Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1288/06.9BESNT
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:03/15/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:AJUDAS COMUNITÁRIAS
ART.º 141.º, N.º 1, DO CPA
ACTO CONSTITUTIVO DE DIREITOS
REFORMA E REVOGAÇÃO
PROGRAMA RURIS
Sumário:I – O acto que confere um montante de ajudas no âmbito de uma candidatura enquadrada no regime de aplicação da Intervenção Florestação de Terras Agrícolas, do RURIS, é um acto constitutivo de direitos;

II - Conforme jurisprudência já pacificada nos nossos tribunais superiores, apesar de tal acto ser constitutivo de direitos, porque se relaciona com a atribuição de financiamentos regidos pelo direito comunitário e financiados pela própria UE, exige a aplicação em 1.ª linha da correspondente legislação comunitária e respectivos prazos, que afastam, no caso, a aplicação do art.º 141.º do CPA;

III - Após alguma divergência jurisprudencial inicial, o STA, pelo Ac. do Pleno n.º 1/2005 de 26-02-2015, passou a entender que as normas comunitárias que dispunham sobre limites temporais para a revogação de ajudas sobrepunham-se ao art.º 141.º do CPA, assim como, que tais normas se sobrepunham ao direito interno quando fixassem outros limites temporais para a reposição de ajudas indevidamente recebidas, designadamente quando fixassem prazos prescricionais superiores aos fixados pelo direito interno;

IV – O citado regime de aplicação da Intervenção Florestação de Terras Agrícolas, do RURIS, regula-se pela Portaria n.º 94-A/2001, de 09-02, que regulamenta o Decreto-Lei n.º 8/2001, de 22-01 (entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 202/2001, de 13-07 e mais tarde revogado pelo Decreto-Lei n.º 64/2004, de 22-03), diplomas que visaram aplicar o Regulamento (CE) n.º 1257/99, de 17-05;

V – No caso, aplicam-se, ainda, os regimes instituídos pelo Decreto-Lei n.º 64/2004, de 22-03 e Regulamentos (CE) n.º 1260/99, de 21-06, n.º 2419/2001, de 11-12 e n.º 2988/95, de 18-12
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Recorrente: Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP
Recorrido: ................ – Administração e Gestão de Propriedades, Lda

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

O Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, (IFAP) interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou procedente a presente acção, anulou o acto praticado pelo Director Adjunto do IFAP, de 03-08-2006, por violação dos art.ºs 6.º-A e 141.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e condenou o R. a cumprir pontualmente o contrato de atribuição de ajudas que resulta daquele acto.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “1. De acordo com o disposto no nº 1 do artº 7º do Regulamento de Aplicação da Intervenção Florestação de Terras Agrícolas aprovado pela Portaria nº 94-A/2001, de 9 de Fevereiro, e dela fazendo parte integrante, “Podem beneficiar das ajudas previstas no presente Regulamento;
a) Agricultores;
(...) d) Outros titulares de superfícies agrícolas.
2. De acordo com o disposto na al. b) do artº 3º deste Regulamento de Aplicação, entende-se por Agricultor - a pessoa singular que dedique, no mínimo, 25% do seu tempo total de trabalho à actividade agrícola e dela obtenha, pelo menos, 25% do seu rendimento e a pessoa colectiva que, nos termos do respectivo estatuto, tem exclusivamente por objecto a actividade agrícola e cujos administradores ou gerentes, obrigatoriamente pessoas singulares e sócios da pessoa colectiva, detentores de, pelo menos, 10% do capital social, reúnem as condições anteriormente estabelecidas para as pessoas singulares;
3. De acordo com o disposto no nº 1 do artº 10º deste Regulamento de Aplicação, os valores das ajudas a conceder no seu âmbito variam em função da concreta qualidade/estatuto do " Beneficiário, das ajudas em causa;
4. Por outro lado, de acordo com o estipulado em 8.3.1. da Circular nº 4/2001, de 04/05/2001, (junta à PI sob DOC. 4), as candidaturas deverão ser instruídas com a "Declaração do estatuto de Agricultor " mencionada na al k), " caso beneficiário seja agricultor.";
5. Aquando da apresentação da candidatura em causa, a A./Recorrida instruiu-a, designadamente, com a " Declaração do estatuto de Agricultor" a que alude a al. k) do ponto 8.3.1. da referida Circular nº 4/2001 , nela havendo sinalizado/declarado, como um X, a verificação do requisito declarativo de "Que os seus administradores ou gerentes (sócios e pessoas singulares) dedicam, no mínimo, 25% do seu tempo total de trabalho à actividade agrícola, dela auferindo pelo menos 25% do seu rendimento global, e detêm, no seu conjunto, pelo menos, 10% do seu capital social', bem como nela, ainda, havendo sinalizado/declarado, com um traço, a verificação do requisito declarativo de que "Nos termos do respectivo estatuto tem por objecto exclusivamente a actividade agrícola" ;
6. A A./Recorrida, ao haver instruído a candidatura em causa com tal "Declaração Pessoas Colectivas" pretendeu, objectiva e inequivocamente, apresentar-se como «Agricultor, na acepção da al. a) do nº 1 do artº 7º do Regulamento de Aplicação;
7. Por isso, a A./Recorrida, ao haver instruído a candidatura em causa com tal "Declaração - Pessoas Colectivas", não pretendeu apresentar-se como " Titular de superfícies agrícolas» pois, se tivesse sido esse o caso, não deveria ter instruído a candidatura com tal Declaração, (mas, antes, com os "documentos de prova da titularidade dos prédio que constituem a exploração" - conforme, de resto, se extrai da economia do disposto no ponto 8.3.1. da mesma Circular nº 4/2001, de 04/05/2001, junta à PI sob DOC. 4);
8. Não sendo, a A/Recorrida, "Agricultor" na acepção da al. a) do nº 1 do artº 7º do Regulamento de Aplicação , nem havendo pretendido apresentar-se, como tal ("Agricultor'' ) na candidatura em causa, a A /Recorrida não poderia beneficiar das ajudas financeira instituídas para este "tipo" de Beneficiários ("Agricultor'' );
9. Afigura-se, assim, que o erro efectivamente ocorrido relativamente ao enquadramento das ajudas a conceder no âmbito da candidatura em causa foi exclusivamente induzido dolosamente pela A./Recorrida, com isso havendo induzido os Serviços do ex IFADAP a aprovar-lhe a candidatura como se a A./Recorrida devesse ser considerada «Agricultor» na acepção da ai. a) do n9 1 do artº 7º do Regulamento de Aplicação, quando na realidade o não era;
10. Na medida em que a decisão de aprovação da candidatura na pressuposição de que a Demandante seria «Agricultor» na acepção da al. a) do nº 1 do artº 7 do Regulamento de Aplicação, apenas se deveu a erro induzido pela conduta da própria A./Recorrente, afigura-se que a mesma devesse ser reformada, conforme o disposto no artº 137º do CPA;
11. Consequentemente, também se afigura que a prática do acto impugnado traduz do que o estrito cumprimento de um dever de reposição da legalidade, imediatamente adoptado a partir do momento da detecção da irregularidade no quadro do contro lo documental efectuado à candidatura em causa;
12. Acresce, ainda, que o acto impugnado, ao recalcular o montante de ajudas financeiras a conceder à demandante no âmbito da candidatura em causa em virtude da sua qualidade de " titular de superfícies agrícolas» (e não de «Agricultor) mais não terá feito do que conceder à A/Recorrida o montante das ajudas a que ela teria direito, no âmbito de tal candidatura, na medida em que corresponde ao valor das ajudas a que a A ./Recorrida teria na qualidade " titular de superfícies agrícolas» (e não de «Agricultor»);
13. A ter havido erro na qualificação/enquadramento do "tipo" de Beneficiário para efeitos de concessão das ajudas instituídas no âmbito da candidatura em causa no quadro do RURIS, tal erro foi, objectiva e dolosamente, induzido e pretendido pela conduta procedimental exclusivamente imputável à A/Recorrida, sendo que se a reposição da legalidade poder eventualmente causar algum eventual prejuízo à A/ Recorrida só a ela poderá ser imputável tal eventual facto;
14. Isto, sob pena se ser premiada conduta objectivamente fraudulenta da A ./Recorrida, fundada em manifesto abuso de direito na modalidade de venir contra factum proprium;
15. Por isso, se foi a conduta procedimental da A./Recorrida que induziu o Instituto no erro relativamente ao enquadramento do "tipo" de Beneficiário em causa, a verdade é que se alguma boa fé terá sido violada no âmbito do procedimento, tal violação a boa fé terá sido cometida pela própria A./Recorrida e nunca pelo ex IFADAP ao proferir a decisão impugnada;
16.Em tais circunstâncias, afigura-se que o Mº Juiz a quo ao ter julgado a acção procedente com fundamento na violação, pelo ex IFADAP, do disposto no art9 141º do CPA e do princípio da boa fé fez, na Sentença recorrida, uma incorrecta aplicação do direito à factualidade nela tida por provada.”

O Recorrido nas contra-alegações não formulou conclusões.

A DMMP apresentou pronúncia no sentido da improcedência do recurso.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS

Em aplicação do art.º 663º, n.º 6, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 1.º e 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório, por haver uma incorrecta aplicação do Direito à factualidade em apreço nos autos, por não aplicar aqui o art.º 141.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e não existir uma violação do princípio da boa-fé, porque a atribuição do subsídio só ocorreu em virtude de uma declaração dolosa da A. e ora Recorrida, que na sua candidatura apresentou-se como “agricultor”, na acepção do art.º 7.º, n.º 1, al. a), da Portaria n.º 94-A/2001, de 09-02 e não que era apenas como “titular de superfícies agrícolas”, conforme al. d) do mesmo artigo e número e porque detectado esse erro pelo Recorrente foi reposta a legalidade por via do acto ora indicado, que se limitou a recalcular o montante de ajudas financeiras face à real situação da ora Recorrida enquanto “titular de superfícies agrícolas”.

Na decisão recorrida determinou-se a anulação do acto praticado pelo Director Adjunto do IFAP, de 03-08-2006, por se entenderem violados os art.ºs 6.º-A e 141.º, n.º 1, do CPA.
Através de tal acto do Director Adjunto do IFAP foi reapreciada a candidatura da A. e ora Recorrida a um programa de ajudas, no âmbito do regime de aplicação da Intervenção Florestação de Terras Agrícolas, do RURIS, e foram recalculadas as ajudas concedidas (cf. factos provado em 11 e 12).
O indicado regime foi aprovado pela Portaria n.º 94-A/2001, de 09-02, que visou regulamentar o Decreto-Lei n.º 8/2001, de 22-01, que estabeleceu as regras gerais de aplicação do Plano de Desenvolvimento Rural.
Este último decreto-lei foi, entretanto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 202/2001, de 13-07 e mais tarde revogado pelo Decreto-Lei n.º 64/2004, de 22-03.
Por seu turno, a legislação nacional, supra-citada, visou a aplicação do Regulamento (CE) n.º 1257/99, de 17-05, que estabeleceu o quadro de apoio a favor de um desenvolvimento rural sustentável, concedendo apoios às medidas de desenvolvimento rural.
Tal apoio vem previsto no art.º 31.º do Regulamento (CE) n.º 1257/99, de 17-05, arquitectando-se através de financiamentos do orçamento da União Europeia (EU) - cf. art.sº 35.º, 36.º, 46.º e 47.º do Regulamento (CE) n.º 1257/99, de 17-05.
Nos termos do art.º 37.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 1257/99, de 17-05, o apoio ao desenvolvimento rural também só é concedido a medidas que cumpram a legislação comunitária.
Igualmente, determina o art.º 38.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 1260/99, de 21-06, que os Estados-Membros são os primeiros responsáveis pelo controlo financeiro das intervenções, sem prejuízo da responsabilidade da UE na execução do orçamento geral das Comunidades Geral das Comunidades.
Determinam, da mesma forma, as als. c), d), f) e h) do n.º 1 do art.º 38.º, do Regulamento (CE) n.º 1260/99, de 21-06, designadamente: (1) que os Estados-Membros deverão certificar-se que as declarações de despesa apresentadas à UE são exactas e que procedem de sistemas de contabilidade baseados em documentos de prova passíveis de verificação; (2) que os Estados-Membros deverão prevenir, detectar e corrigir irregularidades; (3) que os Estados-Membros terão de apresentar à UE, aquando do encerramento de cada intervenção, uma declaração que fará uma síntese das conclusões dos controlos efectuados nos anos anteriores e pronunciar-se-á sobre a validade do pedido de pagamento do saldo, bem como sobre a legalidade e a regularidade das operações abrangidas pelo certificado final de despesas; (4) e que os Estados-Membros serão também responsáveis pela recuperarão dos fundos perdidos na sequência de uma irregularidade verificada, aplicando, se for caso disso, juros de mora.
Nos termos do art.º 39.º do Regulamento (CE) n.º 1260/99, de 21-06, os Estados-Membros são os primeiros responsáveis pela investigação das irregularidades, pela actuação em caso de uma alteração importante que afecte a natureza ou as condições de execução ou de controlo de uma intervenção, bem como, por efectuar as correcções financeiras necessárias. Ainda nos termos do citado preceito legal, os Estados-Membros efectuarão as correcções financeiras necessárias em relação à irregularidade individual ou sistémica em questão. Estas consistirão numa supressão total ou parcial da participação comunitária.
Conforme o art.º 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 64/2004, de 22-03, “em caso de pagamento indevido, o beneficiário deve reembolsar o montante em causa, em conformidade com o disposto no artigo 49.º do Regulamento (CE) n.º 2419/2001, da Comissão, de 11 de Dezembro, podendo a recuperação desse montante ser efectuada em qualquer adiantamento ou pagamento, no âmbito do FEOGA-Garantia, processado pelo INGA e pelo IFADAP”.
Refira-se, ainda, o art.º 49.º, n.ºs. 1 e 4 e 6, do Regulamento (CE) n.º 2419/2001, de 11-12, quando estipula que “1 -Em caso de pagamento indevido, o agricultor deve reembolsar o montante em questão acrescido de juros calculados de acordo com o n.º 3”
(…) 4 - O dever de reembolso referido no n.º 1 não é aplicável se o pagamento tiver sido efectuado por erro da própria autoridade competente ou por erro de outra autoridade e o erro não pudesse razoavelmente ser detectado pelo agricultor. Todavia, se o erro estiver relacionado com elementos factuais relevantes para o cálculo do pagamento em causa, o disposto no primeiro parágrafo só é aplicável se a decisão de recuperação não tiver sido comunicada nos 12 meses seguintes ao pagamento.
5. O dever de reembolso referido no n.º 1 não é aplicável se o período decorrido entre a data do pagamento da ajuda e a data da primeira notificação da autoridade competente ao beneficiário relativamente ao carácter indevido do pagamento for superior a dez anos.
Todavia, o período referido no primeiro parágrafo fica limitado a quatro anos se o beneficiário tiver actuado de boa fé.
6. Os montantes a recuperar na sequência da aplicação de reduções e exclusões por força do artigo 13.º e do Título IV prescrevem no prazo de quatro anos.”
Por último, faça-se menção ao Regulamento (CE) n.º 2988/95, de 18-12, relativo à protecção dos interesses financeiros da UE e à adopção de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito comunitário, que no art.º 3.º, nº 1, determina que o prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade, podendo ser adoptados prazos mais curtos, mas não inferiores a três anos para regulamentações sectoriais.
Feito este enquadramento legal, apreciemos, em concreto, a questão trazida a recurso.
Conforme decorre da factualidade provada e é afirmado na decisão recorrida, que nesta parte se acompanha “a A. foi considerada como agricultora para efeitos das ajudas que lhe foram atribuídas sendo que o montante das ajudas atribuídas à A. foi calculado - cfr. artigo 5 da matéria de facto provada - no pressuposto de que a A. tinha exclusivamente por objecto a actividade agrícola.
A A. não tinha, à data dos factos, exclusivamente por objecto a actividade agrícola, o que, aliás, foi dado a conhecer à E.D. - cfr. pontos 1, 3 e 4 da matéria de facto provada.
Deste modo, é ostensivo que o acto administrativo [i.e., o acto reformado] em apreço era anulável (artigo 135.º do CPA), por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito em que se baseou: ao considerar a A. como tendo exclusivamente por objecto a agricultura, a E.D. concedeu-lhe ajudas por montante superior àquele que, nos termos do artigo 10.º n.º 1, a A. deveria ter beneficiado - denote-se que qualquer das partes no processo consente a existência de um erro, sendo que, para a constatação de que tal erro se verifica, é irrelevante saber quem o cometeu.”
Ou seja, sem dúvida que há que acompanhar a decisão recorrida quando concluiu pela ilegalidade do acto de 17-06-2004, que aprovou as ajudas, por se ter baseado em pressupostos errados e pelo enquadramento do acto ora sindicado enquanto um acto que visava reformar um anterior acto anulável.
Quanto à invocação da conduta dolosa por banda da A. e Recorrida, ao proceder às suas declarações, não vem provada nos autos. Diferentemente, da factualidade provada nos autos – e não contestada neste recurso - apenas se retira que terá havido uma declaração errada ou incongruente feita pela A., que apresentou o modelo 0023.000640, relativo à declaração do estatuto de agricultor de pessoa colectiva e ali assinalou com um traço que “nos termos do respectivo estatuto tem por objecto exclusivamente a actividade agrícola”, quando em simultâneo, assinalou com uma cruz “que os seus administradores e gerentes /sócios e pessoas singulares) dedicam no mínimo, 25% do seu tempo total de trabalho à actividade agricola…” e também em simultâneo fez juntar ao processo uma certidão da CRP de onde se retirava que o seu objecto social não era exclusivamente a actividade agrícola.
Portanto, bastaria ao R. e ora Recorrente apreciar os documentos que foram junto ao processo de candidatura para verificar que a A. cometera um erro ao assinalar o campo onde se indicava ter um objecto social exclusivamente relativo à actividade agrícola.
Assim, quanto a este ponto, acompanha-se a decisão recorrida quando afirma que “queda patente que a E.D. não analisou correctamente os documentos que instruíram a candidatura da A. às ajudas do RURIS e que apenas em momento posterior à aprovação de tal candidatura e à atribuição das ajudas procurou corrigir o erro, sendo ainda manifesto que tal foi detectado, precisamente, mediante a apreciação dos elementos documentais que a A. havia apresentado ab initio ["Na sequência de um controlo documental realizado pelo Instituto ao projecto (...) constatou-se que no âmbito da formalização da candidatura foi entregue a «Declaração de Pessoas Colectivas» - formulário Mod. 23000640 (...)"].”
Porém, a partir daqui, não se pode acompanhar a decisão recorrida, que foi errada quando determinou a anulação do acto praticado pelo Director Adjunto do IFAP, de 03-08-2006, por se entender violados os art.ºs 6.º-A e 141.º, n.º 1, do CPA.
Como decorre da matéria factual apurada, o acto que aprovou as ajudas data de 17-06-2004 e a acto ora impugnado, que o reformou, data de 03-08-2006. Este último acto foi notificado à A. e Recorrida em 07-08-2006 (cf. factos, 5, 6 e 11).
Na decisão recorrida entendeu-se que o acto que aprovou as candidaturas era constitutivo de direitos e que foi revogado após o prazo de 1 ano, previsto no art.º 141.º do CPA, assim violando tal preceito legal e o princípio da boa-fé.
O acto que aprovou as ajudas em 17-06-2004 era, de facto, constitutivo de direitos (cf. entre muitos, o Ac. do STA n.º 089/10, de 26-05-2010).
No entanto, conforme jurisprudência já pacificada nos nossos tribunais superiores, apesar de tal acto ser constitutivo de direitos, porque se relaciona com a atribuição de financiamentos regidos pelo direito comunitário e financiados pela própria UE, neste caso, há que afastar a aplicação do art.º 141.º do CPA, aplicando-se, antes, a correspondente legislação comunitária e respectivos prazos. Ou seja, após alguma divergência jurisprudencial inicial, o STA, pelo Ac. do Pleno n.º 1/2005 de 26-02-2015, passou a entender que as normas comunitárias que dispunham sobre limites temporais para a revogação de ajudas sobrepunham-se ao art.º 141.º do CPA, assim como, que tais normas se sobrepunham ao direito interno quando fixassem outros limites temporais para a reposição de ajudas indevidamente recebidas, designadamente quando fixassem prazos prescricionais superiores aos fixados pelo direito interno (cf. neste sentido, para além do já citado acórdão do Pleno do STA, entre outros, os Acs. do STA n.ºs. 02037/02, do Pleno, de 06-10-2005, 0661/05, do Pleno, de 29-03-2007, 0901/07, do Pleno, de 07-05-2008, 89/10, de 26-05-2010, 0737/10, de 21-10-2010, 0134/10, de 12-09-2013, 092/14, de 30-10-2014 ou 0173/13, Pleno, de 26-02-2015).
Nestes termos, no Ac. do STA n.º 0173/13, do Pleno, de 26-02-2015, foi fixada a seguinte jurisprudência: ”Na ausência de legislação nacional consagrando prazo de prescrição mais longo do que o previsto no art. 3, nº 1, do Reg. (CE Euratom) nº 2988/95, do Conselho, de 18 de Dezembro, é este o aplicável”.
No mesmo sentido, apresentando uma resenha de toda a situação que envolveu as ordens de reposição de ajudas indevidamente concedidas, cita-se o Ac. do STA n.º 0134/10, de 12-09-2013, quando refere designadamente o seguinte: “Importa realçar que embora inicialmente este STA tivesse sustentado, em vários arestos, a tese sufragada pela sentença recorrida, a verdade é que a partir do Acórdão do Pleno da Secção, de 6 de Outubro de 2005, proferido no recurso nº 207/02, deu-se a inversão dessa jurisprudência no sentido do Acórdão do Pleno atrás sumariado.
Com efeito, passou a defender-se que sendo detectadas irregularidades em controlos posteriores à concessão da ajuda, ainda que por vícios já presentes no momento da concessão das mesmas, não será de aplicar o prazo previsto no artº 141º do CPA, mas sim os prazos mais alargados que sejam impostos por normas comunitárias ou normas nacionais que apliquem aquelas, como sucede com o Despacho Normativo nº 230/93 que prevê no seu ponto 13 que os beneficiários das ajudas devem manter à disposição do INGA, contabilidade organizada, durante três anos, ou prazo maior como é o caso do prazo de dez anos estabelecido pelo direito nacional no Código Comercial no seu artº 40º bem como o CIRS no artº 118º, nº 2, e CIRC artº 115º, nº 5.
Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do Pleno da Secção do CA, de 19/9/2006, proc nº 1038/05, embora seguindo o anterior firmado em 6 de Outubro de 2005, e que passamos a seguir:
“(…) também no CIRS art.º 118.º 2 e no CIRC, art.º 115.º - 5 - (Vd. J M Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, I vol. P. 176) o prazo de dez anos para o comerciante conservar a sua escrituração mercantil, pelo que é este prazo mais longo aquele durante o qual podem ser efectuados controlos de acordo com as normas comunitárias, controlos esses que têm necessariamente de surtir os efeitos que para eles a lei determina, designadamente a revisão das ajudas financeiras concedidas e consequente exigência do que foi indevidamente pago e nessa medida a revogação do acto que as concedeu, sendo o prazo desta revogação dilatado até ao referido limite temporal.
Portanto, é recusada a aplicação da norma do artigo 141.º n.º 1 do CPA, embora se considere que a estabilidade e a segurança não deixam de ser protegidas, antes passam a ser protegidas de forma menos intensa, cedendo em parte, à necessidade de protecção de outros valores de semelhante relevância.”.
“No fundo o que se pretende com a aplicação do prazo mais longo é impedir que a aplicação do prazo curto do artº 141º do CPA, proteja a utilização dos fundos comunitários para fins diferentes dos que estiveram na base da sua criação, neste sentido o acórdão citado refere”, “(…) é oportuno referir que a matéria factual considerada no acto administrativo que atribui uma vantagem ao particular, se foi apresentada pelo próprio interessado de modo errado à Administração tendo em vista induzir em erro, enganar e assim obter um beneficio ilegítimo ou até proibido por lei - assim como nos casos em que o particular bem sabe quais os requisitos que tem de cumprir para a atribuição do beneficio e o recebe desde logo para cumprir esses requisitos, mas abusando da confiança que está na base das relações do comércio jurídico, não cumpre as condições que a sua posição na relação jurídica comporta - deveria ter como efeito a obrigação de reposição do que recebeu, como consequência do não preenchimento dos pressupostos que eram esperados da sua parte para a perfeição da relação jurídica, sob pena de se consagrar a obtenção ilegítima do beneficio.
É ainda de ter em conta que mesmo não existindo ou não sendo possível caracterizar dolo ou má-fé do particular, o simples incumprimento por este das regras que o vinculam e que aceitou para conseguir um beneficio desde logo atribuído numa base de confiança no preenchimento desses condicionalismos, criam uma situação cuja estrutura se desvia substancialmente da que é própria do acto praticado com base na verificação prévia dos respectivos pressupostos através do procedimento administrativo.
Na situação favorável ao particular que é criada numa base de confiança, enquanto, ou na medida em que os pressupostos que o particular tinha de preencher não se verificarem a relação jurídica está incompleta, mesmo que lhe tenha sido entregue a prestação da parte pública que com ele se encontra em relação, e daí que dê lugar à obrigação de repor tudo o que se recebeu com vista à relação cujos pressupostos se não preencheram e que o controlo verifica que já não vão preencher-se, pelo que não pode considerar-se que estamos perante a mesma estrutura daquele acto em que os pressupostos são verificados pela Administração entes da concessão, nem se pode dizer que estamos em fase de execução da definição operada pela concessão da ajuda, visto que o acto é praticado no conhecimento de que os pressupostos têm de verificar-se no futuro, sendo um ónus que impende sobre o beneficiário da ajuda fazer com que se verifiquem, mas sendo bem conhecido dos intervenientes que alguns pressupostos ainda se não verificam, sabendo-se que, por vezes, alguns deles só poderão passar a verificar-se depois de entregue a ajuda e através da sua aplicação nos termos previstos.
O que o particular recebe nestas situações é entregue em vista de uma relação que se espera vir a tornar-se perfeita, mas se intervierem factores de desvio pode gorar-se antes de se concluir ou tornar perfeita, pelo que surge aqui o dever de repetir o indevido que é um dever geral de justiça e não uma decorrência do “fecho” da relação jurídica em cuja preparação se verificou a entrega da ajuda financeira, entrega que é logo efectuada, porque se fosse remetida para momento posterior retiraria toda a possibilidade de se alcançarem os objectivos que através da sua concessão se pretendem obter.
Guiado por este princípio fundamental de direito da repetição do indevido, mais do que pela defesa “à outrance” dos interesses da Comunidade, o Tribunal de Justiça das Comunidades tem vindo a firmar desde o Acórdão Deutshe MilchKontor (Proc. 205/82ª 215/82) uma jurisprudência constante e repetida no sentido de que a aplicação do Direito Comunitário seria gravemente perturbada caso os Tribunais nacionais decidissem com base em regras que proíbem a revogação de actos administrativos em prazos de um ano, assim tornando impossível, na prática, recuperar ajudas indevidamente atribuídas (designadamente nos termos dos Regulamentos CEE 729/70) e postergando outro princípio geral de direito, porventura sem suficiente ponderação dos interesses e valores em presença.
Este princípio do Direito Comunitário não contraria as exigências e princípios do Direito Interno pois que também ele se orienta pelas mesmas razões de justiça efectiva e também na ordem interna vigora o princípio da repetição do indevido, regra de base civilística, mas que perpassa todo o ordenamento, concretizado no direito público como corolário directo do princípio da justiça inscrito no art.º 266.º n.º 2 da Constituição e comando aplicável a toda a actividade administrativa.
O que poderá contrariar a aplicação correcta dos princípios gerais de direito será a interpretação rígida da regra do artigo 141.º do CPA transformando-a em regra absoluta e superior a todos os outros princípios jurídicos.
Ora, no que interessa à decisão do caso submetido à nossa análise, o Tribunal de Justiça das Comunidades tem dito que as regras dos Estados Membros sobre prazo de revogação de actos administrativos ilegais como a do artigo 141.º do CPA, quando se tratar de reaver quantias pagas a título de ajudas comunitárias, de acordo com os Regulamentos Comunitários, mas que foram indevidamente atribuídas e recebidas, têm de ser aplicadas pelos Tribunais nacionais sem ignorar que a obrigação de repetição do indevido tem o valor de princípio geral de Direito Comunitário, pelo que não pode ser postergado, nem paralisadas as garantias que dele derivam, por disposições nacionais sobre a revogação que são resultantes da cristalização, da preponderância ou relevância exclusiva do princípio da segurança, sem a adequada ponderação de outros princípios estruturantes do ordenamento jurídico comunitário (e também de direito nacional como antes sublinhámos, mas que não importa à decisão do presente caso).
Como refere expressivamente o Acórdão Martin Huber, de 19.9.2002, P. C-336/2000:
“As regras previstas pelo direito nacional não podem, na prática, tornar impossível ou excessivamente difícil a recuperação dos auxílios indevidos….
Assim, não pode considerar-se contrário ao direito comunitário que o direito nacional em matéria de revogação dos actos administrativos e de restituição de prestações financeiras indevidamente pagas pela administração pública tome em consideração ao mesmo tempo que o princípio da legalidade, os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, dado que estes fazem parte da ordem jurídica comunitária.
Contudo, o interesse da Comunidade na recuperação das ajudas recebidas em violação das condições para a sua concessão deve ser integralmente tomado em consideração quando da apreciação dos interesses em causa.
No mesmo sentido, tendente a fazer sobressair a relevância do princípio da restituição do que foi indevidamente recebido, se pronunciaram além dos dois antes referidos muitos outros Acórdãos do TJC dentre os quais se destacam os casos Oelmûhle e Schmidt Sohne, de 16.7.98, P. C-298/96; Flemmer, de 9.10.2001, P. C-80/99.”
“Existem boas razões para aplicar estes princípios não apenas aos casos em que a ajuda de Estado foi concedida em violação das regras do art. 93.º do Tratado, como sucedia no caso Alcan (Ac. Do TJC de 20.03.1997) isto é, quando o Estado membro concedeu ajudas que contrariam as regras do direito comunitário, mas também quando se trata de execução de ajudas instituídas por normas comunitárias.
Efectivamente, a diferença pode estar na necessidade de defender a boa-fé do beneficiário da ajuda.
“Mas, é bem evidente que tendo a ajuda sido concedida com base nas declarações prestadas pelo beneficiário, se justifica que a solidificação da situação se dê passado o prazo previsto para as verificações estabelecido pelas normas aplicáveis e à partida conhecidas de quem faz a declaração inexacta e recebe a ajuda, e não como sucede com os actos administrativos em que os pressupostos são reunidos na fase instrutória pela Administração e por ela analisados antes da prolação do acto final. É que, como refere o Ac. Martin Huber “A aplicação do princípio da protecção da confiança legítima implica que esteja provada a boa fé do beneficiário do auxílio em causa”.
“Efectivamente, a entidade que declara factos que não correspondem à realidade para obter uma ajuda de Estado aproveita da confiança que nela é depositada e a boa-fé que necessita de protecção é nestas situações a da parte pública que adianta o montante da ajuda baseado nas declarações do particular.
“No caso o DN 230/93 dispunha sob o n.º 12 que os controlos previstos no Regulamento CEE n.º 1372/93 incidirão sobre as empresas beneficiárias da ajuda e serão realizados pelo INGA ou por outras entidades por este designadas para o efeito, devendo os beneficiários manter a escrita organizada à disposição do INGA durante os três anos seguintes a cada ano de concessão da ajuda.”
Por outro lado, ficou igualmente consignado no Acórdão do Pleno da Secção do CA do STA, de 3/5/2007, porque relativamente “às ajudas POSEIMA aqui em causa, não estava, à data, especialmente previsto, na legislação comunitária ou nacional, qualquer prazo para a sua recuperação, em caso de irregularidade da sua concessão, detectada após realização do controlo a posteriori à documentação da empresa que suporta o pedido de ajudas, sendo, portanto, de ter em conta para o efeito, pelas razões supra apontadas, o prazo geral de dez anos, previsto na lei nacional para a escrituração mercantil (artº40º do Cód. Com., artº118, nº2º do CIRS e artº115º, nº5 do CIRC), por ser mais longo que o prazo de três anos, previsto, em geral, na legislação comunitária, então aplicável, para a conservação dos documentos comerciais pelas empresas (cf. artº4º, nº1 do REg. (CEE) nº4045/89 do Conselho de 21.12.89)”. Neste sentido se tem orientado a jurisprudência deste STA, podendo ver-se, além do citado, os Ac. de 22.6.2005, P. 661/05; 2005.10.06, P. 2037-02 (Pleno) e de 6.12.2005, P. 0328/02 (Pleno).”
Na circunstância dos autos, o acto ora impugnado, que reformou o acto de que aprovou as ajudas, foi praticado antes dos 4 anos indicados no art.º 49.º, n.ºs. 1 e 4 e 6, do Regulamento (CE) n.º 2419/2001, de 11-12, artigo aplicável aos casos em que o beneficiário da ajuda actuou de boa-fé. Aqueles 4 anos é igualmente o prazo indicado como o da prescrição do procedimento, nos termos do art.º 3.º nº 1, do Regulamento (CE) n.º 2988/95, de 18-12.
Como decorre da jurisprudência acima indicada, as normas previstas no direito da UE que dispõem sobre limites temporais para a revogação de ajudas, sobrepõe-se ao art.º 141.º do CPA, que deixa de ser aplicável.
Logo, não havia que invocar no caso dos autos a violação do art.º 141.º do CPA, ou a violação do princípio da boa-fé, por se ter preterido o prazo de 1 ano para reformar o acto que atribuiu as ajudas à A. e ora Recorrida, mas há, antes, que entender que o acto impugnado foi praticado em conformidade com as citadas normas comunitárias e o quadro legal que era aplicável à situação concreta.
Portanto, há que revogar a decisão recorrida por ter decidido em desconformidade com a jurisprudência mais recente e já assente pelo STA, acima indicada.
Em suma, o acto praticado pelo Director Adjunto do IFAP, de 03-08-2006, não padece das ilegalidades que lhe foram apontadas na decisão recorrida, por a reforma do acto que atribuiu as ajudas se conformar com os limites impostos, para o efeito, pela legislação comunitária.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida e
- em substituição, julga-se a presente acção totalmente improcedente e absolve-se o R. dos pedidos;
- custas do recurso pelo Recorrido (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA):
- custas em 1.º instância pelo A. (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 6º, n.º 1 e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa,15 de Março de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)