Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09556/16
Secção:CT
Data do Acordão:07/13/2016
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:I.R.C.
NOÇÃO DE CUSTOS.
REQUISITO DA INDISPENSABILIDADE DE UM CUSTO.
PROVISÕES.
NOÇÃO E REQUISITOS DO RELEVO CONTABILÍSTICO/FISCAL ENQUANTO CUSTOS.
ARTºS.33, Nº.1, AL.A), E 34, Nº.1, DO C.I.R.C.
CONTRIBUINTE PODE UTILIZAR TODOS OS MEIOS DE PROVA, NOMEADAMENTE A PROVA TESTEMUNHAL.
CRÉDITOS RESULTANTES DA ACTIVIDADE NORMAL DA SOCIEDADE.
INTEGRANTES DA CONSTITUIÇÃO DA PROVISÃO PARA CRÉDITOS DE COBRANÇA DUVIDOSA.
Sumário:1. A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”. Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
2. Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito. Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico.
3. O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário.
4. Ao abrigo do princípio contabilístico da prudência, os agentes económicos devem adoptar uma postura de cepticismo perante todos os proveitos não realizados e, bem assim, incluir nas respectivas demonstrações financeiras os efeitos que traduzam a compensação das possíveis perdas daqueles montantes. Nestes termos, aos activos que traduzam créditos sobre terceiros devem ser associados os efeitos das incertezas que sobre eles venham a recair. A estas componentes negativas do rédito, reflectidas nas demonstrações financeiras para compensação de prováveis perdas no valor dos activos, era dada a designação de provisões, realidades que actualmente se designam por imparidades.
5. As contas de provisões são aquelas onde se inscrevem as verbas destinadas a contrabalançar encargos ou prejuízos estimados e actuais de provável processamento futuro ou apenas de montante actualmente incerto. A provisão cria-se com um fim imediato em vista, nomeadamente o de fazer face a um ou mais créditos que se crêem mal parados.
6. As provisões que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e, bem assim, as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos na lei fiscal, considerar-se-ão proveitos ou ganhos do respectivo exercício (cfr.artº.33, §2, do antigo C.C.I.; artº.33, nº.2, do C.I.R.C.).
7. Como forma de prevenir a utilização abusiva da conta das provisões contabilísticas, permitida pelo uso do conceito indeterminado de “créditos de cobrança duvidosa”, o legislador, no artº.33, nº.1, al.a), do C.I.R.C., efectuou uma delimitação desse conceito indeterminado, mais especificando nas diversas alíneas do artº.34, nº.1, do mesmo diploma, quais as provisões que no âmbito específico dos custos podem relevar fiscalmente, do exame das citadas normas se retirando os pressupostos de tal relevância fiscal, os quais são:
a)que os créditos resultem da actividade normal da empresa;
b)que sejam evidenciados como tal na contabilidade;
c)que, no final do exercício, possam ser considerados de cobrança duvidosa;
d)que esse “risco de incobrabilidade” se mostre “devidamente justificado”, o que ocorre sempre que se verifique uma das seguintes situações:
- o devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa ou processo de falência;
- os créditos tenham sido reclamados judicialmente;
- os créditos estejam em mora há mais de 6 meses e se demonstre terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.
8. O contribuinte pode utilizar todos os meios de prova que o ordenamento jurídico lhe faculta, nomeadamente a prova testemunhal, no que se refere à prova dos requisitos legais de constituição das provisões para créditos de cobrança duvidosa, designadamente, a demonstração da factualidade atinente ao momento em que se verificou o risco de incobrabilidade.
9. Os montantes em causa nos presentes autos, relativos a descontos e encargos financeiros, debitados aos clientes pelo incumprimento de prazos, levando em consideração a actividade principal da sociedade recorrida (cfr.nº.1 do probatório), devem integrar o conceito de "créditos resultantes da actividade normal" da mesma empresa, como da de qualquer credor e, nessa medida, constituir um custo dedutível, nos termos do disposto no artº.33, nº.1, al.a), do C.I.R.C., tudo para efeitos de constituição de provisão para créditos de cobrança duvidosa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.245 a 269 do presente processo, através da qual julgou parcialmente procedente a impugnação pela sociedade recorrida, "Tr…, L.da.", intentada, visando acto de liquidação de I.R.C., relativo ao ano de 1993 e que alterou o prejuízo fiscal declarado pela recorrida de Esc.166.350.813$00 para Esc.159.685.769$00 (- 6.665.044$00).
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.292 a 296 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Decidiu o Tribunal “a quo” que “Atento a actividade da impugnante para que os clientes procedessem ao pagamento atempado das facturas pode concluir-se que efectuou as diligências necessárias, para o efeito, dando cumprimento ao disposto na al. c) do nº 1 do art. 34º do CIRC";
2-Não pode, contudo, a Fazenda Pública concordar com o assim decidido pelas razões que se seguem;
3-A impugnante dedica-se à actividade de “Confecção de artigos de vestuário e comércio por grosso de vestuário - CAE 322020";
4-Da leitura do art. 33°, nº 1 al. a) do CIRC, no conceito de "créditos resultantes da actividade normal” devem considerar-se abrangidos os créditos sobre clientes resultantes das transacções de bens e serviços relacionados com a actividade produtiva da empresa;
5-Assim, os descontos e encargos financeiros, debitados aos clientes pelo incumprimento de prazos não entram no conceito de “créditos resultantes da actividade normal”;
6-Embora não se encontre definido na Lei o que deve entender-se por créditos resultantes da actividade normal, a AT tem vindo a entender que os créditos a considerar para o efeito de cálculo desta provisão são, apenas, os respeitantes à actividade produtiva da empresa;
7-Ora, os descontos e encargos financeiros debitados aos clientes, não constituem a actividade normal da empresa, e consequentemente, não podem sobre eles ser constituídas provisões;
8-Ao decidir como decidiu violou o Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, os art. 33°, nº 1, al.a) e art. 34º do CIRC, art. 9°, nº 1 al.d) do CSC e art. 11º da LGT;
9-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente. Porém V. Ex.as decidindo farão a costumada Justiça.
X
A sociedade recorrida apresentou contra-alegações (cfr.fls.297 e 298 dos autos), tendo pugnado a final pela manutenção da sentença recorrida, embora sem formular conclusões.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cfr.fls.314 a 316 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.247 a 252 dos autos - numeração nossa):
1-A sociedade impugnante, "Tr…, L.da.", com o n.i.p.c. …, em 1993 exercia a actividade principal de confecção de artigos de vestuário em série a que corresponde o código de actividade económica (CAE) 322020 (cfr.documento junto a fls.23 a 26 dos presentes autos);
2-Em 15/01/1998 foi levantado Auto de Notícia pela inspecção tributária das correções efetuadas no decorrer do exame à escrita da impugnante ao exercício de 1993, referente a IRC e IVA (cfr.documento junto a fls.66 e 67 dos presentes autos);
3-Do exame à escrita da impugnante a inspecção tributária procedeu à seguintes correções técnicas;
"(...)
Q. 20/L.7: Provisões para além dos limites legais.
O contribuinte considerou como custo fiscal, provisões para créditos de cobrança duvidosa ao abrigo do artigo 34º do CIRC que, não respeitavam todos os requisitos para serem legalmente constituídas.
Em virtude de o valor de 6.391.767$00 respeitar à constituição de provisões para um grande número de clientes, tornou-se necessário criar uma amostra, para a qual tentámos abarcar os valores mais significativos. Foi após a verificação das condições de constituição das provisões que, relativamente a alguns clientes seleccionados considerados em mora, se detectaram algumas incompatibilidades com a legislação aplicável, nomeadamente no que respeita ao disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 34º do CIRC (explicadas exaustivamente nos papéis de trabalho que anexamos ao Relatório do Exame), que originaram uma correcção fiscal que ascende ao montante de 5.471.275$00.
De uma forma sucinta podemos referir que a correção fiscal que efectuamos se deve basicamente aos seguintes tipos de Irregularidades.
1º) Dívidas de clientes provisionadas, já tituladas por letras à data da constituição da provisão.......................................................................................454.437$00
Enquadramos neste tipo os seguintes clientes:
- , Lda. (nº 1085): correcção de 32.500$00;
- , Lda. (nº 1095): correcção de 37.500$00;
- , Lda. (nº 1346): correcção de 42.500$00;
- , Lda. (nº 1374): correcção de 22.500$00;
- , Lda. (nº 1439): correcção de 40.000$00;
- , Lda. (nº 1766): correcção de 50.000$00;
- (nº 1773): correcção de 3.2 50$00;
- , Lda. (nº 1800): correcção de 20.000$00;
- , Lda. (n.º 2166): correcção de 3.678$00:
- (nº 2233): correcção de 100.000$00.
2º) Dívidas de clientes provisionadas, para as quais existiam cheques pré-datados à data da constituição da provisão........................................... 142.096$00
Neste tipo enquadra-se o seguinte caso:
- , Lda. (nº 1135): correcção de 142.096$00;
3.º) Dívidas de clientes provisionadas com base em prazos superiores aos efectivos (o prazo efectivo reporta-se a data de vencimento de letras, entretanto devolvidas por falta de pagamento e não à data de vencimento da factura) ...........................4.874.742$00.
Referimo-nos concretamente aos clientes seguintes:
- (nº 1230): correcção de 600.359$00;
- (nº 1785 ): correcção de 2.248.686$00
- (nº 1123): correcção de 430.348$00;
- (nº 1452 ): correcção de 175.415$00;
- (nº 2121): correcção de 1.419.934$00
Q. 20/L.21: Créditos incobráveis por incumprimento do artigo 37º do CIRC.
O contribuinte fez a utilização de uma provisão que tinha constituído em 1992, no montante de 1.193.759$00, através da contabilização desse valor como "créditos incobráveis" todavia não respeitando o artigo 37º do CIRC, na medida em que não era admitida a constituição da provisão porque se tratava de débitos que não foram reconhecidos pelos clientes não podendo ser considerados como resultantes da actividade normal da empresa.
(...)"
(cfr.documento junto a fls.58 a 61 dos presentes autos);
4-Das correcções efectuadas resultou a liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 1993, datada de 27/05/1998, n.º … absorvendo parte do prejuízo fiscal (166.350.813$00) declarado pela impugnante, no montante de Esc.6.665.044$00 (cfr. documento junto a fls. 21 dos presentes autos);
5-A impugnante deu entrada na ….ª Repartição de Finanças do Concelho de … de reclamação graciosa cujos fundamentos se dão por reproduzidos (cfr.documento junto a fls.2 a 12 do processo de reclamação graciosa apenso);
6-Em 21/12/1999 foi notificada do projecto de indeferimento da reclamação e para exercer o direito de audição prévia (cfr.documentos juntos a fls.37 e 38 do processo de reclamação graciosa apenso);
7-A impugnante exerceu o direito de audição em 5/01/2000 (cfr.documento junto a fls. 39 a 47 do processo de reclamação graciosa apenso);
8-Pelo ofício n.º 00153 de 13/03/2000 a impugnante foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa (cfr.documentos juntos a fls.55 e 56 do processo de reclamação graciosa apenso);
9-A impugnante emitia sempre quatro cartas, uma por cada mês, aos clientes para alertar a data do vencimento das facturas, mais três referindo os juros até ao efectivo pagamento (cfr.depoimento das testemunhas António … e Jorge …);
10-Decorridos os quatro meses, alguns clientes emitiam cheques ou cheques pré-datados que a impugnante aceitava como possível meio de pagamento (cfr.depoimento das testemunhas António … e Jorge …);
11-Seis meses após a data do vencimento da factura, a impugnante efectuava o registo contabilisticamente do incumprimento de pagamento numa conta 218 de clientes (cfr. depoimento da testemunha António …);
12-Alguns clientes emitiam letras para tentarem resolver as dívidas com a impugnante (cfr.depoimento da testemunha António …).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram outros factos com relevância para a presente decisão…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A matéria de facto, dada como provada nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, encontra-se referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como da prova testemunhal produzida, em sede de Inquirição das testemunhas arroladas pela Impugnante.
Prova Testemunhal :
António …, Técnico Oficial de Contas, funcionário da impugnante há cerca de 8 anos e desde sempre trabalhou com os nomes que estão em causa. Informou que os valores não eram avultados cerca de trezentos, quatrocentos euros. Explicou o procedimento standart utilizado pela empresa quando os clientes incumpridores. As facturas eram lançadas a débito da conta (218) dos clientes. Das condições gerais de venda consta que são cobrados juros se pagamento não for atempado. Enviam uma carta a avisar a data de vencimento da factura. No caso de Incumprimento enviam uma segunda carta e depois mais uma terceira carta a avisar os juros de mora. Se ainda assim não for paga a factura envolvem os vendedores na falta de pagamento da cliente e por fim para as instâncias no tribunal. O método é aplicado a todos os clientes a crédito e que o risco de incobrabilidade ocorre sempre. Informou ainda que o fornecimento é cortado depois de dois meses do vencimento da factura. Os clientes são sempre avisados por carta ou pelo telefone.
Confirmou que em 1993 a empresa movimentou a crédito a conta de clientes de por débito da conta de provisão no valor de 142.096$00 do cliente “… Lda.”
Afirmou que quando o crédito tem mais de 3 anos, está provisionado a 100% e não tem reflexo na conta de resultado porque o resultado no balanço é igual.
Explicou que muitas vezes para tentar resolver os pagamentos, os clientes avançam com uma letra para ajudar. Confirmou por fim que os débitos estavam reconhecidos pelos clientes porque a empresa faz os débitos e depois avisam os clientes.
A testemunha Jorge …, funcionário da Impugnante desde 1981 até 2003, exercia funções laborais na contabilidade da relacionada com os clientes.
Informou que tratava das cartas para os clientes aquando da data do vencimento das facturas, ou seja, no dia 20 do mês seguinte. Reproduziu na íntegra o depoimento da testemunha anterior no que respeita ao procedimento standart utilizado pela empresa quanto aos clientes incumpridores.
As testemunhas revelaram nos seus depoimentos, sem grandes hesitações, conhecimento nas questões a que foram indicados, isenção e lograram convencer o tribunal da sua veracidade…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese:
1-Julgar procedente a impugnação quanto à correcção relativa a “provisões constituídas para créditos de cobrança duvidosa”, no valor de Esc.1.193.769$00 (€ 5.954,49), e, em consequência, anular a liquidação nesta parcela, mais repondo o respectivo prejuízo fiscal;
2-Julgar improcedente a impugnação quanto às restantes correções objecto do processo.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
Aduz o recorrente, em síntese, que da leitura do artº.33, nº.1 al.a), do C.I.R.C., no conceito de "créditos resultantes da actividade normal” devem considerar-se abrangidos apenas os créditos sobre clientes resultantes das transacções de bens e serviços relacionados com a actividade produtiva da empresa. Nestes termos, os descontos e encargos financeiros, debitados aos clientes pelo incumprimento de prazos não entram no conceito de “créditos resultantes da actividade normal” e, consequentemente, não podem sobre eles ser constituídas provisões. Que o Tribunal “a quo” violou os artºs.33, nº.1, al.a), e 34, do C.I.R.C., artº.9, nº.1, al.d), do C.S.C., e artº.11, da L.G.T. (cfr.conclusões 1 a 8 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
A base de incidência do I.R.C. encontra-se consagrada no artº.3, do C.I.R.C., sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultante da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Por outro lado, é no artº.17 e seg. do mesmo diploma que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Para o conceito fiscal de custo vale a definição constante do aludido artº.23, do C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Estamos perante um conceito de custo que se pode considerar comum ao balanço fiscal e ao balanço comercial. A definição fiscal de custo, como conceito mais amplo do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva ampla de actividade e de necessidade da empresa, assim estabelecendo uma conexão objectiva entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daqui decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg.; António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 29/5/2014, proc.7524/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a A. Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 29/3/2006, rec.1236/05; ac.T.C.A.Sul-2ª. Secção, 17/7/2007, proc.1107/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc. 5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2014, proc.6754/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/7/2015, proc.8473/15).
Refira-se, igualmente, que as empresas são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo do lucro tributável (cfr.artº.98, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1993; artºs.29 e 31, do C.Comercial).
Revertendo ao caso dos autos, defende, em resumo, a Fazenda Pública que não podem, para efeitos fiscais, ser aceites as provisões para créditos de cobrança duvidosa constituídas pela sociedade impugnante/recorrida, visto que os montantes em causa, relativos a descontos e encargos financeiros, debitados aos clientes pelo incumprimento de prazos, não entram no conceito de “créditos resultantes da actividade normal” e, consequentemente, não podem sobre eles ser constituídas provisões.
Por seu lado, a decisão recorrida concluiu que as dívidas em causa resultam da actividade normal da empresa e, por outro lado, a sociedade impugnante/recorrida efectuou prova da realização de diligências de cumprimento do disposto no artº.34, nº.1, al.c), do C.I.R.C., em virtude do que a presente correcção não deve manter-se na ordem jurídica.
Vejamos quem tem razão.
O imperativo constitucional da tributação dos sujeitos passivos de I.R.C. segundo o seu lucro real produz distintas consequências, num equilíbrio dos direitos das empresas na opção pela tributação de acordo com a sua contabilidade, estruturada segundo princípios de balanço comercial, e das limitações especificamente previstas para a passagem daquele balanço para o balanço fiscal, enquanto base da determinação do lucro tributável. A lei portuguesa tem encontrado na via normativa a solução para a transformação dos princípios destinados a servir as necessidades comerciais das empresas em normas geradoras de uniformidade no apuramento do lucro tributável. Nesta sede, a provisão, caracterizada como uma reserva de determinada quantia destinada a prever uma incomprovada e futura despesa, no acautelar de riscos especiais prováveis do negócio, encontra um regime normativo estruturado na enumeração taxativa das provisões legalmente dedutíveis, assente em princípios gerais (v.g.obrigações e encargos derivados de processos judicias em curso) e normas de aplicação específica (v.g.provisões para créditos de cobrança duvidosa), e sendo vocacionado à prevenção do uso abusivo destes processos contabilísticos que visem o adiamento do pagamento do imposto (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14; J.L.Saldanha Saches, Direito Fiscal, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2002, pág.245 e seg.).
Mais se dirá que, ao abrigo do princípio contabilístico da prudência, os agentes económicos devem adoptar uma postura de cepticismo perante todos os proveitos não realizados e, bem assim, incluir nas respectivas demonstrações financeiras os efeitos que traduzam a compensação das possíveis perdas daqueles montantes. Nestes termos, aos activos que traduzam créditos sobre terceiros devem ser associados os efeitos das incertezas que sobre eles venham a recair. A estas componentes negativas do rédito, reflectidas nas demonstrações financeiras para compensação de prováveis perdas no valor dos activos, era dada a designação de provisões, realidades que actualmente se designam por imparidades.
Atento o anteriormente expendido, a relevância das provisões, adentro cálculos inerentes ao lucro tributável, no duplo aspecto (positivo e negativo) da dotação e reposição, sempre mereceu por parte do legislador fiscal prescrições que visam o seu correcto tratamento.
As contas de provisões são aquelas onde se inscrevem as verbas destinadas a contrabalançar encargos ou prejuízos estimados e actuais de provável processamento futuro ou apenas de montante actualmente incerto. A provisão cria-se com um fim imediato em vista, nomeadamente o de fazer face a um ou mais créditos que se julgam mal parados (cfr.Rogério Fernandes Ferreira, Gestão Financeira, 4ª. edição, I, pág.351 e seg.; A. Álvaro Dória, Reservas e Provisões, Comentário contabilístico, 2ª.edição, Livraria Cruz, Braga, 1983, pág.33 e seg.; ac.S.T.A.-Pleno, 27/2/85, Ap. D.R. de 12/1/87, pág.125 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/11/2001, rec.26080; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 2/10/2001, proc. 4668/00; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/2/2012, proc.4690/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc. 8137/14).
Mais se deve referir que as provisões que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e, bem assim, as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos na lei fiscal, considerar-se-ão proveitos ou ganhos do respectivo exercício (cfr.artº.33, §2, do antigo C.C.I.; artº.33, nº.2, do C.I.R.C., na versão em vigor em 1993).
Como forma de prevenir a utilização abusiva da conta das provisões contabilísticas, permitida pelo uso do conceito indeterminado de “créditos de cobrança duvidosa”, o legislador, no artº.33, nº.1, al.a), do C.I.R.C., efectuou uma delimitação desse conceito indeterminado, mais especificando nas diversas alíneas do artº.34, nº.1, do mesmo diploma, quais as provisões que no âmbito específico dos custos podem relevar fiscalmente, do exame das citadas normas se retirando os pressupostos de tal relevância fiscal, os quais são:
a)que os créditos resultem da actividade normal da empresa;
b)que sejam evidenciados como tal na contabilidade;
c)que, no final do exercício, possam ser considerados de cobrança duvidosa;
d)que esse “risco de incobrabilidade” se mostre “devidamente justificado”, o que ocorre sempre que se verifique uma das seguintes situações:
- o devedor tenha pendente processo especial de recuperação de empresa ou processo de falência;
- os créditos tenham sido reclamados judicialmente;
- os créditos estejam em mora há mais de 6 meses e se demonstre terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento (cfr.F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.308 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/2/2006, proc.7016/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/5/2016, proc.7245/13).
Por último, sempre se dirá que o contribuinte pode socorrer-se de todos os meios de prova que o ordenamento jurídico lhe faculta, nomeadamente a prova testemunhal, no que se refere à prova dos requisitos legais de constituição das provisões para créditos de cobrança duvidosa, designadamente a demonstração da factualidade atinente ao momento em que se verificou o risco de incobrabilidade (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 21/2/2006, proc.7016/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/7/2006, proc.1095/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/6/2010, proc.3976/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/5/2016, proc.7245/13).
"In casu", conforme decidiu o Tribunal "a quo", os montantes em causa, relativos a descontos e encargos financeiros, debitados aos clientes pelo incumprimento de prazos, levando em consideração a actividade principal da sociedade recorrida (cfr.nº.1 do probatório), devem integrar o conceito de "créditos resultantes da actividade normal" da mesma empresa, como da de qualquer credor e, nessa medida, constituir um custo dedutível, nos termos do disposto no artº.33, nº.1, al.a), do C.I.R.C. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/10/2006, rec.668/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/2/2015, proc.8137/14).
Por outro lado, do exame do probatório (cfr.nºs.9 a 11 da factualidade provada) a sociedade impugnante/recorrida efectuou prova da realização de diligências de cumprimento do disposto no artº.34, nº.1, al.c), do C.I.R.C., encontrando-se devidamente evidenciadas na contabilidade, vector que nem sequer é posto em causa pela A. Fiscal.
Com estes pressupostos, outra solução não resta senão a da improcedência do presente recurso e consequente confirmação da decisão do Tribunal "a quo".
Finalizando, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida viole, como defende o recorrente, embora sem fundamentar tais alegações, o disposto nos artºs.33, nº.1, al.a), e 34, do C.I.R.C., artº.9, nº.1, al.d), do C.S.C., e artº.11, da L.G.T.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Sem custas, devido a isenção subjectiva do recorrente.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 13 de Julho de 2016



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)