Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:410/17.4BEBJA
Secção:CA
Data do Acordão:01/24/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
TRABALHADOR COM CONTRATO ADMINISTRATIVO DE PROVIMENTO
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
Sumário:I - Os trabalhadores da Caixa Geral de Depósitos (CGD) admitidos antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20/08, titulares de um contrato administrativo de provimento, que não optaram pela celebração de um contrato individual de trabalho, continuam submetidos a um regime laboral de direito público;
II – A relação laboral estabelecida entre tais trabalhadores e a CGD é, portanto, uma relação de direito público, titulada por um contrato público, que fica abrangida pela cláusula residual do art.º4.º, n.º 1, al. o), do ETAF, conjugado com o n.º 4, al. b), parte final, do mesmo preceito legal.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO
A… recorre da decisão do TAF de Beja, que julgou verificada a excepção de incompetência em razão da matéria e absolveu a Caixa Geral de Depósitos (CGD) da instância, na acção em que a A. e Recorrente peticionava a condenação da CGD a promover a A. a diferente nível, a recalcular e pagar-lhe a prestação de pré-reforma e respectivas diferenças salariais, a regularizar os descontos para a previdência e a pagar-lhe juros de mora.

A Recorrente nas alegações formulou as seguintes conclusões:

(“texto integral no original;imagem”)


A Recorrida não contra-alegou.
O DMMP pronunciou-se pela procedência do recurso.
Colhidos os vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
Em aplicação do art.º 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2. De Direito
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório e da violação dos art.ºs. 31.º, n.º 2, 32.º, do Decreto-Lei n.º 48953, de 05-04-1969, 7.º, n.º 2 e 9.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20-08, porque a A. e Recorrente foi admitida ao serviço da CGD em 01-08-1984, com um contrato administrativo de provimento e após a transformação da CGD numa sociedade anónima de capitais públicos manteve-se sujeita ao regime contratual de direito público, pois não optou pelo regime do contrato de trabalho.

Como decorre dos factos provados, a A. e Recorrente foi admitida ao serviço da CGD em 01-08-1984, com um contrato administrativo de provimento, mantendo-se, depois, contratualmente vinculada àquela entidade patronal ao abrigo desse mesmo contrato até à data em que passou para a pré-reforma. Em 15-12-2105, a A. e Recorrente passou para a pré-reforma.
Na PI a A. diz que deveria ter sido promovida nos termos do art.º 16.º do Acordo de Empresa (AE) celebrado, formulado os pedidos, acima referidos, nesse pressuposto.
Por despacho de 06-02-2018, foi oficiosamente suscitada a excepção de incompetência material, por não estar em causa na acção uma relação jurídico-administrativa mas, sim, uma relação jurídico-privada, por a CGD ter passado a assumir a forma de sociedade anónima, por força do Decreto-Lei n.º 287/03, de 20-08.
Este entendimento foi mantido na decisão ora sindicada.
Diga-se, desde já, que a referida decisão terá de ser revogada, porque está errada.
Os tribunais administrativos são os tribunais competentes para o conhecimento de litígios emergentes de relações jurídico-administrativas e fiscais, nomeadamente para o conhecimento dos litígios elencados no art.º 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF (cf. art.s. 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 1.º do ETAF).
No art.º 4.º, n.º 1, al. o), do ETAF, figura uma cláusula residual que, em respeito pelo art.º 212.º, n.º 3, da CRP, delimita a competência material dos Tribunais Administrativos por reporte para os litígios emergentes das relações administrativas e fiscais.
Face ao que vem alegado na PI e foi dado por provado, a A. estava ao serviço da CGD antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/03, de 20-08, com um contrato administrativo de provimento, um contrato de direito público, que se manteve até à data em que foi para a pré-reforma. Assim, a A. não optou pela celebração de um novo contrato individual de trabalho.
A A. ficou, pois, abrangida pela ressalva do art.º 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 287/03, de 20-08 – cf. também os art.ºs. 9.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 287/03, de 20-08, 31.º, n.º 2, 32.º e 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 48953, de 05-04-1969.
Logo, a relação laboral estabelecida entre a A., ora Recorrente, e a CGD é uma relação de direito público, titulada por um contrato público, que fica abrangida pela cláusula residual do art.º 4.º, n.º 1, al. o), do ETAF, conjugado com o n.º 4, al. b), parte final, do mesmo preceito legal.
Neste sentido também já se decidiu, entre outros, nos seguintes arestos: Ac. do STA n.º 046314, de 24-01-2002, n.º 0755/04 (Pleno), de 05-07-2005, ou n.º 0310/09, de 02-12-2009, n.º 0434/09, de 18-11-2009, do STJ n.º 00S3056, de 21-02-2001, ou do TCAS n.º 01223/05, de 09-03-2006. Para uma situação paralela vide, ainda, o Ac. do T. de Conflitos n.º 23/07, de 04-11-2008.
Em suma, o vínculo estabelecido entre a A. e Recorrente e a CGD é de emprego público, ainda que a CGD tenha sido transformada numa sociedade anónima de capitais públicos.
Mais se indique, que estando certo nos autos que a relação jus-laboral estabelecida entre a A. e a CGD é de direito público, a invocada valorização da categoria e vencimento da A., por via da aplicabilidade do AE celebrado, será uma questão a decidir em sede do mérito da acção, que não se confunde com a questão da apreciação da jurisdição competente para conhecer desta causa. Isto é, estando a A. vinculada com um contrato administrativo de provimento, o AE que vem invocado não lhe será aplicável se entendido como um instrumento de regulamentação colectiva que visa contratos individuais de trabalho, pois a A. não é detentora desse tipo de contrato.
Conforme decorre da PI e das alegações de recurso, a A. alega que a aplicabilidade do AE decorre da declaração feita pela CGD de que as normas do AE valem para os trabalhadores contratados com contrato administrativo de provimento enquanto “normas regulamentares de natureza administrativa e de direito público”.
Portanto, será em sede do mérito da acção que terá que ser aferido do direito da A. e Recorrente a ver procedente a acção, por dever ser-lhe reconhecida uma valorização de categoria e remuneratória decorrente de um AE, que diz ter a natureza de norma regulamentar. Ou seja, será em sede do mérito da acção que haverá de aferir-se se o AE goza de tal natureza de norma regulamentar, que permitirá a reclamada extensão de efeitos aos trabalhadores não contratados com contrato individual de trabalho.
No demais, estando alegado pela A. que tal AE se lhe aplica por ter a natureza de regulamento administrativo, é em face dessa causa de pedir - relacionada com uma relação jurídico-administrativa, fundada em normas de direito público – que há que analisar a competência material do TAF (cf. a este propósito o Ac. do TCAS n.º 01902/06, de 06-11-2014, que apreciou, precisamente, uma situação de aplicabilidade de um AE por via da intermediação regulamentar).
Em conclusão, há que revogar a decisão recorrida, porque errada e há que julgar não verificada a excepção de incompetência material oficiosamente suscitada.

III. Dispositivo
Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul:
- em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida;
- em julgar não verificada a excepção de incompetência material, determinando-se a baixa dos autos para que o processo siga os seus termos, se a tal nada mais obstar.
- sem custas atendendo aos princípios da causalidade e do proveito.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2019.

(Sofia David)
(Helena Telo Afonso)
(Pedro Nuno Figueiredo)