Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:386/14.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:11/24/2022
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO NO PRAZO DA CADUCIDADE
INEXISTÊNCIA DE FACTO TRIBUTÁRIO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - A falta de notificação da liquidação dentro do período de caducidade constitui ilegalidade invalidante nos termos instituídos no artigo 45.º n.º 1 da LGT, o mesmo acontecendo com a respetiva causa de pedir, devendo assim reconhecer-se a existência de erro na forma do processo, competindo, subsequentemente, ao julgador, o poder/dever a avaliar a possibilidade, em concreto, de proceder à convolação para a forma processual adequada a esse pedido (cf. artigo 97.º, n.º 3, da LGT e artigo 98.º, n.º 4, do CPPT).
II - A convolação processual apenas se verifica afastada nas situações em que se mostra inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

F......, melhor identificado nos autos, veio deduzir oposição ao processo de execução fiscal (PEF) n.º …043, contra si instaurado no serviço de finanças de Pombal, por divida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2009, no montante de € 53.202,28.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por sentença de 20 de abril de 2020, julgou improcedente a oposição.

Inconformado, F......, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«1.° O presente Recurso versa sobre matéria de direito e tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a oposição à execução fiscal e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.

2.° Fundamentando o Tribunal a quo a sua decisão, em termos de Direito, que não se aplicam ao caso nenhuma das alíneas do n.° 1 do art. 204.° do CPPT referidas pelo oponente.

3.° A douta sentença proferida em primeira instância, salvo o devido respeito, que é muito, diga-se em abono da verdade, padece de erro de julgamento, uma vez que o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do artigo 204.°, n° 1, alíneas a), e), f) e i), do CPPT, artigos 193.°, 196.°, 576.° n.° 2, 577.°, aI. b), e 578.° do CPC, aplicáveis ex vi, art. 2.°, n.° 1, al. e), do CPPT, artigos 98.°, n.° 4 do CPPT e 97.°, n.° 3 da LGT e artigos 99.° a 101.° do CPPT.

4.° Da causa de pedir articulada com o pedido formulado, resulta claro que a pretensão do Oponente é a extinção da execução fiscal, por a dívida não ser exigível a qualquer título, uma vez que não recebeu tornas, não havendo assim lugar ao pagamento do imposto, nem o mesmo tinha de ser declarado para efeitos de mais- valias.

5.° Por isso, o Recorrente invocou, necessariamente, a ilegalidade do ato de liquidação, como expressamente consta do articulado apresentado - petição inicial de oposição à execução.

6.° O Recorrente alegou e demonstrou, através de prova documental, declarações juntas aos autos e prova testemunhal realizada, que não recebeu as tornas que motivaram a liquidação adicional de IRS, e que estiveram na base da instauração da execução fiscal, tal como refere a douta sentença.

7.° Do reconhecimento da adequação da causa de pedir à procedência do pedido formulado, sendo este a ilegalidade da liquidação e a inexistência de facto tributário, justificava-se que o Tribunal a quo fizesse a apreciação e decidisse pela procedência do pedido, sendo assim procedente a oposição à execução fiscal.

8.° Tendo havido erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que devia ter sido aplicada era a do artigo 204.°, n° 1, alínea i), do CPPT, no sentido de que o imposto era inexigível porque não recebeu tornas, fez prova por documento, não havendo assim lugar ao pagamento do imposto, nem o mesmo tinha de ser declarado para efeitos de mais-valias.

9.° No entanto, não foi esse o entendimento do Tribunal a quo, que reconheceu que havia erro na forma de processo, no entanto, não fez como seria de esperar a respectiva convolação.

10.° Porque entendeu que não o deveria fazer, dado que havia três questões de Direito que o Oponente apresentou na oposição, mais concretamente, “1) se ocorreu a caducidade do direito à liquidação; 2) se há lugar à excepção do não recebimento de tornas; 3) se o oponente não foi notificado da avaliação de bens", e que destas três estava obrigado a apreciar e pronunciar-se sobre a caducidade do direito à liquidação, impedindo deste modo que se fizesse a convolação.

11.° Acontece que não é esta a opinião do Recorrente, porque, na realidade, na oposição deduzida apresentou apenas duas questões de Direito que ao Tribunal a quo cabia decidir, “1) se ocorreu a caducidade do direito à liquidação e se há a excepção do não recebimento de tornas; 2) se o oponente não foi notificado da avaliação de bens."

12.° Efetivamente, o oponente na sua petição inicial de oposição à execução pretendia que fossem analisadas, apreciadas e decididas as questões da “caducidade do direito à liquidação e a excepção do não recebimento de tornas” em conjunto, e em separado o pedido de análise referente à “não notificação da avaliação de bens”.

13.° Efectivamente, a caducidade do direito à liquidação devia ter sido apreciada conjuntamente com o não recebimento de tornas e não isoladamente, porém, mesmo que assim não fosse, a caducidade alegada nunca poderia ser confundida, como foi, com a caducidade referida no art. 204.°, n.° 1, al. e) do CPPT.

14.° De facto, a caducidade do direito à liquidação, alegada na oposição e apreciada pelo Tribunal a quo, tanto do imposto como dos juros compensatórios, constitui um vício gerador de ilegalidade do acto, na medida em que consubstancia a prática de acto tributário ferido de vício de violação de lei, devendo ser arguida em processo de impugnação judicial e não em sede de oposição à execução, já que neste processo deve ser apreciada a “Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”, prevista no art. 203.°, n.° 1, al. e) do CPPT, algo que é bastante diferente.

15.° Do mesmo modo, a excepção do não recebimento de tornas deve ser apreciada em sede de impugnação judicial, porque, tal como o Tribunal a quo referiu na douta sentença, se estar perante um caso de legalidade em concreto da dívida de IRS por inexistência de base legal de incidência objectiva, não podendo haver assim lugar à liquidação do imposto por inexistir facto tributário.

16.° Quanto à questão da “não notificação da avaliação de bens” o Tribunal a quo entendeu que não se devia pronunciar, por ser uma questão a apreciar em sede de “impugnação administrativa ou contenciosa” e não em sede de oposição à execução fiscal.

17.° Na verdade, os fundamentos alegados pelo Recorrente na sua Petição Inicial de oposição, bem como, os pedidos aí formulados, são passíveis de apreciação no processo de impugnação judicial, nos termos e com os fundamentos dos artigos 99.°, e ss. do Código de Procedimento e Processo Tributário.

18.° Porque, da interpretação do conteúdo da petição de oposição apresentada, permite-se concluir que o recorrente pretendia discutir em sede de oposição a legalidade do acto de liquidação, com fundamento na inexistência de facto tributário.

19.° Daí resulta uma contradição clara entre os pedidos e a forma processual seguida, gerando assim erro na forma do processo, que não é mais do que uma nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo

20.° Pelo que, tal como ensina a doutrina e dispõe a jurisprudência, havendo erro na forma de processo utilizado, haverá sempre, em face dos termos imperativos do disposto nos artigos 97.°, n.° 3 da LGT e 98.°, n.° 4 do CPPT, e por razões de economia processual, de ordenar-se a convolação da petição apresentada para a forma de processo adequada, se tal convolação for necessária para que o interessado possa obter o efeito útil pretendido.

21.° Com efeito, refere a douta jurisprudência dos Tribunais superiores e pela qual nos guiamos, “A forma processual consagrada na lei e adequada a cada tipo de acção a propor é uma garantia do cidadão pelo que a convolação de uma forma eleita erradamente para a forma devida se impõe ao juiz, sempre que por qualquer motivo se não mostre inviável”. (Cfr. Ac. do STA de 13-04-2016, P.° 01068/14)

81. Na verdade, a decisão recorrida julgou como única circunstância que obstava à convolação, o pedido da caducidade do direito à liquidação, no entanto, como já foi supra referido, este pedido deve ser apreciado no processo de impugnação judicial de liquidação e não no processo de oposição, por a não admitida oposição configurar erro na forma de processo e não se integrar a caducidade alegada pelo recorrente no disposto do artigo 204.°, n.° 1, al. e) (“Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”).

22.° Também não está precludido o direito de se convolar a acção de oposição em acção de impugnação (art. 99.° e ss. do CPPT), porque o Recorrente apresentou tempestivamente a oposição, não tendo naquela data decorrido ainda o prazo de 90 dias previsto no art. 102.°, n° 1, al. a), do CPPT para impugnar judicialmente a liquidação, não havendo, em consequência, obstáculo à convolação, por o meio processual adequado ainda não ter sido utilizado com os mesmos fundamentos, não ser um ato inútil e não ser proibido por lei.

23.° Efetivamente, quando a petição de oposição deu entrada em juízo, o prazo de 90 dias, que só se iniciou após a data limite para pagamento voluntário, 30/12/2013, ainda não tinha decorrido, estando assim a acção de impugnação judicial em tempo.

24.° Pelo que, não há qualquer obstáculo à convolação por razões de tempestividade, já que se mantém a petição inicial apresentada (única peça processual que não é anulada - art. 193° do CPC), relevando, por consequência e para todos os efeitos legais, a data da sua entrada em juízo.

25.° Assim sendo, e dada a inexistência de qualquer óbice à pretendida convolação, o erro na forma de processo utilizado justifica a anulação de todos os actos processuais anteriores, com excepção da petição inicial de oposição que é convolada para petição inicial de impugnação judicial.

26.° Logo, não se vislumbram fundamentos válidos para impossibilitar ou negar a convolação da oposição em impugnação judicial.

27.° Assim, tendo havido também neste segmento erro na determinação das normas aplicáveis, as normas jurídicas que deviam ter sido aplicadas eram os artigos 193.°, 196.°, 576.° n.° 2, 577.°, aI. b), e 578.° do CPC, aplicáveis ex vi, art. 2.°, n.° 1, al. e), do CPPT, artigos 98.°, n.° 4 do CPPT e 97.°, n.° 3 da LGT e artigos 99.° a 101.° do CPPT, no sentido de que a oposição devia ter sido convolada em impugnação judicial.

28.° Em suma, verifica-se a existência de ilegalidade concreta da liquidação e inexistência de facto tributário, devendo por isso ser apreciado o pedido e dar como procedente a oposição à execução fiscal, porém, caso assim não se entenda e se decida dar como provado que existe erro na forma de processo, deve ser convolada a acção de oposição em Impugnação Judicial, nos termos dos artigos 99.°, e ss. e 102.° do Código de Procedimento e Processo Tributário, por força do disposto nos artigos 98.°, n.° 4 do CPPT, e 97.°, n.° 3 da LGT. 

Nestes termos e nos melhores de direito que doutamente por Vossas Excelências serão supridos, deve ser revogada a sentença e dar como procedente a oposição à execução fiscal, porém, caso assim não se entenda;

deve ser concedido provimento ao recurso, revogando a sentença e ordenando a convolação da petição de oposição em petição de impugnação judicial, vindo a ser retomada a tramitação processual adequada, fazendo-se assim a costumada e tão desejada JUSTIÇA.»


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A Recorrida, Fazenda Publica, devidamente notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, veio, nos termos do artigo 289.º n. º1 do CPPT, oferecer o seu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa de vistos legais vem os autos à conferência.

2 - OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub judice a questão que importa decidir consiste apenas em saber se, face ao pedido e causa de pedir, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria podia ter decidindo pelo erro parcial na forma do processo e sequencialmente pela inviabilidade da convolação no meio próprio, a impugnação judicial.


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3 – FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

« 1. Factos Provados

A)
Em 16/03/2009, no Cartório Notarial de Pombal, entre F...... e C......, foi celebrada escritura de partilha por divórcio, na qual consta, além do mais, que o primeiro “(...) leva a menos o valor de € 110.820,21 que de tornas já recebeu da segunda outorgante de que lhe dá quitação.", e que a segunda “(...) leva em excesso o valor de € 110.820,21, importância que repôs de tornas ao primeiro outorgante." - (cfr. doc. de fls. 15 a 24 dos autos).
B)
Com data de 24/10/2013 a Direção de Finanças de Leiria endereçou ao Oponente ofício de notificação da alteração do rendimento liquido sujeito a IRS do ano de 2009 com o seguinte teor:


(cf. fls. 29 dos autos).

C)

Com data de 29/11/2013 a Direção de Finanças de Leiria endereçou ao Oponente oficio a substituir o anterior por se ter detetado um lapso no quadro de apuramento da Mais Valia. - (cfr. fls. 36 dos autos).

D)
Em 20/11/2013 a Autoridade Tributária emitiu em nome do ora Oponente a liquidação adicional de IRS, a correspondente liquidação de juros compensatórios do ano de 2009 e respetiva nota de cobrança n.° …..70, no valor total de € 53.223,92, com data limite de pagamento de 30/12/2013. - (cf. fls. 35 e 43 a 46 do processo instrutor apenso).
E)

A nota de cobrança identificada na alínea antecedente foi remetida ao Oponente em 25/11/2013 sob correio registado com o n.° ….80PT, entregue no destinatário em 26/11/2016. - (cf. fls. 36 e 37 do processo instrutor apenso)

F)

A demonstração da liquidação identificada em D) foi remetida ao Oponente mediante correio registado sob o n.° …39PT, entregue no destinatário em 26/11/2013. - (cf. fls. 26 e 28 dos autos).

G)
Na mesma data, 25/11/2013, a AT remeteu ao Oponente, por correio registado com o n.° …..88PT, a demonstração da liquidação de juros compensatórios relativa ao IRS de 2009, entregue no destinatário em 26/11/2013. - (cf. fls. 36 e 39 do processo instrutor apenso).

H)
Em 20/01/2014 o Serviço de Finanças de Pombal instaurou em nome do Oponente o processo de execução fiscal n.° …..043 por divida de IRS e juros compensatórios do ano de 2009 no montante total de € 53.202,28. - (cfr. fls. 31 a 33 do processo instrutor apenso).
I)

Em 22/01/2014 a AT emitiu em nome do Oponente, carta de citação pessoal, mediante registo com aviso de receção, para o processo de execução fiscal identificado na alínea precedente, no valor total a pagar de € 53.457,85, recebida em 31/01/2014. - (cfr. fls. 14 dos autos e 34 do processo instrutor apenso).

J)
Com data de 27/02/2014, foi subscrito por C...... documento denominado “Declaração sob compromisso de honra” com o seguinte teor:

“(texto no original; imagem)”

(cf. doc. de fls. 25 e 26 dos autos).

Encontra-se ainda provado com interesse que:

K)
C...... não procedeu ao efetivo pagamento ao Oponente do valor de tornas aposto na escritura de partilha após o divórcio entre ambos. - (cf. depoimento da testemunha C...... e declarações de parte).

L)
O Oponente após a escritura de partilha não voltou a pedir a C...... o valor das tornas. - (cf. depoimento da testemunha C...... e declarações de parte).

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2. Factos não provados

Inexistem outros factos cuja não prova releve para a decisão da causa.


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3. Motivação da matéria de facto

A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, conforme se refere em cada uma das alíneas do probatório.

Foi ainda ponderado e valorado o depoimento de C......, Médica de profissão, ex-mulher do Oponente, prestado de forma clara, sem contradições, dentando sinceridade e conhecimento direto dos factos em causa, convencendo o Tribunal da sua veracidade.

Foram ainda tidas em consideração as declarações de parte do Oponente, que confirmaram o referido pela testemunha.”

De direito

Em sede de aplicação do direito a sentença recorrida julgou improcedente a oposição por considerar que não se verifica a alegada caducidade do direito à liquidação com a consequente absolvição da Fazenda no pedido.

Quanto à alegada inexistência de facto tributário epilogou a sentença que este, não constitui fundamento de oposição, por considerar que o mesmo “…não cabe no âmbito de aplicação de nenhuma das alíneas do n.° 1 do art.º 204. ° do CPPT.”.

Argui o texto recorrido que é óbvio “… perante a factualidade invocada, que o Oponente pretende apenas sindicar a legalidade concreta da liquidação de IRS, defendendo que a mesma é ilegal porque baseada em factos inexistentes por não ter recebido as tornas indicadas na escritura de partilha.”

E conclui no sentido de que “… a presente oposição judicial é um meio processual inadequado para a satisfação dessa pretensão, sendo que o meio processual adequado, neste caso, será, efectivamente, a impugnação do acto de liquidação, (…), pelo que existe erro na forma processual empregue.”.

Equacionando a eventualidade de proceder à convolação no meio processual próprio, ou seja, em impugnação judicial o Mmo juiz a quo pronuncia-se pela negativa por entender que tendo o oponente formulado “… na petição inicial da presente Oposição dois pedidos e sendo a forma processual escolhida adequada apenas a um deles, verifica-se erro parcial na forma do processo. Tal implica a prossecução do processo apenas relativamente ao pedido para o qual o meio processual é próprio e obsta à possibilidade de convolação para o meio processual adequado ao outro pedido.”.

Dissente, o oponente, vem em sede do presente recurso jurisdicional dizer que em seu entender “… os fundamentos alegados pelo Recorrente na sua Petição Inicial de oposição, bem como, os pedidos aí formulados, são passíveis de apreciação no processo de impugnação judicial, nos termos e com os fundamentos dos artigos 99.°, e ss. do Código de Procedimento e Processo Tributário.” – concl 17.º

Isto porque “… da interpretação do conteúdo da petição de oposição apresentada, permite-se concluir que o recorrente pretendia discutir em sede de oposição a legalidade do acto de liquidação, com fundamento na inexistência de facto tributário.” – concl. 18.º

Admitindo que resulta do que deixou dito “…uma contradição clara entre os pedidos e a forma processual seguida, gerando assim erro na forma do processo, que não é mais do que uma nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo.” concl. 19.º

Acrescenta que a única circunstância que, na sentença recorrida obstou à convolação, foi a apreciação do pedido de caducidade do direito à liquidação, no entanto, insiste no sentido de que, este pedido deve ser apreciado no processo de impugnação judicial de liquidação e não no processo de oposição, “… por a não admitida oposição configurar erro na forma de processo e não se integrar a caducidade alegada pelo recorrente no disposto do artigo 204.°, n.° 1, al. e) (“Falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade”).” – concl. 81

Considera ainda que “[T]também não está precludido o direito de se convolar a acção de oposição em acção de impugnação (art. 99.° e ss. do CPPT), porque o Recorrente apresentou tempestivamente a oposição, não tendo naquela data decorrido ainda o prazo de 90 dias previsto no art. 102.°, n° 1, al. a), do CPPT para impugnar judicialmente a liquidação, não havendo, em consequência, obstáculo à convolação, por o meio processual adequado ainda não ter sido utilizado com os mesmos fundamentos, não ser um ato inútil e não ser proibido por lei.”

Vejamos então.

Da interpretamos que fazemos das alegações e conclusões de recurso, damos conta de que o recorrente apenas questiona a sentença recorrida na parte em que esta considerou a existência de um obstáculo à convolação da oposição à execução fiscal em impugnação judicial.

Na ótica do recorrente, a caducidade do direito à liquidação constitui um vício gerador de ilegalidade, na medida em que consubstancia a prática de ato tributário ferido de vício de violação de lei, que, por conseguinte, pode ser arguida em processo de impugnação judicial e nessa medida devia ter sido apreciada conjuntamente com a inexistência de facto tributário (o não recebimento de tornas) e não isoladamente. – concl. 13.º, 14.ºe 15.º

Ou seja, o Recorrente, embora se tenha conformado com a sentença no segmento em que julgou verificado o erro na forma do processo, entende que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria fez errado julgamento quando, indagando da possibilidade de fazer o processo seguir sob a forma processual adequada, como lho impunham o artigo 97.º, n.º 3, da LGT e o artigo 98.º, n.º 4, do CPPT, concluiu pela negativa.

Vejamos então o que se nos apraz dizer encetando por recordar o respetivo regime legal.

Decorre do artigo 97º nº 3 da LGT que deve ordenar-se “… a correcção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei”.

No mesmo sentido o artigo 98º, nº 4 do CPPT institui que “[E]em caso de erro na forma do processo, este será convolado na forma do processo adequada, nos termos da lei”.

A este respeito tem o STA pacificamente assumido que a convolação é admitida sempre desde que não seja manifesta a sua improcedência ou intempestividade e, bem assim, a idoneidade da respetiva petição para o efeito(1).

No caso dos autos, como vimos, a decisão de não convolação funda-se na circunstâbcia de ter sido formulada na petição inicial da oposição dois pedidos e sendo a forma processual escolhida adequada apenas a um deles, o que mereceu por parte do TAF de Leiria a qualificação de erro parcial na forma do propcesso, implicação na prossecução do processo apenas relativamente ao pedido para o qual o meio processual é próprio, obstando à possibilidade de convolação para o meio processual adequado quanto ao outro pedido.

Adiantamos, desde já que não partilhamos inteiramente da asserção expressa quanto à (in)adequação processual de cada um dos pedidos formulados.

Explicitando diremos que quanto ao pedido de apreciação da existência ou não de facto tributário, aqui enunciado como o “não recebimento de tornas” e a correspetiva repercussão na liquidação de IRS, é óbvio que constitui fundamento de impugnação judicial porque implica a apreciação concreta da legalidade do ato tributário da liquidação (artigo 99.º do CPPT).

Porém, quanto à caducidade do direito à liquidação ou falta de notificação da liquidação no período do prazo da caducidade, outras questões se podem levantar.

A falta de notificação da liquidação no período do prazo da caducidade, apreciada pelo TAF de Leiria, encontra-se claramente incluída no rol dos fundamentos de oposição ínsitos no artigo 204.º do CPPT [alínea e)] e foi, nesse contexto apreciada na sentença recorrida, porém a questão que aqui se coloca é a de saber se esta não pode também ser apreciada em sede de impugnação judicial por constituir ilegalidade invalidante do ato de liquidação.

Mas vejamos o que a este propósito se disse no acórdão do STA proferido em 30/10/2019 no processo n.º 01528/08.0BELRS, que com a devida vénia aqui acolhemos e por facilidade dali transcrevemos o seguinte:

“(…)

Na verdade, a consagração na referida alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT como fundamento de oposição à execução fiscal da «[f]alta de notificação da liquidação do tributo no prazo da caducidade» não permite deduzir a conclusão de que esse fundamento é exclusivo da oposição e de que não pode ser invocado em sede de impugnação judicial. Só assim não seria se essa norma incorporasse de algum modo um elemento de taxatividade – designadamente expresso pela afirmação de que a falta de notificação da liquidação do tributo no prazo da caducidade só ou apenas poderia ser fundamento de oposição à execução fiscal – que permitisse dela deduzir uma norma de sentido oposto como regime-regra, ou seja, que esse fundamento não poderia ser invocado em qualquer outro meio processual, o que não sucede.

A nosso ver, o que a alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT veio salientar foi que nas situações em que não se demonstrou a existência de notificação ocorrida dentro do prazo da caducidade, o contribuinte pode reagir contra essa liquidação, não só mediante impugnação judicial, mas também em sede de oposição à execução fiscal.

Ou seja, o legislador, em face de alguma jurisprudência que não permitia que, nos casos em que a notificação da liquidação ocorreu para além do termo do prazo da caducidade, o executado usasse a oposição à execução fiscal para reagir – por considerar que o único modo de reacção era a impugnação judicial, uma vez que estava em causa a legalidade da liquidação, atento o disposto no art. 45.º, n.º 1, da LGT [e, anteriormente, o art. 33.º do Código de Processo Tributário (CPT)] – veio, esclarecendo essas situações, consagrar mais uma possibilidade (relativamente às já existentes no CPT) excepcional de em sede de oposição à execução fiscal se discutir a legalidade concreta da liquidação da dívida exequenda, tal como acontecia já com os fundamentos hoje previstos nas alíneas a), g) e h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT [e, antes, nas alíneas a), f) e g) do art. 286.º CPT].

Como também bem salientou o já citado acórdão de Supremo Tribunal, o art. 1.º do CPPT, reconhecendo a supremacia da LGT, nunca consentiria a interpretação de que a alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT revogou o n.º 1 do art. 45.º da LGT, na parte em que este atribui à falta de notificação tempestiva efeito invalidante.

Concluindo, podemos dizer que a falta de notificação da liquidação dentro do prazo da caducidade do direito à liquidação constitui, por força da lei (art. 45.º, n.º 1, da LGT), ilegalidade invalidante do acto de liquidação (cf. art. 99.º do CPPT), susceptível de constituir não só fundamente de impugnação judicial, mas também fundamento de oposição à execução fiscal, por expressa previsão legal na alínea e) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (Neste sentido, se bem o interpretamos, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., nota 34 b) ao art. 204.º, págs. 488/489.) – fim de citação – o destacado é nosso.

Albergando a esta posição, é obvio que não podemos secundar a orientação assumida pelo Mmo Juiz a quo quanto à impossibilidade de convolação.

Com efeito ambos os pedidos formulados são suscetíveis de ser apreciados em sede de impugnação, ou seja, a falta de notificação da liquidação dentro do período de caducidade constitui ilegalidade invalidante nos termos instituídos no artigo 45.º n.º 1 da LGT, o mesmo acontecendo com a respetiva causa de pedir, devendo assim reconhecer-se a existência de erro na forma do processo, competindo, subsequentemente, ao julgador, o poder/dever a avaliar a possibilidade, em concreto, de proceder à convolação para a forma processual adequada a esse pedido (cf. artigo 97.º, n.º 3, da LGT e artigo 98.º, n.º 4, do CPPT).

Com efeito a convolação processual apenas se verifica afastada nas situações em que se mostra inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado(2).

Há assim que indagar se, na data em que a petição inicial foi apresentada, não estava já esgotado o prazo para o exercício do direito de ação sob a forma processual própria, caso em que, ainda assim a convolação estaria proibida, por inutilidade (cfr. artigo 130.º do CPC), já que “[C]como é óbvio, sob pena de estar encontrado o modo de subverter os prazos e a teleologia que preside à sua fixação, na ponderação da possibilidade de convolação o prazo a atender não pode ser outro senão o que estiver fixado para o exercício do meio processual adequado; será, pois, necessário averiguar se a petição inicial pode considerar-se tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual(3)”. (Ac. do STA proferido em 20/06/2018 no proc. 0212/18).

Decorre do artigo 102.º do CPPT que a impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir [alínea a)] do termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

Assim, temos que, in casu, a data limite de pagamento do imposto era 30/12/2013 [ponto D) do probatório] a petição inicial deu entrada em 03/03/2014, pelo que é obvio que a petição está em tempo.

Dito isto forçoso se torna concluir pela inexistência dos aduzidos óbices à convolação processual convocados pelo TAF de Leiria.

Em suma, sendo o pedido formulado na petição idoneio, não sendo manifesta a improcedência da pretensão, a qual se mostra tempestiva face ao meio processual adequado, impõe-se ao Tribunal ad quem ordenar a convolação para o processo de impugnação judicial, sendo, aliás, uma decorrência dos princípios da adequação formal e pro actione os quais devem pautar e nortear a atuação dos julgadores, visando-se, dessa forma, a obtenção de uma solução global e justa do litígio.

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam, os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso jurisdicional revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1.ª instância, a fim de aí de se proceder à convolação do processo de oposição para impugnação judicial, seguindo-se os ulteriores termos processuais.

Custas pela recorrida – art. 527.º n.º 1 do CPC in fine

Lisboa, 24 de novembro de 2022


­­­­­­Hélia Gameiro Silva - Relatora

Ana Cristina Carvalho - 1.ª Adjunta

Isabel Fernandes - 2.ª Adjunta

(Assinado digitalmente)



(1)Vide, entre outros, o acórdão proferido em 21/6/00, no processo nº 24.605.
(2)Vide, neste sentido, entre outros o acórdão STA, proferido em 06/05/2012, no processo nº 0409/12.
(3)Neste sentido, vide JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 10 d) ao art. 98.º, págs. 91/92.).