Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:586/09.4BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRS;
MAIS VALIAS;
DISPENSA DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS;
ERRO DE JULGAMENTO.
Sumário:I.O Tribunal só pode dispensar a fase de instrução dos autos «[s]e a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115º, n.º 1 e 119.º do CPPT.

II. Para que opere a exclusão tributária prevista no n° 5 do art. 10° do CIRS (exclusão da tributação do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo) a lei impõe que o respectivo ganho seja reinvestido, no prazo de 24 meses, na aquisição de um diferente imóvel e que este também tenha como destino a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial que P............ instaurou contra o acto de indeferimento tácito do recurso hierárquico que deduzira na sequência de indeferimento de reclamação graciosa que apresentara com vista à anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) respeitante ao ano de 2004, no montante de 7.228,35€.

Terminou a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões:

«A) Visa o presente recurso demonstrar à evidência o desacerto a que chegou a douta sentença recorrida na parte em que julgou provado que dentro do prazo de 24 meses, o Impugnante, ora recorrido, utilizou parte do produto da alienação para pagamento dos valores acordados no contrato-promessa destinado à aquisição da sua nova habitação, pelo que considerou, desta forma, que se encontravam verificados os dois requisitos previstos nas alíneas a) do n.º 5 e 7 do art. 10.º do CIRS, para efeitos de delimitação negativa da incidência de tributação, incorrendo em manifesto erro de julgamento relativamente quer à má apreciação da prova perante os elementos trazidos aos autos mas também a má apreciação jurídica dos factos que à luz da experiência comum suportaram a sua decisão.

B) O Impugnante, a 15.12.2004, procedeu à venda, pelo montante de € 72.500,00 da fração autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo……., da freguesia de Oeiras, imóvel este adquirido em Outubro de 1998, pelo valor de € 20.000,00.

C) Celebrou o Impugnante, ora recorrido, ainda antes de proceder à venda da fração autónoma supra identificada, um contrato-promessa de compra e venda de um outro imóvel, concretamente da fração autónoma que viesse a corresponder ao 6.º andar, direito, piso 6, bloco A, destinado a habitação, pelo preço global de € 204.000,00.

D) Comecemos por destacar que nos termos da alínea a) do n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, a exclusão da tributação relativamente aos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, depende, “Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em Território português; (…)”. (sublinhado nosso)

E) Consta do ponto D. dos factos dados como provados, “Em 10.12.2004, o Impugnante outorgou, na qualidade de promitente-comprador, com a “G………….., S.A.”, em representação da “F…………..”, na qualidade de promitente-vendedora, contrato-promessa de compra e venda referente à fracção autónoma que viesse a corresponder ao 6.º andar, direito, piso 6, bloco A, destinado à habitação, e 5,2 mil avos do lote 8, freguesia de Alfragide, pelo preço global de € 204.000,00 (cfr. contrato-promessa, a fls. 22 a 33 dos autos, que se dá por reproduzido)”; (sublinhado nosso)

F) Pelo que, ficou por esclarecer um dos pressupostos da exclusão da tributação, o destino dado ao imóvel adquirido, que nos termos das disposições legais aplicáveis, é imprescindível para exclusão (total ou parcial) da tributação.

G) Ora, do contrato-promessa de compra e venda só se poderá extrair que o imóvel se destina à habitação e não, como exige o art.º 10.º n.º 5 alínea a) do CIRS, a habitação própria e permanente, destino da fração autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 10350, da freguesia de Oeiras.

H) Não tendo o tribunal a quo averiguado o destino da fração autónoma que viesse a corresponder ao 6.º andar, direito, piso 6, bloco A, freguesia de Alfragide, como pode o mesmo afirmar que se encontram verificados os requisitos previstos nas alíneas a) do n.º 5 e n.º 7 do art.º 10.º do CIRS, para efeitos de delimitação negativa da incidência de tributação?

I) Aliás, consta dos factos dados como provados que a fração autónoma que viesse a corresponder ao 6.º andar, direito, piso 6, bloco A, freguesia de Alfragide, se destina tão-só à habitação [ponto D dos factos dados como provados].

J) Já relativamente aos empréstimos contraídos, podemos afirmar que o ora Recorrido contraiu dois empréstimos, um designado empréstimo intercalar, no valor de € 132.600,00 [Conforme ponto F. dos factos provados] e um outro empréstimo de € 183.600,00 junto do B............, S.A. [Conforme ponto I dos factos provados].

K) Entendeu o tribunal a quo que “Considerando a prova produzida nos autos, pode, por isso, concluir-se que, dentro do prazo de 24 meses, o Impugnante utilizou parte do produto da alienação para pagamento dos valores acordados no contrato-promessa destinado à aquisição da sua nova habitação, pelo que se verificam os dois requisitos previstos nas alíneas a) do n.º 5 e n.º 7 do art. 10.º do CIRS, para efeitos de delimitação negativa da incidência de tributação.

Nessa medida, não pode proceder a argumentação da Administração Tributária que a aquisição da nova habitação foi financiada exclusivamente com recurso a crédito bancário”.

L) Comecemos por questionar, que parte do produto da alienação foi usada para o pagamento dos valores acordados no contrato-promessa destinado à aquisição da sua habitação?

M) E chegou o tribunal a quo à referida conclusão apenas porque a alienação da fração autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 10350, da freguesia de Oeiras ocorreu a 15.12.2004 e os pagamentos ao abrigo do contrato-promessa de compra e venda são posteriores a essa data?

N) Bem, nem a essa conclusão poderemos chegar, uma vez que conforme ponto E do factos dados como provados, “De acordo com a cláusula segunda do contrato-promessa referido na alínea antecedente, o preço seria pago nos termos e prazos seguintes:

a) Na data de assinatura do contrato-promessa, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 30.600,00;

b) No prazo de seis meses a contar dessa data, a título de reforço de sinal, a quantia de € 30.600,00;

c) No prazo de seis meses a contar do vencimento da prestação anterior, a título de reforço de sinal, a quantia de € 30.600,00;

d) No prazo de seis meses a contar do vencimento da prestação anterior, a título de reforço de sinal, a quantia de € 30.600,00;

e) No prazo de seis meses a contar do vencimento da prestação anterior, a título de reforço de sinal, a quantia de € 30.600,00;

f) Com a outorga da escritura definitiva, o remanescente do preço, no valor de € 51.000,00 (cfr. contrato-promessa);

O) Pelo que, tendo o contrato-promessa de compra a venda sido outorgado a 10.12.2004 e definindo a alínea a) da cláusula segunda do mesmo contrato que na data de assinatura do contrato seria pago o montante de € 30.600,00 a título de sinal e princípio de pagamento, nunca qualquer parte do produto da alienação poderia ter sido usado nesse pagamento, atento a data de alienação, 15.12.2004, posterior portanto à data-limite de pagamento ao abrigo da cláusula segunda do contrato-promessa.

P) Mais se refira que nem mesmo relativamente aos capitais próprios, no valor de 5% (€ 10.200,00) que o ora recorrido teria de pagar igualmente com a assinatura do contrato-promessa de compra e venda, se consegue fazer um nexo de causalidade entre o valor obtido com a alienação e esses mesmos pagamentos no âmbito do contrato-promessa destinado à aquisição da sua habitação, quer seja o de 11.12.2004, quer seja o de 27.07.2005.

Q) Refira-se, finalmente, que para efeitos de reinvestimento conta, somente, o valor utilizado sem recurso a empréstimo bancário.

R) Considerando que o ora Recorrido contraiu dois empréstimos, o chamado empréstimo intercalar de € 132.600,00 e o empréstimo de € 183.600,00 junto do B............, S.A., ambos relacionados com a aquisição da fração autónoma que viesse a corresponder ao 6.º andar, direito, piso 6, bloco A, freguesia de Alfragide, como pode o tribunal a quo considerar que “a aquisição da nova habitação foi financiada exclusivamente com recurso a crédito bancário”.

S) O ora Recorrido “solicitou ao B............, S.A. a concessão de um empréstimo intercalar, no valor de € 132.600,00, que foi objecto de amortização, a 16.07.2007 (…)” – ponto F dos factos dados como provados], para pagamento dos valores acordados na cláusula segunda do contrato-promessa outorgado pelo ora Recorrido em 10.12.2004, “na qualidade de promitente-comprador, com a “G……., S.A.”, em representação da “F……….”, na qualidade de promitente vendedora, contrato-promessa de compra e venda referente à fracção autónoma que viesse a

corresponder ao 6.º andar, direito, piso 6, bloco A, destinado à habitação, e 5,2 mil avos do lote 8, freguesia de Alfragide, pelo preço global de € 204.000,00 (…)” – ponto D e E dos factos dados como provados.

T) Consta ainda dos factos provados, que “Em 13.07.2007, foi celebrada a escritura pública de compra e venda da fracção autónoma identificada na alínea D. (…)” e que “Para pagamento da aquisição da referida fracção autónoma, o Impugnante contraiu um empréstimo no montante de € 183.600,00 junto do B............, S.A. (cfr. escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca); – pontos H e I dos factos provados.

U) Acrescente-se que a fração autónoma identificada na alínea D, referida no ponto H dos factos provados, é a já referida anteriormente, a propósito do contrato-promessa de compra e venda celebrado, a fração autónoma que viesse a corresponder ao 6.º andar, direito, piso 6, bloco A, freguesia de Alfragide.

V) Pelo que foram contraídos dois empréstimos, no montante total de € 316.200,00, para suportar a aquisição da mesma fração autónoma, já sobejamente identificada, aquisição esta que se cifrou (apenas) no montante de € 204.000,00.

W) No entanto, considerou o Tribunal a quo que a aquisição da nova habitação não foi financiada exclusivamente com recurso a crédito bancário.

E considerou ainda que “(…) como também ficou demonstrado nos autos, para financiamento da aquisição da nova habitação, o Impugnante celebrou um contrato de mútuo no valor de € 183.600,00, pelo que, tendo o imóvel sido adquirido pelo valor global de € 204.000,00, o remanescente (€ 20.400,00) corresponde também ao montante do reinvestimento do valor de realização proveniente da alienação do primeiro imóvel”.

X) Ora, não podíamos discordar mais destas considerações do tribunal a quo, e relativamente ao facto do remanescente corresponder ao montante do reinvestimento do valor de realização proveniente da alienação do primeiro imóvel, sempre teremos de afirmar que não pode ser feita tábua rasa ao chamado empréstimo intercalar, como se outra finalidade tivesse este empréstimo que não fosse o financiamento da fração autónoma que viesse a corresponder ao 6.º andar, direito, piso 6, bloco A, freguesia de Alfragide.

Impunha-se, portanto, à douta sentença recorrida, perante o probatório, fazer uma correspondência perfeita entre os factos dados como provados e o decidido, o que não aconteceu, manifestando a fundamentação jurídica da decisão uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, e por isso incorreta, o que conduziu à injusta decisão contra a ora Recorrente.

A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, decorrente da circunstância de, ter sido dada como provada factualidade, cuja prova não foi assegurada, impondo-se a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser

considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença,

como é de Direito e Justiça.»


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Não foram apresentadas contra-alegações.


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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso.


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Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se para o efeito os autos à Conferência.


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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Neste quadro, face ao teor das conclusões formuladas, a questão a decidir é a de saber se sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao decidir que estavam verificados os pressupostos previstos no artigo 10°, n° 5, alínea a), do Código do IRS.


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III. FUNDAMENTAÇÃO

DOS FACTOS

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

«A. Em Outubro de 1998, o Impugnante adquiriu a fracção autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 10350, da freguesia de Oeiras, pelo preço de € 20.000,00 (cfr. declaração modelo 3 de IRS, a fls. 18 a 21 dos autos, que se dá por reproduzida);

B. Em 15.12.2004, o Impugnante procedeu à alienação da fracção autónoma, identificada na alínea antecedente, pelo valor de € 72.500,00 (cfr. declaração modelo 3 de IRS);

C. No anexo G da declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2004, o Impugnante declarou a alienação da fracção autónoma referida em A., inscrevendo no campo 401, do quadro 4, os valores anteriormente referidos, bem como ter suportado despesas e encargos, no valor de € 5.000,00, e nos campos 503 (valor em dívida do empréstimo) e 504 (valor que pretende reinvestir sem recurso ao crédito) indicou, respectivamente, os valores de € 22.981,97 e € 44.500,00 (cfr. declaração modelo 3 de IRS);

D. Em 10.12.2004, o Impugnante outorgou, na qualidade de promitente-comprador, com a “G………….., S.A.”, em representação da “F…………..”, na qualidade de promitente-vendedora, contrato-promessa de compra e venda referente à fracção autónoma que viesse a corresponder ao 6.º andar, direito, piso 6, bloco A, destinado à habitação, e 5,2 mil avos do lote 8, freguesia de Alfragide, pelo preço global de € 204.000,00 (cfr. contrato-promessa, a fls. 22 a 33 dos autos, que se dá por reproduzido);

E. De acordo com a cláusula segunda do contrato-promessa referido na alínea antecedente, o preço seria pago nos termos e prazos seguintes:

a) Na data de assinatura do contrato-promessa, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 30.600,00;

b) No prazo de seis meses a contar dessa data, a título de reforço de sinal, a quantia de € 30.600,00;

c) No prazo de seis meses a contar do vencimento da prestação anterior, a título de reforço de sinal, a quantia de € 30.600,00;

d) No prazo de seis meses a contar do vencimento da prestação anterior, a título de reforço de sinal, a quantia de € 30.600,00;

e) No prazo de seis meses a contar do vencimento da prestação anterior, a título de reforço de sinal, a quantia de € 30.600,00;

f) Com a outorga da escritura definitiva, o remanescente do preço, no valor de € 51.000,00 (cfr. contrato-promessa);

F. Para pagamento dos valores referidos na alínea antecedente, em 12.11.2004, o Impugnante solicitou ao B............, S.A. a concessão de um empréstimo intercalar, no valor de € 132.600,00, que foi objecto de amortização, a 16.07.2007 (cfr. “crédito para adiantamento”, a fls. 36 e 37 do PAT apenso, conjugado com o extracto bancário, a fls. 41 do PAT apenso, que se dão por reproduzidos);

G. De acordo com o plano de pagamentos do empréstimo intercalar, o Impugnante teria de investir capitais próprios, no valor de 5% (€ 10.200,00), com a assinatura do contrato-promessa compra e venda e, no valor de 5% (€ 10.200,00), em Junho de 2005, tendo esses valores sido objecto de pagamento, por meio de cheque bancário, a 11.12.2004, e por via de transferência bancária, a 27.07.2005 (cfr. fotocópia do cheque e extracto de conta, a fls. 40 e 39 verso do PAT apenso, conjugados com o protocolo de juros do crédito habitação e plano de pagamentos, a fls. 48 e 49 do PAT apenso, que se dão por reproduzidos);

H. Em 13.07.2007, foi celebrada a escritura pública de compra e venda da fracção autónoma identificada na alínea D. (cfr. escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, a fls. 35 a 50 dos autos, a fls. 43 do PAT apenso, que se dão por reproduzidos);

I. Para pagamento da aquisição da referida fracção autónoma, o Impugnante contraiu um empréstimo no montante de € 183.600,00 junto do B............, S.A. (cfr. escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca);

J. Na mesma data, o Impugnante celebrou com o B............, S.A. um contrato de abertura de crédito, no valor de € 30.400,00, garantido por hipoteca do imóvel referido na alínea D. (cfr. contrato de abertura de crédito, a fls. 51 a 62 dos autos, que se dá por reproduzido);

K. Não tendo o Impugnante declarado, nos anos posteriores à venda, os investimentos efectuados, a Administração Tributária, ao abrigo do n.º 4 do art. 65.º do CIRS, emitiu a liquidação oficiosa de IRS, referente ao ano de 2004, com o valor a pagar de € 7.228,35 (cfr. fls. 21 do PAT apenso);

L. Notificado da liquidação referida na alínea antecedente, em 18.08.2008, o Impugnante deduziu reclamação graciosa, alegando, em suma, que, uma vez que a casa ainda estava em projecto e que efectuou um empréstimo intercalar, junto do B............, tendo comparticipado com capital próprio nas prestações e o Banco no remanescente, até perfazer o montante de € 30.600,00 (cfr. reclamação, a fls. 3 a 20 do PAT apenso, que se dá por reproduzida);

Na sequência da notificação da proposta de indeferimento da reclamação graciosa, o Impugnante exerceu o seu direito de audição, concretizando que investiu como capitais próprios o valor de € 20.400,00 (cfr. resposta, a fls. 33 do PAT apenso, que se dá por reproduzida);

N. Por despacho de 12.12.2008, o Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras – 3 (Algés) indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante, com os seguintes fundamentos: “(…) Mais, os fundamentos da decisão, são ainda reforçados pelo que refere o contribuinte no parágrafo 8.º da sua exposição, onde afirma que os empréstimos solicitados (€ 214.000,00) e que ultrapassam o preço pago € 204.000,00), serviram para pagar outros encargos associados à compra da casa.

Nestes termos, não estão reunidas as condições para beneficiar da exclusão de tributação, prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS (…)”. (cfr. despacho e informação, a fls. 51 do PAT apenso, que se dão por reproduzidos);

O. Notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, em 18.12.2008, o Impugnante deduziu recurso hierárquico (cfr. recurso, a fls. 2 a 9 do PAT apenso, que se dá por reproduzido);

P. Em 29.12.2008, foi ordenada a remessa do recurso hierárquico à Direcção de Finanças de Lisboa (cfr. despacho, a fls. 10 do PAT apenso);

Q. Com fundamento em indeferimento tácito do recurso hierárquico, em 18.05.2009, a presente impugnação judicial deu entrada em juízo, via fax (cfr. carimbo aposto a fls. 3 dos autos).


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FACTOS NÃO PROVADOS

Não há factos que, face às várias soluções plausíveis de direito, importe registar como não provados.


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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A decisão da matéria de facto resultou da análise crítica do conjunto da prova produzida, designadamente do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que constam dos autos e do PAT apenso, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.»


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B. DO DIREITO

Antes de mais, importa notar que o acto de liquidação n.º ..........., de 4.6.2008, sindicado nos autos teve origem na reliquidação da declaração de IRS referente ao ano e 2004, inscrita na al.C) do probatório.

Importa, por outro lado, fazer ainda notar que a decisão de indeferimento expresso proferida em sede de reclamação graciosa visando a anulação da liquidação controvertida teve como suporte legal o normativo no artigo 10.º, nº.5, alínea a), do CIRS, que prevê (antecipando o entendimento que se vai sufragar) que o imóvel “de partida” e o “de chegada” têm de ser destinados à habitação própria e permanente e n.º 7 do citado preceito legal.

Na sentença recorrida considerou-se que, perante a prova produzida ficou demonstrado que dentro do prazo de 24 meses, o Impugnante (doravante recorrido) utilizou parte do produto da alienação para pagamento dos valores acordados no contrato-promessa outorgado a 10.12.2004 e destinado à aquisição da sua nova habitação, pelo que, concluiu estarem os dois requisitos previstos nas alíneas a) do n.º 5 e n.º 7 do artigo 10.º do CIRS, para efeitos de delimitação negativa da incidência de tributação.

A Fazenda Pública (doravante recorrente) não se conformou com a sentença e dela veio recorrer, alegando ter ocorrido uma errada apreciação quanto aos pressupostos previstos nos dispositivos legais supra identificados.

Mais concretamente, começa por defender que ficou por demonstrar que o imóvel adquirido (imóvel de chegada) em 13.07.2007 [cfr. ponto H. do probatório] se destinou à habitação própria e permanente do recorrido, o que a levou a colocar a seguinte interrogação: «Não tendo o tribunal a quo averiguado o destino da fração autónoma que viesse a corresponder ao 6.º andar, direito, piso 6, bloco A, freguesia de Alfragide, como pode o mesmo afirmar que se encontram verificados os requisitos previstos nas alíneas a) do n.º 5 e n.º 7 do art.º 10.º do CIRS, para efeitos de delimitação negativa da incidência de tributação?» [Conclusão H)].

Coloca-se, deste modo, a questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que o imóvel de chegada se destinou à habitação própria e permanente do recorrido ou do seu agregado familiar.

É chegado, agora, o momento de convocar o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.11.2018, proferido no processo n.º 1077/11.9BESNT (01448/17) que a propósito do regime de exclusão tributária regulado no n.º 5 do artigo 10º.do CIRS, doutrina o seguinte:

«No nº 5 deste art. 10º do CIRS prevê-se, pois, uma exclusão tributária que encontra razão de ser na protecção e favorecimento fiscal da aquisição de habitação própria e permanente [é claro o objectivo da lei: «eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias» (Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 2ª edição, p. 142.)], desde que verificados os demais requisitos ali também especificados: o ganho, proveniente da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, deve ser reinvestido, no prazo de 24 meses, na aquisição de outro imóvel (ou de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel) e este deve destinar-se, igualmente, a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar. (Sobre esta matéria cfr., igualmente, José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pp. 412/420; bem como Paula Rosado Pereira, Estudos Sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Almedina, 2005, pp. 99 a 101.) Impondo-se, portanto, que ambos os imóveis (o de partida e o de chegada) tenham a mesma destinação: habitação própria e permanente.» (disponível em texto integra em www.dgsi.pt).

Á luz da doutrina acabada de transcrever e percorrendo a matéria de facto apurada nos autos, da mesma não resulta qualquer facto caracterizador do conceito jurídico de habitação própria e permanente do recorrido ou do seu agregado familiar. Por outro lado, examinando a tramitação processual do presente processo, verifica-se que a Mmª Juiz do Tribunal «a quo», proferiu o despacho, dispensando a inquirição das testemunhas arroladas na petição de impugnação por entender que « (…) os fundamentos da presente impugnação, dependem essencialmente de prova documental.».

Como o Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado, em jurisprudência constante, o processo judicial tributário enquanto processo de partes é pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentados dentro das regras processuais. E, por isso, de harmonia com o disposto no artigo 113.º do CPPT, o juiz só pode dispensar a fase de instrução dos autos «se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários», devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115, n.º 1 e 119.º do CPPT. (Neste sentido, entre outros, vide: Acórdão do STA de 14.09.2011, proferido no processo n.º 0215/11, disponível no endereço http://www.dgsi.pt/).

Competindo ao juiz examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.

Ademais, no processo tributário são admissíveis os meios gerais de prova (artigo 115.º do CPPT), donde nada legitima a afirmação de que tais factos apenas admitam prova documental e que a inquirição da testemunha não possa constituir um contributo relevante para a descoberta da verdade quanto a essa matéria. Isto, porque o escopo primacial do processo será a realização do direito através do atingir de uma verdade material.

Face ao circunstancialismo descrito e não perdendo de vista que o imóvel de (chegada) terá que ter como destino a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar uma vez que falta deste pressuposto destrói as condições de aplicação da exclusão da incidência, tal significa que o Tribunal «a quo» incorreu não só em erro de julgamento como descurou a necessidade de fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Donde resulta a necessidade de os autos serem instruídos, nomeadamente através da produção de prova testemunhal e demais diligências que se afigurem úteis na decorrência daquela.

Com efeito, encontra-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa.

Patente é, assim, a necessidade de ampliar a matéria de facto com vista a obter todos os elementos que suportem a decisão de direito, devendo os autos baixar ao Tribunal « a quo» para que aí seja realizada a produção de prova, nos termos apontados.

Verifica-se, assim, a insuficiência de instrução determinante de anulação da sentença tal como se prevê no artigo 662.º do CPC e, por conseguinte, fica prejudicado o conhecimento das demais conclusões recursórias.

IV.CONCLUSÃO

I.O Tribunal só pode dispensar a fase de instrução dos autos «[s]e a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários» (artigo 113.º do CPPT), devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 114.º, 115º, n.º 1 e 119.º do CPPT.

II. Para que opere a exclusão tributária prevista no n° 5 do art. 10° do CIRS (exclusão da tributação do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo) a lei impõe que o respectivo ganho seja reinvestido, no prazo de 24 meses, na aquisição de um diferente imóvel e que este também tenha como destino a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

V.DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para que seja substituída por outra que decida após ampliação da base factual, nos termos supra apontados.

Sem custas.


Lisboa, 14 de janeiro de 2021

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]