Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:9933/16.1BCLSB
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:09/27/2018
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
EXCESSO DE PRONÚNCIA
RECURSO PARA O T. CONSTITUCIONAL
Sumário:I - Só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação.
II - O recurso para o Tribunal Constitucional é “sempre restrito a uma questão de constitucionalidade, que consiste em saber se determinada norma aplicável a uma causa pendente no tribunal é ou não inconstitucional. O recurso de constitucionalidade não tem por objeto a decisão judicial em si mesma ( ...) mas apenas na parte em que ela não aplicou uma norma alegadamente inconstitucional”.
III - Na situação em análise, o acórdão do TC fez caso julgado no processo apenas quanto à questão da inconstitucionalidade, razão pela qual se impunha retirar as devidas consequências do disposto no artigo 80.º, n.º 2 da LTC, segundo o qual “Se o Tribunal Constitucional der provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, os autos baixam ao tribunal de onde provieram, a fim de que este, consoante for o caso, reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade”.
IV - O Tribunal Arbitral, na sequência do decidido pelo TC e reformulando a sua anterior decisão, teve necessariamente de passar ao conhecimento dos vícios cuja apreciação havia ficado prejudicada em função de um juízo de inconstitucionalidade que o TC não confirmou.
V - Foi nesta actividade que se justificou plenamente a apreciação das questões do cumprimento dos requisitos do artigo 10º do CIRS, concretamente da questão da data que deve considerar-se como a da alienação das acções.
VI - Não há aqui excesso de pronúncia. Diferentemente, e caso o Tribunal Arbitral não tivesse procedido ao conhecimento dos vícios alegados e cujo conhecimento havia inicialmente ficado prejudicado, o que haveria era – isso sim – uma clara omissão de pronúncia relativamente a parte das questões que o sujeito passivo erigiu como fundamento do pedido de pronúncia arbitral e nas quais fazia assentar a defesa da ilegalidade da liquidação contestada.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, veio, ao abrigo do preceituado no artigo 27º do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante apenas designado por RJAT], impugnar o acórdão arbitral proferido no processo nº 703/2014-T, pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).

No seu articulado inicial a Fazenda Pública formula as seguintes conclusões:

A) De acordo com o n.º 1 do artigo 27. do RJAT, "a decisão arbitral pode ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo, devendo o respectivo pedido de impugnação, acompanhado de cópia do processo arbitral, ser deduzido no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão arbitral”.

B) A decisão impugnada, salvo melhor opinião, pronunciou-se indevidamente, (ofendendo o caso Julgado) constituindo fundamento de impugnação da decisão arbitral nos termos do artigo 28.º n.º 1 alínea c) do Regime Jurídico da Arbitragem, sob pena de violar o direito de acesso à justiça (artigo 20º da CRP, o princípio da legalidade (artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP) e do artigo 266.º, n.º 2, do mesmo diploma, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT. (vide sobre este ponto o Acórdão n.º 177 de 6 de Maio de 2016 do Tribunal Constitucional).

C) Caso assim não entenda, a intenção do legislador de acordo com a concessão da autorização legislativa do RJAT, foi não restringir de forma taxativa os fundamentos da impugnação da decisão arbitral.

D) Assim, e numa interpretação do artigo 28.º do RJAT consentânea com a respectiva autorização legislativa, forçoso será entender que o elenco daquele artigo 28.º não terá natureza taxativa, mas meramente enunciativa.

E) Podendo, assim, ser fundamento de impugnação outros vícios da mesma, que não apenas os elencados no RJAT.

F) Ora, salvo melhor opinião, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento conforme prescreve o artigo 615.º n.º 1 alínea d) do CPC;

G) Em concreto a presente impugnação tem como fundamento a pronúncia indevida com ofensa do caso julgado anterior, na medida em que após a declaração de constitucionalidade sufragada no acórdão n.º 815/15 do Tribunal Constitucional que ordenou a reforma da decisão do Tribunal Arbitral supra identificada, a qual previamente tinha anulado a liquidação tendo por base a inconstitucionalidade da norma constante no artigo 10.º n.º 2, do CIRS por violação do princípio da igualdade, o Tribunal Arbitral ao invés de reformar a decisão de acordo com o juízo de constitucionalidade conforme prescreve o artigo 80.º n.º2 da Lei do Tribunal Constitucional, veio efectuar um novo julgamento da causa, proferindo uma nova decisão, invocando e conhecendo novos vícios, que não aquele que constituiu o fundamento da decisão anteriormente proferida e alvo do recurso de constitucionalidade.

H) Com efeito, caberia ao Tribunal Arbitral meramente reformular a decisão de acordo com o juízo de constitucionalidade da norma, com as demais consequências dai resultantes, nomeadamente a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

I) Deste modo e salvo melhor entendimento, a douta decisão ao efectuar um novo julgamento aprecia e conhece de questões que não poderia tomar conhecimento, violando assim o artigo 613.º n.º1 do CPC aplicável " ex vi" artigo 29.º n.º1 alínea e) do RJAT e o artigo 80.º n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional.

J) A decisão arbitral invariavelmente compromete a certeza e segurança jurídica violando o caro princípio da imodificabilidade das decisões judiciais, como pressuposto do Estado de Direito e da tutela jurisdicional efectiva (artigo 2.º e 20.º da CRP).

Nestes termos e com o Douto Suprimento de V. Exas, deve a presente impugnação ser julgada procedente e declarado nulo o acórdão arbitral impugnado, por clara pronúncia indevida, devendo ser proferida nova decisão de acordo com o juízo de constitucionalidade sufragado no acórdão n. 815/15 do Tribunal Constitucional, com a consequente improcedência do pedido de pronúncia arbitral, como é de DIREITO E JUSTIÇA.


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Admitida a Impugnação e notificados M….. e P…., por estes foi apresentado articulado de resposta, aí se formulando as seguintes conclusões:
1.ª As questões suscitadas no pedido de pronúncia arbitral apresentado nos presentes autos foram, em suma, as seguintes:
(i) Vício de quantificação da mais-valia por não consideração de prestações suplementares;
(ii) Inconstitucionalidade do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS por violação do princípio da tipicidade, da segurança e da certeza jurídica;
(iii) Inconstitucionalidade do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS por violação do princípio da igualdade;
(iv) Vício de violação de lei designadamente do artigo 10.º do Código do IRS quanto à data em que deve ser considerada a alienação das ações para efeitos da sua tributação;
(v) Vício de violação de lei designadamente do artigo 10.º do Código do IRS quando interpretado no sentido de que o mesmo não visa ter aplicação aos casos e situações de transmissão de ações de sociedades não imobiliárias que detenham edifícios ou outros bens imóveis como parte integrante dos ativos operacionais afetos sua atividade normal.
2ª O Tribunal Arbitral constituído para o efeito, por acórdão arbitral de 29.04.2015, julgou improcedentes as questões suscitadas pelos Impugnados elencadas sumariamente nos pontos (i) e (ii) supra e, avaliando a questão referida em (iii), julgou como procedente o pedido de pronúncia arbitral, pronunciando-se no sentido de se haver de considerar como materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, a norma do artigo 10.º, n.º 12, do Código do IRS.
3ª Nestes termos, e com fundamento em vício de violação de lei, declarou como ilegais o despacho de 16 de junho de 2014, proferido pela Senhora Subdirectora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, que indeferiu o recurso hierárquico e a liquidação de IRS n.º 2011 500…, relativa ao ano de 2007, tendo determinado a anulação dos mesmos.
4ª Por força da decisão proferida, o Tribunal Arbitral considerou prejudicado e não tomou conhecimento dos demais vícios imputados ao ato tributário contestado. Em face do sentido e alcance da decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, a Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, defendendo a constitucionalidade do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS (redação em vigor em 2007).
5ª Pelo Acórdão n.º 275/2016, de 04.05.2016, veio o Tribunal Constitucional decidir "não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 10.º, n.º 12 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n. º 442-A/88, de 30 de novembro, na redação dada pela Lei n. º 39-A/2005, de 29 de julho, segundo a qual a exclusão estabelecida no n.º 2 do mesmo artigo não abrange as mais-valias provenientes de ações de sociedades cujo ativo seja constituído, desde o momento da aquisição das ações até ao momento da sua alienação, direta ou indiretamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis situados em território português".
6ª E, em consequência, "conceder provimento ao recurso, determinando-se a reformulação da decisão recorrida de harmonia com o precedente juízo de não inconstitucionalidade "
7ª Em cumprimento do Acórdão n.º 275/2016, de 04.05.2016, do Tribunal Constitucional, veio o Tribunal Arbitral, por acórdão de 08.08.2016, reformular a decisão arbitral proferida a 29.04.2015, mantendo o decidido anteriormente quanto às questões referidas nos pontos
(i) e (ii) da conclusão 1ª supra e reformulando a decisão anterior no que concerne à questão da inconstitucionalidade do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS por violação do princípio a igualdade no sentido de "(...) tendo o referido acórdão do Tribunal Constitucional transitado em julgado, o artigo 10. n. º 12 tem de considerar-se, neste processo, como não sendo inconstitucional " (cf. p. 22 do acórdão impugnado);
8ª A Autoridade Tributária e Aduaneira, entende que a decisão impugnada "(...) pronunciou­ se indevidamente (ofendendo caso julgado) constituindo fundamento de impugnação da decisão arbitral nos termos do artigo 28.º n. º 1 alínea c) do Regime jurídico da Arbitragem, sob pena de violar o direito de acesso à justiça (artigo 20 . º da CRP, o princípio da legalidade (artigos 3. n. º 2, 202. º e 203. º da CRP) e do artigo 266, n. º 2 do mesmo diploma, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30. n. º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a AT. (vide sobre este ponto o Acórdão n. 0 177, de 6 de Maio do Tribunal Constitucional) (cf. conclusão B da impugnação);
9ª A Autoridade Tributária e Aduaneira concretiza o vício imputado à decisão impugnada invocando que o mesmo se traduz na "(...) pronúncia indevida com ofensa do caso julgado anterior, na medida em que após a declaração de constitucionalidade sufragada no acórdão n. º 815/15 do Tribunal Constitucional que ordenou a reforma da decisão do Tribunal Arbitral (...) o Tribunal Arbitral ao invés de reformar a decisão de acordo com o juízo de constitucionalidade conforme prescreve o artigo 80.º n. º 2 da Lei do Tribunal Constitucional, veio efectuar um novo julgamento da causa, proferindo uma nova decisão, invocando e conhecendo novos vícios, que não aquele que constituiu o fundamento da decisão anteriormente proferida e alvo do recurso de constitucionalidade". (cf. conclusão G da impugnação apresentada)
10.ª Conclui a Autoridade tributária e Aduaneira que "Deste modo e salvo melhor entendimento, a douta decisão ao efetuar um novo julgamento, aprecia e conhece questões que não poderia tomar conhecimento, violando assim o artigo 613. n. º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29. º n. º 1 alínea e) do RJAT e o artigo 80, n. º 2 da Lei do Tribunal Constitucional" e desta forma comprometendo a "(...) certeza e segurança jurídica violando o caro princípio da imodificabilidade das decisões judiciais, como pressuposto do Estado de Direito e da Tutela Jurisdicional efetiva (artigo 2. º e 20. º da CRP). (cf. conclusões I e J da Impugnação apresentada).
11ª Importa, desde logo, ter em consideração o âmbito e alcance dos recursos para o Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade. De acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), "Os recursos para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade conforme os casos" (sublinhado nosso). Esta mesma norma é reiterada no n.º 1 do artigo do artigo 71.º da Lei do Tribunal Constitucional.
12 ªComo ensinam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “o recurso para o TC é sempre restrito a uma questão de constitucionalidade (n.º 6), que consiste em saber se determinada norma aplicável a uma causa pendente no tribunal é ou não inconstitucional. O recurso de constitucionalidade não tem por obieto a decisão judicial em si mesma ( ...)mas apenas na parte em que ela não aplicou uma norma alegadamente inconstitucional ". (sublinhado nosso).
13ª O recurso para o Tribunal Constitucional tem, pois, uma natureza incidental, ou seja, só pode ser suscitado no âmbito de uma ação judicial (ou arbitral) para aferir da inconstitucionalidade de normas cuja aplicação seja relevante para a solução do caso sub judice, tendo, consequentemente, natureza instrumental em relação à decisão da causa em que o incidente da constitucionalidade se suscitou.
14ª Por esta razão a decisão do recurso faz caso julgado no processo apenas quanto à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade suscitada (cf. n.º 1 do artigo 80.º da Lei do Tribunal Constitucional).
15ªÉ neste contexto, e não no propugnado pela Autoridade Tributària e Aduaneira na sua douta impugnação, que deve entender-se o comando ínsito na norma do artigo 80.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional segundo o qual "Se o Tribunal Constitucional der provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, os autos baixam ao tribunal de onde provieram, a fim de que este, consoante for o caso, reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade. "
16ª Do que antecede resulta apenas e só que ao dar provimento ao recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira não considerando inconstitucional a norma do n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS e ordenando a baixa dos autos ao Tribunal Arbitral para que este reformulasse a sua decisão, o Tribunal Constitucional vinculou o Tribunal Arbitral a aplicar aquela norma. O que o Tribunal Arbitral fez decidindo nos seguintes termos: "Assim, tendo o referido acórdão do Tribunal Constitucional transitado em julgado, o artigo 10º n. º 12 tem de considerar-se, neste processo, como não sendo inconstitucional". E nessa medida respeitando cabalmente o caso julgado.
17ª De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do n.º 1 do RJAT constituem fundamentos de impugnação da decisão arbitral a pronúncia indevida ou a omissão de pronúncia.
18ª O vício de pronúncia indevida ou excesso de pronúncia traduz-se na circunstância de o tribunal ir para além do conhecimento das questões que lhe foi pedido pelas partes, pelo que esta nulidade processual ocorre quando o juiz se pronuncia sobre uma questão que não lhe foi submetida a apreciação. No caso da arbitragem tributária este vício inclui ainda os casos em que o tribunal arbitral atua fora do âmbito da respetiva competência material (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 177/2016, de 26.03.2016).
19ª Já a omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal deixa de conhecer alguma questão que lhe tenha sido colocada pelas partes, sem que o seu conhecimento seja prejudicado pela resposta dada a outras questões.
20ª A definição destas nulidades processuais radica no próprio princípio do dispositivo, o qual circunscreve os poderes de cognição do tribunal. Assim e de acordo com o disposto no artigo 608.º, n.º2, do Código do Processo Civil, aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT: O Juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras".
21 ª Transpondo esta regra para o caso sub judice, tendo o Tribunal Arbitral considerado o n.º 12 do artigo 10.º do Código do IRS materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, e com base neste juízo anulado o ato impugnado, considerou prejudicado, logo desnecessário, o conhecimento das demais questões.
22ª Porém, a partir do momento em que, em cumprimento da decisão do Tribunal Constitucional teve que proceder à reforma da decisão arbitral no sentido de considerar tal preceito constitucional, o conhecimento das demais questões tornou-se legalmente imperativo em cumprimento do artigo 608.º, n.º 2, do Código do Processo Civil.
23ª Dúvidas não subsistem, pois
(iii) Que o vício apreciado e considerado procedente pelo Tribunal Arbitral na decisão arbitral objeto da presente impugnação foi invocado pelos Recorrentes no pedido de pronúncia arbitral (cf. artigos 125.º a 143.º do pedido de pronúncia arbitral);
(iv) Nem quanto à competência material do tribunal arbitral para declarar a ilegalidade do ato de liquidação sub judice (cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e artigo l .º da Portaria n.º l 12-A/2011, de 22 de Março).
24ª Assim, evidente se assume a inexistência do vício assacado pela Autoridade Tributária e Aduaneira à decisão arbitral impugnada e a improcedência da presente impugnação.
25 A admitir-se a tese da Autoridade Tributária e Aduaneira, qual seja, a de que a reforma da decisão arbitral deveria ater-se exclusivamente à mera reiteração da constitucionalidade da norma no artigo 10.º, n.º 12, do Código do IRS, ficariam por decidir as demais questões para cuja pronúncia arbitral foi suscitada.
26ª Aí sim ocorreria uma evidente nulidade processual que prejudicaria os Requerentes, ora Impugnantes: a omissão de pronúncia, porquanto ficariam por decidir questões cuja pronúncia havia sido suscitada ao tribunal. E tal situação consubstanciaria, essa sim, uma grosseira violação do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 20.º da CRP.
Nestes termos, ao decidir como decidiu, o Tribunal Arbitral cumpriu este constitucional desiderato, não podendo imputar-se à decisão impugnada o vício de pronúncia indevida, como se demonstrou.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve a presente impugnação e o presente recurso ser julgados improcedentes, mantendo-se a douta decisão recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (aplicável “ex vi” artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), nada tendo dito.

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Com dispensa dos vistos dos actuais Senhores Juízes Adjuntos, cumpre decidir.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A matéria de facto não foi impugnada. Assim, nos termos do art.º 663º, n.º 6, do CPC, remete-se para a matéria de facto fixada na decisão recorrida.



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- De Direito


Como se deixou dito no acórdão desta secção proferido em 18/04/18, no processo nº nº121/17.0BCLSB, “O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).

Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.

No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.

Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.

Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.

Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos, isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.

Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in)constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.

Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).

Nos termos da lei, a regra é que é possível que a decisão do Tribunal arbitral seja anulada pelo Tribunal Central Administrativo competente. Esta impugnação - que em bom rigor se trata de um recurso - deve ser deduzida, sob pena de não admissão por intempestividade, no prazo de quinze dias contados da notificação da decisão arbitral, ou da notificação referida no artº.23, do diploma em apreço. Porém, neste último caso, a decisão arbitral terá que ter sido proferida por Tribunal colectivo, cuja constituição tenha sido requerida nos termos do artº.6, nº.2, al.b), do RJAT.

Já no que toca aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, vêm estes elencados no texto do artº.28, nº.1, do RJAT. São eles, taxativamente, os seguintes:

1-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

2-Oposição dos fundamentos com a decisão;

3-Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;

4-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artº.16, do diploma.

Ou seja, os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do CPCivil.

E se algumas dúvidas pudessem subsistir sobre o que se vem de afirmar, elas dissipar-se-iam por força dos elementos sistemático, teleológico e histórico, considerando, por um lado, o regime jurídico dos vícios em causa, tal como disciplinado pelo C.P.P.T., e, por outro, a intenção do legislador expressamente manifestada na parte preambular do diploma em causa, quando e ao que aqui releva, refere que “(…) A decisão arbitral poderá ainda ser anulada pelo Tribunal Central Administrativo com fundamento na não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão, na pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia ou na violação dos princípios do contraditório e da igualdade de partes (…)”. Assim manifestando o legislador, de forma inequívoca, uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação das decisões arbitrais para os T. C. Administrativos (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2013, proc.5203/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/5/2013, proc.5922/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2013, proc.6258/12; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.234 e seg.)”.

Feito este enquadramento inicial, vejamos o caso concreto, não perdendo de vista que, conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, no caso, lidas as conclusões formuladas e dirigidas a este Tribunal, facilmente se descortina a questão que a Impugnante, Fazenda Pública, pretende ver apreciada por este TCA: em síntese, aponta-se ao acórdão arbitral o excesso de pronúncia, o que acarretaria a nulidade do mesmo. No essencial, a linha argumentativa da Fazenda Pública é a seguinte, tal como decorre das conclusões G), H) e I):

“Em concreto a presente impugnação tem como fundamento a pronúncia indevida com ofensa do caso julgado anterior, na medida em que após a declaração de constitucionalidade sufragada no acórdão n.º 815/15 do Tribunal Constitucional que ordenou a reforma da decisão do Tribunal Arbitral supra identificada, a qual previamente tinha anulado a liquidação tendo por base a inconstitucionalidade da norma constante no artigo 10.º n.º 2, do CIRS por violação do princípio da igualdade, o Tribunal Arbitral ao invés de reformar a decisão de acordo com o juízo de constitucionalidade conforme prescreve o artigo 80.º n.º2 da Lei do Tribunal Constitucional, veio efectuar um novo julgamento da causa, proferindo uma nova decisão, invocando e conhecendo novos vícios, que não aquele que constituiu o fundamento da decisão anteriormente proferida e alvo do recurso de constitucionalidade.

Com efeito, caberia ao Tribunal Arbitral meramente reformular a decisão de acordo com o juízo de constitucionalidade da norma, com as demais consequências dai resultantes, nomeadamente a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Deste modo e salvo melhor entendimento, a douta decisão ao efectuar um novo julgamento aprecia e conhece de questões que não poderia tomar conhecimento, violando assim o artigo 613.º n.º1 do CPC aplicável " ex vi" artigo 29.º n.º1 alínea e) do RJAT e o artigo 80.º n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional”.

Vejamos se o acórdão impugnado enferma, realmente, do vício que lhe é assacado.

As nulidades da sentença são taxativas. O seu elenco consta do n.º 1 do artigo 615º do CPC. A omissão e o excesso de pronúncia fazem parte desse elenco.

No caso em apreço, a nulidade imputada à decisão impugnada é a referida na 2ª parte, da alínea d), do n.º 1 do artigo 615º do CPC, igualmente comtemplada no artigo 28º, nº1, alínea c) do RJAT.

Diz a alínea d) do apontado preceito do CPC que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

A nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, nos termos do qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e “[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

É, pois, a violação daqueles deveres que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes.

Contudo, como resulta dos sempre invocados ensinamentos de Alberto dos Reis, há que não confundir questões suscitadas pelas partes com motivos ou argumentos por elas invocados para fazerem valer as suas pretensões. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão." – cfr. Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.

Deste modo, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições. Apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas, não podendo falar-se em omissão de pronúncia quando o tribunal, ao apreciar a questão que lhe foi colocada, não toma em consideração um qualquer argumento alegado pelas partes no sentido de procedência ou improcedência da acção. O que importa é que o julgador conheça de todas as questões que lhe foram colocadas, excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

Assim sendo, só haverá nulidade da sentença por omissão ou por excesso de pronúncia, quando o julgador tiver omitido pronúncia relativamente a alguma das questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando tiver conhecido de questões que aquelas não submeteram à sua apreciação. Nesses casos, só não haverá nulidade da sentença se a decisão da questão de que não se conheceu tiver ficado prejudicado pela solução dada à(s) outra(s) questões, ou quando a questão de que se conheceu era de conhecimento oficioso.

Tendo em conta as considerações expostas - que, propositadamente, percorreram quer o excesso, quer a omissão de pronúncia - é fácil concluir-se que o acórdão impugnado não enferma da nulidade que lhe é imputada pela autora, a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Vejamos.

Lida a decisão sindicada, proferida sob o nº 703/2014-T, resulta claro que se tratou de acórdão prolatado na sequência de um anterior (de 29/04/15), o qual foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional (TC) (recurso nº 275/2016, de 04/05/16). Com efeito, consta do acórdão objecto de impugnação que (cfr. fls. 12 e ss dos autos):

(…)

Na sequência das alegações foi proferido acórdão de que veio a ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional que decidiu, no acórdão nº 275/2016, de 04-05-16:

a) Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 10.º, n.º 12, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho, segundo a qual a exclusão estabelecida no n.º 2 do mesmo artigo não abrange as mais-valias provenientes de ações de sociedades cujo ativo seja constituído, desde o momento da aquisição das ações até ao momento da sua alienação, direta ou indiretamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis situados em território português;

E, em consequência,

b) Conceder provimento ao recurso, determinando-se a reformulação da decisão recorrida de harmonia com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.

Uma vez que “as decisões do Tribunal Constitucional são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as dos restantes tribunais e de quaisquer outras entidades (…), procede-se à reformulação do acórdão nos termos que se seguem”.

De lembrar que, aquando da primeira pronúncia do CAAD, em 29/04/15, o acórdão proferido havia decidido o seguinte quanto às questões submetidas ao seu julgamento:

a) - Questão relativa à quantificação das mais-valias por não consideração do valor de prestações suplementares: “Assim, tem de se concluir que o acto de liquidação praticado não enferma de vício ao considerar que o valor de € 5.200.000,00 corresponde apenas às acções”;

b) Questão da inconstitucionalidade do n.º 12 do artigo 10.º do CIRS/ Inconstitucionalidade por violação dos princípios da tipicidade e da segurança e certeza jurídicas: “Assim, não se verificando, pelo que se disse, numa interpretação conforme à Constituição que aqui se perfilha, a inconstitucionalidade por violação dos princípios da tipicidade e da segurança e certeza jurídica, tem de concluir-se que o acto impugnado não enferma desse único vício que os Requerentes imputam ao acto, neste contexto”;

c) Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade: “Do exposto, conclui-se que o n.º 12 do artigo 10.º do CIRS afronta o princípio constitucional da igualdade, pelo que o acto que aplicou aquela norma enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação [artigo 135.º do CPA de 1991, vigente ao tempo da prática do acto de liquidação e subsidiariamente aplicável por força do artigo 2.º, alínea c), da LGT];

d) Quanto aos demais fundamentos invocados: “… a inconstitucionalidade do artigo 10.º, n.º 12, do CIRS por violação do princípio da igualdade proporciona eficaz e estável tutela dos interesses dos Requerentes, pois obsta à renovação do acto impugnado. Consequentemente, não tem utilidade o conhecimento dos restantes vícios imputados aos actos impugnados, designadamente os invocados erro sobre a data da transmissão, utilização de um balanço não aprovado e não aplicação do n.º 12 do artigo 10.º a situações em que os imóveis são parte integrante dos activos operacionais afectos à actividade normal de uma sociedade. Por isso, não se toma deles conhecimento (artigo 130.º do CPC)”.

Ora, como se disse, interposto recurso para o TC, veio este Alto Tribunal a pronunciar-se e decidir no sentido de “Não julgar inconstitucional a norma extraída do artigo 10.º, n.º 12, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho, segundo a qual a exclusão estabelecida no n.º 2 do mesmo artigo não abrange as mais-valias provenientes de ações de sociedades cujo ativo seja constituído, desde o momento da aquisição das ações até ao momento da sua alienação, direta ou indiretamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis situados em território português”. Em consequência, foi concedido provimento ao recurso, determinando-se a reformulação da decisão recorrida de harmonia com o apontado juízo de não inconstitucionalidade.

Significa isto que, ao dar cumprimento ao acórdão do TC, reformulando o anterior acórdão do CAAD, de 29/04/15, o Tribunal Arbitral, na consideração da obrigatoriedade das decisões do TC, procedeu nos seguintes termos:

- manteve inalterado o que havia decidido quanto à quantificação das mais-valias por não consideração do valor de prestações suplementares e, bem assim, quanto à inconstitucionalidade por violação dos princípios da tipicidade e da segurança e certeza jurídicas;

- quanto à invocada inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, pronunciou-se no sentido de que “tendo o referido acórdão do Tribunal Constitucional transitado em julgado, o artigo 10º, nº 12, tem de considerar-se, neste processo, como não sendo inconstituicional. Por isso, o acto impugnado não enferma de vício derivado de aplicação da norma do artigo 10º, nº12 do CIRS”;

- seguidamente, o acórdão agora em apreciação passou à análise das “Questões do cumprimento dos requisitos do artigo 10º do CIRS”, concretamente da questão da data que deve considerar-se como a da alienação das acções, tendo, a este propósito, sufragado o entendimento segundo o qual “o acto impugnado, ao assentar no entendimento de que a alienação das acções, para efeito de apuramento da percentagem referida no artigo 10.º, n.º 12, do CIRS, ocorreu com o registo das acções previsto no artigo 80.º, n.º 1, do Código dos Valores Mobiliários, e que os valores do património imobiliário e do património total da D… M… H…, SA a considerar eram os que constavam do balanço d e 31-10-2007 enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação…”

- quanto aos demais vícios invocados, o Tribunal Arbitral entendeu que deles não tomaria conhecimento, por manifesta inutilidade face ao anteriormente decidido.

Como é cristalino, face ao enquadramento detalhadamente efectuado, a Autoridade Tributária e Aduaneira labora em claro erro, o que significa que a sua tese tem necessariamente que soçobrar.

Explicitemos.

Salvo o devido respeito, a ora Impugnante confunde o trânsito em julgado do acórdão do TC e da decisão aí proferida quanto ao juízo de constitucionalidade da norma extraída do artigo 10.º, n.º 12, do CIRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 39-A/2005, de 29 de Julho, segundo a qual a exclusão estabelecida no n.º 2 do mesmo artigo não abrange as mais-valias provenientes de ações de sociedades cujo activo seja constituído, desde o momento da aquisição das acções até ao momento da sua alienação, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis situados em território português, com o âmbito e o alcance dos recursos para o TC, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade.

Com efeito, de acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 280.º da CRP, “Os recursos para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade conforme os casos”. No mesmo sentido, dispõe o n.º 1 do artigo do artigo 71.º da Lei do Tribunal Constitucional.

Ora, como bem evidenciam os Impugnados, parafraseando GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “o recurso para o TC é sempre restrito a uma questão de constitucionalidade (n.º 6), que consiste em saber se determinada norma aplicável a uma causa pendente no tribunal é ou não inconstitucional. O recurso de constitucionalidade não tem por objeto a decisão judicial em si mesma ( ...)mas apenas na parte em que ela não aplicou uma norma alegadamente inconstitucional ".

Têm, pois, razão os Impugnados ao apontarem ao recurso para o Tribunal Constitucional uma natureza incidental, no sentido de só poder ser “suscitado no âmbito de uma ação judicial (ou arbitral) para aferir da inconstitucionalidade de normas cuja aplicação seja relevante para a solução do caso sub judice, tendo, consequentemente, natureza instrumental em relação à decisão da causa em que o incidente da constitucionalidade se suscitou” – cfr. conclusão 13ª.

Nesta conformidade, e como o acórdão Impugnado não deixou de pressupor, o acórdão do TC fez caso julgado no processo apenas quanto à questão da inconstitucionalidade, razão pela qual se impunha retirar as devidas consequências do disposto no artigo 80.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional, segundo o qual “Se o Tribunal Constitucional der provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, os autos baixam ao tribunal de onde provieram, a fim de que este, consoante for o caso, reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade”.

Quer isto dizer que o Tribunal Arbitral, na sequência do decidido pelo TC e, obviamente, reformulando a sua anterior decisão, teve necessariamente de passar ao conhecimento dos vícios cuja apreciação havia ficado prejudicada em função de um juízo de inconstitucionalidade que o TC não confirmou. Foi nesta actividade que se justificou – plenamente – a apreciação das questões do cumprimento dos requisitos do artigo 10º do CIRS, concretamente da questão da data que deve considerar-se como a da alienação das acções.

Foi, pois, em resultado da apreciação desta questão, nunca antes analisada (por – repita-se – o seu conhecimento ter ficado prejudicado), que o Tribunal Arbitral pôde concluir pela ilegalidade do acto contestado.

Como é evidente, não há aqui excesso de pronúncia, nem sequer se alcança, com o mínimo de sustentação, a alegada ofensa ao caso julgado, tanto mais que a questão analisada jamais havia sido apreciada e decidida

Diferentemente, e caso o Tribunal Arbitral não tivesse procedido ao conhecimento dos vícios alegados e cujo conhecimento havia inicialmente ficado prejudicado, o que haveria era – isso sim – uma clara omissão de pronúncia relativamente a parte das questões que o sujeito passivo erigiu como fundamento do pedido de pronúncia arbitral e nas quais fazia assentar a defesa da ilegalidade da liquidação contestada.

Atento o que vem de se afirmar, tem, portanto, a impugnação da decisão arbitral ora sindicada que improceder, sem que, do nosso ponto de vista, se justifiquem outras considerações, atenta a evidência do erro em que, nesta Impugnação, labora a Autoridade Tributária e Aduaneira.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente impugnação do acórdão arbitral.

Custas pela Impugnante, ATA.

Registe e Notifique.

Lisboa, 27/09/18


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Vital Lopes)

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(Joaquim Condesso)