Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:944/13.0BELLE
Secção:CA
Data do Acordão:11/12/2020
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:CADUCIDADE DIREITO DE AÇÃO;
ART.172.º E 175.º CPA1991;
ART. 59.º, N.º 4, CPTA.
Sumário:i) O termo do prazo para a entidade demandada decidir o recurso, a que aludem os art.s 172.º e 175.º do CPA1991 conta-se do termo do prazo legal previsto para a remessa do processo e não da data efetiva de tal remessa quando esta notificação não foi efetuada ao recorrente.
ii) O “ou” constante do n.º 4 do art. 59.º, do CPTA, deve ser interpretado no sentido de que o termo a quo do prazo de impugnação se reinicia com a ocorrência do primeiro facto, seja este a decisão do recurso pelo órgão ad quem, seja este o decurso do prazo legal para decidir.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A E...... - C....... E E........, S.A., Recorrente e ora Reclamante, não se conformando com a decisão sumária proferida pela Relatora, a 11.07.2020, que manteve a decisão proferida em sede de despacho saneador pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, embora com fundamentação não inteiramente coincidente, qua em ação administrativa por si intentada contra o MINISTÉRIO DA SOLIDARIEDADE, EMPREGO E SEGURANÇA SOCIAL, julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação, assim absolvendo o R. da instância, veio da mesma reclamar para a conferência.


II. Apreciação

Importa, pois, retomar a apreciação do presente recurso, desta feita, pelo coletivo.

Vejamos então.


II.1. Em sede de alegações recursais, a Recorrente culmina com as seguintes conclusões:

«(…)

1. O presente recurso tem por objeto a decisão proferida pelo Tribunal a quo no Despacho Saneador- Sentença de fls., que julgou procedente a exceção de caducidade do direito de ação da Autora e ora Recorrente, incorrendo essa decisão em (i) falta de fundamentação no que toca à decisão sobre a matéria de facto, (ii) erro de julgamento sobre a matéria de facto, (iii) mas também em erro de julgamento no que diz respeito à interpretação e aplicação das normas contidas no n.° 4 do artigo 59.° do CPTA e nos artigos 171.°, 172.° e 175, n°s 1 e 2, do CPA.

2. Com efeito, o n.° 4 do artigo 607.° do CPC dispõe que na fundamentação da sentença, aplicável in casu, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.

3. Ora, o Despacho Saneador-Sentença não cumpre os deveres de fundamentação previstos na referida norma legal, uma vez que não contém nenhum facto que tenha declarado não provado, sendo que deixou de fora alguns que são extremamente relevantes para a decisão sobre o mérito da exceção invocada pela Entidade Demandada, nomeadamente os que respeitam às diligências instrutórias realizadas durante a tramitação do recurso hierárquico.

4. A decisão de facto, relativamente aos factos que julgou provados, também incumpriu o outro dever, imposto no n.° 4 do artigo 607.° do CPCA, de especificar os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção de os julgar provados, visto que a fundamentação exarada de indicar documentos não preenche esse dever.

5. E também incumpriu o dever de analisar criticamente as provas, imposto pelo n.° 4 do artigo 607.° do CPC.

6. Estas infrações cometidas pela decisão de facto tornam-na deficiente e infundada [alíneas c) e d) do n.° 2 do artigo 662.° do CPC], impondo-se que seja anulado o Despacho Saneador-Sentença recorrido.

7. Por cautela de patrocínio impugna-se a decisão de facto, nos termos previstos no artigo 640.° do CPC, no que respeita aos que devia ter julgado provados.

8. Com efeito, a Autora, nos artigos 40.° e 41.°, na sua resposta à exceção de caducidade, alegou que:

a) Foi solicitada à Autora a junção aos autos de um conjunto de elementos/documentos até 10/08/2012.

b) Em resposta a tal solicitação, a Autora apresentou, em 09/08/2012, (i) cópia da auditoria, (ii) informação empresarial simplificada relativa aos anos 2010 e 2011, (iii) dois últimos balancetes analíticos disponíveis, (iv) acta de fecho de contas e relatórios de gestão dos anos 2010 e 2011 (v) mapas de imobilizado de 2010 e 2011, (vi) certidão de declaração de dívidas ao Estado e (vii) últimas duas declarações de IRC.

9. Esta factualidade é essencial para determinar se o prazo para a decisão do recurso hierárquico é de trinta dias úteis (n.° 1 do artigo 175° do CPA) ou de noventa dias úteis (n.° 2 do referido artigo) e devia ter sido dada por assente, por constar do processo administrativo.

10. No entanto, no Despacho Saneador-Sentença essa factualidade não foi dada domo provada, e devia tê- lo sido, porque relevante para a decisão sobre o mérito da exceção e porque provada por documentos do processo administrativo junto aos presentes autos.

11. Ao não ser dada por assente, a sua omissão inquinou o cálculo para a determinação do termo do prazo judicial, que foi feito tendo por assumido um prazo de 15 dias úteis, quando deveria ter tido em consideração - no próprio entendimento/fundamento da sentença - um prazo de 90 dias úteis.

12. Deve por isso ser ampliada a factualidade assente, dando como provado, também, a matéria alegada nos artigos 40.° e 41.° da resposta à exceção.

13. Não consta dos autos que o autor do ato recorrido tenha notificado o recorrente da remessa do recurso para ao órgão competente para dele conhecer, nos termos do artigo 172.° do CPA.

14. O Tribunal a quo desconsiderou esta formalidade, por entender que o cômputo do prazo deve ocorrer independentemente de ter sido ou não o recorrente notificado da remessa do processo.

15. No entanto, tal entendimento importa a violação de direitos subjetivos e interesses legítimos dos particulares. No caso, e como consta dos autos, o aqui Recorrido não cumpriu as formalidades exigidas por lei, uma vez que não procedeu à notificação ao Recorrente da remessa do processo.

16. A falta de notificação constitui uma preterição de uma formalidade legal essencial, pois tem influência direta na contagem dos prazos em questão, pois impede que o órgão recorrido possa invocar a seu favor o decurso do prazo que tinha para decidir.

17. Ao decidir como decidiu, violou a Douta Sentença recorrida os artigos 171° e 175° do CPA e 59° n° 4 do CPTA.

18. Nos termos do disposto no n.° 4 do artigo 59.° do CPTA em vigor à data, “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retomará o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal.”

19. A interpretação correta desta norma e consentânea com uma equilibrada ponderação de interesses da utilização do prefixo OU deve ir no sentido de considerar que sempre que venha a existir decisão expressa - mesmo para além do prazo de recurso da decisão impugnada na via graciosa - retoma-se o prazo de impugnação contenciosa.

20. Entre a notificação da decisão recorrida a 11/04/2012 e a interposição do recurso hierárquico a 01/06/2012, mediou um período correspondente a 50 dias e entre a decisão do recurso hierárquico (30/10/2013) e a propositura da ação em crise (06/12/2013), mediou um período correspondente a 36 dias, num total de 86 dias.

21. Pelo que a ação foi tempestivamente apresentada.

22. Ao decidir como decidiu, violou o Despacho Saneador-Sentença recorrido o disposto no n.° 2 do artigo 175.° do CPA e o n.° 4 do artigo 59.° do CPTA, normas que devem ser corretamente interpretadas e aplicadas ao caso concreto.

Ou seja, aplicando o n.° 2 do artigo 175.° do CPA que estabelece o prazo de 90 dias para decisão do recurso hierárquico, e o n.° 4 do artigo 59.° do CPTA interpretado no sentido de que o prazo para a interposição da ação de anulação do ato administrativo da decisão proferida pela Entidade Demandada, se deve contar da data em que o referido recurso hierárquico foi decidido e essa decisão notificada à Recorrente, adotando-se essa interpretação como a correta do n.° 4 do artigo 59.° do CPTA.(…)»

O RECORRIDO, notificado para o efeito, não contra-alegou.

O DMMP neste tribunal, notificado para o efeito, não se pronunciou.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

II.2. Questões a apreciar e a decidir

O objeto do recurso é delimitado, em princípio, pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado – cfr. art.s 635.º, 639.º e 608.º, n.º 2, 2ª parte, todos do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA. E dizemos, em princípio, porque o art. 636.º também do CPC, ex vi art. 1.º CPTA, permite a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, situação que não se coloca nos autos.

Importa, assim, apreciar se a decisão recorrida errou ao julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação, entendendo que:

i) o termo do prazo para a entidade demandada decidir o recurso, a que aludem os art.s 172.º e 175.º do CPA, na redação então vigente, conta-se do termo do prazo legal previsto para a remessa do processo e não da data efetiva de tal remessa quando esta notificação não foi efetuada ao recorrente;

ii) por ter considerado ser de 30 dias e não de 90, nos termos do citado art. 175.º, n.º 2, o prazo para a entidade demandada decidir o recurso; e, por fim,

iii) por ter interpretado o “ou” constante do n.º 4 do art. 59.º, do CPTA, no sentido de que o termo a quo do prazo de impugnação se reinicia com a ocorrência do primeiro facto, seja este a decisão do recurso pelo órgão ad quem, seja este o decurso do prazo para decidir.

Vem também impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto – que se prende com factos que poderiam influir no prazo legal de decisão da impugnação administrativa que aqui está subjacente -, mas a mesma não releva para a decisão do presente recurso, conforme melhor explicitaremos infra, pelo que, por se tratar de questão inútil, da mesma não se conhecerá.

Não obstante, sempre teria a RECORRENTE de ter indicado, em relação aos factos que pretendia fossem aditados à matéria de facto provada, quais os documentos ou meios de prova que impunham o seu aditamento, nos termos do art. 640.º do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA, e a RECORRENTE não o fez (cfr. art.s 40.° e 41.° da sua resposta à exceção de caducidade invocada pela entidade demandada e alíneas i) e ii) das alegações de recurso, a que correspondem as conclusões n.º 6 a 12).

III. De Facto

Pelo TAF de Loulé foram considerados provados os seguintes factos:

«(…)

A. A A. é uma sociedade constituída em 1987 que tem por objecio a compra e venda de propriedades, construção civil, hotelaria (exploração de hotéis, restaurantes, bares, discotecas e cafés) e actividades de animação turística, incluindo actividades lúdicas, ^ culturais, desportivas e de lazer, nomeadamente, exploração de campos de golfe (Doc. 1).

B. A A. tem como atividade principal a exploração do empreendimento turístico denominado "C... Club", localizado no Sítio do L....., Castro Marim, Distrito de Faro, Algarve. (facto não impugnado);

C. No dia 31-01-2012 a A. apresentou Junto da Autoridade para as Condições do Trabalho pedido de autorização para a mudança de categoria profissional, com diminuição de retribuição, de 25 trabalhadores ao seu serviço, nos termos previstos no artigo 119,° do Código do Trabalho (Doc. 2).

D. A A. notificada através do Oficio n.° 02……, de 09-03-2012, emitido pela Exma. Senhora Subdiretora da Unidade Local de Faro da Autoridade para as Condições do Trabalho da proposta de indeferimento do pedido apresentado (Doc. 3).

E. A A. apresentou a sua resposta em sede de audiência prévia no dia 22-03-2012 (Doc. 4).

F. Através do Ofício n.° 03……., de 09-04-2012, emitido pela Exma. Senhora Subdiretora da Unidade Local de Faro da Autoridade para as Condições do Trabalho, notificado à A. em 11-04-2012, foi indeferido o pedido apresentado (Doc. 5).

G. A A interpôs recurso hierárquico da referida decisão perante o Exmo. Senhor Inspetor Geral do Trabalho no dia 01.06.2012 (Doc. 6).

H. Por decisão proferida no dia 23.10.2013 e comunicada à A. em 30.10.2012, foi negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida (Doc. 7).

I. Em 06/12/2013 a A. apresentou, via STAF, a petição inicial da presente acção adminsitrativa.»

IV. De Direito

Importa apreciar se a decisão recorrida errou ao julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação, entendendo que:

i) o termo do prazo para a entidade demandada decidir o recurso, a que aludem os art.s 172.º e 175.º do CPA, na redação então vigente, conta-se do termo do prazo legal previsto para a remessa do processo e não da data efetiva de tal remessa quando esta notificação não foi efetuada ao recorrente;

ii) por ter considerado ser de 30 dias e não de 90, nos termos do citado art. 175.º, n.º 2, o prazo para a entidade demandada decidir o recurso; e, por fim,

iii) por ter interpretado o “ou” constante do n.º 4 do art. 59.º, do CPTA, no sentido de que o termo a quo do prazo de impugnação se reinicia com a ocorrência do primeiro facto, seja este a decisão do recurso pelo órgão ad quem, seja este o decurso do prazo para decidir.

Para assim decidir, foi este o discurso fundamentador da sentença recorrida, que aqui se reproduz na parte que releva:

«(…)

No caso dos autos, a suspensão do prazo da impugnação contenciosa cessou com o decurso do prazo legal de decisão do recurso hierárquico, atenta a factualidade assente.

Vejamos.

A A. interpôs recurso hierárquico em 01/06/201[2] - cfr. alínea G) da matéria de facto.

O facto de não constar dos autos a informação se a A. foi notificada da remessa do processo à entidade competente para apreciar o recurso e em que data, tal não impede a verificação dos prazos legais de 15 dias úteis concedidos ao autor do acto para se pronunciar e remeter o processo ao órgão competente (artigos 171° e 172° do CPA) com o prazo de 30 dias úteis para decisão do recurso hierárquico a contar da data da remessa do processo (n° 1 do artigo 175° do CPA).

Assim, o prazo de 15 dias úteis (175° do CPA) decorreu entre o dia 2/06/2012 e 22/06/2012 e o prazo de 30 dias úteis decorreu entre 25/06/2012 (23 e 24 de Junho de 2012, correspondem a sábado e domingo) e 03/08/2012.

Ora, não tendo sido proferida decisão de recurso hierárquico até ao termo do prazo acima referido, o prazo judicial que se havia suspenso com a apresentação do recurso hierárquico em 01/06/2012, foi retomado a 01/09/2012 (uma vez que foi suspenso no decurso das férias judiciais de verão, entre 03/08/2012 e 31/08/2012. – cfr. redação do art. 58.º, do CPTA então em vigor.

Entre 12/04/2012 e 31/05/2012 decorreram 49 dias; o prazo judicial foi retomado a 01/09/2012, verificando-se o seu termo no dia 11/10/2012 (antes, 3 meses, actualmente, 90 dias).

A A. intentou a presente acção administrativa especial em 06/12/2013, muito para além do termo do prazo acima referido.

Pelo que, estando caducado, o respectivo direito de acção, verifica-se a suscitada intempestividade da prática do acto processual, neste caso, da apresentação em juízo da petição inicial, que, consubstanciando excepção dilatória, obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, nos termos e por força do disposto no art. 89° n° 1 al. h) do CPTA, consubstanciando uma excepção dilatória insuprível por não ser possível a renovação da instância (art. 88° n° 4 do CPTA). (…)».

O assim decidido é para manter, embora não se acompanhe a sua fundamentação em toda a sua integralidade.

Vejamos por partes.

Temos como certo, tal como decidiu a sentença recorrida e melhor explicitaremos infra, que o prazo de 15 dias úteis previsto no então art. 172.° do CPA, decorreu entre o dia 04.06.2012 e 25.06.2012 – em virtude de os dias 02.06. e 03.06.2012 terem sido um sábado e um domingo – cfr. data da interposição do recurso hierárquico alínea G) da matéria de facto.

Consequentemente, o prazo de 30 dias úteis subsequente – para a entidade competente decidir o recurso – cfr. art. 175.º, nº 1, do CPA então vigente – terá decorrido entre 26.06.2012 e 06.08.2012.

E, mesmo que se considere, como pretende a RECORRENTE, que o prazo a atender para a decisão do recurso hierárquico fosse de 90 dias úteis – cfr. art. 175.º, n.º 2, do CPA então vigente -, o mesmo teria terminado a 31.10.2012. – daí a irrelevância da impugnação da matéria de facto perpetrada pela RECORRENTE, dado que assente está que a ação em apreço apenas deu entrada em tribunal a 06.12.2013.

Ponto assente é, para nós, que os prazos para a decisão da entidade competente para decidir o recurso, estabelecidos no art. 175.º n.ºs 1 e 2, do CPA1991, contam-se - nas situações em que a remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer não foi notificada ao recorrente - a partir do termo do prazo de 15 dias úteis previsto no art. 172.º, n.º 1, do mesmo Código.

Neste sentido, v. jurisprudência do STA, de 19.06.2014, P. 1954/13, aí se escrevendo:

«(…) Quanto ao momento inicial da contagem do prazo, deve entender-se que é a partir do termo do prazo legal de 15 dias, para o autor do acto se pronunciar e o remeter ao órgão competente para conhecer do recurso (arts. 171º, nº 1, e 172º, nº 1, do CPA), que se conta o prazo, de 30 dias, fixado no questionado nº 1 do art. 175º CPA, para decisão do recurso hierárquico, sempre que, como no caso dos presentes autos, não seja respeitado o prazo legalmente estabelecido, para a remessa do processo ao órgão competente para decidir(cfr. o Acórdão do STA, de 25/2/2010, proc nº 320/08).

Ainda segundo o mesmo Acórdão, nos casos em que “cumprindo o estabelecido no art. 172º do CPA, a autoridade recorrida remeta o processo dentro do prazo fixado, o prazo para a decisão do recurso conta-se a partir da data dessa remessa…”, relevando apenas a data da remessa do processo quando a mesma seja efectuada antes dos 15 dias.

A tese apontada, ao evitar que se caia num indefinido protelamento da data em que, por falta de decisão, o recurso hierárquico se possa considerar tacitamente indeferido, é a que melhor garante a protecção equilibrada, por um lado, do princípio da tutela judicial efectiva, e, por outro lado, os princípios da confiança e da segurança jurídica.

No fundo, na interpretação dos preceitos em jogo, em especial, os constantes dos arts. 171º, nº 1, 172º, nº 1, e 175º, nº 3, do CPA, deve ser tido em conta o estatuído no art. 59º, nº 4, do CPTA, preceito pensado para as impugnações administrativas facultativas, como é o caso, e que determina: “A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal”.

Como ficou consignado no Acórdão deste STA, de 27/2/2008, proc nº 848/06 (…)

Retomando o caso em apreço.

Atendendo a que, entre 12.04.2012 – data que corresponde ao dia seguinte ao da notificação da decisão de indeferimento subjacente aos presentes autos – cfr. alínea F) da matéria de facto - e 31.05.2012 – dia anterior ao da propositura do recurso hierárquico – cfr. alínea G) da matéria de facto - decorreram 50 dias – 50 dias estes que relevam para a contagem do decurso do prazo de impugnação contenciosa, pois que o recurso a impugnações graciosas facultativas apenas suspende este prazo, nos termos do art. 59.º, n.º 4, do CPTA.

Faltavam, assim, 40 dias de prazo para a propositura da ação.

Ora, atendendo a que o prazo de 15 dias úteis previsto no então art. 172.° do CPA – remessa do processo ao órgão competente -, terá decorrido entre o dia 04.06.2012 e 25.06.2012 – em virtude de os dias 02.06. e 03.06.2012 terem sido um sábado e um domingo – cfr. data da interposição do recurso hierárquico alínea G) da matéria de facto - e considerando, ainda, aplicando a tese que mais beneficia a RECORRENTE, que o prazo a atender para a decisão do recurso hierárquico seria de 90 dias úteis – cfr. art. 175.º, n.º 2, do CPA então vigente -, o mesmo teria terminado a 31.10.2012 (contado a partir de 26.06.2012, dia seguinte ao último dia, dos 15 dias previstos para a remessa do processo, nos termos do citado art. 172.º do CPA).

De onde decorre que, retomando-se a contagem do prazo de propositura da ação a 01.11.2012, o seu termo verificou-se no dia 10.12.2012 (considerando os referidos 3 meses, transmutados em 90 dias), e a A., ora Recorrente, intentou a ação em 06.12.2013, ou seja, cerca de um ano depois – cfr. alínea I ) da matéria de facto – de onde resulta a sua manifesta intempestividade.

Na verdade, e ao contrário do que defende a Recorrente, a interpretação correta do “ou” constante do n.º 4 do art. 59.º, do CPTA, é a que considera esta conjunção como alternativa, mas de exclusão, no sentido de que o termo a quo do prazo de impugnação se reinicia com a verificação de qualquer um dos factos – o decurso do prazo de decisão ou a decisão, consoante o que se verifique em primeiro lugar - e não meramente alternativa, no sentido de o interessado poder optar por um ou por outro facto como dies a quo relevante para a contagem do prazo de propositura da ação.

Sobre este aspeto, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA são cristalinos ao dizer que «(…) A suspensão do prazo de impugnação contenciosa a que se refere o n.º 4 implica que esse prazo só retome o seu curso com a notificação de decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legalmente fixado para essa decisão ser proferida, consoante o que ocorra em primeiro lugar. (…) Nestes termos, a suspensão do prazo apenas inutiliza o período que decorra entre o momento da utilização do meio de impugnação administrativa e o da notificação da decisão que sobre ela tenha sido proferida ou o termo do prazo para que essa decisão fosse proferida, sem que tenha sido emitida qualquer decisão . O que significa que se o prazo legal de decisão da impugnação administrativa se esgotar sem que tenha sido proferida decisão, é aquele facto que determina o início do prazo de impugnação contenciosa contra o ato primário, sendo irrelevante a ulterior notificação de um eventual ato de indeferimento.(…)».

No mesmo sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA «(…) o facto de a lei ter disposto que a contagem do prazo de impugnação judicial (se suspende) só se retoma ou “com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal” de decisão (conforme o que ocorrer em primeiro lugar) (…)» ressalvando apenas a hipótese, que entendem como mais acertada, de se contar também com os 8 dias que a Administração tem para proceder à notificação do ato, pelo que (enquanto não houver notificação), o que, no caso e apreço, não releva, tendo presente que a A., ora Recorrente, intentou a presente ação administrativa especial em 06.12.2013, cerca de um ano depois do termo do prazo, como melhor se expôs supra.

Nestes termos e face a todo o exposto, e nada mais importando apreciar, na improcedência das conclusões de recurso, tem o mesmo que improceder, mantendo-se a decisão recorrida, embora com fundamentação não inteiramente coincidente.

V. Decisão

Nestes termos e face a todo o exposto, acordam os juízes da secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em indeferir a reclamação e em manter a decisão de 11.07.2020, proferida pela Relatora.

Custas pela Reclamante.

Lisboa, 12.11.2020.

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Dora Lucas Neto

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A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.°- A do Decreto-Lei n.° 10- A/2020, de 13.03., aditado pelo art. 3.° do Decreto-Lei n.° 20/2020, de 01.05., têm voto de conformidade com o presente Acórdão os senhores magistrados integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores Pedro Nuno Figueiredo e Ana Cristina Lameira.