Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06167/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/25/2013
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IRS. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO. MAIS-VALIAS.
Sumário:I) Pese embora o esforço de alegação dos Recorrentes, a situação dos autos não permite atender a sua pretensão no que concerne à alteração da decisão da matéria de facto no que concerne aos pontos a) e b) da factualidade considerada como não provada, não dispondo os elementos presentes nos autos a virtualidade de permitir outra leitura da realidade em apreço, na medida em que a alegação dos Recorrentes não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado no domínio em análise.
II) Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
III) A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se define como uma alienação onerosa.
IV) Os Recorrentes desvalorizam o facto de na escritura de 2002 terem transmitido à sociedade aí identificada dois terrenos destinados a construção, de modo que, considerando escritura de 1998, a questão das benfeitorias que os Recorrentes insistem em introduzir surge como uma falsa questão, dado que, não contemplando a escritura de 2002 qualquer elemento neste domínio, não cabe aqui considerar esta matéria que, entretanto, perdeu qualquer consistência, porventura com referência à utilização dada ao terreno em apreço, não existindo matéria capaz de permitir dar sentido à afirmação dos Recorrentes de que o “negócio” efectuado entre os Impugnantes e a sociedade foi o de transmissão dum prédio com a área de 2.325m2, com as suas benfeitorias, incluindo as urbanas inscritas na matriz sob o artigo 799, recebendo por contrapartida 8 fracções autónomas, sendo uma delas, (a mais tarde identificada pela letra “D”) destinada a habitação dos Impugnantes e é sobre este negócio, o negócio real, que deveriam ter sido calculadas as mais valias decorrentes do mesmo.
*
O Relator
Pedro Vergueiro
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:
1. RELATÓRIO
“A...e B..., agora representado pelos seus herdeiros habilitados C..., D..., E..., F...e G..., devidamente identificados nos autos, inconformados vieram, interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 09-07-2012, que julgou improcedente a pretensão pelos mesmos deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO relacionada com a liquidação adicional de IRS/2002 e juros - Doc. nº 046700000708272.

Formularam nas respectivas alegações (cfr. fls. 183-199), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1. Deverá ser reapreciada a matéria de facto dada por assente, incluindo-se na mesma, os factos não provados identificados de a) a c) do capítulo “factos relevantes não provados”.
2. Decorre da escritura publica de remição de colonia, a fls 5 a 17 dos autos, que os Impugnantes, por efeito da dita escritura, apenas adquiriram a nua propriedade, de uma porção de terreno com a área de 2.325ms, onde se estavam implantadas benfeitorias rústicas e urbanas propriedade dos Impugnantes.
3. Resulta de forma expressa da escritura de remição de colónia que a benfeitoria urbana inscrita na matriz predial sob o artigo 799 era propriedade dos Impugnantes e que o solo onde estava implantada esta benfeitoria foi adquirido pelos Impugnantes por efeito da escritura de remição.
4. Resulta, ainda, da escritura de remição de colonia que as benfeitorias rústicas e urbanas existentes sobre o prédio remido, eram propriedade dos Impugnantes desde o ano de 1962, por as terem adquirido por em escritura de doze de Dezembro de novecentos e sessenta e dois, a folhas sessenta seis verso do livro quatrocentos e trinta três A do extinto Primeiro Cartório.
5. Resulta de forma clara da escritura de compra e venda a fls 55 a 58 dos autos que a benfeitoria urbana inscrita na matriz predial sob o artigo 799 foi adquirida no ano de 1962.
6. Das escrituras publicas de fls. 5 e segs e 55 e segs dos autos, resulta que as benfeitorias rústicas e urbanas existentes sobre a porção de terreno cujo direito de nua propriedade foi vendido aos Impugnantes por efeito da remição de colonia, já pertenciam a estes desde o ano de 1962.
7. Deverá dar-se por provado que os Impugnantes residiam no prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 799 e que constituía a benfeitoria urbana adquirida pelos Impugnantes no ano de 1962.
8. Este facto decorre com segurança das escrituras publicas a fls 5 e segs e fls 58 dos autos e também
9. Na escritura de fls 5 e sgs dos autos, diz-se que os Impugnantes residem ao Caminho de São Martinho, número 19-A
10. Na escritura de fls 18 a 22, diz-se que os Impugnantes residem no “Caminho de São Martinho, número 19”
11. Do documento de fls 58 a 60v. resulta que os Impugnantes residiam no Caminho de São Martinho, número 19-A, freguesia de São Martinho”
12. Do documento de fls 62 dos autos resulta que a impugnante reside ao Caminho de São Martinho, nº 19 F, na fracção D. do Edifício ...
13. Da notificação do Relatório de Inspecção resulta que a morada “Caminho de São Martinho, nº 19, F, corresponde á morada do Edifício “...”
14. Resulta da escritura de fls 18 e segs dos autos que o Edifício ..., I e II, foi edificado sobre o prédio permutado entre esta sociedade e os Impugnantes e que determinou a correcção fiscal efectuada.
15. Donde decorre que não se afirmando a residência dos Impugnantes no prédio inscrito na matriz sob o artigo 799 e edificado sobre o prédio permutado (e ele próprio objecto de permuta) pelos factos descritos sob as conclusões 7 a 14, este facto deverá ser estabelecido por presunção retirada dos factos atrás mencionados.
16. A administração fiscal aceitou e considerou que o prédio objecto da permuta com a sociedade “H..., Lda.” foi o prédio adquirido pelos Impugnantes por efeito da escritura de remição de colonia de fls 5 e segs dos. autos.
17. Este facto resulta do Relatório de Inspecção Tributária, nomeadamente, pontos 2.1 e 2.2. em que a administração fiscal estabelece o preço declarado na escritura de remição como custo de aquisição do prédio permutado.
18. A administração, antes de fixar o imposto a pagar pelos Impugnantes, tinha conhecimento da escritura de remissão de colonia e do seu conteúdo, conforme resulta expressamente do que se diz no capítulo V do Relatório (cfr pags 30 dos autos).
19. A administração também não pode deixar de desconhecer a localização do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 799; não pode desconhecer a identificação do seu proprietário; a sua natureza e o seu valor patrimonial, por estes elementos constituírem informação própria e produzida pela própria administração fiscal e cujo desconhecimento não pode por ela ser alegado, nem pode imputar-se aos Impugnantes.
20. Por efeito da aquisição das benfeitorias rústicas e urbanas efectuada no ano de 1962 os Impugnantes liquidaram a sisa devida por essa aquisição (conhecimento número 592), como decorre dos dizeres da escritura a fls 57, in fine, dos autos, sendo que o artigo urbano, contrariamente ao rústico é imutável, manteve-se o mesmo ao longo dos anos.
21. A aquisição do prédio urbano por efeito de compra é efectuada por averbamento à matriz predial, onde se identifica o conhecimento de sisa e escritura, como aliás, decorre da lei vigente nessa data.
22. O “negócio” efectuado entre os Impugnantes e a sociedade Brazão e Ascensão, Lda. foi o de transmissão dum prédio com a área de 2.325m2, com as suas benfeitorias, incluindo as urbanas inscritas na matriz sob o artigo 799, recebendo por contrapartida 8 fracções autónomas, sendo uma delas, (a mais tarde identificada pela letra “D”) destinada a habitação dos Impugnantes.
23. E é sobre este negócio, o negócio real, que deveriam ter sido calculadas as mais valias decorrentes do mesmo, pois, a administração fiscal estava na posse de todos os elementos necessários ao seu cálculo, como resulta dos factos referidos sob 18 e 19 destas conclusões.
24. o valor de 138.240$00 identificado na escritura de remição de colonia de fls 5 e segs, não constitui o custo de aquisição do prédio permutado com a sociedade ....
25. a administração fiscal tinha na sua posse a escritura de remição de colonia e sabia que o valor de 138.240$00 é referente à aquisição do “solo” onde estavam implantadas as benfeitorias já propriedade dos Impugnantes.
26. Ao definir o valor de 138.240$00 como valor de custo do prédio permutado a administração fiscal fixou de forma arbitrária e sem elementos que o justificassem, o custo de aquisição do prédio para efeitos do cálculo das mais valias.
27. Ao fazê-lo a administração fiscal violou as regras legais para determinação do rendimento e matéria colectável dos contribuintes, nomeadamente, o disposto nos artº 10º e 65º do CIRS.
Nestes termos e com o mui douto suprimento de Vªs Exªs, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência revogar-se a sentença recorrida, declarando-se anulados os actos tributários em causa, ou seja, o apuramento das mais valias resultantes da permuta efectuada pelos Impugnantes com a sociedade “ H..., Lda.” assim se fazendo
JUSTIÇA!”

A recorrida Fazenda Pública apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:
“(…)
A) Vêm os impugnantes, ora recorrentes, interpor o presente recurso, da douta sentença de fls dos autos.
B) Sentença, pela qual, veio o Meritíssimo Juiz a quo a julgar totalmente improcedente a impugnação interposta,
C) sendo nosso parecer, e salvo melhor opinião, que aos recorrentes não assiste qualquer razão nas pretensões que levaram a juízo, nem, por outra parte, lograram provar fosse o que fosse do que vêm alegando, em 1.ª Instância ou nas alegações de recurso apresentadas.
D) De facto, como de seguida melhor se demonstrará, a liquidação adicional (de agora em diante LA) em causa teve origem em acção de inspecção tributária, levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças da R.A.M. (actual Direcção Regional dos Assuntos Fiscais), de análise à declaração modelo 3 de IRS. do ano de 2002 dos recorrentes, motivada pelo facto de, por cruzamentos de dados com outras entidades públicas (designadamente, cartórios notariais) terem verificado a existência de alienações de prédios cujas mais valias a tributar em sede de IRS, na categoria “G”, incrementos patrimoniais, não foram declaradas de todo pelos aqui recorrentes,
E) incorrendo estes num comportamento, por um lado, omissivo da obrigação principal de imposto (o pagamento), e não apenas de uma conduta omissiva da obrigação acessória (declarativa), e, bem assim, dos princípios da verdade declarativa, da boa fé e da colaboração que sobre os mesmos impendia e impende - vd. artigos 59.º e 75.º ambos da Lei Geral Tributária (doravante designada abreviadamente por LGT) -; e, por outro lado, lesivo dos interesses da Fazenda Pública - cfr. processo administrativo junto, nos termos dos artigos 110.º e 111.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante designado abreviadamente por CPPT), a fls. dos autos.
F) Verificou-se, no seio da acção inspectiva acima referenciada, que os sujeitos passivos de IRS, ora recorrentes, adquiriram por escritura lavrada, em 07/04/1998, a fls. 22 a 33 dos presentes autos de impugnação judicial, um prédio rústico relativamente ao qual os mesmos eram colonos há mais de quarenta anos.
G) Esse prédio, com área de 2325 m2, ficou descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 2628/1998.05.08,
H) e foi adquirido pelo valor de ESC.: 138.240$00 (correspondente a €689,54), conforme art.º 21.º da PI e ponto n.º 7 das alegações de recurso.
I) Do prédio acabado de mencionar foram destacados dois prédios urbanos (terrenos para construção) descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números 3252/2001.12.06 e 3253/2001.12.06.
J) Tendo sido esses dois prédios urbanos que, por escritura de permuta, datada de 06/03/2002, foram transmitidos à sociedade comercial “H..., L.da” - cfr. com fls. 18 a 21 dos autos de impugnação judicial.
L) À data da sobredita escritura, já a sociedade comercial “H..., L.da” havia construído nos terrenos dois edifícios: os denominados “Edificios ...I e II”.
M) Os outorgantes atribuíram aos terrenos permutados o valor de €505.00,00.
N) E permutaram-nos por várias fracções de ambos os edifícios, tudo conforme descrito e explicado no Relatório dos Serviços de Inspecção Tributária que realizaram a acção de inspecção ora em crise e que se dá aqui por totalmente reproduzido para todos os efeitos legais vd. fls. 11 a 17 dos autos de impugnação judicial.
O) E ao valor das fracções transmitidas as partes atribuíram o mesmo valor de €505.000,00 que havia sido atribuído aos dois terrenos.
P) E, sendo assim, nessa conformidade, tal como se comprova pelas mencionadas escrituras públicas, os impugnantes porque obtiveram “Mais-valias”, rendimentos enquadráveis na categoria “G” do IRS (art.º 10º, n.º 1, alínea a) do Código do imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares (de agora em diante designado abreviadamente por CIRS), impendendo sobre si a obrigação legal de declarar tais rendimentos (artigos 57.º e 60.º ambos do diploma atrás citado).
Q) As Mais-valias não foram declaradas.
R) Em cumprimento do despacho da Ex.ma. Senhora Directora de Finanças da RAM., datado de 19/1.2/2003, a Divisão de Inspecção Tributária interveio no sentido de apurar a verdadeira situação fiscal dos sujeitos passivos do IRS, aqui recorrentes, tendo procedido, nos termos da lei, às correcções que se mostraram devidas com observância de todas as formalidades legais inerentes ao procedimentos inspectivo.
S) Nesse sentido, foi alterado o rendimento líquido, do ano de 2002, para o valor de €262.693,76, tendo os recorrentes sido notificados dos fundamentos de facto e de direito que levaram, a final, à alteração de rendimentos sujeitos a tributação sub iudice (vide fls. 9 a 17 dos autos de impugnação judicial.
T) Releva ressalvar, nesta sede, que são os próprios recorrentes (vd. Art.º 21.º da PI e ponto n.º 7 das alegações de recurso) que confirmam, uma e outra vez, o valor de aquisição, designadamente. de ESC.: 138.240$00 (correspondente a €689,54), valor esse que foi levado em conta nas operações que conduziram ao apuramento das “Mais-valias” ora em causa (vide Relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, nomeadamente, o teor dos seus pontos 2.5 e 2.9).
U) Ora, face ao valor de aquisição fornecido pelos contribuintes, a administração fiscal (vulgo AF) só tinha que apurar o montante de “Mais-valias” a tributar, em obediência ao estatuído nos artigos 43.º e 46.º do CIRS a conjugar com os artigos 8.º e 55.º e ss da LGT e 103°, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (doravante designada abreviadamente por CRP), e não, como pretendem agora os recorrentes, proceder à avaliação do terreno transmitido.
V) Por outra parte, quer em sede da PI apresentada, quer no seio das alegações apresentadas, os recorrentes não concretizam por que razões invocam “inexistência dos factos tributários subjacentes à liquidação, erro na determinação, qualificação e quantificação da matéria colectável, preterição de formalidades legais, vício de forma e ausência de fundamentação, violação de lei, desvio de poder e outras ilegalidades referidas no art.º 120.º do CPT.
X) Para além disso, como bem invoca o Meritíssimo Juiz a quo, conforme consta dos factos relevantes não provados, quer com recurso a prova documental, como é nosso parecer que neste caso se impunha, quer com recurso à prova testemunhal produzida, que “a aquisição das benfeitorias rústicas e urbanas foi formalizada por escritura lavrada aos 12.12.1962, a fls. 66v. do L-433-A do extinto Primeiro Cartório Notarial do Funchal.”.
Z) Ou que “Por contrato oneroso celebrado há mais de quarenta anos, os Impugnantes adquiriram as benfeitorias rústicas e urbanas existentes sobre o prédio localizado ao sítio da Vargem, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, com área total de 4.650m2, inscritas na matriz as benfeitorias rústicas sob o artigo 6/15 da Secção G e os urbanos sob o artigo 799.º.
AA) Ou, ainda, também não resultou provado que “Os Impugnantes habitavam no prédio urbano (benfeitoria urbana) transmitido a sociedade “H..., Lda.”.
BB) No que tange a esses aspectos, os recorrentes, interessados na questão sub iudice, nunca vieram, quer em sede de procedimento gracioso havido - tendo sido notificados para exexcerem, o que não veio a acontecer, o direito de audição prévia à decisão da AF, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPIT -, quer em sede do presente pleito, cumprir o seu dever de provar o quanto alegaram e alegam, nomeadamente, juntando escrituras ou comprovativos do pagamento de água, electricidade, ou por outro meio idóneo. Nada.
CC) Porquanto, não foi, nem é, em nossa opinião, minimamente curial a abordagem sem qualquer pudor que os recorrentes fizeram, no seio das alegações de recurso por si apresentadas e levadas à consideração do tribunal ad quem, ao princípio do ónus da prova e ao princípio do inquisitório, nos precisos termos em que estão previstos nos artigos 74.º e 58.º ambos da LGT.
DD) Na esteira da posição vinda de expor, o Meritíssimo Juiz a quo concluiu, em nosso entender bem, no enquadramento jurídico dos factos provados que “1 - Da factualidade provada resulta, simplesmente, que a AF andou bem, ao não considerar nada com referência aos anos 60, para efeitos de IRS e “mais-valias” (ou incremento patrimonial) segundo os arts. 9º e 10º do CIRS. Relevam e bem apenas as cits. Datas de 1998 e 2002. Por outro lado, do facto de uma das fracções adquiridas em permuta à sociedade se ter destinado e estar afecta a habitação própria dos Impugnantes não resulta a sua desconsideração no valor a atender para efeitos de determinação das mais-valias a pagar, nos termos do disposto no número 5 do artigo 10º do CIRS. É que não se tratou de vender imóvel que estava destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.”.
EE) Relativamente à legalidade de todo o procedimento de inspecção tributária, a Fazenda Pública mantém a defesa da sua regularidade, bem como da notificação da LA efectuada no final, fazendo-se, nesse sentido, como nosso todo o conteúdo do Relatório dos Serviços de Inspecção Tributária junto aos autos, como atrás referido, ressalvando-se que houve lugar às competentes notificações da acção de inspecção havida e que conduziu à LA impugnada, como bem atesta o processo administrativo junto ao presente processo, nos termos e para os efeitos dos artigos 110.º e 111.º ambos do CPPT.
FF) O procedimento de liquidação efectuado A.F observou inteiramente todas as regras legais para o efeito, ao contrário do alegado pelo recorrido, designadamente, o disposto nos artigos 8º, 59.º, 60°, 75.º e 77,º todos da LGT; 60.º e 61.º do RCPIT; 10.º, n.º 1, alínea a), 43°, 46°, 57.º e 60.º todos do CIRS; 103.º n.º 2 da CRP, tendo a AF procedido às correcções nos casos em que a declaração de rendimentos da impugnante demonstrou ter ofendido as normas jurídico-tributárias.
GG) Como se demonstrou, em todo o processado, a AF agiu de acordo com os princípios da tipicidade e da legalidade; da justiça e da verdade material; da investigação; da decisão; de boa fé; de participação e de colaboração, a que se encontrou, como se encontra, vinculada, previstos, nomeadamente, no artigo 103.º, números 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 5.º, 8.º e 55.º e ss da LgT, pelo que tais alegações não colhem.
HH) Deste modo, deverá o presente recurso proceder por provado.
II) Porquanto, conclui-se que não assiste qualquer razão ao aqui recorrido nas suas pretensões levadas a juízo.
Fazendo-se, assim, a necessária, sã e habitual JUSTIÇA!”

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO –QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, impondo-se apreciar o invocado erro de julgamento da matéria de facto e bem assim analisar a bondade da decisão recorrida que viabilizou a tributação das mais-valias descritas nos autos, nomeadamente com referência à definição do custo de aquisição.

3. FUNDAMENTOS
3.1 DE FACTO
Resulta da decisão recorrida como assente a seguinte factualidade:
“(…)
1 Nos termos da escritura junta como documento 2 da p.i., datada de 7-4-1998, os Impugnantes acordaram com os então proprietários da ‘nua-propriedade” do prédio fazer cessar o regime de colonia que ate vigorava entre ambos e fizeram-no através de uma permuta.
2 Por efeito dessa permuta, os Impugnantes transmitiram para os proprietárias da nua-propriedade do prédio o direito sobre as benfeitorias rústicas existentes numa porção de terreno com a área de 2.325m2.
3 E em troca receberam dos proprietários do prédio colonizado o direito sobre uma porção de terreno, o solo onde estavam implantadas benfeitorias - rústicas e urbanas — com a área de 2325m2.
4 Por escritura lavrada no Terceiro Cartório Notarial do Funchal, a fls. 60 a 61v., datada de 6-3-2002, os Impugnantes acordaram, com a sociedade denominada “H..., Lda., a transmissão de seu direito conforme cópia de certidão de escritura que está junta e se dá por reproduzida para os devidos efeitos legais e onde se identificam 2 prédios urbanos (Doc.3 p.i.)
5 À data da celebração da escritura referida no artigo anterior, os dois blocos construídos pela sociedade “H..., Lda.” já estavam construídos.
6 A implantação de ambos os blocos não ocupou todo o prédio transmitido pelos Impugnantes, sendo retirado da área total de 2.325m2 a área de 1460m2, que foi afecta a jardins e arruamentos e cedida a Câmara Municipal do Funchal.
7 Em resultado do referido no artigo anterior, a escritura pública que formalizou a permuta acordada entre os Impugnantes e a “H..., Lda.”, acabou por referir-se a transmissão de dois prédios, a saber:
a) Um com a área de 495m2, prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número 3252/20011206-São Martinho.
b) Outro com a área de 370m2, prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número3253/20011206-São Martinho.
8 A contrapartida devida pela transmissão do prédio dos Impugnantes a “H..., Lda.” foi feita pelo valor de € 505.000,00 e constituída pela entrega de oito frações autónomas, conforme consta da referida escritura. (cfr. Doc.3)
9 Por efeito de ordem de serviço interna, a administração fiscal, por intermédio da Divisão de Inspecção Tributaria da Direcção de Finanças da R.A. da Madeira, procedeu a fiscalização dos rendimentos dos Impugnantes, por omissão da declaração de rendimentos da categoria “G”, incrementos patrimoniais (mais-valias).
10 Do Relatório de Inspecção Tributaria, que se dá aqui por reproduzido, resulta que, para a determinação dos rendimentos auferidos pelos Impugnantes, a administração fiscal considerou e assentou o seu cálculo nos seguintes elementos:
-Ano de aquisição: 1998
-Valor de aquisição: € 689,54 (Esc. 138.240$00), valor corrigido pela aplicação do coeficiente 1.10.
-Valor de realização: € 505.000,00.
11 Uma das fracções adquiridas em permuta a esta sociedade destinou-se e está afecta a habitação própria dos Impugnantes.
FACTOS RELEVANTES NÃO PROVADOS
a. A aquisição das benfeitorias rústicas e urbanas foi formalizada por escritura lavrada aos 12.12.1962, a fls. 66v. do L-433-A do extinto Primeiro Cartório Notarial do Funchal.
b. Por contrato oneroso celebrado há mais de quarenta anos, os Impugnantes adquiriram as benfeitorias rústicas e urbanas existentes sobre o prédio localizado ao sítio da Vargem, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, com a área total de 4650m2, inscritas na matriz as benfeitorias rústicas sob o artigo 6/15 da Secção G e as urbanas sob o artigo 799.
c. Os impugnantes habitavam no prédio urbano (benfeitoria urbana) transmitido a sociedade “H..., Lda.”.
PROVA
O tribunal considerou os docs juntos e os depoimentos testemunhais. Quanto a estes:
- I..., TOC, disse que: a AF teria de deduzir o investimento feito na habitação permanente e os anos de trabalho; á data da celebração da escritura referida no artigo anterior, os dois blocos construídos pela sociedade “H..., Lda.” já estavam construídos.
- J..., cabeleireira, nora da impugnante, disse que: o A é agricultor.
- K..., inspetor tributário aposentado, disse que: a AF e a PJ detetaram falta de declaração; não se sabe nada sobre a posse e as datas; agiu a AF com base nas escrituras e nas declarações da A-mulher; não havia prova de que lá habitavam; as benfeitorias já não existiam sequer; o seu valor está na escritura; já estava tudo incluído aquando das permutas e isso é o importante, é a base.
Ora, nenhum documento junto demonstra os factos considerados não provados sob a. e b., nomeadamente uma aquisição de benfeitorias não concretizadas no ano de 1962.
O teor de fls 16 e 19 ss espelha, aliás, algo confuso, não havendo coincidência entre as coisas transmitidas.”
3.2 DE DIREITO
No essencial, a matéria das conclusões do recurso centra-se sobre a bondade da decisão sobre a matéria de facto, apontando a Recorrente que deverá ser reapreciada a matéria de facto dada por assente, incluindo-se na mesma, os factos não provados identificados de a) a c) do capítulo “factos relevantes não provados”, sendo que decorre da escritura publica de remição de colonia, a fls 5 a 17 dos autos, que os Impugnantes, por efeito da dita escritura, apenas adquiriram a nua propriedade, de uma porção de terreno com a área de 2.325ms, onde se estavam implantadas benfeitorias rústicas e urbanas propriedade dos Impugnantes e resulta de forma expressa da escritura de remição de colónia que a benfeitoria urbana inscrita na matriz predial sob o artigo 799 era propriedade dos Impugnantes e que o solo onde estava implantada esta benfeitoria foi adquirido pelos Impugnantes por efeito da escritura de remição e ainda, da escritura de remição de colonia que as benfeitorias rústicas e urbanas existentes sobre o prédio remido, eram propriedade dos Impugnantes desde o ano de 1962, por as terem adquirido por em escritura de doze de Dezembro de novecentos e sessenta e dois, a folhas sessenta seis verso do livro quatrocentos e trinta três A do extinto Primeiro Cartório, além de que resulta de forma clara da escritura de compra e venda a fls 55 a 58 dos autos que a benfeitoria urbana inscrita na matriz predial sob o artigo 799 foi adquirida no ano de 1962 e das escrituras publicas de fls. 5 e segs e 55 e segs dos autos, resulta que as benfeitorias rústicas e urbanas existentes sobre a porção de terreno cujo direito de nua propriedade foi vendido aos Impugnantes por efeito da remição de colonia, já pertenciam a estes desde o ano de 1962.
Por outro lado, deverá dar-se por provado que os Impugnantes residiam no prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 799 e que constituía a benfeitoria urbana adquirida pelos Impugnantes no ano de 1962, facto que decorre com segurança das escrituras publicas a fls 5 e segs e fls 58 dos autos e também na escritura de fls 5 e sgs dos autos, diz-se que os Impugnantes residem ao Caminho de São Martinho, número 19-A e na escritura de fls 18 a 22, diz-se que os Impugnantes residem no “Caminho de São Martinho, número 19”, sendo que do documento de fls 58 a 60v. resulta que os Impugnantes residiam no Caminho de São Martinho, número 19-A, freguesia de São Martinho” e do documento de fls 62 dos autos resulta que a impugnante reside ao Caminho de São Martinho, nº 19 F, na fracção D, do Edifício ..., além de que da notificação do Relatório de Inspecção resulta que a morada “Caminho de São Martinho, nº 19, F, corresponde á morada do Edifício “...” e resulta da escritura de fls 18 e segs dos autos que o Edifício ..., I e II, foi edificado sobre o prédio permutado entre esta sociedade e os Impugnantes e que determinou a correcção fiscal efectuada, donde decorre que não se afirmando a residência dos Impugnantes no prédio inscrito na matriz sob o artigo 799 e edificado sobre o prédio permutado (e ele próprio objecto de permuta) pelos factos descritos sob as conclusões 7 a 14, este facto deverá ser estabelecido por presunção retirada dos factos atrás mencionados.
Que dizer?
Neste domínio, constituindo tal erro de julgamento aquele de cuja decisão estaria dependente o que este Tribunal de recurso viesse a decidir quanto ao erro de julgamento de direito, impõe-se, naturalmente, que à sua apreciação venha a ser dada primazia.
Vejamos.
Sobre esta matéria, e com referência ao julgamento da matéria de facto, crê-se pertinente apontar que com a revisão do CPC operada pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12, e pelo DL n.º 180/96, de 25.09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto.
Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal “a quo” não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto - art. 690º-A do CPC, que regula esta matéria antes da alteração introduzida pelo D.L. nº 303/07, de 24-08, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no art. 690º-A nºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (vide sobre esta problemática A.S. Abrantes Geraldes in: “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Daí que sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no art. 690º-A do CPC.
É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Diga-se ainda que a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador que se mostra vertido no art. 655.º do CPC, sendo certo que na formação da convicção daquele quanto ao julgamento fáctico da causa não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, visto que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação e/ou na respectiva transcrição.
Na verdade, constitui dado adquirido o de que existem inúmeros aspectos comportamentais dos depoentes que não são passíveis de ser registados numa gravação simples áudio. Tal como já era apontado por Eurico Lopes Cardoso os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe e como tal apreendidos ou percepcionados por outro Tribunal que pretenda fazer a reapreciação da prova testemunhal, sindicando os termos em que a mesma contribuiu para a formação da convicção do julgador, perante o qual foi produzida (cfr. BMJ n.º 80, págs. 220 e 221).
Como tal, sempre o juiz perante o qual foram prestados os depoimentos estará em posição privilegiada em termos de recolha dos elementos e sua posterior ponderação, nomeadamente com a devida articulação de toda a prova oferecida, de que decorre a convicção plasmada na decisão proferida sobre a matéria de facto.
Em conformidade, a convicção resultante de tal articulação global, evidencia-se como sendo de difícil destruição, principalmente quando se pretende pô-la em causa através de indicações parcelares, ou referências meramente genéricas que o impugnante possa fazer, como contrárias ao entendimento expresso.
Com efeito e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial consensual o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador.
Segundo a lição que se extrai dos ensinamentos de Enrico Altavilla "… o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras …" (in: "Psicologia Judiciária", vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12).
Daí que a convicção do tribunal se forma de um modo dialéctico, pois, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas produzidas nos autos, importa atender também à análise conjugada das declarações produzidas e dos depoimentos das testemunhas, em função das razões de ciência, da imparcialidade ou falta dela, das certezas e ainda das lacunas, das contradições, das hesitações, das inflexões de voz, da serenidade, dos “olhares de súplica” para alguns dos presentes, da "linguagem silenciosa e do comportamento", da própria coerência de raciocínio e de atitude demonstrados, da seriedade e do sentido de responsabilidade evidenciados, das coincidências e inverosimilhanças que transpareçam no decurso da audiência de julgamento entre depoimentos e demais elementos probatórios.
Ao invés do que acontece nos sistemas da prova legal em que a conclusão probatória está prefixada legalmente, nos sistemas da livre apreciação da prova, como o nosso, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do discussão em sede de julgamento, com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
Note-se, contudo, que este sistema não significa puro arbítrio por parte do julgador.
É que este pese embora livre no seu exercício de formação da sua convicção não está isento ou eximido de indicar os fundamentos onde aquela assentou por forma a que, com recurso às regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele processo de formação da convicção sobre a prova ou não prova daquele facto, permitindo, desta feita, sindicar-se o processo racional da própria decisão.
Aliás, a nossa lei processual determina e faz impender sobre o julgador um ónus de objectivação da sua convicção, através da exigência da fundamentação da matéria de facto (da factualidade provada e da não provada), devendo aquele analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (cfr. art. 653.º, n.º 2 do C. Proc. Civil).
É que não se trata de um mero juízo arbitrário ou de simples intuição sobre veracidade ou não de uma certa realidade de facto, mas antes duma convicção adquirida por intermédio dum processo racional, objectivado, alicerçado na análise critica comparativa dos diversos dados recolhidos nos autos na e com a produção das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações, sendo que aquela convicção carece de ser enunciada ou explicitada por expressa imposição legal como garante da transparência, da imparcialidade e da inerente assunção da responsabilidade por parte do julgador na administração da justiça.
À luz desta perspectiva temos que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Aliás e segundo os ensinamentos de M. Teixeira de Sousa ”… o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente …” (in: “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, pág. 348).
Presentes os considerandos que antecedem e na sequência dos mesmos temos que para que possa ser atendida nesta sede a divergência quanto ao decidido em 1.ª instância no julgamento de facto deverá ficar demonstrado, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Nesta perspectiva, e perante a análise dos elementos presentes nos autos, com a consideração de todos os meios probatórios, surge um elemento que coloca em questão o percurso de análise seguido pelos Recorrentes.
Com efeito, no âmbito das presentes alegações de recurso, as Recorrentes insistem na existência de elementos nos autos que permitem afirmar a aquisição das referidas benfeitorias no ano de 1962, situação afirmada no art. 3º da petição inicial.
Pois bem, notificados para juntar aos autos prova sobre esta a matéria, os Recorrentes juntaram aos autos (fls. 55-58) a certidão de uma escritura lavrada aos 22.08.1966, a fls. 81 v. a fls. 82 v. do L-411-B do extinto Terceiro Cartório, Secretaria Notarial do Funchal.
Neste ponto, e considerando que os Recorrentes tinham alegado a aquisição das benfeitorias no âmbito da escritura lavrada aos 12-12-1962, a fls. 66v. do L-433-A do extinto Primeiro Cartório Notarial do Funchal, o que se traduz na alusão a um elemento concreto e claro sobre a matéria em apreço, afigura-se elementar que a junção de uma escritura de 1966 exigia uma explicação dos Recorrentes que os autos não apresentam, por forma a enquadrar a situação e conferir alguma virtualidade ao elemento entretanto junto aos autos.
Aliás, no âmbito das presentes alegações de recurso, os Recorrentes insistem na afirmação da sua alegação original (de que as benfeitorias foram adquiridas em 1962), aludindo à escritura de 1966 como elemento que surge agora como acrescentando algo mais à situação, permanecendo, no entanto, o “pecado original” e que se prende com a inexplicável ausência nos autos da escritura a que se alude no art. 3º da petição inicial, até por que se trata de elemento que apenas poderia ser provado por documento, sendo que, se é admissível que no decorrer da lide, a situação possa ter sido negligenciada em função de alguma circunstância, depois da sentença proferida nos autos, não existe qualquer razão para compreender a conduta dos Recorrente, que continuam a ignorar este elemento, elegendo a escritura de permuta de 1998 para tentar convencer este Tribunal da bondade da sua alegação.
Ora, na aludida escritura, o Tribunal apenas tem à sua disposição uma declaração dos ora Recorrentes, que apontam a aquisição das ditas benfeitorias no âmbito da tal escritura de 1962, matéria que não é suficiente para conferir virtualidade ao exposto pelos Recorrentes, situação agravada pelo facto de essa declaração ser posta em causa, pelo menos, em parte, pela junção da escritura de 1966, que não é considerada neste domínio, ficando-se sem saber da sua efectiva relevância nesta sede, na medida em que os Recorrentes não esclarecem a situação, nem assumem qualquer eventual equívoco nesta matéria, aludindo mesmo à liquidação da sisa referida na escritura de 1966 com referência à aquisição ocorrida em 1962.
Por outro lado, as benfeitorias descritas na escritura de 1966 foram realizadas no prédio pertencente a Maria Henriques Favila Vieira, sendo que a escritura de 1998 apenas contempla a sua identificação como confrontante da área de benfeitorias de que os ora Recorrentes se reclamam donos, apenas sendo possível identificar como proprietária do terreno uma Maria Manuela Henriques Perestrelo Favila Vieira, sendo que não é possível estabelecer qualquer ligação entre as pessoas em causa por forma a tornar mais claro o percurso seguido pelos Recorrentes para suportar a sua pretensão.
Assim sendo, pese embora o esforço de alegação dos Recorrentes, a situação dos autos não permite atender a sua pretensão no que concerne à alteração da decisão da matéria de facto no que concerne aos pontos a) e b) da factualidade considerada como não provada, não dispondo os elementos presentes nos autos a virtualidade de permitir outra leitura da realidade em apreço, na medida em que a alegação dos Recorrentes não comporta elementos que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que o Tribunal recorrido não deixou de ponderar os elementos disponíveis - documentos presentes nos autos e depoimentos -, de modo que, e como ficou exposto, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção, o que tal acarreta é que o julgamento da matéria de facto levado a cabo pela decisão recorrida, se tenha de ter por inalterado no domínio em análise.
Do mesmo modo, e no que concerne à questão da habitação dos ora Recorrentes no prédio urbano (benfeitoria urbana) transmitido à sociedade “H..., os elementos apontados pelos Recorrentes são insuficientes para a alteração da decisão do Tribunal recorrido, na medida em que aquilo que foi transmitido à aludida sociedade foram dois terrenos destinados a construção, o que torna a alegação dos Recorrentes algo complexa, exigindo uma alegação circunstanciada da matéria em apreço e uma prova cabal da realidade que envolveu toda a situação, não sendo possível estabelecer por presunção a situação nos termos propostos pelos Recorrentes, impondo-se o encadeamento de toda a matéria em apreço, situação que, como vimos, se revela difícil desde o início, pela falta de prova do elemento inicial a considerar neste domínio, limitando-se depois os Recorrentes a afirmar que residiam no prédio urbano transmitido, aludindo à morada declarada em vários documentos presentes nos autos, situação insuficiente para colocar em crise o processo de decisão do Tribunal recorrido.
Quanto aos fundamentos do recurso em termos de direito, a Recorrente refere que a administração fiscal aceitou e considerou que o prédio objecto da permuta com a sociedade “H..., Lda.” foi o prédio adquirido pelos Impugnantes por efeito da escritura de remição de colonia de fls 5 e segs dos autos, facto que resulta do Relatório de Inspecção Tributária, nomeadamente, pontos 2.1 e 2.2. em que a administração fiscal estabelece o preço declarado na escritura de remição como custo de aquisição do prédio permutado, sendo que a administração, antes de fixar o imposto a pagar pelos Impugnantes, tinha conhecimento da escritura de remissão de colonia e do seu conteúdo, conforme resulta expressamente do que se diz no capítulo V do Relatório (cfr pags 30 dos autos) e a administração também não pode deixar de desconhecer a localização do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 799; não pode desconhecer a identificação do seu proprietário; a sua natureza e o seu valor patrimonial, por estes elementos constituírem informação própria e produzida pela própria administração fiscal e cujo desconhecimento não pode por ela ser alegado, nem pode imputar-se aos Impugnantes.
Por efeito da aquisição das benfeitorias rústicas e urbanas efectuada no ano de 1962 os Impugnantes liquidaram a sisa devida por essa aquisição (conhecimento número 592), como decorre dos dizeres da escritura a fls 57, in fine, dos autos, sendo que o artigo urbano, contrariamente ao rústico é imutável, manteve-se o mesmo ao longo dos anos, verificando-se que a aquisição do prédio urbano por efeito de compra é efectuada por averbamento à matriz predial, onde se identifica o conhecimento de sisa e escritura, como aliás, decorre da lei vigente nessa data, sendo que o “negócio” efectuado entre os Impugnantes e a sociedade Brazão e Ascensão, Lda. foi o de transmissão dum prédio com a área de 2.325m2, com as suas benfeitorias, incluindo as urbanas inscritas na matriz sob o artigo 799, recebendo por contrapartida 8 fracções autónomas, sendo uma delas, (a mais tarde identificada pela letra “D”) destinada a habitação dos Impugnantes e é sobre este negócio, o negócio real, que deveriam ter sido calculadas as mais valias decorrentes do mesmo, pois, a administração fiscal estava na posse de todos os elementos necessários ao seu cálculo, como resulta dos factos referidos sob 18 e 19 destas conclusões, pois que o valor de 138.240$00 identificado na escritura de remição de colonia de fls 5 e segs, não constitui o custo de aquisição do prédio permutado com a sociedade ... e a administração fiscal tinha na sua posse a escritura de remição de colonia e sabia que o valor de 138.240$00 é referente à aquisição do “solo” onde estavam implantadas as benfeitorias já propriedade dos Impugnantes, de modo que, ao definir o valor de 138.240$00 como valor de custo do prédio permutado a administração fiscal fixou de forma arbitrária e sem elementos que o justificassem, o custo de aquisição do prédio para efeitos do cálculo das mais valias e ao fazê-lo a administração fiscal violou as regras legais para determinação do rendimento e matéria colectável dos contribuintes, nomeadamente, o disposto nos artº 10º e 65º do CIRS.
Nesta matéria, é sabido que na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
Mais se dirá que a mais-valia se deve definir, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se define como uma alienação onerosa (José Guilherme Xavier Basto, ob. cit., pág.443 e seg.).
O art. 10º nº 1 do C.I.R.S., mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias, norma que consagra uma espécie de “numerus clausus” em matéria de incidência fiscal, afastando, desde logo, da qualificação como mais-valias os ganhos que devam considerar-se como rendimentos resultantes de actividade profissional ou empresarial, os quais se consideram como rendimento de categoria B, enquadráveis no art. 3º do mesmo diploma, o que significa que somente os ganhos inesperados ou imprevistos, não enquadráveis numa actividade profissional ou empresarial são passíveis de incidências nas diversas alíneas do examinado art. 10º nº 1 do C.I.R.S. (José Guilherme Xavier Basto, ob. cit., pág.394).
A sentença recorrida, em termos decisão, ponderou o seguinte:
“…
Da factualidade provada resulta, simplesmente, que a AF andou bem, ao não considerar nada com referência aos anos 60, para efeitos de IRS e “mais-valias” (ou incremento patrimonial) segundo os arts. 9º a 10º do CIRS.
Relevam e bem apenas as cits. datas de 1998 e 2002.
Por outro lado, do facto de uma das fracções adquiridas em permuta á sociedade se ter destinado e estar afecta a habitação própria dos Impugnantes não resulta a sua desconsideração no valor a atender para efeitos de determinação das mais-valias a pagar, nos termos do disposto no número 5 do artigo 100 do CIRS’. É que não se tratou de vender imóvel que estava destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
2-
Finalmente, não existe qualquer factualidade provada minimamente enquadrável nas restantes ilegalidades de liquidação genericamente invocadas no 4° parágrafo da p.i. …”.
Neste domínio, crê-se que, mais uma vez, os Recorrentes desvalorizam o facto de na escritura de 2002 terem transmitido à sociedade aí identificada dois terrenos destinados a construção, de modo que, considerando escritura de 1998, a questão das benfeitorias que os Recorrentes insistem em introduzir surge como uma falsa questão, dado que, não contemplando a escritura de 2002 qualquer elemento neste domínio, não cabe aqui considerar esta matéria que, entretanto, perdeu qualquer consistência, porventura com referência à utilização dada ao terreno em apreço, não existindo matéria capaz de permitir dar sentido à afirmação dos Recorrentes de que o “negócio” efectuado entre os Impugnantes e a sociedade Brazão e Ascensão, Lda. foi o de transmissão dum prédio com a área de 2.325m2, com as suas benfeitorias, incluindo as urbanas inscritas na matriz sob o artigo 799, recebendo por contrapartida 8 fracções autónomas, sendo uma delas, (a mais tarde identificada pela letra “D”) destinada a habitação dos Impugnantes e é sobre este negócio, o negócio real, que deveriam ter sido calculadas as mais valias decorrentes do mesmo.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Notifique-se. D.N..
Lisboa, 25 de Junho de 2013

PEDRO VERGUEIRO
ANÍBAL FERRAZ
JORGE CORTÊS