 201/16.0BELRS

Ora, a situação que nos cabe decidir é em tudo semelhante à retratada no acórdão transcrito.

Também aqui temos um processo de averiguações relativo à Recorrente, C..., no qual se constatou a existência de remunerações não declaradas à Segurança Social, omissões estas correspondentes a verbas pagas aos trabalhadores da empresa a título de ajudas de custo e que foram consideradas como remunerações.

Tal como consta do ponto 1 dos factos provados, do ofício remetido à empresa, com vista ao exercício do direito de participação, foi indicado o valor de € 826.227,10 respeitante a omissões de contribuições devidas, relativas aos anos de 2004 a 2006 (Janeiro a Dezembro), “conforme cópias dos Mapas de Apuramento” anexos.

Após o exercício do direito de audição, e não tendo a Segurança Social acolhido as razões avançadas pela C..., foi expedido e recepcionado pela ora Recorrente o ofício a que se reporta o ponto 4 dos factos provados, com a epígrafe “Falta de Declarações de Remunerações EE: C... Montagens Reparações Industriais, Lda. NISS 2... NIF 5....” e do qual consta: “Relativamente ao Processo de Averiguações acima identificado, informa-se V. Exa (s) do seguinte: Em virtude de, na resposta n.º 0196-RM/DC, de 2007.06.22 à notificação n.º 503606, de 2007.06.05, não constarem elementos que possam obstar ou alterar o sentido da decisão na mesma comunicada, serão elaboradas oficiosamente as Declarações de Remunerações, ao abrigo do artigo 33.º do D. L. n.º 8-B/2002, de 15 de Janeiro, referentes ao período de Janeiro de 2004 a Dezembro de 2006, a que correspondem omissões nas contribuições devidas, no valor de € 826.227,10 (oitocentos e vinte seis mil duzentos e vinte e sete euros e dez cêntimos), para o que será enviado o processo ao Centro Distrital de Segurança Social do Porto.

(…)” – sublinhado nosso.

Temos, pois, que, no termo do processo de averiguações, foi comunicado que iriam ser elaboradas oficiosamente as Declarações de Remunerações, ao abrigo do artigo 33.º do DL. n.º 8-B/2002, razão pela qual o processo seria enviado ao Centro Distrital de Segurança Social do Porto.

Como deixámos já dito, o suprimento oficioso da obrigação do contribuinte passaria, no caso, pela elaboração oficiosa das declarações de remunerações e, bem assim, o cálculo das contribuições correspondentes, tendo por base os elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção. Isto mesmo decorre cristalinamente do artigo 33.º do DL. n.º 8-B/2002.

Ora, até à notificação a que se reporta o nº 4 dos factos provados, não haviam sido elaboradas tais declarações de remunerações, o que, aliás, o Instituto da Segurança Social comunicou que seria feito posteriormente à comunicação do desfecho do processo de averiguações.

Não será demais lembrar que, como dissemos já, citando o acórdão do STA, de 28/05/14, proferido no processo nº 220/14, que, atento o regime previsto no já transcrito artigo 33º do Decreto-lei 8-B/2002, “esta inscrição e a declaração de remunerações bem como o cálculo das contribuições que lhe correspondam, efectuados oficiosamente pela Segurança Social, com base em elementos de prova obtidos, designadamente, no âmbito de acções de fiscalização ou de inspecção, constituem uma verificação constitutiva da existência daquela obrigação contributiva, e assumem, por isso, a natureza de uma verdadeira liquidação”.

Na verdade, foi no processo de averiguações que se apuraram as responsabilidades contributivas do contribuinte, mas a elaboração das correspondentes declarações de remuneração e cálculo das contribuições foi relegado para momento posterior e direcionado para outra entidade, o Centro Distrital de Segurança Social do Porto.

Note-se que, também aqui, não há sequer correspondência entre os valores apurados no processo de averiguações, como correspondendo ao montante das omissões nas contribuições devidas, de € 826.227,10, e o que surge exigido nos processos executivos subjacentes à oposição. Com efeito, a oponente, ora Recorrente, foi citada para pagar o valor de € 454.251,44, a titulo de contribuições e cotizações, para além dos acrescidos de € 142.308,12, tudo num total de 596.559,56. Trata-se de um valor significativamente menor relativamente aos € 826.227,10 que constam da comunicação a que se reporta o ponto 4 dos factos provados.

Tudo analisado, temos por seguro que dos autos não resulta que, entre a comunicação referida no ponto 4 do probatório e a citação contemplada no número 5 dos factos provados, a Recorrente tenha sido notificada para proceder ao pagamento voluntário da dívida cuja cobrança está a ser coercivamente exigida na execução nº1... e apensos, sendo para nós claro que era sobre a Recorrida que recaía o ónus da prova de tal notificação.

Ora, nada disso vem demonstrado nos autos, sendo incontornável concluir que a Recorrente não foi notificada para efectuar voluntariamente o pagamento da quantia que lhe está a ser exigida no processo de execução fiscal nº 1... e apensos.

Portanto, não estando demonstrada tal notificação para pagamento voluntário, tal há-de constituir fundamento válido de oposição à execução fiscal, subsumível à alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, uma vez que a cobrança coerciva só é possível desde que demonstrada a impossibilidade da cobrança voluntária.

Tanto basta, pois, para concluirmos pela procedência das conclusões atinentes a esta questão que vínhamos analisando e, contrariamente ao entendimento sufragado em 1ª instância, julgar procedente a oposição e extinguir a execução fiscal, com fundamento na inexigibilidade da dívida.

Concede-se, pois, provimento ao recurso jurisdicional.

Face ao decidido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões que nos vinham colocadas.


*

Impõe-se, ainda, analisar o que se segue, com respeito à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, considerando que o valor da causa é de € 555.559,56.

Seguiremos, na apreciação que se segue, o acórdão de 26/01/17, proferido no recurso nº 516/15.4 BELLE, deste TCA Sul.

Assim:

“(…) As duas vertentes essenciais da conta ou liquidação de custas são a taxa de justiça e os encargos (as custas de parte têm um tratamento próprio e autónomo - cfr.artºs.25 e 26, do R.C.P.), conforme resulta do artº.529, do C.P.Civil, tal como do artº.3, nº.1, do R.C.P. Em relação a qualquer destas vertentes das custas se deve aplicar, necessariamente, a prévia decisão judicial que implicou a condenação em custas, da qual deriva o próprio acto de contagem (cfr.artº.30, nº.1, do R.C.P.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.424).

O artº.6, do Regulamento das Custas Processuais (R.C.P.), na redacção resultante do artº.2, da Lei 7/2012, de 13/2, contém a seguinte versão:

Artigo 6.º

Regras gerais

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 - Nos processos em que o recurso aos meios electrónicos não seja obrigatório, a taxa de justiça é reduzida a 90 % do seu valor quando a parte entregue todas as peças processuais através dos meios electrónicos disponíveis.

4 - Para efeitos do número anterior, a parte paga inicialmente 90 % da taxa de justiça, perdendo o direito à redução e ficando obrigada a pagar o valor desta no momento em que entregar uma peça processual em papel, sob pena de sujeição à sanção prevista na lei de processo para a omissão de pagamento da taxa de justiça.

5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.

6 - Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final.

7 - Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

O nº.7, do preceito sob exegese (normativo que reproduz o artº.27, nº.3, do anterior C.C.Judiciais, a propósito da taxa de justiça inicial e subsequente), estatui que o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final do processo, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o seu pagamento.

Recorde-se que nos termos do artº.529, nº.2, do C.P.Civil, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do R.C.P. (cfr.v.g.artº.6 e Tabela I, anexa ao R.C.P.). Acresce que a taxa de justiça devida pelo impulso processual de cada interveniente não pode corresponder à complexidade da causa, visto que essa complexidade não é, em regra, aferível na altura desse impulso. O impulso processual é, grosso modo, a prática do acto de processo que origina núcleos relevantes de dinâmicas processuais nomeadamente, a acção, o incidente e o recurso (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/1/2014, proc.7140/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª. edição, 2012, pág.72).

O mencionado remanescente está conexionado com o que se prescreve no final da Tabela I, anexa ao R.C.P., ou seja, que para além de € 275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna “A”, uma e meia unidade de conta, no caso da coluna “B”, e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna “C”.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre € 275.000,00 e o efectivo e superior valor da causa para efeitos de determinação daquela taxa, o qual deve ser considerado para efeitos de conta final do processo, se o juiz não dispensar o seu pagamento.

A decisão judicial de dispensa, com características excepcionais, depende, segundo o legislador, da especificidade da concreta situação processual, designadamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes. A referência a tais vectores, em concreto, redunda na constatação de uma menor complexidade ou simplicidade da causa e na positiva cooperação das partes durante o processo, como pressupostos de tal decisão judicial.

Releve-se que a dita decisão de dispensa do pagamento de remanescente de taxa de justiça prevista no artº.6, nº.7, do R.C.P., também pode ser efectuada na sequência da apresentação a pagamento da conta final do processo e dentro do prazo de impugnação desta (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/5/2014, rec.129/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7270/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/6/2016, proc.9420/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13).

Mais se dirá que a maior, ou menor, complexidade da causa deverá ser analisada levando em consideração, nomeadamente, os factos índice que o legislador consagrou no artº.447-A, nº.7, do C.P.Civil (cfr.actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Diz-nos este normativo, o actual artº.530, nº.7, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, o seguinte:

Artigo 530º.

Taxa de justiça

(…)

7. Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.

No que se refere às questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica são, grosso modo, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/3/2014, proc.7373/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13; Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.71 e seg.).

Já no que diz respeito à conduta processual das partes a ter, igualmente, em consideração na decisão judicial de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do examinado artº.6, nº.7, do R.C.P., deve levar-se em conta o dever de boa-fé processual estatuído no actual artº.8, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.anterior artº.266-A, do C.P.Civil). Nos termos deste preceito, devem as partes actuar no processo pautando a sua conduta pelo princípio da cooperação, o qual onera igualmente o juiz, tal como de acordo com a boa-fé, tendo esta por contra-face a litigância de má-fé e a eventual condenação em multa (cfr.artº.542, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6).

Por último, recorde-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quando concedida, aproveita a todos os sujeitos processuais (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/5/2014, rec.456/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/4/2016, proc.9437/16; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.6622/13)”.

Regressando ao caso dos autos, do exame da actividade processual desenvolvida no processo, da conduta processual das partes e do grau complexidade das questões colocadas pelos sujeitos processuais, deve concluir-se que se justifica a aludida intervenção moderadora, assim devendo aplicar-se a dispensa de pagamento prevista no artigo 6.º, nº 7, do RCP, o que seguidamente se determinará.


*




III – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a oposição e extinguir a execução fiscal nº 1... e apensos.


Custas pela Recorrida, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

Registe e Notifique.

Lisboa, 25/06/20


(Catarina Almeida e Sousa)

(Hélia Gameiro)

(Benjamim Barbosa)