Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 721/06.4BEPRT (08876/12) |
Secção: | CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO |
Data do Acordão: | 06/14/2018 |
Relator: | ANTÓNIO VASCONCELOS |
Descritores: | NULIDADES DA SENTENÇA NULIDADES DA SENTENÇA PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE |
Sumário: | I – A pretensão de alteração do modo de pagamento (directamente pela 1ª Ré por através da 2ª Ré) é “meramente instrumental”, não tendo virtualidade para consubstanciar uma alteração da qualidade ou da quantidade do pedido, pelo que não é susceptível de integrar a nulidade prevista na al. e) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC/1995 (al. e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC/2013) II- A insuficiência de fundamentação que não torne a decisão incompreensível ou a deficiência ou mediocridade da motivação afecta o valor doutrinal da sentença mas não provoca a nulidade prevista na prevista na al. b) do n.º 1 do art. 668.º/1995 do CPC (al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC/2013). III- A sentença não enferma da nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 668.º/1995 do CPC (al. b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC/2013)se se pronunciou sobre a questão da ilegalidade do § 1º do art. 33º dos Estatutos da C.... nos termos em que fora suscitada no âmbito do incidente de inconstitucionalidade (por violação do princípio constitucional da igualdade, sempre acolhido na lei de Bases da Segurança Social), só podendo a discordância da Recorrente com o sentido da decisão valer como erro de julgamento. IV- Não sendo al. d) do nº 1 do art. 33º dos Estatutos da C.... convocada para decidir o caso sub judice, a sentença recorrida, ao recusar apreciar a inconstitucionalidade imputada a essa norma (ou segmento de norma), não enferma do erro de julgamento por errada aplicação da al b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional que lhe vem assacado. V- A diferenciação decorrente do segmento da norma do § 1º do art. 33º dos Estatutos da C.... que concede às “filhas solteiras sem limite de idade (…) direito à pensão” de sobrevivência por morte do empregado falecido e não aos filhos solteiros sem limite de idade, ao tempo da aprovação da norma, encontrava justificação na situação de dependência económica que a maioria das mulheres tinha relativamente aos homens, limitadas desde logo no acesso a uma formação académica e profissional igual à destes e confinadas (culturalmente destinadas), em regra, às tarefas domésticas e à responsabilidade de cuidarem dos pais na velhice destes. VI – Mantendo-se tal fundamento material válido para o grupo residual de filhas maiores e solteiras - que atingiram a idade adulta numa época marcada pelas características sócio-económicas e culturais antes apontadas – o § 1º do art. 33º não fere o princípio da igualdade consagrado no nº 2 do art. 13º da CRP, nem, consequentemente, as disposições legais que o verteram nas sucessivas leis de bases da segurança social. VII- A pensão de sobrevivência atribuída a filhas solteiras maiores segue o mesmo regime das demais pensões de sobrevivência previstas no § 1º do art. 33º dos Estatutos da C...., nenhuma razão existindo para diferenciar qualquer um dos beneficiários (cônjuge, filhos ou filhas). VIII- Residindo a Autora fora da área da cidade do Porto, limitada pela Estrada da Circunvalação e pelo Rio Douro, não está em condições de receber o benefício de assistência médica e de enfermagem previsto no art. 3.º, al. b) dos Estatutos da C... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Conceição SilvestreAcordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I- Relatório A E... –, S.A., veio interpor o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 8 de Julho de 2011, que, julgando parcialmente procedente a acção administrativa comum intentada por R… M… de O… M… contra a E... e a C… c… de m…, condenou a ora Recorrente “a dotar a Ré C… com a quantia necessária ao pagamento à Autora das prestações mensais de pensão de sobrevivência, acrescidas de uma mensalidade a título de subsídio de Férias e outra mensalidade a título de subsídio de Natal, actualizadas anualmente de acordo com os critérios aplicados aos demais pensionistas da Ré C...., desde Junho de 1997 e enquanto se mantiver o estado de solteira da Autora, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento”. II- Dado que a 2ª ré tem fundos próprios e é uma pessoa jurídica autónoma e que não existe entre elas uma relação de mandato ou outra que o permita, não se vê como possa a 1ª ré ser condenada a cumprir uma obrigação "através da 2ª ré", seja essa uma obrigação desta ou daquela, acrescendo que as pensões e complementos de pensões e os seus aumentos foram atribuídos arbitrariamente pelos próprios beneficiários que controlavam a C...., criando situações de injustiça relativa em desfavor do pessoal da E..., gerando tensões inadmissíveis no seio desta empresa. III- Após a criação da CGA, a C.... foi remetida a uma função meramente complementar, passando a pagar apenas complementos de pensões da CGA e complementos de pensões de sobrevivência do MSE, com excepção dos funcionários aposentados antes de 1 de Janeiro de 1941 - não sendo esse o caso do pai da Autora falecido em 1969 - e suas viúvas e descendentes menores, já que então cessou o pagamento de pensões às filhas maiores, carecendo de suporte legal eventuais pagamentos feitos a estas depois dessa data. IV- Tendo a C.... sido criada há quase um século (1918) não é realista interpretar o seu "estatuto" sem recorrer aos elementos histórico, actualista e sistemático para aferir da validade das suas disposições - por exemplo, o mesmo parágrafo em que a Autora baseia o seu pedido estabelece o direito a um dote (!) em substituição da pensão - á luz das mudanças políticas como a democratização do país e das transformações sociais como a evolução da condição da mulher, bem como das correspondentes adaptações do nosso sistema jurídico. V- Os complementos de pensões, quando devidos, e como é próprio da sua função e natureza, visam assegurar ao trabalhador aposentado um valor a que tem direito, pelo que a sua actualização se faz na proporção inversa da evolução dos valores daquelas prestações, sendo certo que, quanto às pensões de sobrevivência, estas, de acordo com o artigo 29° do "estatuto", foram estabelecidas em 50% do valor do último vencimento ou da última pensão recebida pelo funcionário entretanto falecido, sendo estes, e não outros, elementos incontornáveis para fixação do valor de qualquer pensão de sobrevivência. VI- O "estatuto" da C.... é um regulamento administrativo da Lei n°88 de 7 de Agosto de 1913, do Decreto n°13.350 de 28-03-1927 e do Decreto n°13.913 de 08-07-1927 e, como tal, sujeito ao princípio e ao controlo da legalidade. As suas disposições invocadas pela autora são, a vários títulos, ilegais. VII- O artigo 20° do Decreto n°13.913, que estabelece taxativamente os benefícios que podem ser concedidos ao pessoal técnico e administrativo, incluindo a "pensão de sobrevivência" tout court e o "Auxílio pecuniário para a instrução de filhos ou filhas menores dos empregados falecidos" e as demais disposições da lei não autorizavam a que no estatuto/regulamento se estabelecesse uma classe de sucessíveis, o das "filhas solteiras sem limite de idade" sem "mau comportamento", que nem a lei civil em vigor à época consentia (cfr Código Civil Português de 1867), pelo que as disposições do "estatuto" invocadas pela Autora, com a letra e o sentido que lhe é dado pelo texto de 1934, violavam já então a lei em vigor à data em que foram aprovadas. VIII- Acresce que a Lei n°88, e com ela o Decreto n°13.350 o Decreto n°13.913, foi revogada pelo artigo 45° da Lei n°1884 de 16-03-1935, e que o Decreto n°31.095 de 31-12-1940 mandou integrar todos os funcionários, incluindo os empregados dos S...., na CGA que passou a pagar as respectivas pensões, pelo que devem considerar-se revogadas as disposições do "estatuto" que contrariem as novas leis. X- Atente-se em que a pensão de sobrevivência é um direito não do trabalhador mas do seu cônjuge e filhos menores ou incapazes, direito que nasce apenas com o evento "morte" daquele e não antes; que esse direito continuou salvaguardado após 1940, só que em moldes diferentes do previsto no "estatuto", e que o novo regime nada tem de surpreendente antes corresponde e é ditado pela inegável evolução do estatuto económico e social da mulher ao longo do século passado no sentido da sua autonomia. XI- O § 1° do artigo 33° do "estatuto" traduz-se numa discriminação em função do sexo dos beneficiários, sendo que o regime jurídico da Segurança Social, cuja Lei de Bases (Lei n.°4/2007, de 16 de Janeiro) faz obedecer os regimes de segurança social ao princípio da igualdade (Artigo 5°), opõe-se frontalmente a normas que estabeleçam privilégios em função do sexo, sendo nulas ou inválidas as disposições regulamentares em contrário, devendo assim ser declaradas ao abrigo do artigo 80° da mesma lei. XII- Salvo o instituto da usucapião, que aqui não se aplica, não consta da ordem jurídica portuguesa qualquer norma que atribua automaticamente a uma pessoa um direito a prestações periódicas e vitalícias de outra só porque, no passado, lhe foram feitas outras, mormente feitas por um terceiro, sem indagar quando nem como nem porquê. XIII- Além de que a sentença recorrida, ao inconsiderar totalmente o requisito do direito à prestação consistente na circunstância de o sujeito se encontrar "sem meios de subsistência", adoptou implicitamente o pressuposto de que o mesmo sujeito tem aquele direito à pensão de sobrevivência sem limite de idade, de "comportamento" e de fortuna, o qual não corresponde nem à letra nem ao espírito do "estatuto" em que a decisão se suporta e é de rejeitar por assim se constituir um privilégio chocantemente injusto. X- Atente-se em que a pensão de sobrevivência é um direito não do trabalhador mas do seu cônjuge e filhos menores ou incapazes, direito que nasce apenas com o evento "morte" daquele e não antes; que esse direito continuou salvaguardado após 1940, só que em moldes diferentes do previsto no "estatuto", e que o novo regime nada tem de surpreendente antes corresponde e é ditado pela inegável evolução do estatuto económico e social da mulher ao longo do século passado no sentido da sua autonomia. XI- O § 1° do artigo 33° do "estatuto" traduz-se numa discriminação em função do sexo dos beneficiários, sendo que o regime jurídico da Segurança Social, cuja Lei de Bases (Lei n.°4/2007, de 16 de Janeiro) faz obedecer os regimes de segurança social ao princípio da igualdade (Artigo 5°), opõe-se frontalmente a normas que estabeleçam privilégios em função do sexo, sendo nulas ou inválidas as disposições regulamentares em contrário, devendo assim ser declaradas ao abrigo do artigo 80° da mesma lei. XII- Salvo o instituto da usucapião, que aqui não se aplica, não consta da ordem jurídica portuguesa qualquer norma que atribua automaticamente a uma pessoa um direito a prestações periódicas e vitalícias de outra só porque, no passado, lhe foram feitas outras, mormente feitas por um terceiro, sem indagar quando nem como nem porquê. XIII- Além de que a sentença recorrida, ao inconsiderar totalmente o requisito do direito à prestação consistente na circunstância de o sujeito se encontrar "sem meios de subsistência", adoptou implicitamente o pressuposto de que o mesmo sujeito tem aquele direito à pensão de sobrevivência sem limite de idade, de "comportamento" e de fortuna, o qual não corresponde nem à letra nem ao espírito do "estatuto" em que a decisão se suporta e é de rejeitar por assim se constituir um privilégio chocantemente injusto. XV- A douta sentença recorrida, ao indeferir a questão da inconstitucionalidade da norma constante do corpo e alínea d) do § 1° do artigo 33° do "estatuto", segundo a qual "A distribuição e pagamento da pensão de sobrevivência à família do empregado falecido" será feita pelas "suas filhas solteiras sem limite de idade" enquanto não "tiverem mau comportamento, devidamente comprovado", com o fundamento de que aquele artigo contém mais do que uma norma e que apenas é aplicada na decisão aquela que concede o direito a pensão de sobrevivência às "filhas solteiras sem limite de idade ou mesmo viúvas sem meios de subsistência ", salvo o devido respeito, faz errada aplicação do artigo 70°/1/b da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela leis n°s 143/85, 85/89, 88/95 e 13-Â/98), porquanto confunde disposição ou preceito com norma. XVI- Com efeito, sendo verdade que uma disposição pode conter mais do que uma norma mas também o é que uma norma pode ser expressa em mais do que uma disposição. A norma em questão refere um sujeito, ou melhor uma categoria de sujeitos, (as filhas) e vários atributos desses sujeitos que são condições ou termos da estatuição (solteiras, sem limite de idade) e ainda outro ("bem comportadas") que não pode deixar de se incluir no enunciado da norma só porque se encontra expresso numa das alíneas, por óbvias razões de exposição, como é frequente nos textos jurídicos. Ou seja, a norma ficaria incompleta no seu sentido se não incluísse a segunda parte que só figura na alínea d) por limitações de exposição do raciocínio do legislador; portanto por meras razões de linguagem. XVII- A parte inicial da norma (§ 1° do artigo 33° do "estatuto"), só por si, já desrespeita o princípio constitucional da igualdade no sentido da não discriminação em função do sexo (género); a parte final da mesma norma faz uma discriminação com base em juízos morais e em função das opções sexuais dos indivíduos, mostrando-se ainda desrespeitado o princípio da autonomia individual. XVIII- Contrariamente a uma inverdade incessantemente repetida nos processos como este, a E... nunca deixou de dotar a C.... das somas que esta lhe exigia para pagar os complementos de pensões de aposentação aos ex-trabalhadores e os complementos de pensões de sobrevivência realmente justificados. A E... celebrou mesmo em 2009 acordos individuais com os beneficiários da C.... aos quais aderiram 97% dos beneficiários. XIX- As decisões judiciais anteriores sobre situações semelhantes à da Autora não são relevantes para o presente caso, mesmo quanto ao mérito, porque naqueles processos só foi discutida a questão geral, já ultrapassada, de saber se a E... tinha ou não "sucedido" à C… na obrigação de financiamento da C...., havendo outras razões, porventura fundamentais, para a determinação do direito subjectivo da Autora como a constituição desse direito, a validade do "estatuto" ou os requisitos pessoais da Autora e o preenchimento da previsão normativa. XXIII- Igualmente, nenhuma norma legal ou estatutária prevê o pagamento de 14 prestações por ano de pensões de sobrevivência a filhos maiores e capazes. «A - Na matéria assente reconhece-se que a aqui recorrida fez entregar à C.... desde 1988 até 1994 (alíneas o) e p). B - Que entre 1988 e 1992as entregas foram feitas por conta da C…: alínea q). C- A aqui recorrente intentou uma acção judicial com sentença proferida e transitada que condenou a aqui recorrida a pagar à recorrente através da C…. a quantia por ela peticionada a título de pensões devidas e não pagas, acrescidas dos respectivos juros de mora contados à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das quantias mensais até efectivo e integral pagamento, decisão que foi confirmada por Acórdão do STA, proferido em 30 de Setembro de 2003-Documentos n°4 a 6 juntos à petição inicial (alínea u) da matéria assente D - Neste processo foram peticionadas as quantias relativas às quantias vencidas à data da entrada da acção, tendo a Ré "E..." pago as prestações mensais vencidas até Maio de 1996 - Documentos n°4 a 7 juntos à petição inicial e admitidos por acordo -alínea v) da matéria assente E - Nos cálculos dos valores pagos nessa acção a prestação mensal reclamada pela recorrente e fixada pelo Tribunal no ano de 1994 era de 115.042$00 com o contravalor de € 573,83, F - Assim sendo por aí estar definido o valor e a recorrida não ter impugnado o teor do documento, deverá dar-se como provado que em 1994 a pensão auferida pela recorrente era de 15.042$00 com o contravalor de € 573,83, G - Devendo a resposta ao quesito 2° ser corrigida acrescentando-se que em 1994 era de 115.042$00 com o contravalor de € 573,83 H - Violou a douta sentença em crise o disposto no artigo 515 do C.P.C e 371 do CC. I- A recorrente logrou descortinar o regulamento provisório de Assistência na Doença em vigor à data dos factos em análise. J - E resulta da matéria assente que a recorrida tinha comparticipação em despesas médicas e de enfermagem alínea s) da matéria assente L - Por ser documento superveniente na posse e do conhecimento da recorrente pode ser ora junto. M- Tal regulamento fundamenta regulamentarmente a atribuição da assistência médica e de enfermagem. N- Aí no essencial atribui-se uma comparticipação de 90% nessas despesas médicas, medicamentosas, de enfermagem e hospitalares aos pensionistas e familiares. O - Daí a matéria assente constante da alínea s) na douta sentença em crise. P- Deverão pois, também proceder os pedidos formulados nas alíneas F) e G) da P.I. Q - Por existência de regulamento e de prática da C.C.M. que tal concede. R - Violou a douta decisão em crise o disposto nos Estatutos da C.C.M conjugados com o regulamento provisório de Assistência na Doença dessa Caixa conjugado com o artigo 45 ° do contrato de concessão».
2.1- A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos que se passam a transcrever: a) A Autora é filha solteira de J…P… de O… M…, falecido em 1969, e de M…G… de O… M… - Documento n°1 junto à petição inicial; b) A Caixa "C… de M…" de Socorros e Aposentação do Pessoal dos Serviços M… G… e E… do P… foi instituída em 1918, pela Comissão Administrativa dos Serviços M… G… e E…do Porto, e o seu Estatuto foi aprovado pela Comissão Administração dos Serviços M… G… e E… em sessão de 2 de Maio de 1934 e pela Comissão Administrativa da C…a M… do P… em sessão de 24 de Maio de 1934 - Documento n°13 junto à contestação da ré E...; c) Os fins ou vantagens da Caixa "C....de M..." consistem, designadamente, em: d) O Estatuto da Caixa "C… de M…" obrigava à inscrição de todo o pessoal efectivo dos Serviços Municipais de G… e E… - Documento n°13 junto à contestação da ré E...; e) A dotação da caixa "C… De M…" é constituída designadamente: f) Nos termos do artigo 5° do Estatuto da Caixa "C....de M... os fundos da Caixa dividem-se em permanente, disponível e de reserva: g) Nos termos do artigo 32° do Estatuto da Caixa "C…de M…" entende-se por família do empregado, e, portanto, com direito às pensões de sobrevivência estabelecidas pelo Estatuto, em primeiro lugar, sua viúva, filhos e filhas - Documento n°13 junto à contestação da ré E...; h) Estabelece o artigo 33° do Estatuto da Caixa "C… de M…" que a "distribuição e pagamento da pensão de sobrevivência à família do empregado falecido, serão regulados, pela seguinte forma: i) O pai da Autora, o qual esteve ao serviço dos Serviços Municipalizados de G… e E… (S....) do Porto contribuiu, durante dezenas de anos, para a "Caixa C… M" - Resposta ao quesito 1. j) Entre o Município do Porto e a Electricidade de Portugal, SA… (E...) foi celebrado, em 29 de Maio de 1992, "contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão concelho do Porto", por força do qual a Câmara Municipal, outorgando em representação do Município do Porto, concedeu à Electricidade de Portugal, S (E...), a distribuição de energia eléctrica em baixa tensão na área do Município do Porto - Documento n°18 junto à contestação da ré E...; k) Nos termos do artigo 11° deste contrato de concessão "1 - A data de início de concessão é reportada a 29 de Janeiro de 1988. 2 - A transferência de pessoal do quadro dos S.... para a E..., terá efeitos a partir da data de assinatura do presente contrato, assumindo a E..., toda a responsabilidade e todos os encargos e obrigações inerentes" -Documento n°18 junto à contestação da ré E...; l) Nos termos do artigo 45° (Situações Anteriores à Concessão) deste contrato de concessão "A E... assumirá todos os direitos e obrigações derivados dos actos ou contratos praticados ou celebrados pela C.M. Porto - S.... que digam respeito à distribuição concedida" - Documento n°18 junto à contestação da ré E...; n) O anexo II ao contrato de concessão contém a relação do "Pessoal a integrar nos quadros da E..., com efeitos a partir de 1 de Junho de 1992" - Documento n°18 junto à contestação da ré E...; o) Durante dois anos a contar da data da assinatura do contrato de concessão a E... entregou pontualmente à "Caixa C....de M..." as quantias que lhe foram exigidas pela Caixa -Admitido por acordo; p) Tais entregas provinham desde Fevereiro de 1988 - Admitido por acordo; q) As entregas referidas nas alíneas o) e p) foram feitas por conta da Câmara Municipal do Porto até à celebração do "contrato de concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão concelho do Porto", referido na alínea j) - Resposta ao quesito 5; r) A partir de Maio de 1994 a E... deixou de proceder a tais entregas à "Caixa C....de M..." - Admitido por acordo; s) A Autora desde a morte do seu pai até Maio de 1994 recebia a pensão de sobrevivência, a qual era no montante de 86.830$00, em Novembro de 1991 e em Janeiro de 1992 e de 100.180$00, em Agosto e Outubro de 1993, e tinha comparticipação em despesas médicas e de enfermagem - Resposta ao quesito 2; t) Enquanto a Autora recebeu pensão de sobrevivência a mesma foi aumentada por diversas vezes - Resposta ao quesito 3; u) A Autora intentou, com outros, no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto acção de condenação, sob a forma ordinária, na qual foi proferida sentença em 29 de Novembro de 2000 por força da qual a "EN - Electricidade do Norte, S.A" foi condenada a pagar à Autora, por intermédio da "Caixa C....de M...", a quantia por ela peticionada a titulo de pensões devidas e não pagas, acrescidas dos respectivos juros de mora contados à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das quantias mensais até efectivo e integral pagamento, decisão que foi confirmada por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 30 de Setembro de 2003 - Documentos n.°s 4 a 6 juntos à petição inicial; v) Neste processo foram peticionadas as quantias relativas às quantias vencidas à data da entrada da acção, tendo a Ré "E..." pago as prestações mensais vencidas até Maio de 1996 - Documentos n.°s 4 a 7 juntos à petição inicial e admitido por acordo; w) A Ré "E..." denomina-se "E... Distribuição-Energia, S.A.", sendo resultante da fusão, nos termos do Decreto-Lei n°4/2000, de 20 de Janeiro, das sociedades "Cenel -Electricidade do Centro, S. A.", "EN - Electricidade do Norte, SA", "LTE - Electricidade do Lisboa e Vale do Tejo, S.A." e "SLE - Electricidade do Sul, S. A." - Documento n°1 junto à contestação da ré E...; x) A Autora não tomou conhecimento nem deu anuência ao contrato de concessão celebrado entre a Câmara Municipal do Porto e a E... ao qual foi completamente alheia -Admitido por acordo».
* 3.1- Considerando que a Autora, em recurso subordinado, assaca à sentença recorrida erro de julgamento de facto, impõe-se começar pela sua apreciação. Vejamos. A Autora, nas conclusões A) a H) das suas alegações, vem sustentar, em síntese, que a sentença recorrida viola os arts 515º do CPC e 371º do CC por não ter dado por provado - apesar de não terem sido impugnados os documentos 4 a 6 juntos com a petição inicial – que a sua pensão de sobrevivência, em 1994, era de 115.042$00 com o contravalor de € 573,83, pedindo que a resposta ao quesito 2.º da base instrutória seja corrigida, acrescentando-se-lhe essa factualidade. Ora, do quesito 2º, no respeitante à factualidade agora em causa, constava o seguinte: “A Autora desde a morte do seu pai até Maio de 1994 recebia a pensão de sobrevivência no montante de 115.042$00 (573,83 €) (…)? A sentença recorrida deu por provado que a A. desde a morte do seu pai até Maio de 1994 recebia a pensão de sobrevivência, a qual era no montante de 86.830$00 em Novembro de 1991 e em Janeiro de 1992, e de 100.180$00 em Agosto e Outubro de 1993 (cfr. al. s) do ponto II), e deu por não provado que “A pensão de sobrevivência recebida pela Autora em Maio de 1994 tinha o montante de 115.042$00 (573,83€)” (vide 2.2 supra). Contudo, escrutinando a petição inicial e a contestação da Ré E..., verifica-se que: - No artigo 43º daquele primeiro articulado, a A. alegara que “(…) recebia, em Maio de 1994, uma pensão mensal líquida no valor de 115.042$00, com o contravalor de 573, 83€”; - na contestação essa matéria não está impugnada (vide artigo 124º) e antes está expressamente admitida no seu artigo 123º, onde pode ler-se que “A pensão de sobrevivência da A., computa-se no valor mensal peticionado na acção referida no artigo 112º “ (115.042$00, em conformidade com o artigo 113º da p.i. da acção nº 253/97 que correu termos no TAC do Porto, e que foi confirmada por acórdão do STA de 30/09/2003, proc. nº 47778 – cf. docs nºs 4, 5 e 6 juntos com a p.i. dos presentes autos, respectivamente, petição inicial, sentença e acórdão). Só por isto, a factualidade agora em questão não deveria de ter sido levada ao questionário, mas desde logo à matéria assente em conformidade com o art 490º do CPC. Mas acresce que, na sentença proferida no âmbito do já referido Proc. n.º 253/97- em que foi Autora a ora Recorrente subordinada e Ré a E...-, ficou provado que o montante da pensão de sobrevivência era, em Maio de 1994, de 115.042$00. Assim, em face do exposto, não pode deixar de proceder a parte ora apreciada do recurso subordinado, intercalando-se na al. s) do ponto II – imediatamente a seguir a “Agosto e Outubro de 1993”, o seguinte: e de 115.042$00, com o contravalor de € 573,83, em Maio de 1994. Resolvida a questão de facto suscitada no recurso subordinado, há que passar de imediato à apreciação do recurso principal e, só depois, se ainda for o caso, apreciar as demais questões do recurso subordinado. 3.2- Assim, comecemos por analisar as nulidades imputadas à sentença recorrida. A)- Sustenta a Recorrente E... que a sentença recorrida é nula por, em conformidade com a al. e) do nº 1 do art. 668º do CPC/1995 (aqui aplicável e a que corresponde a al. e) do nº 1 do art 615º do CPC/2013), ter condenado a Ré E... em objecto diverso do pedido - a dotar a Ré C.... com a quantia necessária ao pagamento à Autora das prestações mensais de pensão de sobrevivência - quando a Autora pedira primeiro que a E... fosse condenada a pagar-lhe (a ela) essa pensão, pedido que depois alterou para que a mesma fosse condenada a pagar tal pensão através da C...., ou seja a pagar tal pensão à C.... (com refª às conclusões 1ª e 2ª). O pedido a que a Recorrente E... se refere é o que se mostra formulado na alínea C) da petição inicial, ou seja, que a Ré seja condenada “A pagar a pensão mensal de 822,36 durante cada um dos meses do ano, acrescida de uma mensalidade a título de subsídio de férias e outra mensalidade a título de subsídio de natal, desde a propositura da acção e enquanto se mantiver o estado de solteira da Autora”. Ora, este pedido de condenação da Ré E... não explicita se os pagamentos aí referidos devem ser feitos pela E... directamente à Autora ou através da Ré Caixa C....de M.... Porém, os dois pedidos que o antecedem, formulados na petição inicial sob as alíneas A) e B), referem expressamente a pretensão de que a 1ª Ré seja condenada “A pagar à Autora, através da 2ª Ré”, a quantia de 99.962.78€ referente a prestações de pensão devidas desde Junho de 1996 até à data da propositura da acção e “A pagar à Autora, através da 2ª Ré”, a quantia de 26.047,33€ referente a juros vencidos. E o pedido formulado na al. G) do mesmo articulado refere expressamente que a 2ª Ré (C....) deve ser condenada a pagar à Autora as pensões referidas nas alíneas anteriores, onde se compreendem as prestações que são pedidas na alínea C) uma vez que esta alínea é uma das alíneas anteriores à alíne G). Face a esta concreta contextualização do pedido formulado na alínea C) (que não diz expressamente se os pagamentos aí referidos devem ser feitos pela E... directamente à Autora ou através da Ré C....), ou seja, conjugando-o com os pedidos formulados nas alíneas A) e B) (que expressamente referem o pedido de condenação da Ré E... a pagar à Autora, através da Ré C....) e, sobretudo, com o pedido formulado na alínea G) (de condenação da C.... a pagar à Autora as pensões referidas nas alíneas anteriores), a interpretação que parece resultar, sem esforço, desse contexto em que está integrado o pedido de condenação formulado na alínea C) da petição inicial é, ainda, a de que a E... seja condenada a pagar à Autora, através da Ré C...., as prestações aí referidas. E isto seria suficiente para concluirmos pela improcedência da nulidade invocada pela Ré E... na conclusão 1ª das suas alegações. Porém, em face da crítica feita pela Ré na contestação, a Autora veio requerer a alteração dos termos do pedido de condenação da alínea C), devendo esse pedido passar ser também o de condenação da E... “A pagar à Autora, através da 2ª Ré”. Ora, mesmo a admitir que a Autora, com este comportamento, tivesse aceitado que, no pedido formulado na alínea C) da petição inicial, havia pretendido a condenação da E... a pagar-lhe directamente as prestações aí referidas, sempre se terá de concluir que a sentença não condenou a E... em pedido diverso do formulado pela Autora. É que resulta da petição inicial que a presente acção tem por causa de pedir o incumprimento do contrato de concessão na parte que transmitiu para aquela a obrigação de dotar a Caixa C....de M... das verbas previstas nos estatutos desta, sendo a Ré E... demandada na qualidade de responsável pelo pagamento dessas quantias. Sendo assim, sempre haveria que interpretar a pretensão da Autora de ver as quantias pagas através da C..... De qualquer forma, a sentença recorrida não condenou em quantidade superior à pedida nem modificou a qualidade do pedido. O “modo de pagamento, seja directamente ou através da Caixa C....de M..., é meramente instrumental”, não tendo a virtualidade de alterar a qualidade ou a quantidade do pedido (vide in www.dgsi.pt, com maior desenvolvimento, Ac. do STA de 30/09/2003, proc. 47 778, que, nesta parte, aqui acompanhámos). Improcede, pois, a nulidade assacada à sentença na conclusão 1ª (e ainda conclusão 22ª) das alegações da Recorrente E.... B- A Recorrente E..., na conclusão 14ª, argui a nulidade da sentença por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia sobre a questão da legalidade que diz ter sido suscitada por si. Determinavam as alíneas b) e d) do n° l do art. 668º do CPC/1995 (a que correspondem as als. b) e d) do nº 1 do art 615º do CPC/2013) respectivamente que a sentença é nula quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” ou “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Começaremos pela nulidade por omissão de pronúncia que, a ocorrer, consome a nulidade por falta de fundamentação, na medida em que, não sendo apreciada questão que devesse sê-lo, inexiste naturalmente especificação de fundamentação. Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cf. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984, pág. 140; e, entre muitos outros, acórdãos do STA de 11-09-2007, proc. nº 59/07 e de 10-09-2008, proc. nº 812/07. Ora, face ao disposto nos artigos 659º, nº 2 e 660º, nº 2 do CPC/1995 (a que correspondem os arts 607º, nº 3 e 608º, nº 2 do CPC/2013), a nulidade prevista na citada al. d) do nº 1 do art. 668º do mesmo diploma só ocorre quando a sentença ou acórdão não aprecie questões suscitadas, sendo questões para este efeito todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando debatidos entre as partes (vide Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, pág. 112), que não só não se confundem com as considerações, razões ou argumentos utilizados pelas partes na defesa das suas posições, como, sobre estas, não está o juiz obrigado a pronunciar-se (cf. Alberto dos Reis, obra antes citada, pág. 143, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, pág. 228). Ainda, neste sentido, vejam-se acórdãos do STA de 21-02-2002, proc. n.º 34.852 (Pleno) e de 10-03-2005, proc. n.º 46.862 (ambos in www.dgsi.pt). Também não há nulidade por omissão de pronúncia quando a sentença se abstém de conhecer de uma questão, mas indica as razões pelas quais se não conhece dela (vide art. 660º/2 do CPC/1995). A este respeito já sublinhava Alberto dos Reis que “realmente uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre a questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” (cf. Alberto dos Reis, obra antes citada, pág. 143). Neste caso, pode haver erro de julgamento, mas não se verifica a nulidade da sentença (na jurisprudência, entre outros, Acs do STA de 11-09-2007, proc. nº 059/07 antes citado, e proc. nº 898/06, in www.dgsi.pt). Acresce ainda que o erro de direito não se integra no conceito de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia. * Vejamos, então, a omissão de pronúncia agora a apreciar.A ora Recorrente, nas suas alegações de recurso (ponto 5), veio dizer que “A seu tempo deduziu as questões da ilegalidade e da inconstitucionalidade das normas em que a A fundamenta os seus pedidos e que constam do artigo 33º do estatuto da 2ª ré (…)”. Percorrendo os autos, verificamos que nada foi dito na contestação da Ré E... sobre a ilegalidade desse preceito e que, nas suas alegações de direito (ponto 15), veio dizer que suscitara «antes as questões da legalidade (face à LBSS) e da constitucionalidade do § 1º do artigo 3º do estatuto da Caixa “C....de M...”, por manifesta e clara violação de normas e princípios daquela Lei de Bases e da nossa Lei Fundamental, em termos que aqui se não transcrevem mas que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos». Serve isto para dizer que a Recorrente E... só pode estar a referir-se à ilegalidade nos termos em que se mostra plasmada no seu requerimento do “incidente de inconstitucionalidade” (fls 610 e segs). Ora, do referido requerimento consta, com reporte à ilegalidade do § 1º do art. 33º do Estatuto da C...., que: «Do confronto das normas em crítica com as disposições constitucionais que as desautorizam, recorde-se que estas já foram naturalmente recebidas no quadro legal fundamental da Segurança Social, cuja Lei de Bases (Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro) faz obedecer os regimes de Segurança Social ao Princípio da igualdade (Artigo 5º)”. De acordo com o artigo 7º da LBSS, “o princípio da igualdade consiste na não discriminação dos beneficiários, designadamente em razão do sexo (…)”». E, em termos de conclusão, acrescenta que as disposições do §1º do art. 33º do estatuto em que “a A se baseia ofendem frontalmente os princípios constitucionais da igualdade de género e da não discriminação em função das opções sexuais (…)», pelo que deve proceder a inconstitucionalidade com a consequente nulidade das normas constantes do § 1º do artigo 33º do (…), na medida em que concede às filhas solteiras sem limite de idade (…) o direito à pensão de sobrevivência”. Resulta com evidência que a questão da ilegalidade está circunscrita àquele enquadramento de violação do princípio constitucional da igualdade, sempre acolhido na lei de Bases da Segurança Social. Daí que a sentença recorrida tenha integrado a questão da ilegalidade dos estatutos na problemática da inconstitucionalidade suscitada no incidente e tenha decidido nessa conformidade. A Recorrente poderá não concordar com o sentido da decisão, ou seja, de que a norma do estatuto não é ilegal, mas essa discordância só pode valer como erro de julgamento. Em suma, não ocorre a invocada omissão de pronúncia sobre a questão da ilegalidade do § 1º do art. 33º do Estatuto da C.... nos termos suscitados pela E..., improcedendo a 2ª parte da conclusão 14ª. * Mas adianta-se que também não se verifica a alegada falta de fundamentação.É sabido que o imperativo constitucional do nº 1 do art.º 205º manda fundamentar as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, prescrevendo o nº 1 do art.º 158º do CPC/1995 (actual 154º do CPC/2013) que «as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas». E considerando o referido art.º 668º, n.º 1, al. b) do CPC/1995, é nula a sentença “quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Significa isto que não basta que o Juiz decida a questão que lhe é colocada, tornando-se também necessário que refira as razões que o levaram àquela decisão e não a outra de sentido diferente. Mas é preciso esclarecer que só a falta absoluta de motivação ou um grau de insuficiência que corresponda a essa falta constitui nulidade. A insuficiência que não torne a decisão incompreensível, a deficiência ou a mediocridade da motivação, como já ensinava Alberto dos Reis (cf. obra antes citada, pág. 140), afecta o valor doutrinal da sentença, que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não provoca a sua nulidade. Igualmente, um eventual erro ou discordância quanto à fundamentação de facto e de direito constante da sentença não é gerador da nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do art. 668.º/1995 do CPC. Ora, na sentença recorrida consta designadamente que «Como bem refere o Parecer Jurídico junto aos autos (…) a inconstitucionalidade estará no “§ 1º do artigo 33.º do Estatuto da C...., ao atribuir a pensão de sobrevivência a quaisquer filhas dos trabalhadores maiores e solteiras, negando-a a todos os filhos nessas circunstâncias”. D)- A Recorrente veio ainda, na conclusão 23ª, invocar a nulidade da sentença igualmente estabelecida na citada al. b) do nº 1 do art. 668º, mas agora alegando ser essa peça processual completamente omissa “…quanto à fundamentação da condenação da ré no pagamento da 13ª e da 14ª prestações, inexistindo norma legal ou estatutária a prever o pagamento destas prestações por ano de pensões de sobrevivência a filhos maiores e capazes”. O que a E... defende é que, da norma do corpo do § 1º do citado art. 33º - que concede o direito a pensão de sobrevivência “às "filhas solteiras sem limite de idade ou mesmo viúvas sem meios de subsistência" - ainda faz parte a al. d) desse parágrafo, segundo as palavras da Recorrente filhas solteiras “bem comportadas”, porquanto o corpo do parágrafo ficaria com um sentido incompleto “se não incluísse a segunda parte que só figura na alínea d) por limitações de exposição do raciocínio do legislador”. Por esta via pretende a Recorrente fazer crer que a referida alínea tem aplicação no caso concreto e que, em consequência, o tribunal teria de apreciar a sua inconstitucionalidade (por “discriminação com base em juízos morais e em função das opções sexuais dos indivíduos” e por desrespeito do “princípio da autonomia individual”), o que não fez por errada aplicação do art 70º, al. b) da Lei do Tribunal Constitucional. * B)- De qualquer forma a E... insiste em que a norma do corpo daquele § 1º que concede a pensão de sobrevivência às "filhas solteiras sem limite de idade” “desrespeita o princípio constitucional da igualdade no sentido da não discriminação em função do sexo (género)”, pelo que a sentença recorrida, ao assim não ter entendido, incorreu em erro de julgamento (1ª parte da conclusão 17ª). Vejamos. A questão da inconstitucionalidade daquele normativo foi suscitada no incidente de inconstitucionalidade (fls 610 a 614), tendo o tribunal, por despacho de fls 635, relegado o seu conhecimento para a decisão final e consignado que “tomará apenas em consideração a alegação (de direito) referente à inconstitucionalidade das normas que sejam aplicáveis ao caso em apreço”. Ora, a questão que se coloca a este tribunal é a de saber se a diferenciação decorrente do segmento da norma do § 1º do art. 33º do Estatuto da C.... que concede às “filhas solteiras sem limite de idade (…) direito à pensão” de sobrevivência por morte do empregado falecido e não aos filhos solteiros sem limite de idade tem, nos nossos dias, uma justificação válida (fundamento material, bastante ou suficiente) porque, a não ter, violará o princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP, maxime, no seu nº 2. Na verdade, o princípio da igualdade, como afirma GOMES CANOTILHO, in “A Concretização da Constituição pelo Legislador e pelo Tribunal Constitucional nos 10 anos da Constituição”, 1987, pág. 354, “não tolhe a liberdade de conformação do legislador no sentido do tratamento desigual de situações materialmente desiguais”. Enquanto norma de controlo, o referido princípio permite “a consideração como inconstitucional de uma medida consagradora de soluções desiguais se e na medida em que não se descortinar qualquer fundamento material para a distinção”. Assim, a resposta à questão antes enunciada, requer, antes de mais, que se conheça o fundamento que presidiu à criação do segmento transcrito da norma dos Estatutos da C.... que aqui convoca a sua aplicação. A diferenciação decorrente da norma a favor das filhas solteiras, ao tempo da sua aprovação, encontrava justificação na situação de dependência económica que a maioria das mulheres tinha relativamente aos homens, limitadas desde logo no acesso a uma formação académica e profissional igual à destes e confinadas (culturalmente destinadas), em regra, às tarefas domésticas e à responsabilidade de cuidarem dos pais na velhice destes. Tal dependência económica, que existia das filhas enquanto solteiras relativamente ao pai (e depois de casadas relativamente ao marido), constituía fundamento material bastante do segmento da norma que atribui a pensão de sobrevivência àquelas sem limite de idade e não aos filhos solteiros sem limite de idade. Se esse fosse ainda o contexto actual, não se poria em causa a conformidade do segmento da norma com o princípio constitucional da igualdade. Não obstante estarmos de acordo com a Recorrente E... na consideração de que a realidade social e jurídica actual já não justifica a diferenciação decorrente da norma a favor das filhas solteiras maiores de idade, a questão está em saber se a situação de dependência económica das filhas solteiras que nasceram e atingiram o estado adulto no contexto sócio-cultural e económico que justificou a aludida diferenciação se manteve, ou não, até aos nossos dias. É sabido que a regra (que naturalmente admite excepções) é a de que as condições de independência económica baseadas numa actividade profissional no mundo do trabalho se adquirem e desenvolvem até à idade adulta, pelo que, para as filhas maiores (só destas se trata) solteiras que, tendo nascido e atingido a idade adulta no contexto sócio-cultural e económico antes descrito, o fundamento material que justificou a diferenciação decorrente da norma só a favor delas e não também dos filhos maiores solteiros, se arrasta quase integralmente até aos nossos dias. É o que ocorre com a situação da Autora, que, conforme resulta do seu assento de nascimento junto a fls 23, nasceu em 26/10/1934, tendo, por isso, em 2/04/1976 (data de aprovação da CRP), 41 anos. É por isso que, mantendo-se tal fundamento material válido para esse grupo residual de filhas maiores e solteiras - que atingiram a idade adulta numa época marcada pelas características antes apontadas – entendemos que o § 1º do art. 33º não fere o princípio da igualdade consagrado no nº 2 do art. 13º da CRP, nem, consequentemente, as disposições legais que o verteram nas sucessivas leis de bases da segurança social. E, isto, mesmo sem entrarmos em consideração com o facto de o direito a que a Autora se arroga, tendo nascido com o decesso do pai, em 1969, também colocar, com pertinência, a aplicação do princípio da tutela dos direitos adquiridos e em formação - enquanto dimensão do princípio da protecção da confiança que também tem fundamento constitucional - que foi sempre acolhido na sucessiva legislação da segurança social (designadamente no art. 77º da Lei 28/84, de 14/08, e nos arts 20º e 66º da Lei 4/2007, de 16/01) e, bem assim, na manutenção de anteriores regimes especiais. Perante todo o exposto, concluímos que também não existe o erro de julgamento invocado na 1ª parte da conclusão 17ª. E, na medida em que o que acabou de se dizer vale para afastar a alegada ilegalidade por violação do princípio da igualdade vertido no art. 5º da actual Lei de Bases da Segurança Social – Lei nº 4/2007, de 16/01 - improcede também a conclusão 11ª. C)- Mas também não se vê que a Recorrente E... tenha razão ao sustentar que, atenta a natureza regulamentar dos Estatutos da C...., o § 1º do art. 33º, com a letra e o sentido que lhe é dado pelo texto de 1934, já violava, na data da sua aprovação, o art. 20º do Decreto 13.913, de 8/7/1927, por estabelecer uma classe de sucessíveis – “as filhas solteiras sem limite de idade” “sem mau comportamento”– que nem a lei civil consentia. Já dissemos que a al. d) do § 1º do art. 33º dos citados Estatutos não tem aplicação no caso sub judice, pelo que não se apreciará a eventual ilegalidade do disposto nessa alínea, ocupando-nos apenas o corpo desse parágrafo. Vejamos, então, o que se oferece dizer. O art. 19º do decreto 13.913 prevê que os regulamentos das caixas de reformas, pensões e socorros, a estabelecer obrigatoriamente pelas câmaras municipais, incluam as normas de inscrição e respectivas vantagens ou regalias, e o art. 20º do mesmo diploma vem elencar as vantagens e regalias dessas caixas, prevendo, entre elas, no seu nº 7, a “Pensão de sobrevivência à família”, pelo que, sendo as filhas família do trabalhador e suas sucessíveis sem limite de idade, não se vê onde resida a ilegalidade originária do § 1º do art. 33º invocada pela Recorrente. Mas a E... vem ainda acrescentar que «a Lei nº 88, e com ela o Decreto nº 13.350 e o Decreto nº 13.913, foi revogada pelo artigo 45º da Lei nº 1884 de 16-03-1935 e que o Decreto nº 31.095 de 31-12-1940 mandou integrar todos os funcionários, incluindo os empregados dos S...., na CGA que passou a pagar as respectivas pensões, pelo que devem considerar-se revogadas as disposições do “estatuto” que contrariem as novas leis» (conclusão 8ª das alegações de recurso). Registamos que a Lei nº 1884, de 16/3/1935, que veio especificar as instituições de previdência que ficam reconhecidas como sendo de previdência social, tem apenas 23 artigos, pelo que é impossível escrutinar o pretendido pela Recorrente. Já quanto à alegação da Recorrente de que o Decreto 31.095, de 31/12/1940, estabeleceu a inscrição obrigatória dos trabalhadores dos serviços municipalizados na CGA a partir da sua entrada em vigor, não se compreende o seu alcance. Com efeito, como vem reconhecido nomeadamente nos artigos 67º a 72º da contestação da E... e no parecer por si junto, pese embora aquele diploma, a fragmentarização na protecção social do funcionalismo público continuou a ser permitida e foi mantida, “consubstanciada na manutenção de múltiplos esquemas de prestações sociais, complementares ou substitutos do sistema geral”. É, aliás, a razão da existência da C.... até aos nossos dias, independentemente de saber a quem cabe o seu financiamento para o pagamento de pensões e complementos a um número significativo de reformados e de pensionistas de sobrevivência. Pelo exposto, improcedem igualmente as conclusões 6ª a 10ª. D)- Na 1ª parte da conclusão 23ª, a Recorrente alega ainda que “nenhuma norma legal ou estatutária prevê o pagamento de 14 prestações por ano de pensões a filhos maiores e capazes”. Vejamos. Na contestação da Ré E... e nas suas alegações de direito, não vem questionado o direito da Autora à 13ª e 14ª prestações da pensão de sobrevivência. Com efeito, na primeira daquelas peças processuais apenas vem posto em causa que a obrigação de financiar a C.... para a satisfação das obrigações desta para com os pensionistas tenha sido transferida para a E.... Já na segunda peça processual, reconhece como obrigação sua dotar a C.... com subsídios previstos nos Estatutos desta, na medida em que são necessários ao cumprimento das obrigações legitimamente constituídas para com os seus beneficiários, tendo considerado ser inconstitucional e ilegal a norma que atribui a pensão de sobrevivência a filhas solteiras maiores. Apenas nas alegações do presente recurso, para acautelar uma eventual improcedência das inconstitucionalidades e ilegalidades invocadas, a E... veio sustentar a inexistência de norma legal ou estatutária que preveja o pagamento de 14 prestações por ano de pensões a filhas solteiras maiores. Como já se disse, a pensão de sobrevivência atribuída a estas há-de seguir o mesmo regime das demais pensões previstas no § 1º do art. 33º dos Estatutos da C...., designadamente o regime da pensão de sobrevivência da viúva do empregado falecido, que desde muito antes da celebração do contrato de concessão já compreendia as referidas 13ª e 14ª prestações anuais, nenhuma razão existindo para diferenciar qualquer um dos beneficiários (cônjuge, filhos ou filhas). Aliás, dos termos da condenação da Ré na sentença (transitada em julgado) proferida na acção nº 253/97 que correu termos no TAC do Porto, em conjugação com os artigos 114º a 116º da petição inicial, resulta que aquela foi condenada a pagar à Autora, por intermédio da C...., as quantias peticionadas a título de pensões devidas e não pagas que incluíam os respectivos subsídios de férias e de Natal (docs nºs 4, 5 e 6, juntos com a p.i). Posto isto, a sentença recorrida, ao condenar a Ré E... designadamente a dotar a C.... com a quantia necessária ao pagamento à Autora de uma mensalidade a título de subsídio de férias e outra mensalidade a título de subsídio de Natal, não enferma de erro de julgamento, improcedendo consequentemente também a primeira parte da conclusão 23ª. E)- Por fim a Recorrente, nas conclusões 20ª e 21ª da sua alegação de recurso, insurge-se contra a decisão judicial no respeitante às actualizações da pensão pretendidas pela Autora, sustentando que não há, em qualquer regime legal ou estatutário, norma que autorize a actualização dessa pensão de sobrevivência. Vejamos. A sentença recorrida deu por provado que “A A. desde a morte do seu pai até Maio de 1994 recebia a pensão de sobrevivência, a qual era no montante de 86.830$00 em Novembro de 1991 e em Janeiro de 1992, e de 100.180$00 em Agosto e Outubro de 1993” [alínea s) do ponto 2.1]. * Em síntese, improcede o recurso da Recorrente E... na totalidade.3.4-Recurso subordinado Considerando que o erro de julgamento de facto assacado pela Autora, Recorrente subordinada, à sentença recorrida ficou decidido no ponto 3.1, há que passar à apreciação do mérito do recurso no respeitante às conclusões I) a R). A Recorrente ataca a sentença na parte em que absolveu as Rés dos pedidos formulados nas alíneas F) e G) da petição inicial, respeitantes ao benefício de assistência médica geral ou especializada e de enfermagem, sustentando que tais pedidos devem proceder por os Estatutos da C...., conjugados com o regulamento provisório de Assistência na Doença dessa Caixa e com o artigo 45.º do contrato de concessão, viabilizarem a atribuição desse benefício, facto, aliás, reconhecido na al. s) do ponto 2.1. Para o efeito veio juntar um documento superveniente (fotocópia simples), titulado como regulamento provisório de Assistência na Doença, que alega manter-se em vigor e fundamentar a atribuição da assistência médica e de enfermagem. A ora Recorrida E... veio a opor-se à junção desse documento que diz desconhecer em absoluto, impugnando a sua veracidade e autenticidade, não apenas por ser “provisório”, mas por duvidar que tenha sido aprovado por quem de direito e com o teor que apresenta que corresponde a algo de significativo. De facto, o documento particular ora junto, não oferece sequer elementos sobre quem o produziu e com que poderes. Aliás, o seu teor não se compatibiliza com a al. b) do art. 3º dos Estatutos da C.... - que restringe a assistência médica geral ou especializada e de enfermagem “ ao pessoal em activo serviço ou aposentado bem como às pessoas de família que estiverem na sua companhia, quando residirem dentro da área da cidade do Porto, limitada pela Estrada da Circunvalação e pelo Rio Douro” e que, ao que se sabe, não sofreu qualquer alteração. E, sendo assim, residindo a Autora em S. João do Estoril, Concelho de Cascais, é óbvio que a mesma não reúne condições para beneficiar de assistência médica e de enfermagem. Nestes termos, não merece censura a sentença recorrida que absolveu as Rés dos pedidos formulados nas alíneas F) e G) da petição inicial. Por todo o exposto, improcedem as conclusões I) a R) da alegação do recurso subordinado interposto pela Autora. * IV- DECISÃO Acordam, pois, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS em: Relator: António Vasconcelos Pedro Marchão Conceicão Silvestre |