Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1368/11.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:07/09/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:NOTIFICAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO OFICIOSA DE IRS RESULTANTE DE ALTERAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
Sumário:Estando em causa as notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório

M.............. veio deduzir Oposição no âmbito do processo de execução fiscal n.º ……………… instaurado pelo serviço de finanças de Lisboa 7, por dívida de IRS, do período de tributação de 2006, no valor global de €23.571,10, peticionando a extinção da execução.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida em 04 de setembro de 2019, julgou procedente a oposição apresentada, absolvendo a Oponente da Instância.

Desta sentença foi interposto recurso pela Fazenda Pública.

A recorrente alega nos termos seguintes:

« A. A decisão ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante e, bem assim, total e acertada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso sub-judice.

B. A questão a decidir nos presentes autos respeita em saber se a notificação da liquidação de IRS do ano de 2006 foi notificada à oponente no prazo de caducidade.

C. O domicílio fiscal da executada à data da notificação da liquidação, conforme resultou provado, era Calçada ……………, 62 – 2, …….. Lisboa – fls. 60 a 61 do PEF.

D. Tal domicilio fiscal apenas foi alterado para Rua …………….., nº 11 A., ………. Lisboa em 01-06-2011 – fls. 62 e 63 do PEF.

E. Comprovou a AT que a demonstração da liquidação oficiosa e nota de cobrança do IRS do ano de 2006, em causa nos autos, foi expedida com registo nº RY………….., emitido em 15-12-2010 e entregue em 20-12-2010, conforme print do site dos CTT que atesta que foi recebida pela reclamante em 20-12-2010.

F. Tendo, inclusive, a douta sentença dado como assente no ponto 5 dos factos dados como provados que “A liquidação referida no ponto anterior foi remetida por carta registada com a referência RY…………….., à oponente no dia 17/12/2010, para a  morada  «CÇ………………… 62 2 …….. Lisboa» - cf. documentos a fls. 57 a 59 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos e a fls. 132 a 134 e 168 dos autos”.

G. Na verdade, o print dos CTT junto pela AT, que constitui um documento externo, indica a data em que a notificação foi recebida.

H. Pelo que resulta demonstrado que a notificação da liquidação relativa ao ano de 2001 foi efetuada e recebida dentro do prazo de caducidade.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»

X

              A oponente M............... contra-alegou, expendendo conclusivamente o seguinte:

« (A) As presentes contra-alegações de recurso vêm na sequência do recurso interposto pela FP da douta sentença proferida pela Meritíssima Juíza a quo, que considerou totalmente procedente o pedido da ora Recorrida, determinando a extinção do processo de execução fiscal no qual a Recorrida contestou a cobrança coerciva pela AT da dívida de IRS referente ao ano de 2006.

(B) O referido processo de execução fiscal teve origem na Liquidação, tendo esta sido remetida à Recorrida por carta registada com a referência RY………. no dia 17/12/2010 para a morada registada da Recorrida.

(C) Não tendo sido paga pela Recorrida o imposto a que se referia a Liquidação, a AT instaurou o processo de execução fiscal n.º ………………. contra a Recorrida para a cobrança coerciva da dívida.

(D) A Oponente, aqui Recorrida, não foi jamais validamente notificada da liquidação na origem do processo executivo em causa nestes autos.

(E) Em 01/06/2011, na sequência de uma consulta ao processo, por iniciativa do procurador da Recorrida, recebeu este uma cópia da citação no processo de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida de IRS.

(F) Tem-se, assim, a Recorrida como notificada para o processo de execução fiscal em apreço em 01/06/2011.

(G) Em primeiro lugar cumpre referir que a FP não imputa à sentença recorrida quaisquer pontos de facto incorretamente julgados, pelo que o recurso se cinge à discordância quanto ao sentido da decisão de direito.

(H) Tratando-se de uma mera discordância de direito, nos termos do n.º 1 do art.º 280º do CPPT é competente para conhecer do presente recurso é a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, e não o Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o mesmo recurso vem dirigido.

(I) Não obstante o acima mencionado, e caso descortine o douto Tribunal de recurso algum vício na factualidade assente - no que não se concede - sempre deveria o presente recurso ser rejeitado, já que a argumentação desenvolvida pela Recorrida é inepta para produzir as consequências que dela pretende retirar – a revogação da Sentença Recorrida – desde logo porque é incompreensível quanto aos vícios que imputa a tal decisão (que não formula adequadamente).

(J) A Recorrente não indica quais os factos que entende incorretamente julgados, e menos ainda, aqueles outros que, resultando dos elementos de prova junto aos autos, deveriam ter sido considerados assentes. Ao não o fazer, incumpre a Recorrente o ónus de especificação que  por si impendia nos termos do art.º 640.º do CPC, o que leva à rejeição do presente neste  recurso, o que se requer.

(K) De facto, o único motivo que justificaria a apresentação do recurso junto do Tribunal Central Administrativo Sul era o da Recorrente imputar à sentença recorrida factos incorretamente julgados, sob pena de não se poder concluir de forma distinta do que pela incompetência do presente Tribunal.

(L) Acresce que, ainda que assim não fosse, e que os alegados vícios que imputa à decisão recorrida viessem adequadamente invocados e as alegações de erro de facto devidamente formuladas, e que em consequência houvesse de ser apreciado o Recurso quanto à matéria de facto – o que não é o caso – ainda nesta circunstância o mesmo estaria votado ao indeferimento, por desrazão da FP nas afirmações que faz e por total acerto da decisão a quo, que não pode deixar de manter-se integralmente, o que se requer.

(M) Isto porque, não obstante a argumentação da Recorrente ser ininteligível, já que a FP não enumera os factos contestados nem faz deles prova, entende a Recorrida que, podendo estar algum facto em causa, este seria sempre o da notificação ter sido ou não recebida pela ora Recorrida.

(N) Ora, não obstante a notificação poder ter sido recebida pela Recorrida, esta não se teria por validamente notificada - que é o que se discute nos presentes autos - na medida em que foram preteridas as formalidades legais exigidas por lei para que se pudesse considerar a ora Recorrida como validamente notificada do processo de execução fiscal que motivou a presente oposição, a saber, carta registada com aviso de receção.

(O) O argumento da Recorrente de que a Liquidação foi efetuada e recebida dentro do prazo de caducidade, o que entende demonstrado através da junção de print do site dos CTT do registo n.º RY……………., efetuado em 17/12/2010, e que a FP alega ter sido rececionado pela ora Recorrida em 20/12/2010, não deve proceder, porquanto o referido print não é comprovativo idóneo de qualquer notificação, mas apenas uma impressão do sítio online dos CTT, que indica que o mesmo objeto postal terá sido remetido na data indicada

(P) Além da questão do referido print não ser meio de prova adequado, como concluído no ponto acima, deverá acolher-se a orientação jurisprudencial cristalizada de que a notificação em causa não foi validamente efetuada dentro do prazo de caducidade, porquanto a FP não cumpriu os pressupostos legais de notificação que lhe eram impostos.

(Q) Como bem e fundamentadamente refere a sentença recorrida, prevê o artigo 149.º, n.º 2, do Código do IRS que “as notificações a que se refere o artigo 66.º [i.e., a notificação de atos de fixação ou de alteração dos rendimentos cf. artigo 65.º, no qual se incluem as liquidações oficiosas de imposto, nos termos do artigo 65.º, n.º 2, do Código do IRS], quando por via postal, devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de receção” (na redação à data dos factos).

(R) É reconhecido pela própria Recorrente que a Liquidação em causa terá sido enviada por  correio registado simples e não por correio registado com aviso de receção.

(S) Ora, independentemente de a FP poder invocar que efetuou uma notificação da Liquidação e de esta ser dada por provada, é inegável que essa notificação não é válida, na medida em que não cumpre os requisitos legalmente exigíveis para as notificações de liquidações oficiosas previstos no artigo 149.º do Código do IRS (na redação à data dos factos).

(T) Perante tal evidência, e uma vez que a própria FP admite que a notificação da Liquidação por correio registado com aviso de receção não ocorreu, é incontornável a conclusão de que a Recorrida só foi validamente notificada da liquidação de imposto quando consultou o processo em 1 de Junho de 2011 e foi notificada da citação em mão.

(U) Ora, da  falta  de notificação  válida,  decorre necessariamente  a  falta de  notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, nos termos do n.º 1 do art.º 45º da Lei Geral Tributária (LGT), nos termos do qual “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

(V) Nestes termos, estando em causa imposto relativo ao ano de 2006, a Recorrida deveria ter sido validamente notificada da Liquidação até ao dia 31 de dezembro de 2010.

(W) Assim, tendo a Recorrida apenas tomado conhecimento da Liquidação de imposto em 1 de junho de 2011, a notificação ocorreu fora do prazo de caducidade.

(X) Não sendo válida a notificação, esta é necessariamente ineficaz sendo, por isso, inexigível a dívida, pelo que a sentença recorrida não merece reparo, como de resto vem decidindo de forma indiscutível e reiterada a jurisprudência superior que acima se cita e que confirma a bondade da decisão recorrida que deve manter-se.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá o presente Recurso ser rejeitado, mantendo o presente Tribunal a decisão recorrida.»

X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X


II- Fundamentação.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

« 1. Em 13/02/2006, a Oponente outorgou procuração a favor de R………………. e de P………………… através da qual conferiu poderes para a «L) Representar (…) perante quaisquer pessoas ou entidades públicas ou privadas, incluindo, sem excluir, quaisquer autoridades públicas (…) Autoridades Fiscais (…)» - cf. procuração, cujo teor se d á por integralmente reproduzido, a fls. 22 a 26 dos autos;

2. A Direcção-Geral dos Impostos remeteu, por carta registada, o ofício «Notificação – Assunto: Declaração de IRS Modelo 3 de 2006» à Oponente para a morada «CÇ …………………. – Lisboa; ……… Lisboa», constando do mesmo que: «Face ao disposto no artigo 57º do Código do IRS, está V. Exa. obrigado à apresentação da declaração de rendimentos modelo 3. Não constando da base de dados a sua entrega, deve regularizar a situação (…). Caso não proceda à entrega da declaração no prazo acima referido, (…) proceder-se-á à liquidação nos termos do n.º 3 do artigo 76º do  Código  do  IRS  (…)»  -  cf.  ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 69 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos;

3. O ofício referido no ponto anterior foi devolvido ao remetente – cf. ofício a fls. 69 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos;

4. Em 11/12/2010 foi emitida a liquidação de IRS n.º ………………., do período de tributação de 2006, em nome da Oponente da qual resultou um valor a pagar de €23.571,10 – cf. liquidação a fls. 57 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos e a fls. 133 dos autos;

5. A liquidação referida no ponto anterior foi remetida por carta registada com a referência RY…………….., à Oponente no dia 17/12/2010, para a morada

«CÇ … …….. Lisboa» - cf. documentos a fls. 57 a 59 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos e a fls. 132 a 134 e 168 dos autos;

6. Em 31-03-2011, foi emitida a certidão de dívida n.º ……….. constando da mesma que é executada a Oponente e que a dívida respeita a IRS do período de tributação de 2006, no montante de €23.571,10 - cf. certidão de dívida a fls. 42 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos;

7. O serviço de finanças de Lisboa 7 instaurou o processo de execução fiscal n.º …………. contra a Oponente para a cobrança coerciva da dívida referida no ponto 6. – cf. autuação e certidão de dívida a fls. 41 e 42 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos;

8. O serviço de finanças de Lisboa 7 elaborou o ofício «CITAÇÃO», contando mesmo o seguinte: «Aviso Postal registado; Identificação do Executado: M…………….; CÇ ……………… Lisboa; ……… Lisboa; N.º Processo ……………..;» - cf. ofício, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 50 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos;

9. Em 08/04/2011, a Direcção-Geral dos Impostos remeteu um ofício à Oponente por carta registada com a referência RQ…………. - cf. documentos a fls. 64 e 65 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos;

10. Em 23/05/2011 e no âmbito do processo de execução fiscal identificado no ponto 7., a Direcção-Geral dos Impostos apresentou pedido de penhora de

«Outros Valores e Rendimentos» ao Banco …………… S.A. - cf. documentos a fls. 66 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos;

11. Em 03/10/2004, a Oponente indicou como domicílio fiscal a Calçada ………….. – 2 ……….Lisboa – cf. documentos a fls. 60 e 61 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos;

12. Em 01/06/2011, a Oponente alterou o domicílio fiscal para a morada Rua ………….. n.º 11 A …….. Lisboa – cf. documentos a fls. 62 e 63 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos;

13. Em 01/06/2011, o procurador da Oponente, R……………., recebeu cópia do ofício de citação referido no ponto 8. e cópia da liquidação de IRS referida no ponto 4.- cf. confissão (artigo 4º da petição inicial);

14. A presente oposição foi remetida por carta registada ao serviço de finanças de Lisboa 7 em 27/06/2011 – cf. registo aposto no envelope a fls. 32 dos autos.


*

Nada mais se provou com interesse para a decisão das questões a decidir.

*

O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão das questões a decidir com base na posição das partes assumidas nos articulados e na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e constantes da cópia do processo de execução fiscal apenso conforme identificado nos factos provados.

X


2.2. Direito

2.2.1. Nos presentes autos, é sindicada a sentença proferida em 04 de setembro de 2019, que julgou procedente a oposição apresentada, absolvendo a Oponente da Instância executiva.

2.2.2. No que respeita à invocada excepção da incompetência absoluta deste TCAS para dirimir o objecto do recurso (invocada nas contra-alegações de recurso), cumpre referir o seguinte.

Nos termos do artigo 280.º/1, do CPPT, das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, no prazo de dez dias a interpor, entre outros, pelo impugnante, pelo representante da Fazenda Pública e por qualquer outro interveniente que no processo fique vencido, para o Tribunal Central Administrativo, salvo se a matéria for exclusivamente de direito, caso em que o recurso deve ser interposto, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo. Esta norma que se aplica ao caso em exame, dado que se trata de acção instaurada antes de 01.01.2012, em relação à qual foi interposto recurso de decisão proferida antes da entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro[1].

«O recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos. (…) // O critério jurídico para destrinçar se estamos perante uma questão de direito ou uma questão de facto, passa por saber se o recorrente faz apelo, nos fundamentos do recurso substanciados nas conclusões, apenas a normas ou princípios jurídicos que tenham sido na sentença recorrida supostamente violados na sua determinação, interpretação ou aplicação, ou se, por outro lado, também apela à consideração de quaisquer factos materiais ou ocorrências da vida real (fenómenos da natureza ou manifestações concretas da vida mesmo que do foro espiritual ou volitivo), independentemente da sua pertinência, merecimento ou acerto para a solução do recurso[2].

No caso em exame, cotejando o teor das alegações de recurso interposto pela Fazenda Pública, verifica-se que as mesmas incidem sobre a efectividade da notificação da liquidação exequenda antes de decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação. A aferição das questões em apreço implica a ponderação do direito aplicável, mas também da matéria de facto relevante para enquadrar de forma correcta as questões suscitadas.
Em face do exposto impõe-se concluir que «para solucionar a matéria alegada e controvertida pelas partes torna[-se] necessário fazer juízos sobre questões probatórias ou averiguar da materialidade alegada como eventualmente interessando a outras plausíveis soluções de direito»[3]. De onde resulta que o objecto dos recursos jurisdicionais em exame não versa exclusivamente sobre questões de direito, pelo que assiste competência, em razão da hierarquia, a este tribunal para deles conhecer.
Termos em que se julga improcedente a presente excepção dilatória da incompetência absoluta do TCAS para conhecer do objecto do recurso.

2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca erro de julgamento, com base nas asserções seguintes: «Comprovou a AT que a demonstração da liquidação oficiosa e nota de cobrança do IRS do ano de 2006, em causa nos autos, foi expedida com registo nº RY…………….., emitido em 15-12-2010 e entregue em 20-12-2010, conforme print do site dos CTT que atesta que foi recebida pela reclamante em 20-12-2010 // Tendo, inclusive, a douta sentença dado como assente no ponto 5 dos factos dados como provados que “A liquidação referida no ponto anterior foi remetida por carta registada com a  referência RY…………, à oponente no  dia  17/12/2010, para a  morada  «CÇ………………. 62 2 …….. Lisboa» - cf. documentos a fls. 57 a 59 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos e a fls. 132 a 134 e 168 dos autos”. // Na verdade, o print dos CTT junto pela AT, que constitui um documento externo, indica a data em que a notificação foi recebida.

A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
«Resulta dos pontos 2. a 4. e 6. e 7. dos factos provados que a liquidação de IRS do período de tributação de 2006 que originou a dívida exequenda foi oficiosamente emitida pela Administração Tributária. (…) //
Estando em cauda nos presentes autos uma liquidação oficiosa de IRS, isto é, um acto de fixação emitido pela administração tributária dos rendimentos da Oponente sujeitos a tributação, impunha-se que a sua notificação fosse efectuada por carta registada com aviso de recepção ao abrigo do disposto nos artigos 65º, n.º 2, alínea b), 66º e 149º, n.º 2, do Código do IRS.
Deste modo, resultando dos pontos 4. e 5. da matéria de facto provada que a liquidação oficiosa de IRS foi remetida por carta registada para a Oponente, verifica-se a preterição de uma formalidade legal. (…) //
Da matéria de facto provada apenas resulta que o procurador da Oponente, R.............., recebeu uma cópia da liquidação oficiosa de IRS em 01/06/2011, não tendo a Fazenda Pública demonstrado nos presentes autos, conforme lhe competia, atentas as regras do ónus da prova consagrada no artigo 74º, n.º 1, da LGT, que a Oponente tenha tinha esse conhecimento em momento anterior à instauração do processo de execução fiscal (cf. pontos 6., 7., 10. e 13.). (…) //
Deste modo, prevendo o Código do IRS norma especial aplicável à notificação da liquidação oficiosa de IRS, não se pode aplicar o disposto no artigo 38º, n.º 3, do CPPT».

Apreciação. Nos presentes autos, suscita-se a questão de saber se a notificação da liquidação da qual emerge a dívida exequenda ocorreu antes do decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação.

Do probatório resultam os elementos seguintes:
i) A Direcção-Geral dos Impostos remeteu, por carta registada, o ofício «Notificação – Assunto: Declaração de IRS Modelo 3 de 2006» à Oponente para a morada «CÇ ……………….. 62 2 – Lisboa; ……….. Lisboa», constando do mesmo que: «Face ao disposto no artigo 57º do Código do IRS, está V. Exa. obrigado à apresentação da declaração de rendimentos modelo 3. Não constando da base de dados a sua entrega, deve regularizar a situação (…). Caso não proceda à entrega da declaração no prazo acima referido, (…) proceder-se-á à liquidação nos termos do n.º 3 do artigo 76º do  Código  do  IRS  (…)»  -  n.º 2.
ii) O ofício referido no ponto anterior foi devolvido ao remetente – n.º 3.
iii) Em 11/12/2010 foi emitida a liquidação de IRS n.º …………., do período de tributação de 2006, em nome da Oponente da qual resultou um valor a pagar de €23.571,10 – n.º 4.
iv) A liquidação referida no ponto anterior foi remetida por carta registada com a referência RY………….., à Oponente no dia 17/12/2010, para a morada «CÇ ………… 62 2 ……… Lisboa» - n.º 5.

Está em causa liquidação emitida ao abrigo do disposto nos artigos 65.º(“Bases para o apuramento, fixação ou alteração dos rendimentos”) e 66.º (“Notificação e fundamentação dos actos”), do CIRS, ou seja, trata-se de uma liquidação ofíciosa de IRS de 2006, que procedeu à fixação da matéria colectável, tendo por base os elementos disponíveis. A este propósito, estatuía o preceito do artigo 149.º do CIRS, que «As notificações a que se refere o artigo 66.º, quando por via postal, devem ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção».

Colhe-se da jurisprudência fiscal assente, o ensinamento de que «Nos termos do artº 149º do CIRS os actos de liquidação de IRS efectuados com base na declaração anual de rendimentos apresentada pelo contribuinte estão sujeitos a notificação por mera carta registada. Todavia, estando em causa as notificações dos actos de alteração dos rendimentos declarados e dos actos de fixação pela administração dos rendimentos sujeitos a tributação, têm as mesmas de ser efectuadas por meio de carta registada com aviso de recepção. // Uma liquidação adicional que materialize ou revele um ato de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65º nº 4, 66º e 149º nº 2 do CIRS».[4]

No caso, a notificação não foi concretizada através de carta registada com aviso de recepção, o que preclude a efectividade do acto de notificação em apreço. A falta de preenchimento da formalidade em apreço não permite no caso dar como assente a ocorrência da notificação do acto tributário em referência. A invocação dos registos internos da AT, sem o cruzamento com outros dados, designadamente, coligidos juntos dos CTT, não permite comprovar a efectividade da notificação, através da entrada na esfera de disponibilidade da oponente, sua destinatária. O ónus da prova da demonstração da materialidade do acto de notificação em liça recai sobre a exequente, ora recorrente. Dos elementos coligidos nos autos não há registos externos à AT que comprovem a efectividade da notificação. Pelo que o ónus da demonstração da materialidade da mesma no caso não foi observado. Estando em causa liquidação relativa ao exercício de 2006, o acto de notificação válida da mesma na pessoa do seu destinatário devia ter ocorrido até 31.12.2010 (artigo 45.º/1, da LGT), o que não se mostra comprovado nos autos. «A falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade é por força da alínea e) do nº 1 do artigo 204 do CPPT um fundamento mais de oposição à execução fiscal por tal facto determinar a inexigibilidade da dívida exequenda»[5].

Ao julgar no sentido referido a sentença recorrida não incorreu em erro, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO


Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto)



 (2º. Adjunto)


____________________


[1] V. Ricardo Pedro, “Linhas gerais sobre as alterações ao regime de recursos jurisdicionais no âmbito do CPPT, em especial o recurso de revista excecional”, in Comentários à legislação processual tributária, Carla Amada Gomes et aliud, 2019, pp. 349/372, máxime, p. 366.
[2] Acórdão do TCAS, de 04.06.2013, P. 06465/13.
[3] Acórdão do TCAS, de 22.09.2009, P. 3314/09.

[4] Acórdão do STA, de 15.11.2017, P. 0974/16

[5] Acórdão do STA, de 04.10.2017, P. 0660/15