Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:37/13.0BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO.
EXIGIBILIDADE DA DÍVIDA.
Sumário:i) A prova da efectividade da notificação do acto tributário, constitui ónus a cargo da exequente, não sendo suficiente ao cumprimento do mesmo, a mera junção dos seus registos internos.
ii) A notificação das sociedades está sujeita ao formalismo previsto no artigo 41.º do CPPT.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório

A............. veio deduzir oposição à execução fiscal n.º ............. e apensos, contra ele revertida por dívidas da sociedade devedora originária “P............., Lda.”, referentes a IVA dos anos de 2003 a 2009, no montante total de €8.978,40.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 137 e ss., (numeração em formato digital – sitaf), datada de 29 de Maio de 2019, julgou improcedente a oposição. O oponente interpôs recurso jurisdicional.
Nas alegações de fls. 174 e ss. o recorrente formulou as conclusões seguintes:
1) Vem o presente recurso interposto da “mui” douta sentença, a qual julgou totalmente improcedente a oposição, por não provada e que condenou o recorrente em custas.
2) O processo de execução fiscal número 3433-2005/01107682, foi instaurado por uma dívida de IVA do ano de 2003, no montante de 1.112,30€.
3) Faltam documentos ao PEF, nomeadamente uma exposição/requerimento anterior a 30/4/2009, a qual não consta do PEF, pelo que o mesmo não pode servir de prova.
4) A fls. 13, a reversão já é feita pelo valor de 11.459,62€, IVA dos anos de 2003 a 2009, quando o processo apenas tem um título executivo no valor de 1.112,30, dívidas que nunca foram objecto de autuação e citação em sede executiva.
5) A fls. 15 no projecto de reversão o valor é transformado em 8.978,40€; Alteração da matéria de facto por errónea interpretação documental.
6) Sem cuidarmos da prova que os prints informáticos podem fazer, ou que se lhes deve atribuir, basta concatenar fls. 50, onde se menciona que foi recebido algo, sendo a data da situação de 13/7/2010 e a fls. 51, a data da notificação ser a 14/7/2010, ou seja, antes de o ser já o era.
7) Daí que, deverá ser expurgada da matéria de facto a alínea L), no excerto que “…     Ofícios enviados sob os registos 930115735 e 935826652 foram recebidos em 11 de Dezembro de 2008 e 13 de Julho de 2010.” alterando-se a matéria de facto dada como provada.
8) Deverá ser levado ao probatório uma nova alínea com o seguinte teor:
O) Pela AP.67/20090216 oficiosa, foi dissolvida e encerrada a Liquidação, extinguindo-se a respectiva matrícula.
9) Da alínea C) do probatório para melhor compreensão deverá constar o seguinte quadro:

«imagem no original»


10) Os períodos de (janeiro a dezembro 2009) de imposto (IVA) são liquidados quando a sociedade já não existia e existem períodos cuja notificação foi efectuada quando a sociedade já não existia.
11) A inexistência do sujeito passivo é equiparada à inexistência do facto tributário e tanto a falta de notificação, que gera a inexigibilidade da divida exequenda, como a inexistência do facto tributário, ou inexistência de sujeito passivo, são passíveis de apreciação em sede de oposição à execução fiscal.
12) É que o processo de oposição é o processo adequado para se discutir da perfeição da exigibilidade da dívida em sede voluntária.
13) Algo que inexiste não pode agir impugnando, porque isso implica que exista.
14) Nos termos do art.° 88.° do CIVA em vigor à altura dos factos as notificações, quando efectuadas pelos Serviços Centrais deveriam ser realizadas nos termos do CPPT.
15) Nos termos do art.° 38.° do CPPT em vigor à altura dos factos, 1-As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.
16) Não consta como provada a notificação inicial referente a 2003, que deveria ter sido remetida com registo e aviso de recepção, nem consta qualquer documento no processo que o ateste e quanto à alínea L), não consta que qualquer das notificações tenha sido bem sucedida, mas mesmo que o fosse, é visível naquelas que a douta sentença recorrida considerou como notificadas, “...os Oficios enviados sob os registos 930115735 e 935826652 foram recebidos em 11 de Dezembro de 2008 e 13 de Julho de 2010”, encontra-se escrito que as mesmas notificações foram efectuadas sem aviso de recepção, fls. 47 e 50.
17) Sendo inexistente a notificação, tem como consequência a inexigibilidade do tributo.
18) E quanto a todas as liquidações mencionadas em L, Mas não existe nada na matéria dada como provada que prove o cumprimento do art.° 39.°, n.° 5 (a sentença menciona n.° 3), para a notificação ser perfeita e logo, o imposto exigível.
19) Existiu omissão de pronúncia quanto ao facto do oponente não ser gerente da devedora originária.
20) Resulta do probatório alínea M), que a sociedade em Janeiro de 2005 não tinha nem Activo, nem Passivo, foi dissolvida e teve grandes dificuldades financeiras.
21) Ora, tal afigurava-se suficiente para preencher o conceito de que não lhe é imputável a falta de pagamento.
22) Aliás, em bom rigor já se verificou que temos situações mistas, 24.°, alínea a) e alínea b) da LGT e por outro lado, só se pode ter culpa e ser imputável a alguém a falta de pagamento quando o pagamento lhe é exigido como deve de ser.


*

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, optou por não contra-alegar.
X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal, notificada para o efeito, juntou aos autos o seu douto parecer, no sentido da procedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X


II- Fundamentação.

2.1.De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«A. Em 15 de Setembro de 2005, foi instaurado, contra a sociedade P............., Lda., com o NIPC ............., o processo de execução fiscal n.º ............., para cobrança coerciva de dívida referente a IVA do ano de 2003, no montante de € 1.122,30 (cf. fls. 1 e segs. e 59 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. Por Ofício n.º 15408, de 7 de Novembro de 2011, foi o Oponente notificado para o exercício do direito de audição prévia (reversão), constando do Ofício, no campo “fundamentos da reversão”, o seguinte: “Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/n.º 2 da LGT): Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b LGT]. Nos termos dos artigos 22.º, 23.º, 24.º da LGT, 8.º do RGIT e 148.º e 153.º do CPPT” (cf. fls. 16 e segs., do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C. Esse despacho tem anexa a lista identificativa dos processos de execução fiscal revertidos, número da certidão da dívida, a identificação do documento de origem, período de tributação, tributo, tipo e o valor, que identificam o valor da quantia exequenda revertida;

D. Em 29 de Novembro de 2011, o Oponente exerceu o seu direito de audição, invocando, entre o mais, que “apenas foi gerente da sociedade até 16 de Fevereiro de 2009, data em que formalmente cessou a actividade da devedora principal (ainda que de facto a sociedade não tinha qualquer actividade desde 2004) pelo que não se compreende como se pretende reverter valores referentes a períodos posteriores”; “acresce que o respondente desconhece qual a origem dos valores que agora lhe são exigidos em sede de IVA, pelo que nada mais poderá dizer em sua defesa” (cf. fls. 20 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

E. Em 12 de Dezembro de 2011, foi proferido despacho de reversão contra o Oponente, na qualidade de responsável subsidiário pelas dívidas em cobrança coerciva, referentes a IVA dos anos de 2003 a 2009, no montante total de € 8.978,40, constando do Ofício, no campo “Despacho”, o seguinte: “Face às diligências de folhas 1 a 27, e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra (...) na qualidade  de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada”. E no campo “fundamentos da reversão”, o seguinte: “Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período do exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b LGT]. Nos termos dos artigos 22.º, 23.º, 24.º da LGT, 8.º do RGIT e 148.º e 153.º do CPPT” (cf. fls. 23 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. Em 28 de Dezembro de 2011, foi o Oponente citado para os termos da execução fiscal (cf. fls. 30 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G. A p. i. da presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Cascais 2 (Carcavelos) em 30 de Janeiro de 2012 (cf. carimbo aposto na p. i. a fl. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

J. O Oponente tornou-se sócio e assumiu funções de gerência da sociedade devedora originária, em conjunto com O............., desde a sua constituição, em 17 de Dezembro de 1992, até ao registo do encerramento da liquidação, em 16 de Fevereiro de 2009 (cf. fls. 5 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

K. A sociedade obrigava-se com a intervenção de um gerente (Idem);

H. Foi enviado 2.º Ofício de notificação da liquidação de IVA subjacente ao processo de execução fiscal referido na letra A supra, nos termos do artigo 39.º, n.º 5, do CPPT, sob o registo 909883740, com data de 14 de Fevereiro de 2005 (cf. fls. 31 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

L. Foram também enviados Ofícios de notificação das restantes liquidações subjacentes à divida exequenda, sob os registos 918867538, 920997871, 924854017, 930115735, 935826652 e 936916323, constando dos prints informativos extraídos do sistema informático da Administração Tributária que os Ofícios enviados sob os registos 930115735 e 935826652 foram recebidos em 11 de Dezembro de 2008 e 13 de Julho de 2010 (cf. fls. 35 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

M. Dá-se por integralmente reproduzido o teor da acta da assembleia geral extraordinária da sociedade devedora originária, de 5 de Janeiro de 2005, junta como doc. 1 com a p. i., a fl. 11, com o seguinte teor essencial:


«imagem no original»

N. Dá-se por integralmente reproduzido o teor do aviso relativo à sociedade devedora originária, junto como doc. 2 com a p. i., a fls. 12 e 13, com o seguinte teor essencial:


«imagem no original»

»


X


O recorrente censura o julgamento da matéria de facto. Considera que estão incorrectamente fixados os factos das alíneas L) e C) e pretende o aditamento de nova alínea O) ao probatório com as indicações seguintes:
«Pela AP.67/20090216 oficiosa, foi dissolvida e encerrada a Liquidação, extinguindo-se a respectiva matrícula».

No que respeita à rectificação das alíneas do probatório referidas, não assiste razão ao recorrente. Na alínea C) dá-se conta dos elementos anexos ao ofício de notificação com vista à audição prévia à reversão. Na alínea L), dá-se conta dos registos da AT em matéria de recebimento dos ofícios de notificação das liquidações. Pelo que tais quesitos não enfermam de qualquer erro, devendo ser mantidos.

No que respeita ao quesito pretendido aditar, assiste razão ao recorrente, dado que tal elemento, sendo relevante, não consta do probatório, pelo que se impõe aditar o seguinte:

O) Por meio da apresentação 2009/02/16, foi averbada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade “P…………………, Lda.” – fls. 15 dos autos.


X

Compulsados os autos, a alínea J), passa a ter a redacção seguinte:

«J. O Oponente tornou-se sócio da sociedade devedora originária, em conjunto com O............., desde a sua constituição, em 17 de Dezembro de 1992, até ao registo do encerramento da liquidação, em 16 de Fevereiro de 2009 (cf. fls. 5 e segs. do processo de execução fiscal apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

J’) O capital social da sociedade era de 200.000,00 Esc., dividido por dois sócios em partes iguais: A............. e O............ – Ibidem.

J’’) A sociedade vinculava-se com a assinatura de um gerente, sendo nomeado gerente A............. – Ibidem».

Compulsados os autos, a alínea H), passa a ter a redacção seguinte:

«H. Foi enviado 2.º Ofício de notificação da liquidação de IVA subjacente ao processo de execução fiscal referido na letra A supra, sob o registo 909883740, com data de 14 de Fevereiro de 2005 (cf. fls. 31 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido)».


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

P) As dívidas objecto da presente reversão são as seguintes:


«imagem no original»

Q) Em 02.12.2008, teve início o processo de dissolução administrativa da sociedade – fls. 5 do pef.

R) As dívidas exequendas emergem de actos de liquidação oficiosa emitidos em virtude da falta de apresentação de declarações periódicas de IVA – fls. 31/56.

S) Nos exercícios de 2003 a 2005, as liquidações oficiosas foram precedidas da audição prévia do sujeito passivo - fls. 31, fls. 38 e fls. 42.


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2.2. De Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados vícios da sentença seguintes.

i) erro de julgamento na determinação da matéria de facto [apreciado supra].

ii) erro de julgamento quanto à actividade da sociedade devedora originária, dado que a mesma inexiste à data dos factos constitutivos das dívidas sob execução (em particular, no que respeita ao exercício de 2009).

iii) erro de julgamento quanto à notificação das dívidas em causa, porquanto não existe prova nos autos de a mesma ter ocorrido, o que torna as dívidas exequendas inexigíveis.

iv) Omissão de pronúncia quanto à falta de exercício da gerência de facto.

2.2.2. No que respeita à omissão de pronúncia sobre a falta de gerência de facto, invocado pelo oponente na petição inicial.

A omissão de pronúncia sobre questões de que devesse tomar conhecimento é fundamento da nulidade da sentença (artigo 615.º/1/d), CPC). «O conceito de questões abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem»[1].

Da petição inicial resulta que o recorrente invocou o não exercício da gerência da sociedade devedora originária, desde 2005 até à sua dissolução, em 2009 (artigos 13º a 16º). Todavia, a questão da falta do exercício da gerência de facto não foi apreciada pela sentença recorrida, pelo que a mesma incorreu em omissão de pronúncia, o que determina a sua nulidade, nesta parte.

Uma vez observado o contraditório prévio (ofícios de 21.09.2020), cumpre conhecer da questão em apreço.

Apenas o recorrente juntou articulado, reiterando as alegações de recurso.

2.2.3. No que respeita ao alegado não exercício da gerência de facto pelo oponente, o recorrente invoca o não exercício da mesma desde 2005 até ao seu encerramento da sociedade em 2009.
Seja no quadro do regime do artigo 13.º do CPT, seja no âmbito do regime do artigo 24.º da LGT, constitui pressuposto da efectivação da responsabilidade subsidiária o exercício da gerência efectiva por parte do revertido/oponente.
A este propósito de referir cumpre que «[c]omo resulta da regra geral de que quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos – artigo 342.º, n.º 1, do código Civil e artigo 74.º, n.º 1, da LGT, é à AT, enquanto exequente, que compete demonstrar a verificação dos pressupostos que lhe permitam reverter a execução fiscal contra o gerente da sociedade originária devedora e, entre eles, os respeitantes à gerência de facto. Por outro lado, não há presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função. Ora, só quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do CC)» [2]. Mais se refere que: «compete à AT invocar como fundamento da reversão que o revertido exerceu efectivas funções como gerente no período a considerar. Se o não fizer, e se limitar a invocar a gerência de direito como fundamento da reversão, não pode o tribunal com competência para o julgamento da matéria de facto inferir a gerência efectiva da gerência de direito. [N]ão pode a Fazenda Pública pretender, ao abrigo da referida presunção judicial – que não constitui mais do que a possibilidade do uso das regras da experiência concedida ao julgador no julgamento da matéria de facto -, que ao abrigo dessa possibilidade concedida ao julgador, que fica dispensada de alegar essa gerência efectiva, o efectivo exercício de funções de gerência, como requisito para reverter a execução ao abrigo do artigo 24.º da LGT»[3]. Existe gerência de facto «quando alguém – ainda que de modo esporádico e apenas em relação a um único pelouro da empresa – exterioriza de algum modo a representação da vontade social por meio de actos substantivos e materiais, vinculando terceiros» [Ac. do TCA Sul, de 09.02.99, P. 00227/97]. O que importa não é a relação jurídico-civil entre o oponente e a sociedade, mas antes a relação entre ele a vida da sociedade, a ponto de se poder comprovar a imediação entre a vontade por si externada e a vontade a imputável à sociedade e, como consequência, aferir do grau de censurabilidade que a sua actuação implicou para a garantia patrimonial dos credores da mesma. Por outras palavras, o que releva é o exercício de representação da empresa face a terceiros (credores, trabalhadores, fisco, fornecedores, entidades bancárias) de acordo com o objecto social e mediante os quais o ente colectivo fique vinculado. Se é verdade que «[d]a nomeação para gerente ou administrador (gerente de direito) de uma sociedade resulta uma parte da presunção natural ou judicial, baseada na experiência comum, de que o mesmo exercerá as correspondentes funções, por ser co-natural que quem é nomeado para um cargo o exerça na realidade; // Contudo, desde a prolação do acórdão do Pleno da Secção de CT do STA de 28-2-2007, no recurso n.º 1132/06, passou a ser jurisprudência corrente de que para integrar o conceito de tal gerência de facto ou efectiva cabia à AT provar para além dessa gerência de direito assente na nomeação para tal, de que o mesmo gerente tenha praticado em nome e por conta desse ente colectivo, concretos actos dos que normalmente por eles são praticados, vinculando-o com essa sua intervenção, sendo de julgar a oposição procedente quando nenhuns são provados»[4].

No caso em exame, pese embora o oponente seja o único gerente da sociedade, desde a sua constituição (em 17.12.1992)[5], não existem elementos nos autos que comprovem o exercício de facto da gerência pelo mesmo. Mais se refere que, em Janeiro de 2005, a sociedade deliberou o seu encerramento, dado que não tinha actividade e os resultados negativos já eram, à data, de €30.259,99 (alínea M), do probatório). O ónus da prova do exercício efectivo da gerência recai sobre a recorrida. Ónus que no caso não foi observado. Ou seja, o pressuposto do exercício da gerência de facto do oponente não se mostra comprovado, desde 2005 até 2009, data do registo da dissolução da sociedade (alínea J), do probatório. Pelo que a oposição procede, com este fundamento, no que respeita ao período em referência, com a consequente extinção da execução, no que respeita ao oponente, por referência às dividas constituídas nos exercícios de 2005 a 2009, inclusive. Termos em que se procederá no dispositivo.

Motivo porque que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

Importa, agora, apreciar os demais fundamentos do recurso, começando pela inexigibilidade da dívida, por falta de notificação, dado que o mesmo a proceder, determina o desfecho da lide, em relação às demais dívidas exequendas (2003 e 2004).

2.2.4. No âmbito do esteio recurso referido em iii), o recorrente sustenta a inexigibilidade das dívidas dado que não existe prova nos autos da sua notificação à sociedade devedora originária.

A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
«(…) existem nos autos cópia das notificações efectuadas, com a identificação dos registos postais (cf. letras H e L do probatório) e, relativamente à liquidação referente a IVA do ano de 2003, o Oponente foi notificado nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do CPPT, não tendo o Oponente provado, que, apesar do registo, não chegou a receber a carta. // Com efeito, de acordo com o n.º 3 do artigo 39.º do CPPT, em face da devolução da carta para notificação e se não se comprovar que entretanto foi comunicada a alteração do domicílio fiscal, deve a Administração Tributária enviar nova carta, dentro do prazo de 15 dias e, ainda que esta última seja devolvida, presume-se feita a notificação (no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil), a menos que o notificando prove o justo impedimento ou a impossibilidade de comunicar a alteração do domicílio no prazo legal. // Não tendo sido invocado o que quer que seja a esse respeito, não tem cabimento a argumentação no sentido de que a dívida exequenda é inexigível por falta de notificação».

Apreciação.

Estão em causa dividas de IVA (2003, 2004) resultantes de liquidações oficiosas, emitidas em virtude da falta de apresentação pelo sujeito passivo da declaração periódica correspondente. As liquidações em causa foram precedidas de audição prévia do sujeito passivo (alíneas S).

No que respeita à notificação das liquidações em causa, rege o disposto nos artigos 38.º, n.º 3 e 39.º, n.º 1 do CPPT. «As notificações não abrangidas pelo n.º 1, bem como as relativas às liquidações de tributos que resultem de declarações dos contribuintes ou de correcções à matéria tributável que tenha sido objecto de notificação para efeitos do direito de audição, são efectuadas por carta registada» (artigo 38º/1 e 3, do CPPT). «As notificações efectuadas nos termos do n.º 3 do artigo anterior presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil» (artigo 39.º/1, do CPPT).

No caso, dos elementos coligidos nos autos resulta o seguinte:
a) Foi enviado 2.º Ofício de notificação da liquidação de IVA subjacente ao processo de execução fiscal referido na letra A supra, sob o registo 909883740, com data de 14 de Fevereiro de 2005 (alínea H).
b) Foram também enviados Ofícios de notificação das restantes liquidações subjacentes à divida exequenda, sob os registos 918867538, 920997871, 924854017, 930115735, 935826652 e 936916323, constando dos prints informativos extraídos do sistema informático da Administração Tributária que os Ofícios enviados sob os registos 930115735 e 935826652 foram recebidos em 11 de Dezembro de 2008 e 13 de Julho de 2010 (alínea L).

De acordo com a jurisprudência fiscal assente, a prova da efectividade da notificação do acto tributário, constitui ónus a cargo da exequente, não sendo suficiente ao cumprimento do mesmo, a mera junção dos seus registos internos. No caso, não existem elementos externos, designadamente, registos postais dos CTT, que comprovem a materialidade das notificações em causa nos autos, salvo a referida na alínea H), a qual corresponde a 2ª via da notificação, sem que se conheça os termos em que a mesma ocorreu e as vicissitudes e diligências que a antecederam. Mais se refere que em Janeiro de 2005, a sociedade deliberou o seu encerramento, dado que não tinha actividade e os resultados negativos já eram, à data, de €30.259,99 (alínea M), do probatório). O regime de notificação das pessoas colectivas ou sociedades decorre do disposto no artigo 41.º do CPPT (“Notificação ou citação das pessoas colectivas ou sociedades”[6]). No caso não existe prova de que a exequente tenha diligenciado no sentido da notificação na pessoa do representante da sociedade, seu empregado ou do eventual liquidatário da mesma (a partir de 02.12.2008 – alínea Q).

Do exposto se infere que a notificação das liquidações relativas às dívidas exequendas à sociedade devedora originária não se comprova nos autos, pelo que as mesmas são inexigíveis, o que determina a extinção da execução, em relação ao oponente, ao abrigo do disposto no artigo 204.º/1/i), do CPPT.

Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue procedente a oposição, com base na inexigibilidade dívidas de IVA (2003, 2004) resultantes de liquidações oficiosas.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

Fica prejudicado o conhecimento das demais conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a oposição, com a extinção da execução em relação ao recorrente.

Custas pela recorrida, com dispensa da taxa de justiça inicial na instância de recurso, dado não ter contra-alegado.

Registe.

Notifique.


 (Jorge Cortês - Relator)


(1ª. Adjunta)



 (2ª. Adjunta)


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[1] Jorge Lopes Sousa, CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 363.
[2] Francisco Rothes, Em torno da efectivação da responsabilidade dos gerentes – algumas notas motivadas por jurisprudência recente, I Congresso de Direito Fiscal, Vida Económica, pp. 45/64, maxime, p. 53/54.
[3] Francisco Rothes, Em torno da efectivação da responsabilidade dos gerentes – algumas notas motivadas por jurisprudência recente … cit., p. 56/57.

[4]  Ac. do TCAS, de 20.09.2011, P. 04404/10.
[5] Alíneas J), J’) e J’’).
[6] «1)As pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem. //2) Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade. // 3) O disposto no número anterior não se aplica se a pessoa colectiva ou sociedade se encontrar em fase de liquidação ou falência, caso em que a diligência será efectuada na pessoa do liquidatário».