Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2474/15.6BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:12/16/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:IRC – FACTURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Não é exigível que a Administração Tributária efectue uma prova direta da simulação, pelo que cumprindo a Administração Tributária aquele ónus e ilidindo, desse modo, a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo consagrada no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, passa a competir, por seu turno, a este último o ónus da prova da realidade subjacente à fatura, infirmando os indícios recolhidos pela entidade fiscalizadora.

II - A impugnante, perante os fortes indícios recolhidos pela AT, e que se encontram vertidos no RIT, para fundamentar a sua conclusão quanto à simulação das transações em apreço, não conseguiu produzir prova, documental ou testemunhal, que permita, de alguma forma, comprovar a sua tese de que os serviços foram realmente prestados.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I.          RELATÓRIO

O..... Unipessoal, Lda., com os sinais nos autos, veio, em conformidade com o n.º 3, do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPTT), interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, de 16 de março de 2020, a qual julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação de IRC dos anos de 2009, 2010 e 2011 de que resultou imposto a pagar no montante total de € 502.638,72 (2009: €207.296,85; 2010: €101.326,00; 2011: €194.015,87), e juros compensatórios, e, em consequência, manteve os atos impugnados. Mais, aquela sentença fixou o valor do processo em € 502.638,72 nos termos da alínea a) do n° 1 do art. 97°A do Código de Procedimento e Processo Tributário e condenou a Impugnante em custas.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

A - O julgador porém tinha ao seu dispor provas que impunham uma decisão diversa da exarada em sentença, pelo Tribunal “a quo”.

B - A ação inspetiva realizou quatro anos mais tarde em relação aos factos com relevância tributária, por via desse hiato temporal, não foi possível em acção inspectiva e em rigor confirmar se existiam estruturas físicas, activo imobilizado ou existências que possibilitassem capacidade às empresas emitentes para prestar os serviços descritos nas facturas.

C - Ora a sentença recorrida, não teve em linha de conta esta realidade de fundo, O tempo entre factos e inspeção deveria ter sido valorado positiva e decisivamente, mas nada a esse respeito se subscreve na sentença recorrida.

D - A Inspeção Tributária não procurou os emitentes das facturas.

E - Na data dos factos a AT não disponibilizava uma aplicação informática de despistagem dos emitentes de risco, não sendo possível à utilizadora e ora recorrente, saber que constavam da grelha da AT como não declarantes.

F - A décalage temporal factos-descoberta da infração tributària, não permitem a recolha concreta dos elementos probatórios em como os serviços não foram prestados e os bens transaccionados.

G - São várias as situações em que se exibiram cheques, exibidos em frente e verso dos cheques, comprovando as transacções entre a recorrente e os emitentes.

H - O ónus impendia sobre quem inspeccionou, já que o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e a própria LGT, contém instrumentos que facilmente permitem a obtenção destes elementos bancários.

I - Por sua vez, é mister frisar, não existiam programas informáticos de facturação, pré-definidos ou certificados pela Autoridade Tributária e que bastava a mera comunicação ao abrigo de disposição legal do Código do IVA, para que pudessem ser executadas contabilidades em Excel, Publisher ou qualquer outro suporte informático.

J - A jurisprudência dos Tribunais Superiores, concretamente do TCA – Sul vg. Acórdão de 16/12/2004 exarado no Recurso 00272/04 fixou jurisprudência, não aceitando que se possam considerar falsas facturas, quando os emitentes estão indicados noutros processos, ou não cumprem as obrigações acessórias declarativas.

A decisão que, no entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas é destrinçada por emitentes.

L - As testemunhas, ao contrário da valoração feita pela sentença identificaram as obras e os nomes das sociedades, tendo ficado provado nos factos dados como provados, que a recorrente “tinha um acréscimo de trabalho agrícola de caráter sazonal desde finais de Agosto até ao final do ano, nas vindimas, nas podas de oliveiras e seleção de varas dos eucaliptos” (Ponto P).

M - Mais ficou provado que na atividade agrícola é habitual fazer-se pagamentos em dinheiro.

N - A sentença do Tribunal “a quo” ao dar como provado que a recorrente era chamada para os trabalhos extraordinários, que recorreu a meios humanos e técnicos de M..... e que pagava a dinheiro e também em cheque, não pode retirar a conclusão que as faturas são fictícias.

O - É que a prova testemunhal é clarividente, tendo as testemunhas em uníssono afirmado que os serviços agrícolas foram prestados por meios humanos e técnicos cedidos por M......

P - A sentença recorrida deixa de valorar a prova testemunhal e seleciona dar crédito a informações fiscais ocorridas quatro anos após o facto tributário em que a realidade das empresas emitentes não era necessariamente a mesma.

Q - A sentença recorrida deveria ter dado como provado que as empresas tinham maquinaria e consequentemente estrutura para fazer face às obras descritas nas faturas e que tinham recursos humanos a trabalhar nas obras.

R - Os factos dados como não provados, deveriam, pelo contrário ter sido dados como provados.

S - A sentença recorrida aceita a existência de pagamentos em dinheiro, e a par disso a existência de cheques.

T - Da conjugação desta realidade, não resultam indícios que os pagamentos das faturas não tenham sido feitos em dinheiro e ou cheque.

U - As testemunhas afirmaram em audiência de julgamento, que era hábito o pagamento em dinheiro na atividade agrícola.

V-  A sentença recorrida ter dado como provados esses factos.

X - Os factos dados como provados nos pontos P, Q e R, conjugados com a prova de que a recorrente não tinha capacidade de meios técnicos e humanos para fazer face a estes períodos anormais de trabalho e que por isso recorria à subcontratação.

Z - A recorrida que frise-se só quase quatro anos depois inicia a Inspeção, não pode eleger como factos índice realidades não contemporâneas.

AA - A sentença recorrida entende que tudo o que escreve a AT na matéria de facto deve ser tido como provado, como se tudo o que escreve a AT fosse uma verdade absoluta, em colisão com a prova testemunhal que afirma que entre Agosto e Dezembro, se exigiam trabalhos extra, que a recorrente não tinha capacidade de meios técnicos e humanos para fazer face a estes períodos anormais de trabalho e que por isso recorria à subcontratação.

BB - A sentença recorrida fez uma incorreta interpretação dos artigos 74.º e 75.º da LGT, bem como da matéria de facto e das regras de repartição do ónus da prova.

CC - Pelo que devem proceder as conclusões das alegações da Recorrente, impondo-se a revogação da decisão recorrida.

Nestes termos, nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e revogada a douta Sentença do Tribunal “a quo”, com todas as consequências legais daí advindas.”


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A AT, aqui Recorrida, notificada, não apresentou contra-alegações.


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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.


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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação dos artigos 74º e 75º da LGT, bem como da matéria de facto e das regras de repartição do ónus da prova.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

A)- A sociedade O..... Unipessoal, Lda., foi objeto de uma ação de inspeção externa aos exercícios de 2009, 2010 e 2011 constando no relatório de inspeção no ponto referente a "Motivo, âmbito e incidência temporal" o seguinte: "A ação de inspeção, emitida para verificação do cumprimento das obrigações fiscais nos anos de 2009, 2010 e 2011, que inicialmente era de âmbito parcial, apenas IVA, foi alargada para abranger também o IRC tendo em consideração os elementos recolhidos no decurso da ação." (cfr. fls. 4 do relatório de inspeção em apenso).

B) - No relatório de inspeção consta como caracterização do sujeito passivo o seguinte "o início de atividade de O..... reporta a 2007/11/09, com inserção em dois códigos (já classificação portuguesa das atividades económicas (CAE):

- Atividade principal inserida no código "042990 - CONSTRUÇÃO DE OUTRAS OBRAS DE ENGENHARIA CIVIL, N. E.";

- Atividade secundária inserida no código "002100 - SILVICULTURA E OUTRAS ACTIVIDADES FLORESTAIS".

Do registo comercial consta corno objeto da sociedade a "Abertura de valas, instalação de cabos elétricos, de água e de gás; movimentação de terras, arruamentos e outras obras públicas. Trabalhos agrícolas e florestais.

Aluguer de equipamento agrícola e industrial.

Em termos fiscais, O..... está enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável em sede de IRC e, desde 2010/01/01, no regime normal de periodicidade mensal em sede de IVA. Em 2009 o enquadramento em sede de IVA era no regime normal de periodicidade trimestral" (cfr. fls. 4 do relatório apenso).

C) - Os serviços de inspeção procederam a correções em sede de IRC nos exercícios de 2009, 2010 e 2011 nos montantes de € 650.600,00, € 269.724,93 e € 561.634,80 (cfr. fls. 13 do apenso).

D) - E mencionaram no relatório de inspeção os fundamentos da não aceitação dos documentos emitidos por M..... nos seguintes termos:

III.1.1.4 FUNDAMENTOS DA NÃO ACEITAÇÃO DOS DOCUMENTOS EMITIDOS POR M.....

Consultados os dados fiscais de M..... verificou-se que este tem registo de actividade para os períodos compreendidos entre 2006/09/08 (data de início) e 2007/11/02 (data de cessação) e 2008/09/16 (data de reinício) e 2010/12/31 (data de cessação). Em ambos os períodos a actividade foi inserida no código 043330 da CAE — REVESTIMENTO DE PAVIMENTOS E DE PAREDES, actividade completamente diferente da mencionada nos recibos emitidos a O......

Verificou-se ainda que M..... não declarou, nem para efeitos de IRS nem para efeitos de IVA, os valores inscritos nos recibos emitidos em 2009 e em 2010, tendo apenas declarado rendimentos de trabalho dependente pelo exercício da profissão de padeiro.

Dos recibos listados consta como actividade exercida diversos trabalhos de natureza agrícola — apanha de uva, podar olival, selecção de varas, e podas. Não é indicado nem o local nem a data em que tais serviços terão sido prestados.

Em 2009 o pagamento dos serviços alegadamente prestados por M..... está suportado contabilisticamente, além dos recibos, por três declarações, emitidas pela própria O....., em que esta declara ter pago um total de € 91.047,00 a M..... (vd. anexo 8 — 4 fls.).

Em 2010 os documentos de suporte aos pagamentos a M....., no valor total de 145.330,30, são essencialmente declarações de O..... atestando o pagamento em numerário na sequência do desconto de cheques ao balcão das instituições bancárias Existem também alguns cheques emitidos à ordem de M..... mas também estes foram convertidos em numerário, sem passarem por qualquer conta do alegado beneficiário, como se verifica pela informação facultada pelo Banco Comercial Português após autorização de O..... para acesso a informação bancária (vd. anexo 9 — 15 fls. e anexo 10 — 13 fls.).

Questionada a sócia-gerente A..... acerca dos serviços alegadamente prestados por M..... a O..... bem como acerca da forma como tinha sido efectuado o respectivo pagamento, foi-nos dito que:

- M..... foi contratado por O..... para realizar trabalhos agrícolas para os

clientes da empresa;

- M..... não trabalhava sozinho, sendo acompanhado por outros trabalhadores por ele angariados;

- Além do mencionado nos recibos emitidos por M....., não existe qualquer registo dos locais ou dos clientes de O..... onde M..... efectuou serviços. Os trabalhos eram acordados telefonicamente, quer com o cliente, quer com M....., não

sendo elaborado qualquer contrato escrito;

- O..... não tem qualquer registo do pessoal angariado por M..... nem das horas de trabalho que foram pagas;

- Os pagamentos foram efectuados em numerário, eventualmente com a emissão por O..... de um cheque ao portador, de valor superior, descontado -pela própria empresa sendo o excesso de numerário utilizado para efectuar outros pagamentos a outras entidades.

Foi ainda ouvido J....., NIF ....., colaborador de O.....

responsável pela organização e coordenação dos trabalhos no campo. J..... que disse conhecer M..... por já terem trabalhado juntos em obras de construção civil, motivo pelo qual o contratou, reiterou o declarado por A....., nomeadamente a inexistência de registos acerca do pessoal que trabalhou com M..... assim como dos locais onde este trabalhou e dos serviços que prestou.

M..... foi também contactado, no âmbito de acção de inspecção que lhe foi dirigida. Ouvido em 2012/11/19, com transcrição em Auto (vd. anexo 11 - 1 fl.), M..... declarou, entre outros aspectos:

- Ter prestado serviços a O....., pelos quais recebeu pagamento em numerário ou cheque, que converteu também em numerário dado não possuir conta bancária; -

- Ser incapaz de identificar os trabalhadores por ele angariados à excepção de um primo de nome A.....;

- Não ter quaisquer registos de encargos suportados para a prestação dos serviços a O.....;

- Não se recordar de ter prestado serviços a outras entidades além de O.....;

- Desconhecer a obrigação de declarar para efeitos fiscais os montantes dos serviços prestados e do IVA liquidado.

Assim, considerando que:

- M..... exerceu nos anos de 2009 e de 2010 a actividade de padeiro na qualidade de trabalhador dependente e não demonstrou possuir qualquer estrutura organizada que lhe permitisse efectuar a contratação de pessoal para a realização de trabalhos agrícolas, respectiva organização e colocação em locais de trabalho distantes do seu local de residência;

- Exceptuando a menção a um primo identificado apenas pelo nome de A....., M..... não foi capaz de identificar qualquer trabalhador por ele contratado para prestar serviços de natureza agrícola a O.....;

- M..... não foi capaz de identificar qualquer local onde tenha prestado serviços de natureza agrícola para O.....;

- M..... não foi capaz de identificar qualquer cliente de O..... para o qual tenha sido contratado para efectuar trabalhos agrícolas;

M..... não foi capaz de demonstrar que recebeu efectivamente os montantes constantes dos recibos emitidos a O....., tendo inclusivamente declarado que os poucos cheques que foram emitidos à sua ordem não foram depositados mas convertidos em numerário por desconto ao balcão da instituição bancária;

- M..... não apresentou qualquer prova do pagamento de valores a eventuais trabalhadores por ele contratados;

- M..... declarou que para a prestação de serviços a O..... tinha como único gasto as despesas de transporte, nomeadamente o combustível, não tendo no entanto apresentado qualquer comprovativo da realização dessas despesas;

- M..... não declarou, para efeitos de imposto sobre o rendimento (IRS) e para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), os valores constantes dos recibos emitidos em 2009 e em 2010 a O.....;

O..... não identificou qualquer cliente ou local onde M..... tenha realizado serviços de natureza agrícola;

- O..... não apresentou quaisquer documentos de controlo dos alegados serviços prestados por M....., nomeadamente os mapas de pessoal com a identificação deste, com a afectação a determinado trabalho ou local, com os dias e as horas de trabalho, com as eventuais faltas, e todos os outros elementos de controlo necessários à efectiva realização dos trabalhos solicitados pelos clientes;

- O..... sustentou que os pagamentos efectuados a M..... foram feitos em numerário ou em cheque, não existindo, em ambos os casos, prova inequívoca de que esse pagamento na realidade aconteceu ou que M..... foi o verdadeiro beneficiário;

- O..... apresentou em 2009 um montante global de custos com pessoal de € 1.370.894,44, correspondentes a 51,66% do total de custos do exercício e a 51,54% dos proveitos. Em 2010 os custos com o pessoal ascenderam a E 1.271.485,38, correspondentes a 58,24% do total de custos do exercício e a 57,95% dos proveitos. Em 2011 os custos com o pessoal ascenderam a E 1.283.010,96, correspondentes a 42,36% do total de custos do exercício e a 42,24% dos proveitos. Estes custos respeitam basicamente a trabalhadores dependentes contratados para a realização de trabalhos de natureza agrícola que constituíram o essencial da actividade naquele ano. O elevado número de trabalhadores contratados e o respectivo custo demonstram que a empresa tinha uma grande capacidade em termos de mão-de- obra para prestar os serviços que lhe eram solicitados, não sendo clara a necessidade de recorrer a prestadores de serviços externos;

- O..... apurou em 2009 um resultado líquido do exercício de € 6.183,73, correspondentes a 0,26% do valor das prestações de serviços nesse ano. Em 2010 este rácio atingiu o valor de 0,51% e em 2011 foi de 0,28%. Para uma empresa da dimensão de O..... estas margens são ínfimas, sendo inclusivamente bastante inferiores ao valor de 1,88 da mediana deste rácio calculado para o ano de 2009 pela Autoridade Tributária e aduaneira (AT) a nível nacional para empresas integradas no código 02100 da CAE, onde se enquadra, na prática, a actividade principal de O...... O reduzido valor dos rácios de O..... indicia a existência de omissão de proveitos, que não foi detectada, ou o empolamento dos custos.

Conclui-se que os serviços descritos nos recibos emitidos em 2009 e em 2010 por M..... a O..... não foram na realidade efectuados, ou seja, os referidos recibos não titulam operações reais mas apenas negócios simulados destinados a permitir a fraude e a evasão fiscal.

Assim, não é de aceitar como custo dos exercícios de 2009 e de 2010 o valor correspondente à soma das bases tributáveis dos recibos emitidos por M..... a O..... naqueles anos — € 82.770,00 em 2009 e € 131.912,79 em 2010, não sendo também de aceitar a dedutibilidade do respectivo IVA (vd. ponto 111.2).

De referir ainda que M..... também emitiu recibos a O..... no ano de 2008 tendo essa situação sido analisada no âmbito de Ordem de Serviço, em nome de O....., que incidiu apenas sobre aquele ano, conjugada com a já referida acção de inspecção que incidiu sobre M...... Concluiu-se então que este não prestou a O..... os serviços descritos nos recibos emitidos em 2008. Esta conclusão não foi objecto de contestação por parte de O....., a qual não exerceu o direito de audição relativamente ao projecto de conclusões do relatório de inspecção que lhe foi notificado.

(cfr. fls. 9/verso a 10/verso do relatório de inspeção em apenso).

E) - E fizeram constar os fundamentos da não aceitação dos documentos emitidos por M..... Unipessoal, Lda., nos seguintes termos:

III.1.1.5 FUNDAMENTOS DA NÃO ACEITAÇÃO DOS DOCUMENTOS EMITIDOS POR M....., LDA.

A sociedade M..... Unipessoal, Lda. foi constituída em Maio de 2007, tendo por. objecto, de acordo com o artigo 2.° do respectivo contrato de sociedade, o fabrico e comércio de produtos alimentares; restauração, transportes rodoviário de mercadoria em veículos automóveis com peso bruto inferior a 3,5 toneladas. Em Dezembro de 2007 o contrato de sociedade foi alterado pelo acrescento ao respectivo objecto da actividade de construção de edifícios.

A actividade, com enquadramento fiscal no regime geral de determinação do lucro tributável em sede de imposto sobre o rendimento (IR) e no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA, foi inserida em dois códigos da CAE:

— Código 041200 CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIOS (RESIDENCIAIS E NÃO RESIDENCIAIS), para a actividade principal;

- Código 056107 — RESTAURANTES N. E. (INCLUI ACT. RESTAURAÇÃO MEIOS MÓVEIS), para a actividade secundária.

O capital é detido por M....., NIF ....., que também exerce a gerência. Das facturas emitidas por M..... Unipessoal, Lda. e listadas no ponto 111.1.1.1.2 consta corno actividade exercida diversos trabalhos de natureza agrícola — espalhamento de estrume, podar e atar olival, monda, podas, plantar olival, montagem de estaleiros, colocação de herbicida,….. Embora sejam mencionados nomes de herdades onde o trabalho terá sido efectuado tal menção não é suficiente para identificar devidamente os locais em causa. A data em que tais serviços terão sido prestados também não é indicada.

O pagamento por O..... dos serviços alegadamente prestados por M.....

Unipessoal, Lda. em 2009 está suportado contabilisticamente por 62 declarações emitidas em papel timbrado de M..... Unipessoal, Lda. e supostamente, devido a assinatura ilegível, assinadas pelo respectivo gerente, onde é assumido o recebimento em numerário de € 458.800,00, transitando para 2010 uma dívida de € 225.596,00 (vd. anexo 12 — 64 fls.).

O valor em falta foi, de acordo com a contabilidade de O....., pago em 30 prestações efectuadas nos meses de Janeiro a Abril, inclusive, de 2010. Tal como em 2009 também em 2010 os pagamentos terão sido em numerário e têm como suporte declarações alegadamente assinadas pelo gerente do fornecedor (vd. anexo 13 — 31 fls.).

Questionada a sócia-gerente A..... acerca dos serviços alegadamente prestados por M..... Unipessoal, Lda. a O..... bem como acerca da forma como tinha sido efectuado o respectivo pagamento, foi-nos dito que:

- A referida sociedade foi contratado por O..... para realizar trabalhos agrícolas para os clientes da empresa;

- Além do mencionado nas facturas emitidas a O..... não existe qualquer registo dos locais ou dos clientes de O..... onde a sociedade M.....Unipessoal, Lda. efectuou serviços. Os trabalhos eram acordados telefonicamente, quer com o cliente, quer com o prestador de serviços, não sendo elaborado qualquer contrato escrito;

- O..... não tem qualquer registo do pessoal colocado por M..... Unipessoal, Lda. nem das horas de trabalho que foram pagas;

- Os pagamentos foram efectuados todos em numerário, eventualmente com a emissão por O..... de um cheque ao portador, de valor superior, descontado pela própria empresa sendo o excesso de numerário utilizado para efectuar outros pagamentos a outras entidades.

Foi ainda ouvido J....., o colaborador de O..... responsável pela organização e coordenação dos trabalhos no campo. J..... que disse conhecer M..... mas desconhecer o seu paradeiro, reiterou o declarado por A....., nomeadamente a inexistência de registos acerca do pessoal colocado por M..... Unipessoal, Lda., assim como dos locais onde os trabalhos foram prestados e que serviços foram prestados.

A sociedade M..... Unipessoal, Lda foi também alvo de acção de inspecção, que decorreu até Maio de 2013. Das diligências e contactos efectuados no âmbito dessa acção de inspecção realçam-se os seguintes aspectos:

- A sociedade, à qual nunca foi conhecida qualquer actividade relacionada com agricultura, não tem actualmente actividade, tendo M..... saído do país em 2010 com destino ao Brasil de onde é natural (vd. anexo 14 — 2 fls.). Esta saída, sem retomo conhecido, foi confirmada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e reportada a 2010/01/28, após findar a autorização de residência válida até 2010/01/13 (vd. anexo 15 — 4 fls.). Não foi portanto possível contactar com a sociedade ou o seu responsável.

- As evidências conhecidas de que M..... Unipessoal, Lda. teve actividade reportam aos anos de 2007 e 2008, apontando para a realização de trabalhos de construção civil;

- Relativamente ao ano de 2009 não foram entregues quaisquer declarações de rendimento em que M..... Unipessoal, Lda. conste como entidade pagadora / retentora de rendimentos;

- M..... Unipessoal, Lda. tem faltas declarativas desde 2008;

- Apesar dos elevados montantes facturados em 2009 não lhe são conhecidos fornecedores compatíveis com essa actividade:

- Era responsável pela contabilidade M....., NIF ....., que contactada telefonicamente indicou ter renunciado ao cargo de técnico oficial de contas (TOC) de M..... Unipessoal, Lda., situação que reportou a 2008/10/17 conforme prova que posteriormente enviou por correio electrónico, reafirmando ainda o que tinha comunicado por escrito em resposta a solicitação desta Direcção de Finanças no âmbito do processo n.° .....

- embora tenha sido TOC da empresa em causa, quando esta iniciou a sua actividade, não tenho conhecimento do paradeiro dos mesmos desde 2007 nem tenho em meu poder nenhuma documentação;

- Concluiu-se que os serviços descritos nas facturas emitidas por M..... Unipessoal, Lda. a O..... e a outros alegados clientes não foram na realidade efectuados, ou seja, as referidas facturas não titulam operações reais mas apenas negócios simulados destinados a permitir a fraude e a evasão fiscal

Considerando as conclusões expressas no ponto 111.1.1.4 decorrentes do valor dos rácios de O..... relativos aos custos com o pessoal e à rentabilidade fiscal da actividade,  considerando as conclusões da acção de inspecção que incidiu sobre a sociedade M..... Unipessoal, Lda., e considerando que:

- O..... não identificou qualquer cliente ou local onde M..... Unipessoal, Lda. tenha realizado serviços de natureza agrícola;

- O..... não apresentou quaisquer documentos de controlo dos alegados serviços prestados por M..... Unipessoal, Lda., nomeadamente os mapas de pessoal com a identificação deste, com a afectação a determinado trabalho ou local, com os dias e as horas de trabalho, com as eventuais faltas, e todos os outros elementos de controlo necessários à efectiva realização dos trabalhos solicitados pelos clientes;

- O..... sustentou que os pagamentos efectuados a M..... Unipessoal, Lda. foram feitos em numerário, não existindo, no entanto, prova inequívoca de que esse pagamento na realidade aconteceu ou que a sociedade M..... Unipessoal, Lda. foi o verdadeiro beneficiário;

- M..... saiu de Portugal em Janeiro de 2010, não existindo registo do seu regresso,  pelo que não se compreende como foram possíveis os pagamentos em numerário, contra declaração assinada pela gerência de M..... Unipessoal, Lda., ou seja, M....., tal como constam da contabilidade de O....., em datas posteriores à do registo de saída confirmado pelo SEF. Com efeito, O..... contabilizou pagamentos a M..... Unipessoal, Lda. entre Abril de 2009 e Abril de 2010, com indicação nos documentos de suporte, as declarações de recebimento alegadamente emitidas por M..... Unipessoal, Lda., de terem sido efectuados em numerário. Tendo M..... saído de Portugal em 2010/01/28 desconhece-se, e A....., a sócia-gerente de O....., também não explicou, como foi possível M..... assinar as 23 declarações de recebimento com datas entre 2010/01/30 e 2010/04/30, sendo também de notar que a rúbrica que consta dessas declarações, assim como das outras com data anterior, tenta reproduzir, sem o conseguir, a rúbrica que consta das facturas;

Conclui-se que os serviços descritos nas facturas emitidas por M..... Unipessoal, Lda. _a O..... não foram na realidade efectuados, ou seja, as referidas facturas não titulam operações reais mas apenas negócios simulados destinados a permitir a fraude e a evasão fiscal. -

Assim, não é de aceitar como custo do exercício de 2009 o valor correspondente à soma das bases tributáveis das facturas emitidas por M..... Unipessoal, Lda. a O..... naquele ano - € 567.830,00, não sendo também de aceitar a dedutibilidade do respectivo IVA (vd. ponto 111.2).

(cfr. fls. 10/verso a 12 do relatório de inspeção).

F) - E fizeram constar os fundamentos da não aceitação dos documentos emitidos por C....., Lda., nos seguintes termos:

III.1.1.6 FUNDAMENTOS DA NÃO ACEITAÇÃO DOS DOCUMENTOS EMITIDOS POR C..... UNIPESSOAL, LDA.

A sociedade C..... Unipessoal, Lda., ....., iniciou a actividade em Outubro de 2007  com enquadramento fiscal no regime geral de determinação do lucro tributável em sede de imposto sobre o rendimento (IR) e no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA. A actividade foi inserida no código 002100 — SILVICULTURA E OUTRAS ACTIVIDADES FLORESTAIS da CAE.

A sede da sociedade situa-se no concelho de Vendas Novas, na área geográfica da direcção de Finanças de Évora.

A gerência é exercida por H....., NIF ......

Das facturas emitidas por C..... Unipessoal, Lda. e listadas nos pontos 111.1.1.2.2 e 111.1.1.3.1 consta como actividade exercida diversos trabalhos de natureza agrícola — podas, colheitas, limpeza de envolventes, .... Os locais e datas de realização dos serviços não são mencionados nas facturas.

O pagamento por O..... dos serviços alegadamente prestados por C..... Unipessoal, Lda. em 2010 está suportado contabilisticamente por 13 cheques emitidos à ordem de C..... Unipessoal, Lda., no montante global de € 165.740,19 (vd. anexo 16 — 14 fls.).

Em 2011 constam da contabilidade como documentos de suporte aos pagamentos cópias de 41 cheques e duas comunicações de correio electrónico com indicação de montantes de pagamentos, também por cheque, cujo valor global ascende a € 669.213,68 (vd. anexo 17 — 36 fls.).

Questionada a sócia-gerente A..... acerca dos serviços alegadamente prestados por C..... Unipessoal, Lda. a O..... bem como acerca da forma como tinha sido efectuado o respectivo pagamento, foi-nos dito que:

- A referida sociedade foi contratado por O..... para realizar trabalhos agrícolas para os clientes da empresa;

- Além do mencionado nas facturas emitidas a O..... não existe qualquer registo dos locais ou dos clientes de O..... onde a sociedade C..... Unipessoal, Lda. efectuou serviços. Os trabalhos eram acordados telefonicamente, quer com o cliente, quer com

o prestador de serviços, não sendo elaborado qualquer contrato escrito;

- O..... não tem qualquer registo do pessoal colocado por C..... Unipessoal, Lda. nem das horas de trabalho que foram pagas;

- Os pagamentos foram efectuados através de cheque.

Foi ainda ouvido J....., o colaborador de O..... responsável pela organização e coordenação dos trabalhos no campo. J..... que disse conhecer H....., o responsável por C..... Unipessoal, Lda., mas desconhecer o seu paradeiro, reiterou o declarado por A....., nomeadamente a inexistência de registos acerca do pessoal colocado por C..... Unipessoal, Lda., assim como dos locais onde os trabalhos foram prestados e que serviços foram prestados

A sociedade C..... Unipessoal, Lda. foi também alvo de acção de inspecção, desenvolvida pela Direcção de Finanças de Évora, tendo esta solicitado autorização a O..... para aceder á informação bancária relativa aos cheques emitidos a C..... Unipessoal, Lda.. A autorização foi concedida tendo também A..... concedido autorização aos serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal para utilizar, no contexto da Ordem de Serviço a que se refere o pressente relatório, a informação obtida pala Direcção de Finanças de Évora (vd. anexo 18 — 1 fl.).

A informação facultada pelas instituições bancárias à direcção de Finanças de Évora permitiu concluir que os cheques emitidos por O..... foram levantados ao balcão, traduzindo-se na prática em pagamentos em numerário dos quais se desconhece o verdadeiro beneficiário (vd. anexo 19 — 59 fls.).

De notar que foram efectuadas diversas diligências para contactar C..... Unipessoal, Lda, ou o seu gerente H....., nomeadamente tentativas de contacto telefónico, deslocações à morada correspondente ao respectivo domicilio fiscal, deslocações a outras moradas conhecidas, tendo a Direcção de Finanças de Évora procedido também ao envio de notificações por via postal e ao contacto com o TOC inicial da sociedade. Todas as diligências se revelaram infrutíferas, não tendo portanto sido possível questionar H..... acerca dos serviços alegadamente prestados a O......

Esta dificuldade de contacto não é de estranhar tendo em conta o registo de não declarante ou de declarante de valores muito inferiores aos que estão em causa relativamente a O....., associado à falta de estruturas físicas para o exercício de qualquer actividades e à falta de relações conhecidas com outras entidades, nomeadamente fornecedores, o que necessariamente devia acontecer a uma sociedade que só para um cliente factura mais de € 800.000,00 nos anos de 2010 e 2011, indicando desta forma estarmos na presença de uma entidade destinada à mera emissão de facturas que não titulam operações reais mas apenas negócios simulados destinados a permitir a fraude e a evasão fiscal.

Esta convicção não foi de forma alguma alterada por O....., que se mostrou incapaz de demonstrar a efectiva realização dos trabalhos facturados por C..... Unipessoal, Lda., apresentando nomeadamente provas desses serviços com identificação dos locais onde foram prestados. Com efeito, O..... não identificou qualquer cliente ou local onde C..... Unipessoal, Lda., tenha realizado serviços de natureza agrícola, e não apresentou quaisquer documentos de controlo dos alegados serviços prestados por C..... Unipessoal, Lda., nomeadamente os mapas de pessoal com a identificação deste, com a afectação a determinado trabalho ou local, com os dias e as horas de trabalho, com as eventuais faltas, e todos os outros elementos de controlo necessários à efectiva realização dos trabalhos solicitados pelos clientes. Acresce ainda que não existe prova inequívoca de que a sociedade C..... Unipessoal, Lda. foi na realidade o verdadeiro beneficiário dos montantes constantes dos cheques emitidos por O......

As conclusões expressas no ponto 111.1.1.4 decorrentes do valor dos rácios de O..... relativos aos custos com o pessoal e à rentabilidade fiscal da actividade são também relevantes na fundamentação aplicável à não aceitação dos documentos emitidos por C..... Unipessoal, Lda..

Conclui-se portanto que os serviços descritos nas facturas emitidas por C..... Unipessoal, Lda., a O..... não foram na realidade efectuados, ou seja, as referidas facturas não titulam operações reais mas apenas negócios simulados destinados a permitir a fraude e a evasão fiscal.

Assim, não são de aceitar como custo dos exercícios de 2010 e de 2011 o valor correspondente à soma das bases tributáveis das facturas emitidas por C..... Unipessoal, Lda. a O..... naqueles anos — € 137.812,14 em 2010 e € 561 634,80 em 2011, não sendo também de aceitar a dedutibilidade do respectivo IVA (vd. ponto 111.2).

(cfr. fls. 12 e 12/verso do relatório de inspecção).

G) - Em 10/03/2014 foi apresentada no Serviço de Finanças de Montijo reclamação graciosa contra as liquidações de IRC de 2009, 2010 e 2011 como consta de fls. 28/41 do processo administrativo em apenso.

H) - Em 02/04/2014 foi elaborada informação no sentido do indeferimento da reclamação tendo sido considerado como projeto de decisão pelo despacho de 04/04/2014 (cfr. fls. 48/62 do apenso).

I) - Em 30/04/2014 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa como consta de fls. 69 do apenso.

J) - Em 12/05/2014 foi a ora impugnante notificada da decisão mencionada na alínea anterior (cfr. fls. 68 e assinatura do aviso de receção de fls. 69 do apenso).

K) - Em 29/05/2014 foi apresentado junto do Serviço de Finanças do Montijo o recurso hierárquico contra a decisão mencionada em I) (cfr. fls. 72/86 do apenso).

L) - Em 09/06/2014 foi proferido pela Subdiretora de Serviços de IRC, despacho de indeferimento do recurso hierárquico (cfr. fls. 108/117 do apenso).

M) - Em 08/07/2015 foi a ora impugnante notificada do despacho mencionado na alínea anterior (cfr. fls. 119 e assinatura do aviso de receção de fls. 120 do apenso).

N)- Em 08/10/2015 deu entrada neste tribunal a petição de impugnação judicial (cfr. fls. 1 dos autos).

O) - A O..... tinha um acréscimo de trabalho agrícola, de caráter sazonal, desde finais de Agosto até ao final do ano, nas vindimas, nas podas de oliveiras e seleção de varas dos eucaliptos (cfr. depoimento da 1° testemunha).

P) - Na atividade agrícola é habitual fazer-se pagamentos em dinheiro (cfr. depoimento das testemunhas).

Q)- O sr. M..... colocava pessoal e equipamento (tesouras elétricas e motosserras) em trabalhos agrícolas (cfr. depoimento das testemunhas).”


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No que respeita a factos não provados, refere a sentença o seguinte:

Não se mostra provado que os trabalhos tenham sido realizados e os montantes constantes dos recibos emitidos por M..... tenham sido pagos como veremos de seguida.

Da prova testemunhal produzida nos presentes autos o tribunal considera como provados apenas os factos constantes do probatório supra. Na verdade tendo em consideração os factos constantes do relatório de inspeção bem como os depoimentos produzidos, o tribunal não ficou convicto que todos os trabalhos constantes dos recibos emitidos por M..... e que os valores neles constantes tenham sido efetivamente realizados. Foi referido pela 1° testemunha o acréscimo de trabalho agrícola no período compreendido entre Agosto e o final do ano, quer seja com a realização de vindimas, com a poda de olivais e com a seleção de varas nos eucaliptos. Mais mencionou que esse acréscimo de trabalho implicava a necessidade de angariação de mais pessoal. Todas as testemunhas referiram que os pagamentos dos trabalhos agrícolas realizados eram feitos a dinheiro, tendo a 3° testemunha mencionado que o pagamento era feito

semanalmente, e com acertos quinzenais.

Todas as testemunhas afirmaram que M..... colocou trabalhadores agrícolas e cedeu equipamento em trabalhos agrícolas (facto dado como provado), contudo, o tribunal já não ficou convicto de que todos os trabalhos e valores mencionados nos recibos emitidos por M..... tivessem sido efetuados.

Vejamos.

Os recibos emitidos e constantes do anexo 1 ao relatório de inspeção a fls. 29/33 são sequenciais, o que evidencia que o único cliente seria a O....., não existindo contrato escrito de prestação de serviços, os trabalhos realizados (poda, apanha de uva e seleção de varas) apenas estão titulados por aqueles recibos, sendo que estes não identificam nem diferenciam o local onde esses trabalhos foram realizados, não se encontrando justificada a razão pela qual são emitidos à O..... dois recibos (com numeração sequencial) com a mesma data, com o mesmo montante e com a mesma indicação de trabalho, vejam-se a título de exemplo os recibos de fls. 29/verso, de fls. 30, de fls. 30/verso e fls. 31/verso. Por outro lado, sendo os pagamentos feitos em dinheiro, significaria que a O..... teria pago a M..... sempre em dinheiro designadamente, os seguintes montantes: em 19/09/2008 - € 11.011,00, em 25/09/2008 - € 15.400,00, em 30/09/2008 - € 15.400,00, em 10/10/2008 - € 17.600,00, em 17/10/2008 - € 15.730,00, em 24/10/2008 - € 17.160,00 e em 31/10/2008 - € 8.250,00, o que, segundo as regras da experiência e atendendo que a ora impugnante é uma sociedade com contabilidade organizada, não se afigura plausível o pagamento em dinheiro de montantes tão elevados e num período temporal tão curto.

Cabia à impugnante a prova da veracidade das operações tituladas pelos recibos emitidos por M..... e não aceites pela administração tributária, sendo certo que em concreto a impugnante não logrou provar a materialidade das operações económicas subjacentes a tais recibos, não existia contrato escrito, não se sabendo as condições acordadas, valor da prestação, quantidades de serviços prestados, duração do serviço e preços praticados.

Ora os recibos que estão em causa, e as duas declarações emitidas pela impugnante a fls. 33/verso e 34 do relatório, por si só não conseguem comprovar a realidade que se pretende demonstrar, impondo-se provar o processo a montante, isto é, o que foi acordado entre as partes, as condições fixadas, os serviços a prestar e o preço a pagar, sendo que da prova testemunhal produzida não resultou provado os serviços em concreto titulados pelos recibos em apreço.

Em relação a M..... Unipessoal, Lda e C..... Unipessoal, Lda., a impugnante não logrou provar a veracidade das operações tituladas nos recibos emitidos por estas sociedades, sendo certo que a impugnante não manifestou qualquer desacordo com o aproveitamento da prova testemunhal.”


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A convicção do Tribunal assentou na prova documental e testemunhal produzida, conforme indicado na factualidade dada como provada.

 


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II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente impugnação improcedente e, consequentemente, manteve os actos impugnados, tendo concluído «serem improcedentes todos os fundamentos invocados pela impugnante pelo que as liquidações ora impugnadas bem como as correcções efetuadas pela administração tributária não padecem de qualquer dos vícios invocados pela impugnante, devendo manter-se.»

Inconformada, a impugnante, veio interpor recurso da referida decisão alegando que O julgador porém tinha ao seu dispor provas que impunham uma decisão diversa da exarada em sentença, pelo Tribunal “a quo”. [conclusão de recurso A] e mais adiante As testemunhas, ao contrário da valoração feita pela sentença identificaram as obras e os nomes das sociedades, tendo ficado provado nos factos dados como provados, que a recorrente “tinha um acréscimo de trabalho agrícola de caráter sazonal desde finais de Agosto até ao final do ano, nas vindimas, nas podas de oliveiras e seleção de varas dos eucaliptos” (Ponto P). [conclusão de recurso L] e ainda Os factos dados como provados nos pontos P, Q e R, conjugados com a prova de que a recorrente não tinha capacidade de meios técnicos e humanos para fazer face a estes períodos anormais de trabalho e que por isso recorria à subcontratação. [conclusão de recurso X]

Antes de mais, importa realçar que a Recorrente não procede à impugnação da matéria de facto, limitando-se a referir de forma absolutamente genérica que “O julgador porém tinha ao seu dispor provas que impunham uma decisão diversa da exarada em sentença, pelo Tribunal “a quo” e que «As testemunhas, ao contrário da valoração feita pela sentença identificaram as obras e os nomes das sociedades, tendo ficado provado nos factos dados como provados, que a recorrente “tinha um acréscimo de trabalho agrícola de caráter sazonal desde finais de Agosto até ao final do ano, nas vindimas, nas podas de oliveiras e seleção de varas dos eucaliptos” (Ponto P) e ainda «Os factos dados como provados nos pontos P, Q e R, conjugados com a prova de que a recorrente não tinha capacidade de meios técnicos e humanos para fazer face a estes períodos anormais de trabalho e que por isso recorria à subcontratação.»

Ora, tendo presente a disciplina constante no artigo 640.º do CPC quanto à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto não são permitidos, recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo.

Assim, o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objecto do recurso. Do mesmo modo, também não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados.

Vem, assim, a recorrente alegar que se verificou uma errada valoração da prova produzida e considerada assente, pelo que parece discordar das ilações retiradas do julgamento de facto sem, no entanto, impugnar a matéria de facto.

Vejamos.

«Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).»[1]

Deste modo, não tendo a recorrente impugnado a matéria de facto, mas apenas suscitado a errada valoração da prova e uma vez que, como supra vimos, a valoração da prova testemunhal assenta na livre apreciação da prova, sendo que o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas.

Por outro lado, a convicção formada a partir da globalidade dos meios de prova é de difícil destruição, sobretudo ao pretender-se pô-la em crise através de indicações parcelares ou referências genéricas.

Deste modo, não vislumbramos que a prova tenha sido erradamente valorada, para o efeito atente-se na motivação que sustenta cada um dos factos dados como assentes, assim como na convicção do tribunal a quo.

Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.

Assim, estabilizada que está a matéria de facto dos autos, importa, então, aferir se a decisão recorrida fez uma incorrecta interpretação dos artigos 74º e 75º da LGT, bem como das regras de repartição do ónus da prova.

Em sede de procedimento administrativo tributário incumbe à Administração Tributária a prova dos factos constitutivos do acto administrativo, ou seja, cumpre à entidade fiscalizadora aquilatar e indagar sobre a verificação do facto tributável e demais elementos pertinentes à liquidação do imposto, porquanto, o procedimento só pode produzir uma liquidação em sentido estrito quando, face aos elementos apurados, estiver adquirida a plena convicção da existência e conteúdo do facto tributário.

De resto, tal conclusão resulta evidente em face do princípio da verdade material, ínsito nos artigos. 50.º, do CPPT e 58.º, n.º 1, da LGT.

Com efeito, o contribuinte goza da presunção de verdade da sua declaração, nos termos consignados no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, logo compete à Administração Tributária o ónus da prova dos pressupostos legais da sua atuação, in casu a demonstração de que os indícios por si recolhidos no decurso da ação inspetiva são sérios e suficientes para concluir pela inexistência ou simulação de uma relação económica que sustente as faturas em apreço.

Nessa medida, tem a Administração Tributária o dever de averiguar e reunir indícios conducentes ao afastamento da declaração apresentada pelo contribuinte, ou melhor, “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém diretamente, mas indiretamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova”.[2]

De sublinhar, neste particular, que não é exigível que a Administração Tributária efectue uma prova direta da simulação, pelo que cumprindo a Administração Tributária aquele ónus e ilidindo, desse modo, a presunção de veracidade da declaração do sujeito passivo consagrada no referido artigo 74.º, n.º 1 da LGT, passa a competir, por seu turno, a este último o ónus da prova da realidade subjacente à fatura, infirmando os indícios recolhidos pela entidade fiscalizadora. [3]

Uma vez analisada a questão da repartição do ónus da prova, importa transpor o direito para o caso em apreço.

Ao longo de todo o recurso vem a recorrente realçar que a acção inspectiva se realizou quatro anos mais tarde em relação aos factos com relevência tributária, e que por via desse hiato temporal, não foi possível em acção inspectiva e em rigor confirmar se existiam estruturas físicas, activo imobilizado ou existências que possibilitassem capacidade às empresas emitentes para prestar os serviços descritos nas facturas. Mais invoca que a sentença recorrida não teve em linha de conta esta realidade de fundo, e que o tempo entre factos e inspecção deveria ter sido valorado positiva e decisivamente, mas nada a esse respeito se subscreve na sentença recorrida. E ainda que a recorrida que só 4 anos depois inicia a inspecção, não pode eleger como factos indíce realidades não contemporâneas [conclusões de recurso B, C, F e Z].

Vejamos.

Com o devido respeito, estas alegações da recorrente não fazem grande sentido. O normal e usual é as acções inspectivas não serem contemporâneas dos factos com relevância tributária.

Por outro lado, se a recorrente considera que por via desse hiato temporal, não foi possível em acção inspectiva e em rigor confirmar se existiam estruturas físicas, activo imobilizado ou existências que possibilitassem capacidade às empresas emitentes para prestar os serviços descritos nas facturas, tinha oportunidade de infirmar os indícios recolhidos pela entidade inspectiva, uma vez que, como supra vimos, lhe passou a competir o ónus da prova da realidade subjacente às facturas, o que, adiante-se, não conseguiu fazer.

Cumpre, ainda, referir, que a sentença recorrida não tinha que responder a todos os argumentos apresentados pela impugnante. Nesse sentido veja-se o Acórdão do TCAN de 28/09/2017, Proc.
01122/04.4BEVIS, disponível em
www.dgsi.pt, onde se pode ler o seguinte excerto:

«Assim, embora o julgador não tenha que analisar todas as razões ou argumentos que cada parte invoca para sustentar o seu ponto de vista, incumbe-lhe a obrigação de apreciar e resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, isto é, todos os problemas concretos que haja sido chamado a resolver no quadro do litígio (tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as eventuais excepções invocadas), ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. E questão, para este efeito (contencioso tributário), é tudo aquilo que é susceptível de caracterizar um vício, uma ilegalidade do acto tributário impugnado.

Por outro lado, cabe notar que deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se é diferente de deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte, na medida em que quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista, sendo essencial é que o tribunal decida a questão posta, não tendo que analisar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão, ou seja, o julgador não tem que analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições, apenas tem que resolver as questões que por aquelas lhe tenham sido postas, o que significa que só haverá nulidade da sentença por omissão de pronúncia, quando o julgador não tiver conhecido de questões que aquelas submeteram à sua apreciação.»

Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.

Importa, agora, apreciar se a AT reuniu, ou não, os elementos necessários para legitimar a sua atuação, ou seja, se foram recolhidos indícios bastantes que permitam concluir pela eventual simulação das operações materiais subjacentes às faturas e recibos emitidos pelos fornecedores em causa.

Para tal, iremos convocar o teor do RIT, uma vez que é aqui que se encontra vertida a argumentação aduzida pela AT para sustentar as correções em referência.

Quanto ao fornecedor M..... concluiu a AT o seguinte:

Assim, considerando que:

- M..... exerceu nos anos de 2009 e 2010 a atividade de padeiro na qualidade de trabalhador dependente e não demonstrou possuir qualquer estrutura organizada que lhe permitisse efectuar a contratação de pessoal para a realização de trabalhos agrícolas, respetiva organização e colocação em locais de trabalho distantes do seu local de residência;

- Excetuando a menção a um primo identificado apenas pelo nome de A....., M..... não foi capaz de identificar qualquer trabalhador por ele contratado para prestar serviços de natureza agrícola a O.....;

- M..... não foi capaz de identificar qualquer local onde tenha prestado serviços de natureza agrícola para O.....;

- M..... não foi capaz de identificar qualquer cliente de O..... para o qual tenha sido contratado para efetuar trabalhos agrícolas;

- M..... não foi capaz de demonstrar que recebeu efetivamente os montantes constantes dos recibos emitidos a O....., tendo inclusivamente declarado que os poucos cheques que foram emitidos à sua ordem não foram depositados mas convertidos em numerário por desconto ao balcão da instituição bancária;

- M..... não apresentou qualquer prova do pagamento de valores a eventuais trabalhadores por ele contratados;

- M..... declarou que para a prestação de serviços a O..... tinha como único gasto as despesas de transporte, nomeadamente o combustível, não tendo no entanto apresentado qualquer comprovativo da realização dessas despesas;

- M..... não declarou, para efeitos de imposto sobre o rendimento (IRS) e para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado (IVA), os valores constantes dos recibos emitidos em 2008 a O.....;

- O..... não identificou qualquer cliente ou local onde M..... tenha realizado serviços de natureza agrícola;

- O..... não apresentou quaisquer documentos de controlo dos alegados serviços prestados por M....., nomeadamente os mapas de pessoal com a identificação deste, com a afetação a determinado trabalho ou local, com os dias e as horas de trabalho, com as eventuais faltas, e todos os outros elementos de controlo necessários à efetiva realização dos trabalhos solicitados pelos clientes;

- O..... sustentou que os pagamentos efetuados a M..... foram feitos em numerário ou em cheque, não existindo, em ambos os casos, prova inequívoca de que esse pagamento na realidade aconteceu ou que M..... foi o verdadeiro beneficiário;

- O..... apresentou em 2009 um montante global de custos com pessoal de € 1.370.894,44, correspondentes a 51,66% do total de custos do exercício e a 51,54% dos proveitos. Em 2010 os custos com o pessoal ascenderam a € 1.271.485,38, correspondentes a 58,24% do total dos custos do exercício e a 57,95% dos proveitos. Em 2011 os custos com o pessoal ascenderam a € 1.283.010,96, correspondentes a 42,36% do total de custos do exercício e a 42,24% dos proveitos. Estes custos respeitam basicamente a trabalhadores dependentes contratados para a realização de trabalhos de natureza agrícola que constituíram o essencial da atividade naquele ano. O elevado número de trabalhadores contratados e o respetivo custo demonstram que a empresa tinha uma grande capacidade em termos de mão-de-obra para prestar os serviços que lhe eram solicitados, não sendo clara a necessidade de recorrer a prestadores de serviços externos;

- O..... apurou em 2009 um resultado líquido do exercício de € 6.183,73, correspondentes a 0,26% do valor das prestações de serviços nesse ano. Em 2010 este rácio atingiu o valor de 0,51% e em 2011 foi de 0,28%. Para uma empresa da dimensão de O..... estas margens são ínfimas (…). O reduzido valor dos rácios de O..... indicia a existência de omissão de proveitos, que não foi detectada, ou o empolamento dos custos.

Conclui-se que os serviços descritos nos recibos emitidos em 2009 e em 2010 por M..... a O..... não foram na realidade efetuados, ou seja, os referidos recibos não titulam operações reais mas apenas negócios simulados destinados a permitir a fraude e a evasão fiscal.

(…)

De referir ainda que M..... também emitiu recibos a O..... no ano de 2008 tendo essa situação sido analisada no âmbito da Ordem de Serviço, em nome de O....., que incidiu apenas sobre aquele ano, conjugada com a referida acção de inspecção que incidiu sobre M...... Concluiu-se então que este não prestou à O..... os serviços descritos nos recibos emitidos em 2008 (…)” – cf. ponto D. dos factos provados;

Relativamente ao fornecedor M..... Unipessoal Lda. é referido o seguinte no RIT:

O pagamento por O..... dos serviços alegadamente prestados por M..... Unipessoal Lda. em 2009 está suportado contabilisticamente por 62 declarações emitidas em papel timbrado de M..... Unipessoal Lda. e supostamente, devido a assinatura ilegível, assinadas pelo respectivo gerente, onde é assumido o recebimento em numerário de € 458.800,00, transitando para 2010 uma dívida de € 225.596,00 (vd. anexo 12 – 64 fls.).

O valor em falta foi, de acordo com a contabilidade da O....., pago em 30 prestações efectuadas nos meses de Janeiro a Abril, inclusive, de 2010. Tal como em 2009 também em 2010 os pagamentos terão sido efectuados em numerário e têm como suporte declarações alegadamente assinada pelo gerente do fornecedor (vd. anexo 13 – 31 fls.).

(…)

A sociedade M..... Unipessoal Lda. foi também alvo de acção de inspecção, que decorreu até Maio de 2013. Das diligências e contactos efectuados no âmbito dessa acção de inspecção realçam-se os seguintes aspectos:

- A sociedade, à qual nunca foi conhecida qualquer actividade relacionada com a agricultura, não tem actualmente actividade, tendo M..... saído do país em 2010 com destino ao Brasil, de onde é natural.

- As evidências conhecidas de que M..... Unipessoal Lda. teve actividade reportam aos anos de 2007 e 2008, apontando para a realização de trabalhos de construção civil;

(…)

- Apesar dos elevados montantes facturados em 2009 não lhe são conhecidos fornecedores compatíveis com essa actividade;

(…)

Considerando as conclusões expressas no ponto III.1.1.4 decorrentes do valor dos rácios de O..... relativos aos custos com o pessoal e à rentabilidade fiscal da actividade, considerando as conclusões da acção de inspecção que incidiu sobre M..... Unipessoal Lda., e considerando que:

- a O..... não identificou qualquer cliente ou local onde M..... Unipessoal Lda. tenha realizado serviços de natureza agrícola;

- a O..... não apresentou quaisquer documentos de controlo dos alegados serviços prestados por M..... Unipessoal Lda., nomeadamente mapas de pessoal com a identificação deste, com a afectação a determinado trabalho ou local, com os dias e as horas de trabalho, com as eventuais faltas, e todos os outros elementos de controlo necessários à efetiva realização dos trabalhos solicitados pelos clientes;

- a O..... sustentou que os pagamentos efectuados a M..... Unipessoal Lda. foram feitos em numerário, não existindo, no entanto, prova inequívoca de que esse pagamento na realidade aconteceu ou que a sociedade M..... Unipessoal Lda. foi o verdadeiro beneficiário;

- M..... saiu de Portugal em 2010, não existindo registo do seu regresso, pelo que não se compreende como foram possíveis os pagamentos em numerário, contra declaração assinada pela gerência de M..... Unipessoal Lda. (…);

Conclui-se que os serviços descritos nas facturas emitidas por M..... Unipessoal Lda. a O..... não foram na realidade efectuados, ou seja, as referidas facturas não titulam operações reais mas apenas negócios simulados destinados a permitir fraude e a evasão fiscal.

(…)” – cf. ponto E. dos factos provados;

E quanto ao fornecedor C..... Unipessoal, Lda. é avançada pela AT a seguinte argumentação:

O pagamento por O..... dos serviços alegadamente prestados por C..... Unipessoal, Lda. em 2010 está suportado contabilisticamente por 13 cheques emitidos à ordem de C..... Unipessoal, Lda. no montante global de € 165.740,19 (vd. anexo 16 – 4 fls.).

Em 2011 constam da contabilidade como documentos de suporte aos pagamentos cópias de 41 cheques e duas comunicações de correio electrónico com indicação de montantes de pagamentos, também por cheque, cujo valor global ascende a € 669.213,19 (vd. anexo 17 – 36 fls.).

(…)

A sociedade C..... Unipessoal, Lda. foi também alvo de acção de inspecção (…)

A informação facultada pelas instituições bancárias à direcção de Finanças de Évora permitiu concluir que os cheques emitidos por O..... foram levantados ao balcão, traduzindo-se na prática em pagamentos em numerário dos quais se desconhece o verdadeiro beneficiário (vd. anexo 19 – 59 fls.).

(…)

Esta dificuldade de contacto não é de estranhar tendo em conta o registo de não declarante ou de declarante de valores muito inferiores aos que estão em causa relativamente a O....., associado à falta de estruturas físicas para o exercício de qualquer actividades e à falta de relações conhecidas com outras entidades, nomeadamente fornecedores, o que necessariamente devia acontecer a uma sociedade que só para um cliente factura mais de € 800.000,00 nos anos de 2010 e 2011, indicando desta forma estarmos na presença de uma entidade destinada à mera emissão de facturas que não titulam operações reais mas apenas negócios simulados destinados a permitir a fraude e a evasão fiscal.

Esta convicção não foi de forma alguma alterada por O....., que se mostrou incapaz de demonstrar a efectiva realização dos trabalhos efectuados por C..... Unipessoal, Lda., apresentando prova desses serviços com identificação dos locais onde foram prestados. Com efeito, O..... não identificou qualquer cliente ou local onde C.....Unipessoal, Lda. tenha realizado serviços de natureza agrícola, e não apresentou quaisquer documentos de controlo dos alegados serviços prestados por C..... Unipessoal, Lda., nomeadamente os mapas de pessoal com a identificação deste, com a afectação a determinado trabalho ou local, com os dias e as horas de trabalho, com as eventuais faltas, e todos os outros elementos de controlo necessários à efectiva realização dos trabalhos solicitados pelos clientes. Acresce ainda que não existe prova inequívoca de que a sociedade C..... Unipessoal, Lda. foi na realidade o verdadeiro beneficiário dos montantes constantes dos cheques emitidos por O......

(…)

Conclui-se que os serviços descritos nas facturas emitidas C..... Unipessoal, Lda. a O..... não foram na realidade efectuados, ou seja, as referidas facturas não titulam operações reais mas apenas negócios simulados destinados a permitir fraude e a evasão fiscal.” – cf. ponto F) dos factos provados.

Resulta, assim, claro e inequívoco que a AT reuniu indícios com força suficiente no sentido que as operações tituladas pelas faturas e recibos emitidos pelos fornecedores em causa podem ser simuladas.

Assim, e tal como se escreveu na sentença recorrida:

«Como resultou do probatório no âmbito da ação de inspeção a administração tributária não aceitou como custos do exercício de 2009, 2010 e 2011 da ora impugnante os montantes de € 650.600,00, € 269.724,93 e € 561.634,80 respectivamente, face aos elementos recolhidos que permitiram concluir que os serviços mencionados nos recibos emitidos por M.....o, M..... Unipessoal, Lda., e C..... Unipessoal, Lda., não foram realizados.

Na verdade a administração tributária recolheu indícios suficientes para desconsiderar tais recibos como resulta do elenco de diligências e factos recolhidos e melhor enunciados nas alíneas D), E) e F) do probatório.

Tendo a administração tributária recolhido prova suficiente que traduz uma elevada probabilidade de que tais operações não eram reais, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos elementos constantes da sua contabilidade vertida no art. 75° da Lei Geral Tributária.»

Cabia, pois, à impugnante, ora recorrente, o ónus da prova da veracidade das operações em causa, o que não conseguiu fazer.

Ao invés, vem, agora, em sede de recurso procurar inverter o ónus da prova.

Na conclusão de recurso D) vem alegar que a inspecção tributária não procurou os emitentes das facturas. Ora, basta ler o RIT para se concluir que tal alegação não corresponde à verdade.

O fornecedor M..... não só foi contactado, como foi ouvido no âmbito da acção de inspecção, cfr. al. D) do probatório.

Quanto a M..... saiu de Portugal em 2010 (registo de saída confirmado pelo SEF), não existindo registo do seu regresso, sendo esse até um dos motivos que levou a AT a não compreender como foram possíveis os pagamentos em numerário contra declaração assinada pelo mesmo, em datas posteriores à sua saída, cfr. alínea E) do probatório.

Quanto à C..... Unipessoal, Lda., foram efectuadas diversas diligências, mas todas as tentativas de contacto foram infrutíferas, as também realizadas na pessoa do seu gerente H....., cfr. alínea F) do probatório.

Na conclusão de recurso H) vem a recorrente alegar que O ónus impendia sobre quem inspeccionou, já que o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e a própria LGT, contém instrumentos que facilmente permitem a obtenção destes elementos bancários, em mais uma tentativa de inversão do ónus da prova.

Ora, conforme já referimos, cabia, pois, à impugnante, ora recorrente, o ónus da prova pelo que poderia e deveria a mesma ter apresentado os referidos elementos bancários.

Pelo que improcedem as presentes alegações.

Nas conclusões de recurso E) e J) vem a recorrente invocar que Na data dos factos a AT não disponibilizava uma aplicação informática de despistagem dos emitentes de risco, não sendo possível à utilizadora e ora recorrente, saber que constavam da grelha da AT como não declarantes. A jurisprudência dos Tribunais Superiores, concretamente do TCA – Sul vg. Acórdão de 16/12/2004 exarado no Recurso 00272/04 fixou jurisprudência, não aceitando que se possam considerar falsas facturas, quando os emitentes estão indicados noutros processos, ou não cumprem as obrigações acessórias declarativas. A decisão que, no entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas é destrinçada por emitentes.

Segundo julgamos perceber, a recorrente vem alegar que não tinha como fazer a despistagem dos emitentes de risco e saber se os mesmos eram não declarantes.

Vejamos.

Os indícios recolhidos com relação à pessoa dos emitentes apontam prima facie para a falta de credibilidade dos mesmos como reais e efectivos fornecedores/prestadores dos serviços facturados, pelas razões supra descritas.

Todavia e como já se tem salientado em anteriores arestos, nomeadamente no Acórdão do TCAN, de 21/12/2016, tirado no proc.º00477/09.9BEPNF, «da circunstância de um sujeito passivo se dedicar à emissão de facturas falsas, não pode concluir-se, sem mais, que não exerça simultaneamente a actividade para que está colectado (no caso dos emitentes, a de construção). Daí a necessidade, também, da recolha de indícios, seguros e credíveis, centrados na relação concreta por ele estabelecida com o utilizador, de modo a poder estabelecer-se algum nexo entre a actividade ilícita do emitente e as operações facturadas ao utilizador. Porque, o que verdadeiramente importa apurar é se os serviços facturados foram efectivamente prestados pelo emitente, independentemente do incumprimento generalizado das obrigações legais e fiscais (art.º31.º, n.ºs 1 e 2 da LGT) a que ele está vinculado no exercício da actividade prestadora.
Serve isto para dizer que um sujeito passivo pode não ter assalariados inscritos na segurança social, não reter e/ ou não entregar ao Estado o imposto sobre remunerações pagas, nem declarar à AT operações com terceiros fornecedores de bens e serviços (…), sem que isso represente de per si um indício forte da irrealidade das operações facturadas, sendo certo que a capacidade empresarial do emitente nem sempre poderá ser apreendida e medida a partir da sua estrutura de custos declarada (com assalariados e operações com terceiros), bastando pensar, no sector da construção civil, na recorrente situação de alocação de trabalho indiferenciado com recurso a mão-de-obra clandestina.

De resto, nem a AT é tão temerária que conclua pela falsidade das facturas só porque emitidas por sujeito passivo sem adequada estrutura de custos declarada para a realização dos serviços facturados, e/ou por se tratar de sujeito passivo que não cumpre as obrigações fiscais a que está vinculado e nisso esgote a sua actividade investigatória»

Aqui chegados, também no caso dos presentes autos, não se concluiu pela falsidade das facturas só porque os fornecedores eram emitentes de risco ou só porque os fornecedores não cumpriam as suas obrigações declarativas.

Tendo em conta os indícios recolhidos pela AT quanto à simulação das operações em referência, incumbia à impugnante/recorrente ter alegado e provado factos que demonstrassem a sua veracidade, o que poderia ser alcançado com a descrição da relação comercial que estabeleceu com os fornecedores, quando, como e onde se iniciou, como eram feitos cada um dos contactos, em que consistiam as prestações, como eram quantificadas e estabelecido o preço, como e onde eram feitas as prestações e quaisquer outras particularidades do negócio, tornando possível comprovar a existência de uma relação comercial efetiva e subjacente entre a Impugnante e estes fornecedores. Contudo, nada logrou provar a este respeito.

Na conclusão de recurso G) vem a recorrente alegar que São várias as situações em que se exibiram cheques, exibidos em frente e verso dos cheques, comprovando as transacções entre a recorrente e os emitentes. No entanto, mais uma vez, nada concretiza, limitando-se a meras alegações genéricas, sem qualquer concretização quanto às situações, quer quanto aos cheques a que se refere.

Por outro lado, a impugnante não logrou produzir prova no sentido de demonstrar, ainda que minimamente, que os fornecedores em causa detinham os meios humanos e técnicos necessários para prestar os serviços titulados pelos recibos e faturas emitidos.

E também não demonstrou a Impugnante, ainda que com a colaboração dos fornecedores, que estes receberam efetivamente o preço dos serviços indicado nas faturas e recibos emitidos.

A verdade, e em suma, é que a impugnante, perante os fortes indícios recolhidos pela AT, e que se encontram vertidos nos RIT, para fundamentar a sua conclusão quanto à simulação das transações em apreço, não conseguiu produzir prova, documental ou testemunhal, que permita, de alguma forma, comprovar a sua tese de que os serviços foram realmente prestados.

«Assim sendo, e na medida em que a ora Recorrida não fez prova da veracidade das transacções em causa, aqui, tal como foi assumido pela AT, só podemos apontar e aceitar o procedimento de desconsiderar os custos correspondentes aos montantes inscritos nas facturas reputadas “falsas”, na medida em que os mesmos, pura e simplesmente, não foram suportados, pagos, pela impugnante, na medida em que só desta forma, se concretiza e respeita, nomeadamente, a exigência legal de só se poderem considerar custos ou perdas “os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora …” - cfr. art. 23º nº 1 do CIRC.»[4]

Termos em que improcede na totalidade o presente recurso e se mantém a sentença recorrida.


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Uma pequena nota final relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP, tendo em consideração que o valor da causa foi fixado em € 502.638,72.

No caso concreto, ponderado o comportamento processual das partes litigantes, a complexidade do processo, e atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, consideramos ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

Registe e notifique.

Notifique, também, o Juízo de Instrução Criminal do Barreiro, Proc. 297/13.6IDSTB (fls. 64/65).


                                                             Lisboa, 16 de Dezembro de 2020

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                       [Lurdes Toscano]

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                 [Maria Cardoso]

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                [Catarina Almeida e Sousa]   


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[1] Acórdão do TCAS de 10/07/2015, Proc. 08473/15, disponível em www.dgsi.pt
[2] Cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Ato Tributário, pág. 154.
[3] Acórdão do TCAN, Processo n.º 00171/06.2BEBRG, de 20 de dezembro de 2011, disponível em www.dgsi.pt
[4] Acórdão do TCAS de 04/06/2013, Proc. 06478/13, disponível em www.dgsi.pt