Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03460/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/23/2010
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IVA
PRINCÍPIO “TEMPUS REGIT ACTUM”
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DAS INFORMAÇÕES OFICIAIS
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
IGUALDADE DE ARMAS
NULIDADES PROCESSUAIS
Sumário:I) -A data da prática do acto processual determina o regime adjectivo que o que o rege, o mesmo é dizer que a presente impugnação se afere pela lei vigorante ao tempo da prática do acto; estamos, pois, no domínio do princípio “tempus regit actum” por força do qual o CPT se aplica à presente acção.
II)- Só a falta das informações oficiais contempladas nas als. b) e c) constitui nulidade insanável conforme dispõe a al. b) do nº 1 do artº 119º do CPT cuja enumeração é taxativa, pelo que a nulidade arguida pelo recorrente – falta de notificação de tais informações - reveste a natureza de nulidade relativa ou secundária.
III) Logo que juntas as informações oficiais a impugnante tem de ser notificada da sua junção (art. 134° n°3), notificação essa que teria de ser efectuada na repartição de finanças, sendo a partir dessa notificação que a impugnante podia não só arguir a respectiva falsidade (arts. 360.° e 526.° do CPC), como dispunha do prazo de 15 dias para requerer arbitramento (art. 135° n°2) .
IV) -O facto dessa notificação não ter sido feita na repartição de finanças, nada impede o tribunal de efectuá-la, quando o processo para aí for remetido e for detectada essa omissão, valendo aqui o princípio geral de que, salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas, como resulta, mormente, dos art. 137° n° 2 do CPT e, também, do artº 517° do CPC, aplicável ex vi do artº 2º al. f) do CPT.
V) É por respeito do princípio do contraditório que o nº 3 do artº 134º do CPT impõe a necessidade de todas as informações oficiais juntas ao processo serem notificadas ao impugnante, necessidade também imposta pelo disposto no artº526.° do citado Código, na medida em que tais informações oficiais constam, obviamente, de documento (relatório).
VI) O artigo 3°, n° 3, do Código de Processo Civil é plenamente aplicável em processo judicial tributário e tem como finalidade declarada evitar, proibindo-as, as denominadas decisões - surpresa, sendo que a decisão recorrida constitui, precisamente, uma decisão - surpresa.
VII) A igualdade de armas implica a obrigação de oferecer a cada parte a possibilidade de apresentar a sua causa, incluindo as suas provas, em condições que a não coloquem em situação de nítida desvantagem em relação ao seu adversário.
VIII) -As nulidades processuais que tenham sido cometidas antes de proferida a sentença, mas por esta sancionadas, ainda que de modo implícito, se apenas conhecidas pelo interessado depois da sentença, devem ser arguidas no recurso interposto desta, desde que seja recorrível, pois é o recurso o meio processual adequado para reagir e de conhecer aquela nulidade, quando não ocorre nenhuma situação das previstas no artº 205º do CPC que a haja sanado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam nesta Secção do Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul:

I-RELATÓRIO
I – A..., LDª., com os sinais identificadores dos autos, impugnou judicialmente a liquidação do IVA relativo ao ano de 1993 e respectivos juros compensatórios.
O TAF de Leiria julgou a impugnação parcialmente procedente.
Inconformada com tal decisão, a impugnante interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) Não foram notificados à recorrente os documentos de fls. 41 a 47, nem o teor das informações oficiais, nos quais o Mm° Juiz fundamentou a sua decisão da matéria de facto, pelo que, não lhe foi permitido, na altura em que tais documentos terão sido juntos aos autos, que se pronunciasse sobre eles, não os pôde tomar em conta na instrução dos autos, nem pôde aquilatar sobre eles nem sobre a sua relevância para a decisão agora proferida.
B) A necessidade dessa notificação está expressamente consagrada no art. 115°- 3 do CPPT, preceito este que, no caso dos autos, foi violado.
C) De todo o modo, sempre essa falta de notificação se traduz numa violação clara do princípio do contraditório (cfr. art. 3° -3 do CPC, aplicável ex vi do art. 2°/e) do CPPT).
D) Tal falta constitui, salvo o devido respeito, nulidade insuprível susceptível de influir no exame e na decisão da causa (cfr. art. 201°-1° do CPC) e tem como consequência a anulação dos termos subsequentes do processo que dependem absolutamente daquela omissão, incluindo a douta decisão recorrida (cfr. art. 201°-2 do CPC), o que se requer.
E) A Sentença, no probatório, dá como assentes factos, que estão em contradição com a prova produzida nos autos.
F) Designadamente, dá como provado que a ora recorrente foi notificada da compensação efectuada, quando, os elementos probatórios - doc. de fls. 45 - em que se fundamenta, apenas permite dar como provado que, o ofício em causa, foi expedido, nada se podendo afirmar acerca do seu efectivo recebimento por parte da ora recorrente.
G) Desse documento ou de qualquer outro junto aos autos, não consta que a impugnante tenha recebido essa notificação.
H) A prova da notificação incumbe à A.F., por força do preceituado no n° 2 do artigo 74° da L.G.T.
I) A errada decisão sobre a matéria de facto, conduziu a uma errada aplicação do direito,
J) Consubstanciada, no facto de ter concluído que as liquidações se mostram fundamentadas
K) A mui douta sentença e a AF, consideraram indevida a dedução do IVA referente à construção do edifício de discoteca, bastando-se na titularidade da licença de construção e na referência à propriedade do prédio inserta no contrato de promessa.
L) Tais elementos não indicam necessariamente que o custo da construção, titulado nas facturas em causa, tenha incorrido pelo sócio gerente, principalmente porque as obras se destinaram, ou podiam destinar, à fonte produtora do rendimento.
M) As facturas encontram-se emitidas a favor da impugnante, pelo que, não se vê, como se pode considerar que, esta não tenha suportado o seu custo e o respectivo imposto (IVA) e consequentemente não seja o sujeito passivo dessa relação jurídica.
N) A fundamentação do acto impugnado, mostra-se ainda incongruente, porquanto:
O) A impugnante, como consta da mui douta sentença solicitou um reembolso de IVA, no período 93/09T, no valor de 2.000.000$00, cujo IVA, respeita precisamente ao IVA suportado com a construção do edifício de discoteca.
P) Não se compreende, que tenha sido dado o reembolso desta quantia, conforme consta do documento de fls. 45 dos autos, quando a final a AF e a mui douta sentença vêm considerar indevida a dedução do IVA da construção, fazendo a AF até a compensação do valor desse reembolso ao valor do IVA, ora em causa, exigido adicionalmente, na sequência da consideração de que a dedução do IVA da construção era indevida.
Q) A motivação do acto não se mostra objectiva e racional, nem contém os elementos ou pressupostos concretos que conduziram a AF a considerar indevida a dedução em causa.
R) É insuficiente a fundamentação dos actos impugnados, o que determina a anulação das respectivas liquidações.
S) O facto de as obras haverem sido realizadas em edifício alheio, mas afecto à actividade da empresa, não lhe retira as características indispensáveis à sua consideração como custo e/ ou despesa relevante fiscalmente para efeitos de IRC, bem como o direito à dedução do IVA, desde que as facturas e documentos equivalentes se encontrem passados em forma legal, o que, no caso dos presentes autos, não foi posto em causa.
T) Quanto à dedução do IVA contido nos documentos em causa, processados em forma legal - art. 35° CIVA - é a mesma possível, pois os bens e serviços adquiridos pela impugnante e titulados nas respectivas facturas destinaram-se à realização dos fins empresariais, pelo que, não deve ser alvo de qualquer reparo a dedução efectuada.
U) O relatório de inspecção não consubstancia a fundamentação do acto de liquidação, cujo imposto foi apurado com recurso a métodos indirectos, a qual se deve procurar na decisão final que determina o quantitativo do imposto exigido ao contribuinte, sendo certo que, tão pouco pode ser obtida através de elementos constantes do relatório de fiscalização ou inspecção para os quais não existiu remissão.
V) O acto de fixação dos valores que serviram de base às liquidações impugnadas foi a deliberação da Comissão de Revisão, consubstanciada na acta n.° 20/95, junta a fls. 23 a 25 dos autos.
W) É no teor da acta da Comissão de Revisão, que importa perscrutar o cumprimento do dever de fundamentação, aferindo da legalidade do recurso aos métodos indirectos e da suficiência da sua fundamentação.
X) Não consta da acta qualquer remissão para a fundamentação do relatório da fiscalização tributária, nem qualquer razão é aduzida para justificar os valores aí fixados.
Y) Examinando a acta que constitui fls. 23 dos autos, conclui-se que, a mesma se não encontra fundamentada quer quanto às razões que levaram à aplicação dos métodos indirectos, dado que, nada refere quanto a este ponto, quer quanto à fixação da própria matéria tributável que serviu de base à liquidação impugnada, uma vez que, fica sem se perceber as razões que levaram a comissão a acordar, como acordou, ou seja, fica sem se saber porque é que chegaram ao valor do imposto de 4.778.883$00 e não a qualquer outro, como por exemplo 3.778.883$00.
Z) Face à falta de fundamentação e ausência de critérios objectivos, resultará no mínimo fundada dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários impugnados, o que sempre motivará a sua anulação.
A sentença violou, entre outras, as disposições legais contidas nos art. 268°, n.° 3 da CRP, 668° do CPC, 19°, al b), 21° 82°, 87° e 121° do CPT, art. 125° CPA e art. 74°, n.° 2 da LGT.
nestes termos e nos melhores de direito, com o sempre mui douto suprimento de v exsa, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, devendo, a final ser julgada procedente a impugnação oportunamente deduzida pela ora recorrente, assim fazendo v. exsa a costumada e habitual Justiça.
Não foram apresentadas contra –alegações.
A EPGA pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2. - FUNDAMENTAÇÃO
2.1.- DOS FACTOS:
Na sentença consideram-se provados os seguintes factos:
1. A impugnante foi submetida a uma acção de fiscalização externa, na sequên­cia de um pedido de reembolso de IVA, no âmbito da qual foi elaborado o relatório da inspecção tributária junto a fls. 69 e segs. cujo conteúdo se dá por reproduzido.
2. A acção de fiscalização permitiu apurar o seguinte:
I Caracterização da firma.
a. A impugnante declarou o início de actividade no dia 25 de Fevereiro de 1993.
b. Em 1 de Julho de 1993 a discoteca abriu ao público e a firma registou os primeiros proveitos no dia dois do mesmo mês;
c. A partir de 13 de Setembro a discoteca passou a abrir apenas aos fins de semana, situação que se manteve até ao Carnaval de 1994.
II Organização Contabilística.
d. Na sua contabilidade, a firma releva todos os pagamentos e recebi­mentos através da conta Caixa. A conta Depósitos à Ordem é movi­mentada apenas uma vez no exercício de 1993 - depósito de 900.000$ - embora o gerente da sociedade tenha afirmado que os pagamentos eram feitos por cheque (fls. 93 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
e. Os recebimentos têm como suporte mapas de "Apuros ao Balcão Durante o Mês de ___" onde se podem ver os totais diários e o total mensal.
Não existem os suportes folhas de Caixa ou Fitas de máqui­na discriminativas.
f. Nos meses de Julho, Agosto e Setembro, para além dos mapas indi­cados encontraram-se fitas de máquina que indicavam, ao fim de cada dia, registos do tipo:
10 cervejas xxx$00;
20 whiskys xxx$00;
15 cockteils xxx$00;
g. Durante o período em que a discoteca esteve aberta no exercício de 1994 não se encontraram quaisquer registos de recebimentos, paga­mentos ou outros quaisquer.
III Existências de Mercadorias.
h. Da análise dos talões juntos aos mapas de Apuro, supra referidos, não se encontram quaisquer tipos de sanduíches ou outra descrição sus­ceptível de se terem efectuado vendas de pão, queijo, fiambre, hamburguers, bens estes que se encontram registados em compras e não são mencionados no inventário final.
IV Fornecedores/Custos;
i. Foram encontradas duas facturas emitidas pela "Carreira e Filhos Lda" com o mesmo número, a mesma data e o mesmo descritivo, mas com valores diferentes.
j. E duas facturas com o mesmo número de Liscarnes de Armando Valgrande Veríssimo, correspondentes a mercadorias e valores dife­rentes.
V Espectáculos.
k. A firma efectuava espectáculos com bastante frequência e destes alguns foram facturados, encontrando-se registados nos custos da empresa. Mas em relação a outros, porém, não foi emitida qualquer factura ou outro documento de custo ou pagamento. Houve no entan­to publicidade em que as facturas emitidas referem o nome de artistas ou grupos musicais, dos quais não se encontra qualquer documento emitido. Encontram-se nestas condições, os seguintes canto­res/grupos musicais:
- Quim Barreiros (93 e 94);
- Peste e Sida e Top Secret;
- Ora Pro Nobis;
-Entre Aspas e Alter Ego;
-Golpe de Estado e Ik Mux;
-Braindead e Tina and Top Ten;
-Shakin Creepers;
-Requiem;
-Mão Morta e More República Maçónica;
-Sérgio Godinho;
-Samantha Fox;
-Adelaide Ferreira (94);
-Gang;
-Gaiola das Loucas;
-Brenda (do "Água na Boca - sic);
-Festa da Super Espuma;
-Festa do Whisky;
-StressLess Radical
-Passagem de Modelos.
1. Em custos com salários e remunerações a firma apenas registou
Órgãos Sociais: 189.700$;
Encargos Sobre Remunerações: 46.477$;
Outros Encargos com o pessoal: 147.755$
m. O serviço era assegurado por cerca de 20 pessoas (declaração de fls. 95 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
VI - Proveitos:
n. Na declaração mod. 22 de IRC, a impugnante declarou proveitos no montante de 27.367.936$ sendo 26.860.473$ de Serviços Prestados e 507.461. de Vendas de Tabaco.
o. A Análise dos documentos de suporte de Caixa, verificou-se que o valor de 26.860.473$ correspondia apenas aos meses de Julho, Agos­to e Setembro - valor que também foi referido na DP de IVA ç 3° Trimestre.
p. O valor da Base Tributável referida na DP de IVA 4° T, que corres­pondia ao somatório dos mapas de serviços prestados ao balcão nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro e que foi de 18.805.000$ = (5.845.000$+4.957.000$+8.002.629$), ficou omisso quer na conta­bilidade quer na Decl. Mod. 22 relativa ao exercício de 1993.
q. No exercício de 1994 não foi encontrado qualquer proveito na conta­bilidade.
VII - Entradas na Discoteca.
r. Existiam cartões através dos quais eram controladas as entradas e os consumos efectuados na discoteca, com várias categorias de preços.
s. Existiam também bilhetes, que só funcionavam para os grupos "La Frontera" e "Jene Loves Jezebel".
t. Entre 22/07 e 20/08 foram impressos 83.000 cartões.
u. Em 29/7 foram impressos 10.000 bilhetes.
v. A discoteca está licenciada para uma lotação de l .200 pessoas.
w. O grupo "La Frontera" ganhou pela sua actuação 2.800.000$+ IVA. As receitas apuradas no dia da sua actuação foram de 1.338.950$ (IVA incluído). Para este espectáculo foram impressos 5.000 bilhe­tes, sendo o preço de cada um de 1.500$.
x. No dia 8/8/1993 actuou o grupo "Gene Loves Jezebel" a quem foi pago 1.700.000$ + IVA. O valor apurado com IVA incluído foi de 1. 465.200$
y. No dia 8/7/1993 actuou o "Quim Barreiros", de que não existem documentos de pagamento. O apuramento nesse dia foi de 141.700$
z. No dia 4/12/1993 actuou a "Samantha Fox" a quem foram pagos cer­ca de 2.000.000$. A receita nessa noite foi de l .039.702$
VIII - Imobilizações e Obras em Curso
aã. A construção da discoteca iniciou-se em 1992, implantada em terreno pertencente ao Sr. Manuel Quiaios com licença de construção emiti­da em seu nome.
bb. Em 17/4/94 é celebrado um contrato promessa de compra e venda, junto a fls. 97 e segs. e cujo conteúdo se dá por reproduzido.
cc. Neste contrato promessa de compra e venda o sócio gerente da impugnante e esposa intitulam-se donos e legítimos proprietários de um prédio urbano (...) destinado a discoteca, (fls. 98 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
3. Em face dos factos descritos, a administração fiscal considerou ter ocorrido a omissão de custos e proveitos, reconhecendo a impossibilidade de compro­vação e quantificação directa e exacta da matéria colectável, pelo que lançou mão dos métodos indirectos.
4. O que resultou imposto em falta no montante de 5.792.143$, para 1993 (fls. 18 e 85 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
5. E 2.697.582$ para 1994 (fls. 19 e 88 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
6. Tal proposta teve por base o custo médio de cada espectáculo, apurado de acordo com o valor total dos espectáculos facturados e contabilizados, em número de 13, e no montante total de 7.550.000$, o que equivale a 580.769$ para cada espectáculo (7.550.000$/13).
7. Este valor foi multiplicado por 16, por ser este o número de espectáculos não documentados, o que deu o resultado de 9.292.304$.
8. Por seu turno, os custos com pessoal foram reconhecidos em 19.507.000$.
9. Notificado, a impugnante requereu procedimento de revisão ma matéria tri­butável, nos termos que constam de fls. 9 cujo conteúdo se dá por reproduzi­do.
10. A Comissão de Revisão reduziu o IVA referente a 1993, fixado em 5.792.143$, para 4.778.883$ (fls. 24 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
11. E em relação ao IVA referente a 1994, fixado em 2.697.582$, foi reduzido para 640.000$. Tudo acrescido dos juros compensatórios
12. A fixação da Base Tributável para efeitos de IVA em relação a 1993 e 1994 foi alcançada por acordo entre os vogais da administração fiscal e do contri­buinte (fls. 24 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
13. Para além disso, foi proposta a liquidação de IVA, mediante correcções téc­nicas, por dedução indevida de IVA, no montante total de 5.246.811$ (fls. 90 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
14. Nessa proposta de liquidação é referido o IVA liquidado indevidamente refe­rente ao 2°T de 1993, no montante de 1.989.246$ (fls. 90 cujo conteúdo se dá por reproduzido).
15. No dia em que abriu a discoteca "Stressless" abriu também a discoteca "Império Romano".
16. A 200 metros existe outra discoteca.
17. Em face da concorrência, a impugnante investiu muito em possibilidade.
18. Relativamente ao período de 93/09T o sujeito passivo pediu um reembolso de IVA no valor de 2000.000$. Em 31/1/1995, o SIVA deduz a este montante igual valor da dívida resultante das correcções técnicas, fixada em 5.246.811$, a título de compensação.
19. Nestas condições, a dívida de IVA por correcções técnicas foi reduzida para 3.246.811$ após encontro de valores = (5.246.811$ - 2.000.000$). Facto de que o impugnante foi notificada (fls. 45 cujo conteúdo se dá por reproduzi­do).
20. No entanto, a liquidação no montante de 5.246.811$ (fls. 46 cujo conteúdo se dá por reproduzido), foi anulada na totalidade como consta de fls. 47 cujo conteúdo se dá por reproduzido.
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MOTIVAÇÃO.
A convicção do tribunal baseou-se nos seguintes meios de prova: PROVA DOCUMENTAL.
Os meios de prova documental que serviram para a convicção do tribunal estão referidos no «probatório» com remissão para as fls. do processo onde se encontram.
PROVA TESTEMUNHAL.
Quanto a este meio de prova, relevaram os depoimentos das testemunhas inqui­ridas, oferecidas pela impugnante que confirmaram, no essencial, os factos articulados pela impugnante. A Sra. Maria Teresa Leal Pereira Neves mencionou que no período de tempo em que funcionou, a discoteca só funcionava sexta e sábado. Admite-se que este depoimento se refira ao ano de 2004, na medida em que o próprio sócio gerente afir­mou, a fls. 95, que nos meses de Julho e Agosto de 1993 a discoteca «funcionou» dia­riamente.
No que respeita à testemunha arrolada pela administração fiscal, confirmou o seu relatório, e justificou a razão por que mencionou o número de 3000 como sendo a lotação da discoteca. Explicou ainda que tal facto não teve relevância na quantificação do imposto.
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2.2. – DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS
Atenta a factualidade apurada e aquelas conclusões que delimitam o seu objecto, são as seguintes as questões a apreciar no presente recurso:
a) -Saber se ocorre a nulidade da falta notificação dos documentos de fls. 41 a 47, e do o teor das informações oficiais consagrada no art. 115°- 3 do CPPT e se a esta é insuprível [conclusões A) a D)];
b) - Se a sentença incorre em erro sobre a matéria de facto [conclusões E) a J)];
c) – Se a sentença incorre em erro sobre a matéria de direito ao considerar indevida a dedução do IVA referente à construção do edifício de discoteca [conclusões K) a M)]; ao considerar que não é incongruente a fundamentação do acto impugnado [conclusões N) a Q)]; que não é insuficiente a fundamentação dos actos impugnados [conclusões R) a T]; que a acta da Comissão de Revisão se encontra fundamentada [conclusões U) a Z)].
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Assim:
a) - Da nulidade da falta notificação dos documentos e das informações oficiais:

No ponto, afirma a recorrente que não lhe foram notificados os documentos de fls. 41 a 47, nem o teor das informações oficiais, nos quais o Mm° Juiz fundamentou a sua decisão da matéria de facto, pelo que, não lhe foi permitido, na altura em que tais documentos terão sido juntos aos autos, que se pronunciasse sobre eles, não os pôde tomar em conta na instrução dos autos, nem pôde aquilatar sobre eles nem sobre a sua relevância para a decisão agora proferida.
Estando a necessidade dessa notificação expressamente consagrada no art. 115°- 3 do CPPT, essa falta de notificação traduz-se numa violação clara do princípio do contraditório (cfr. art. 3° -3 do CPC, aplicável ex vi do art. 2°/e) do CPPT) e constitui nulidade insuprível susceptível de influir no exame e na decisão da causa (cfr. art. 201°-1° do CPC) e tem como consequência a anulação dos termos subsequentes do processo que dependem absolutamente daquela omissão, incluindo a douta decisão recorrida (cfr. art. 201°-2 do CPC) o que requer.
Diga-se, preliminarmente, que a prática dos actos processuais visados na alegação da recorrente se consumou na vigência do CPT, tendo em conta as datas constantes dos ajuizados documentos (Junho de 1997 – vd. fls. 41 e 44) e das informações oficiais prestadas (08.10.98 – vd. fls. 66 e vº; 10.12.1998 – vd. fls 68 e 12.02.1999-vd. fls. 178).
A recorrente advoga a aplicabilidade do artº 115º nº 3 do CPPT. Ora, a data da prática do acto processual determina o regime adjectivo que o que o rege”, o mesmo é dizer que a presente acção administrativa especial se afere pela lei vigorante ao tempo da prática do acto; estamos, pois, no domínio do princípio “tempus regit actum”, por força do qual o CPT, na questão das informações oficiais, se aplica à presente impugnação.
Segundo a hermenêutica que reputamos mais correcta e perfilhamos, o que o normativo determina é a aplicação imediata da nova forma processual, o que vale dizer às relações processuais pendentes e não às relações subjectivas materiais que sejam objecto de cognição do próprio processo e cuja regulação pode ser feita por normas substantivas insertas em outros compêndios legais.
Tal interpretação é consentânea com os princípios gerais de aplicação da lei no tempo, com o da aplicação imediata mas com respeito perla validade dos actos já praticados, com a letra da lei e com os princípios gerais de aplicação temporal das normas de direito substantivo consagrados no artº 12º do Ccivil.
Na parte final do nº 1 deste preceito consigna-se que «ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular».
Por assim ser, há que atentar no disposto no artº 119º do CPT que elenca, taxativamente, as nulidades insanáveis do processo judicial, tipificando, na al. b) do nº 1 e com relevância para o caso concreto, a falta de informações oficiais.
Vejamos, brevitatis causa, a matéria de facto que releva para apreciar e decidir a questão em apreço.
1º. -A presente impugnação foi apresentada na RF em 26-06-1995, cfr. carimbo aposto no rosto da p.i.;
2º. -Em 16-06-1997, foi prestada informação que houvera sido solicitada na requisição que acompanhou o ofício da RF nº 382, de 9-06-1997, a qual está suportada nos anexos que com a mesma foram juntos, tudo como se alcança de fls. 41 a 65;
3º. – Em 08.1098, foi pelo Sr. Chefe de RF prestada informação nos termos e para os efeitos da alínea c) do nº 2 do artº 129º do CPT e ordenada a remessa dos autos ao Exmº Director Distrital de Finanças – cfr. doc. de fls. 66 e vº.
4º. - Remetidos os autos ao Sr. Director Distrital, este, por despacho de 10.12.1998, com fundamento em que “Consultado o processo verifica-se que no mesmo ainda não se encontra reproduzido nem o relatório elaborado pela Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária de Leiria nem os respectivos anexos”, ordenou que “ao abrigo do disposto no artigo 119º do Código do processo Tributário, requisite-se à Secretaria da Divisão de Inspecção Tributária desta DDF fotocópia do dito relatório e respectivos anexos, a fim de ser junta aos presentes autos. Seguidamente, dê-se de novo vista para ser elaborado o despacho a que se refere o artigo 130º do CPT”- cfr. fls. 68.
5º. -Esse despacho foi cumprido mediante a junção de todos os pretendidos elementos que se encontram de fls. 69 a 172.
6º. -Por despacho de 12-02-1999, o Exmº DDF, com base nos elementos carreados para os autos, manteve os actos impugnados - cfr. fls. 174 a 178.
7º. -Seguidamente, os autos foram remetidos ao TT1ª Instância, vindo a impugnação a ser recebida e ordenada a notificação do ERFP para responder – cfr. fls. 179.
8º. -Em 04-03-1999 foi junta a contestação da FP que se encontra a fls. 180 e ss.
9º. -A contestação foi notificada à impugnante na pessoa do seu mandatário, como resulta de fls. 187 e vº.
10º. -Foi designada data para audição das testemunhas arroladas pelas partes pelo despacho exarado a fls. 188, a qual se realizou em 04-05-1999, nela não intervindo o mandatário constituído nos autos pela impugnante, na própria acta tendo sido exarado despacho ordenando a notificação das partes para alegações escritas, no acto tendo sido notificado o Exmº mandatário da Impugnante, tudo como se alcança da acta de fls. 192 a 194, que se dá por reproduzida integralmente.
11º. -Só a a ERFP produziu alegações que estão juntas a fls. 196 e ss.
12º. - Por despacho judicial foi ordenada vista ao MP para parecer pré-sentencial que está junto a fls. 203 e ss.
13º -Com fundamento em que nas suas alegações a RFP arguira a falta de procuração conferindo mandato ao advogado que interveio na diligência de inquirição de testemunhas, o Mº ordenou, por despacho lavrado a fls. 207, a regularização do processado.
14º. – O mandatário que consta na acta como tendo intervindo, sem qualquer espécie de mandato, na diligência de inquirição das testemunhas, veio informar que não interveio nos autos e que não conhece a empresa impugnante que não patrocinou, havendo lapso na menção do seu nome em tal acta, tudo mo decorre de fls. 212/213.
15º. – A impugnante veio a fls. 210, juntar procuração forense a favor dos Drs. Daniel Queiroz, Isilda Pires e Teresa Felício, ratificando todo o processado.
16º. -Os actos processuais identificados nos pontos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, não foram notificados à impugnante quer pelos serviços de finanças, quer pelo Tribunal.
Como é pacífico, a falta de informações que dá azo à nulidade em causa, é tão só a sua inexistência ou ausência.(1)
Por outro lado, as informações oficiais a que se reporta a al. b) do citado preceito legal são as referidas nos artºs. 129º e 134º do CPT.
O primeiro normativo estabelece as regras da preparação do processo pela administração fiscal, estabelecendo que a repartição de finanças onde tiver sido apresentada a impugnação organizará o processo antes de ser remetido a juízo, competindo-lhe, designadamente, a informação dos serviços de fiscalização sobre a matéria de facto considerada pertinente (nº 2/b) e a informação prestada pelos serviços da administração fiscal sobre os elementos oficiais que digam respeito à colecta impugnada e sobre a restante matéria do pedido (nº 2/C) e a junção pela repartição de finanças de documentos de que disponha e repute convenientes para o julgamento (nº2/D), sendo que, antes de cumprir o disposto neste artigo, o chefe da repartição de finanças poderia convidar o impugnante a suprir, no prazo que lhe designar, qualquer deficiência ou irregularidade (nº3).
Acresce que a informação dos serviços de fiscalização sobre a matéria de facto considerada pertinente e a informação prestada pelos serviços da administração fiscal sobre os elementos oficiais que digam respeito à colecta impugnada e sobre a restante matéria do pedido só têm valor probatório no caso de estarem fundamentadas.
Devendo estar devidamente fundamentadas para assumirem força probatória como manda o artº 134º nº 2 do CPT, ainda assim só relevam na parte em que se reportam à matéria de facto pois, as opiniões ou conclusões jurídicas nelas vertidas, ainda que se mostrem bem fundamentadas, não revestem força probatória dado que jura novit curia.
Note-se que no domínio do CPCI, as informações oficiais fundamentadas faziam fé e constituíam “prova até outra bastante em contrário”, como cominava o § único do artº 97º.
Nada dispondo o CPT sobre a força probatória de tais informações, no entanto, deve entender-se que se as mesmas comprovarem a “existência e quantificação do facto tributário”, a dúvida fundada sobre o seu conteúdo resultante de outras diligências de prova, aduzidas pelo impugnante ou realizadas oficiosamente pelo juiz, reverterá contra a AT como decorre do artº 121º do CPT. Mas, se respeitarem a outros factos, caberá ao impugnante, a quem os mesmos não aproveitam, o ónus da contraprova destinada a torná-los duvidosos, permitindo ao juiz a sua livre apreciação.
Isso era de extrema relevância e justifica que logo que juntas as informações oficiais, o impugnante teria de ser notificado da sua junção (art. 134° n°3), notificação essa que teria de ser efectuada na repartição de finanças.
É que, a partir dessa notificação o impugnante podia não só arguir a respectiva falsidade (arts. 360.° e 526.° do CPC), como dispunha do prazo de 15 dias para requerer arbitramento (art. 135° n°2) .
Mas, o facto dessa notificação não ter sido feita na repartição de finanças, nada impede o tribunal de efectuá-la, quando o processo para aí for remetido e for detectada essa omissão.
Há que chamar aqui à colação o princípio geral(2) de que, salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas, como resulta, mormente, dos art. 137° n° 2 do CPT e, também, do artº 517° do CPC, aplicável ex vi do artº 2º al. f) do CPT.
É por respeito do princípio do contraditório que o nº 3 do artº 134º do CPT impõe a necessidade de todas as informações oficiais juntas ao processo serem notificadas ao impugnante, necessidade também imposta pelo disposto no art . 526.° do citado Código, na medida em que tais informações oficiais constam, obviamente, de documento (relatório).
Tendo em conta a natureza e valor probatório das informações oficiais, bem como as exigências do princípio do contraditório em redor das mesmas, vejamos agora se foram cometidas as nulidades invocadas pela recorrente e quais as consequências da postergação de tais regras e princípios.
Como se assentou supra, a impugnante nunca foi notificada, quer pelos serviços de finanças, quer pelo Tribunal, da informação que houvera sido solicitada na requisição que acompanhou o ofício da RF nº 382, de 9-06-1997, da informação prestada pelo Sr. Chefe de RF nos termos e para os efeitos da alínea c) do nº 2 do artº 129º do CPT, da junção ordenada pelo Sr. DDF de todos os pretendidos elementos que se encontram de fls. 69 a 172, nem do despacho de 12-02-1999, do Exmº DDF, que com base nos elementos carreados para os autos, manteve os actos impugnados.
Ora, se é certo que não estamos perante uma nulidade insuprível como já atrás se demonstrou, parece não restarem dúvidas de que essa falta de notificação configura uma violação clara do princípio do contraditório (cfr. art. 3° -3 do CPC, aplicável ex vi do art. 2°/f) do CPT) influente no exame e na decisão da causa (cfr. art. 201°-1° do CPC), tendo como consequência a anulação dos termos subsequentes do processo que dependem absolutamente daquela omissão, incluindo a douta decisão recorrida (cfr. art. 201°-2 do CPC).
É que, logo que juntas as informações oficiais, o impugnante teria de ser notificado da sua junção (art. 134° n°3) e, a partir dessa notificação o impugnante podia não só arguir a respectiva falsidade (arts. 360.° e 526.° do CPC), como dispunha do prazo de 15 dias para requerer arbitramento (art. 135° n°2).
Neste plano(3), chamam-se a terreiro o direito a um processo equitativo (ínsito no direito de acesso aos tribunais, proclamado pelo artigo 20º, nº 1, da Constituição), de que é elemento incindível o princípio da igualdade de armas, manifestação do princípio mais geral da igualdade das partes.
Princípio não expressamente formulado na Constituição para o processo civil, mas que não pode deixar de ser exigência constitucional, pois tal decorre da própria ideia de Estado de direito.
Nos litígios sobre interesses privados, a igualdade de armas implica a obrigação de oferecer a cada parte a possibilidade de apresentar a sua causa, incluindo as suas provas, em condições que a não coloquem em situação de nítida desvantagem em relação ao seu adversário" (Ireneu Cabral Barreto, "A Convenção Europeia dos Direitos do Homem", Aequitas, 1995, p. 95).
Segundo José Lebre de Freitas ("Introdução ao Processo Civil" - Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, pp. 105-106), o princípio da igualdade de armas impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e cominações idênticas, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável, e um jogo de compensações gerador do equilíbrio global do processo, quando a desigualdade objectiva intrínseca de certas posições processuais leva a atribuir a uma parte meios processuais não atribuíveis à outra.
Hoje, como se disse, a igualdade das partes está consagrada no artigo 3º-A do CPC.
Mas como logo adverte Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos sobre o Novo Processo Civil", LEX, 1997, pp. 42-44, um primeiro problema suscitado é o de que nem sempre é viável assegurar a igualdade substancial entre as partes, não sendo possível, nuns casos, ultrapassar certas diferenças substanciais na posição processual das partes, e noutras hipóteses afastar certas igualdades formais impostas pela lei - assim, a igualdade das partes, com expressão legal no citado artigo 3º-A, não pode postergar os vários regimes imperativos definidos na lei, que originam desigualdades substanciais ou que se bastam com igualdades formais.
Vê-se, pois, que o artigo 3º nº. 3 do C. Processo Civil estipula que o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
O princípio do contraditório, que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, assegura não só a igualdade das partes, como, no que aqui interessa, é um instrumento destinado a evitar as decisões-surpresas.
Mas, pergunta-se, onde está a decisão-surpresa?
Está em que a decisão foi proferida com base nos factos alegados e provados, factos esses de que a recorrente não teve conhecimento e contra os quais poderia esgrimir os argumentos que entendesse convenientes, na altura própria, como já se demonstrou.
Diga-se, como nota final, que a audição das partes será dispensada nos termos do artigo 3º nº. 3 em casos de manifesta desnecessidade e naqueles em que, objectivamente, as partes não possam alegar de boa fé, desconhecimento das questões de direito ou de facto a decidir pelo Juiz e das respectivas consequências - "Temas da Reforma do Processo Civil" - Almedina, 1997, Desembargador Abrantes Geraldes, pág. 70.
Ora, se "O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório", conforme determina o n.° 3, do artigo 3.°, do CPC mas, se é certo que a referida norma ressalva os casos "de manifesta desnecessidade", entre estes, não se pode contar a referida falta de notificação de contestação, quando ali se suscitam questões de facto e são juntos documentos, podendo a impugnante arguir a sua falsidade e requerer o arbitramento, como já antecedentemente se apontou.
Há contudo, que analisar se sanou a nulidade cometida.
Há quem defenda que as nulidades processuais ocorridas antes de proferida a sentença, mas por esta sancionadas, ainda que de modo implícito, se apenas conhecidas pelo interessado com a notificação da sentença, devem ser arguidas no recurso interposto desta, desde que seja recorrível, pois é aquele o meio processual adequado para reagir e de conhecer aquelas nulidades, não a reclamação.
Sufragamos esta posição.
Na verdade, a nulidade secundária em que o tribunal incorrer, nos termos do art. 202.º do CPC, em princípio, só pode ser conhecida mediante reclamação a deduzir no prazo de dez dias (prazo geral estabelecido no artigo 153.º do mesmo diploma).
De acordo com o artigo 205.º, n.º 1, do CPC, o prazo de dez dias conta-se do conhecimento da nulidade, o que significa que, no caso, a nulidade não estava sanada quando foi proferida a sentença, que acaba por lhe dar cobertura, embora de forma implícita. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Abril de 1997, «a nulidade acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que a nulidade cometida se situa a seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolacção». Assim, e sendo o meio próprio de atacar a sentença o recurso, há que concluir que nada obsta ao conhecimento das nulidade arguidas em sede de recurso.
No caso concreto, a infracção processual está ao abrigo de despacho judicial pelo que o meio para reagir contra a ilegalidade cometida é a interposição de recurso já que, seguindo a tese da recorrente, estaremos perante um despacho ilegal por ter ofendido a lei de processo.
No seu "Comentário" 2º-484, o Prof. José Alberto dos Reis traduz esta realidade na expressão de que "dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se".
Neste conspecto, não tendo a impugnante sido notificada nem pelos SF, nem pelo Mmº Juiz, dos ajuizados meios probatório, manifestamente incorreu em nulidade prevista no art. 201° n° l do CPCivil, por esta omissão ter influído na decisão da causa.
Dispõe o nº 1 do artº 201º do C.P.C. que: "A prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa."
No seu "Comentário" 2º- 484, escreve o Prof. José Alberto dos Reis, quanto ao regime estabelecido no citado normativo, que o que há de mais característico e frisante nele é "...a distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes. Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz a nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos: - a) quando a lei expressamente a decreta; b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa"...sendo, neste caso, ao tribunal que compete ..." no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entende que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame ou decisão da causa".
Note-se, porém, que a arguição de nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de despacho judicial pois, se existe despacho judicial, como no caso dos autos, a dar cobertura à prática de um acto que a lei proíbe, o meio para reagir contra a ilegalidade cometida não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas sim a interposição de recurso já que se está perante uma decisão ilegal por ter ofendido a lei de processo.
Aquele ilustre Professor traduz esta realidade no brocardo "dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se", realidade que, com todo o respeito, o impugnante não terá percepcionado quando invoca o artº 201º do CPC, para arguir a nulidade processual consistente na decisão de não ouvir as testemunhas arroladas por entender desnecessária a produção da prova testemunhal, no que o recorrente considera não ter o tribunal "a quo" cumprido o seu dever, limitando os direitos do contribuinte.
Mas, porque a impugnante recorreu também da nulidade que diz ter sido cometida, pode agora ser a mesma apreciada em sede deste recurso.
Mas em que termos?
As nulidades processuais são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais.
As invocadas nulidades não constam do rol exaustivo de nulidades insanáveis que o legislador consagrou no art. 119º do CPT (ver, hoje, o artº 98.º do CPPT), motivo por que é à luz do regime do art. 201.º e segs. do CPC que deveremos aferir se estamos perante irregularidades processuais susceptíveis de serem qualificadas como nulidades (secundárias).
Como vimos, nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPC, «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
Ou seja, as nulidades, enquanto violações da lei processual, têm que revestir uma de três formas: «a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas (art. 201.º, 1).
Ora, é manifesto que a matéria aduzida pela Recorrente para integrar as nulidades que invocou integra uma das que ficaram apontadas, designadamente a omissão de acto prescrito na lei.
Enfatize-se que segundo o regime de arguição da nulidade, tendo em conta a súmula da evolução dos actos do processo a que supra se procedeu, não se pode afirmar que a nulidade arguida se sanou pois não houve nenhuma intervenção do mandatário da impugnante na inquirição das testemunhas.
A enumeração constante do artº 119º do CPT é taxativa, pelo que a nulidade arguida pela recorrente reveste a natureza de nulidade relativa ou secundária, a qual se considerará sanada caso não tenha sido arguida nos termos do artº 205º nº 1 do CPC.
Como resulta do nº 2 do artº 119º do CPT, só as nulidades insanáveis, taxativamente previstas no nº 1 do preceito, devem ser arguidas a todo o tempo até ao trânsito em julgado da decisão final, sendo, além disso, de conhecimento oficioso.
Importa, por isso, verificar se a nulidade arguida está ou não sanada nos termos do artº 205º do CPC.
Neste se postula que se a parte esteve presente no momento da prática da nulidade ou, não estando, que ela tenha intervindo em algum acto processual posterior ou tenha sido notificada para qualquer termo do processo.
Na primeira situação não pode falar-se propriamente de um prazo já que a arguição tem de ser feita enquanto o acto não terminar; idem quanto à segunda visto que a arguição deve fazer-se dentro do prazo de dez dias (artº 153º do CPC); na terceira, a arguição tem de formular-se também no prazo de dez dias, mas só quando seja de presumir que a parte tomou conhecimento da nulidade ou, mesmo que assim não seja, desde que dela pudesse conhecer agindo com a devida diligência (v. Rodrigues Bastos, «Notas ao Código do Processo Civil», I, 2ª ed., pág. 412).
Provou-se a falta de notificação das informações oficiais na pessoa do mandante e do mandatário constituído mas este não teve intervenção nos autos, pelo que o prazo de arguição se contava, como acima se sustentou, da data da notificação da sentença, devendo a nulidade ser fundamento do próprio recurso, como sucedeu.
Isto equivale a dizer que, manifestamente, ocorre a arguida nulidade.
E, porque outras razões demonstrativas da violação do citado princípio da igualdade de armas pontificam, procede a questão prévia suscitada pelo recorrente.
*
3. - Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em anular os termos do processo a seguir à apresentação da informação de fls. 174 a 178, incluindo a douta decisão recorrida no que tange á parte recorrida.
Sem tributação.
*
Lisboa, 23/03/10
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Aníbal Ferraz)




1- Nesse sentido sempre se pronunciou uniformemente a jurisprudência, como pode ver-se, por todos, o longínquo Ac. Do STA de 7/10/87, in AD, nº 313, pág. 52.
2- Frequentemente condensado no adágio latino Altera pars auditur ou Audi alteram partem – deve-se ouvir a outra parte do litígio; princípio geral do direito segundo o qual ninguém pode ser condenado sem ser ouvido, sem que se possa defender.
3- De resto, na senda do Acórdão deste TCAS e desta mesma formação de 09/03/2010, Recurso nº3781/10, cuja fundamentação vai ser seguida.