Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:39/19.2BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/30/2020
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:DISCIPLINA DESPORTIVA;
RESPONSABILIDADE DISCIPLINAR;
RELATÓRIOS OFICIAIS;
PRESUNÇÃO JUDICIAL;
PROVA;
CONTRAPROVA.
Sumário:i) A responsabilidade disciplinar dos clubes e sociedades desportivas prevista no art. 187.º do referido RD da LPFP pelas condutas ou os comportamentos social ou desportivamente incorrectos que nele se mostram descritos e que foram tidos pelos sócios ou simpatizantes de um clube ou de uma sociedade desportiva e pelos quais estes respondem não constitui uma responsabilidade objectiva violadora dos princípios da culpa e da presunção de inocência.

ii) A responsabilidade desportiva disciplinar ali prevista mostra-se ser, in casu, subjectiva, já que estribada numa violação dos deveres legais e regulamentares que sobre clubes e sociedades desportivas impendem neste domínio e em que o critério de delimitação da autoria do ilícito surge recortado com apelo não ao do domínio do facto, mas sim ao da titularidade do dever que foi omitido ou preterido.

iii) Perante a factualidade apurada e vertida nos relatórios oficiais, impunha-se à ora Recorrente abalar os fundamentos em que a presunção se sustentou, bastando para tanto abalar a sua certeza inicial por via da contraprova dos factos presumidos - não se exigindo, porém, a prova do contrário -, o que não sucedeu.

iv) Para tanto não basta a demonstração, em termos genéricos e sem reporte ao evento desportivo concretamente em causa, de que procura sensibilizar os seus adeptos e simpatizantes e os membros das claques, através de reuniões e por mensagens no “facebook”, a fim de evitar comportamentos violentos, físicos ou verbais.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

F... – Futebol, SAD., apresentou junto do Tribunal Arbitral do Desporto, contra a Federação Portuguesa de Futebol, recurso do acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que o sancionou com penas de multa pelas infracções previstas e punidas nos art. 187°, n° 1, alíneas a) e b) do RDLPFP, cometidas durante o jogo de futebol realizado no dia 21.02.2018, no Estádio A..., no jogo entre a E... SAD e a F... SAD (multas no valor global de EUR 2.103,00).

Por decisão arbitral do colégio arbitral do Tribunal Arbitral do Desporto foi decidido julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.

Com aquela não se conformando, veio o F... – Futebol, S.A.D. interpor recurso jurisdicional para este Tribunal Central, aqui se tendo, por acórdão de 4.07.2019, concedido provimento ao recurso, revogada decisão recorrida e anuladas as sanções impugnadas. Mais foram julgadas procedentes as conclusões da alegação da Recorrente no tocante à questão da alteração do valor da acção (foi decidido que o valor da multa em que foi condenada é a utilidade económica que o demandante pretende obter com o pedido que apresenta).

Deste acórdão foi interposto recurso de revista para o STA, o qual, por acórdão de 16.01.2020, concedeu provimento ao recurso principal, revogou o acórdão recorrido e ordenou a baixa dos autos ao TCA Sul para os fins que determinou ficaram referidos. Neste aresto decidiu-se:

Assim, o acórdão recorrido, ao efectuar uma apreciação probatória partindo do pressuposto que, em face do principio da presunção de inocência do arguido, o ánus da prova recaia sempre sobre quem acusava, sem atender à presunção que resultava do citado art. 13.º, al. f), para os relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP, incorreu no erro de direito que lhe é imputado, devendo, por isso, ser revogado

Em consequência, e uma vez que este tribunal não conhece de facto, terão os autos de baixar ao tribunal recorrido para aí se proceder à valoração da prova considerando a aplicação do disposto no art. 13°, al. f), do RD, que implicará, pelo menos, o conhecimento do teor exacto e integral do relatório em questão —. a fim de aferir quais os factos que estão abrangidos pela presunção de que ele goza — e o que tenha sido alegado pela ora recorrida para pôr em causa a sua veracidade — para permitir averiguar se foi criada uma situação de “incerteza razoável” —‘ bem como se, com base nos factos que se devem considerar provados, se podem extrair outros através de presunção judicial.

Procede, pois, o recurso principal, ficando prejudicado o conhecimento do recurso subordinado que foi interposto para a hipótese de este STA manter definitivamente o acórdão do TAD, o que não sucede”.

Cumpre, pois, apreciar o recurso conforme ordenado.

Relembrando as conclusões de recurso da Recorrente, F... – Futebol, SAD.:

i. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 12.02.2019 do TAD, que confirmou a condenação da recorrente pela prática das infracções disciplinares p. e p. pelos arts. 187. °- 1, a) e b) do RD, alegadamente cometidas no jogo entre a E... SAD à F... — Futebol SAD, no dia 21.02.2018, no Estádio A..., punindo-a em multas no valor total de é €2.103,00, e fixando as custas no total de e 6.125,40.

ii. Considerando as infracções p. e p. pelo art. 187.°, n° 1, do RD em causa nos autos, era necessário que o Conselho de Disciplina tivesse carreado aos autos prova suficiente de que os comportamentos indevidos foram perpetrados por sócio ou simpatizante do F... -- Futebol SAD, e ainda, que tais condutas resultaram de um comportamento culposo da F... — Futebol SAD.

iii. O ónus da prova em processo disciplinar cabe ao titular do poder disciplinar; pelo que, sempre se mostrará inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (art. 32.°, n. °s 2 e 10, da CRP), ao direito a um processo equitativo (art. 20.'4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2.° da CRP), a interpretação do art. 13.; aí J)„ do RDLPFP no sentido de que factos não constantes dos relatórios da equipa de arbitragem e do delegado da Liga podem ser dados como provados, por presunção, se a sua verificação não for infirmada pelo arguido.

iv. Mas, à míngua de meios de prova demonstrativos da violação de deveres de cuidado, o Tribunal a quo presumiu que a demandante falhou nos seus deveres, entendendo que caberia ao clube ilidir a presunção de culpa pela qual o Tribunal se segue; recorrendo a um critério da primeira aparência.

v. Este critério decisório viola o princípio de inocência, que se revela como um direito, liberdade e garantia fundamental em processo disciplinar; ancorado no direito de defesa do arguido (art. 32.°, n. °s 2 e 10, da CRP), no princípio do Estado de Direito (art. 2. ° da CRP), e no direito a um processo equitativo (art. 20. 04 da CRP) (f At; do Pleno da Secção do CA do STA de 18-04-2002, Proc. 033881 e At.. do STA de 20-10-2015, Proc. 01546 /14, www.dgsi.pt).

vi. O critério decisório adoptado pelo Tribunal a quo — da prova da primeira aparência, com imposição de ónus da prova ao arguido contraria aberta e frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal administrativo, jurisprudência que representa uma expressão consolidada do cânone da dogmática do princípio da presunção de inocência, constante de todos os tratados e comentários de processo penal e afirmado ve.zes sem conta pelos nossos tribunais superiores (TC, STJ, Relações e TCA s).

vii. Pelo exposto, cumpre repor a legalidade, revogando-se o acórdão recorrido e impondo-se ao Tribunal a quo que adopte um critério decisório em matéria de valoração da prova consentâneo com o principio da presunção de inocência, exigindo-se, designadamente, que a prova de todos os elementos constitutivos da infracção corresponda a um convencimento para além de qualquer dúvida razoável, e não numa convicção da verificação decorrente da verificação de simples indícios resultantes de uma prova de primeira aparência, e que não se imponha à demandante (arguida no processo disciplinar) o ónus de demonstração da não verificação de qualquer elemento tipicamente relevante.

viii. Se assim não se fizer, incorrer-se-á em inconstitucionalidade: pois é inconstitucional --- por violação do princípio da presunção de inocência de que o aiguido beneficia em processo disciplinai; inerente ao seu direito de defesa (arts. 32.°- 2 e -10 da CRP), ao direito a um processo equitativo (ar': 20. °-4 da CRP) e ao princípio do Estado de direito (art. 2° da CRP) --- a interpretação dos artigos 222. °-2 e 250.°-1 do RDLPFP segundo o qual a comprovação de um elemento constitutivo de uma infracção disciplinar está sujeita a um ónus da prova imposto ao arguido, podendo ser dado como provado se, resultando simplesmente indiciado através de uma prova de primeira aparência, o arguido não demonstrar a sua não verificação.

ix. Nem mesmo acolhendo a presunção de verdade prevista no art. 13.°, f) do RD ou jurisprudência recente do Supremo Tribunal Administrativo (processo o 297/2018 de 18-11-2018) se alcançaria a condenação da aqui recorrente, porquanto, face ao vertido nos relatórios de Jogo, sempre se mostra por preencher pressuposto de imputação e condenação: a actuação culposa da recorrente.

x. E inconstitucional, por violação do princípio jurídico-constitucional da culpa (art. 2. ° da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que o arguido beneficia em processo disciplinar; inerente ao seu direito de defesa (arts. 32. °-2 e -10 da CRP), a interpretação dos artigos 13. ° f) e 187. ° -1 a) e b) do RDLPFP no sentido de que a indicação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorrectas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parte desse clube, o que desde já se argui, para todos os efeitos e consequências legais, e inconstitucional, porque, materialmente, na prática, significa impor ao clube uma responsabilidade objectiva por facto de outrem (2.° e 30.°-3 da CRP).

xi. O parâmetro da violação do dever de prevenção adoptado pelo Tribunal a quo é o mesmo para a imputação da infracção p. e p. pelo art. 187. º, n.° 1, a) do RD, correspondente ao comportamento incorrecto dos adeptos consubstanciado em cânticos grosseiros e ofensivos de terceiros-.

xii. Acontece que, responsabilizar disciplinarmente os clubes pelas grosseiras ditas pelos seus adeptos significa puni-los por algo que, objectivamente, não estão em condições de prevenir ou evitar, o que equivale a uma responsabilidade objectiva, pelo que, não podia o Tribunal a quo condenar a recorrente pela violação do art. 187.º-1, a) do RD.

xiii. Não obstante não caber à Demandante, aqui recorrente, o ónus da prova em processo disciplinar, sempre se terá de conceder que foi pela recorrente demonstrado a prática de medidas preventivas junto dos seus adeptos, tanto assim é que o Tribunal a quo julgou como provado que " O OLA F... tenta sensibilizar os adeptos reunindo semanalmente com os GOA e falando em particular com os grupos mais problemáticos e com as direções das claques e já tendo efetuado apelos públicos e usando o facebook, institucional" (cf. Pág. 17 do acórdão recorrido).

xiv. Pelo que sempre se mostra prejudicada a decisão recorrida, razão pela qual deve ser revogada.

xv. A modificação do valor da causa promovida pelo Tribunal a quo para 30.000,01 — ao invés do total da multa por que foi a recorrente condenada — foi feita em violação do previsto no art. 33.°, b) do CPTA, pelo que se impõe repor a legalidade. Fixando-se o valor da acção no montante de C 2.485,00 daí se extraindo as devidas consequências.

xvi. Considerando o critério da nossa jurisprudência constitucional, os custos fixados não são compatíveis com o principio da tutela jurisdicional efectiva, o direito fundamental de acesso à justiça (arts. 20.° e 268.º-4 da CRP) soluções normativas de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito, como é o caso do TAD.

xvii. Uma vez que as normas conjugadamente aplicadas pelo Tribunal a quo para fixar o valor das custas finais (art. 2.° - 1 e -5, conjugado com a tabela constante do Anexo 1 (2.ª linha), da Portaria n.° 301/2015, articulado ainda com o previsto nos arts. 76.º/1/2/3 e 77. º/1/ 5 / 6 da Lei do TAD) são inconstitucionais por violação do principio da proporcionalidade ( art. 2. ° da CRP) e do princípio da tutela jurisdicional (art. 20.°-1 e 268.º-4 da CRP), devem essas normas ser desaplicadas (ar!. 204.° da CRP).

A Recorrida Federação Portuguesa de Futebol contra-alegou pugnando pela manutenção do decido.

A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste TCAS pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, com excepção da parte respeitante à fixação do valor da acção.



I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, tendo presente o alcance do caso julgado formado pelo acórdão do STA, traduzem-se em apreciar:

- Se o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter confirmado a condenação em multa pela prática das infracções p. e p. pelo art. 187.º, nº 1, al.s a) e b) do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (RDLPFP).



II. Fundamentação

II.1. De facto

O TAD deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:


«Imagem no original»



Foi autonomamente exarada a fundamentação da decisão da matéria de facto, como segue:


«Imagem no original»

O tribunal arbitral considerou não existir factos não provados com relevância para a decisão da causa.



II.2. De direito

A título preliminar importa deixar estabelecido que a questão do imputado erro de direito a propósito da matéria das presunções judiciais em processo sancionatório e sua correspectiva desconformidade constitucional, foi já resolvida pelo STA no acórdão que conheceu do recurso de revista. No citado acórdão escreveu-se:

No domínio do direito disciplinar, a que se aplicam subsidiariamente os princípios do direito penal, é licito o uso das presunções judiciais que, no entanto, como juízo de facto, só pode ser censurado por este Tribunal nos estritos limites que ficaram referidos.

No caso em apreço, como vimos, para anular as sanções que haviam sido aplicadas pelo CD, o acórdão recorrido entendeu que a circunstância de os comportamentos incorrectos terem ocorrido em bancadas ocupadas por adeptos do F..., não permitia considerar provado que os seus autores eram sócios ou simpatizantes deste clube, por tal não se poder extrair do teor dos relatórios do jogo nem por presunção judicial.

A esta apreciação probatória, a recorrente aponta um erro de direito, resultante de não se ter tomado em consideração a presunção de veracidade legalmente estabelecida para os mencionados relatórios.

E, com efeito, enquanto as decisões do CD e do TAD se fundaram na referida presunção, o acórdão recorrido desconsiderou-a.

Porém, é indubitável que, no domínio do direito disciplinar desportivo, vigora o princípio geral da “presunção de veracidade dos factos constantes das declarações e relatórios da equipa de arbitragem e dos delegados da Liga, e por eles percepcionado no exercício das suas funções, enquanto a veracidade do seu conteúdo não for fundadamente posto em causa” [art.° 13°, ai. f), do RD].

Esta presunção de veracidade, que se inscreve nos princípios fundamentais do procedimento disciplinar, confere, assim, um valor probatório reforçado aos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP relativamente aos factos deles constantes que estes tenham percepcionado.

E não se vê que o estabelecimento desta presunção seja inconstitucional, quando o Tribunal Constitucional, no Ac. n.° 391/2015, de 12/8 (publicado no DR, II Série, de 16/11/2015), considerou que, mesmo em matéria penal, são admissíveis presunções legais, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustente e desde que para tal baste a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário.

Aliás, tal como o Tribunal Constitucional entendeu para a situação idêntica da fé em juizo dos autos de notícia (cf., entre muitos, o Ao. de 6/5/87 in BMJ 367.°-224; o Ao. de 9/3/88 in DR, II Série, de 16/8/88; o Ao. de 30/11/88 in DR, II Série, de 23/2/89; o Ac. de 25/1/89 in DR, II Série, de 6/5/89; o Ao. de 9/2/89 in DR, II Série, de 16/5/89; e o Ac. de 23/2/89 in DR, II Série, de 8/6/89), cremos que a presunção de veracidade em causa — que incide sobre um puro facto e que pode ser ilidida mediante a criação, pelo arguido, de uma mera situação de incerteza — não acarreta qualquer presunção de culpabilidade suscetível de violar o princípio da presunção de inocência ou de colidir com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente protegidas (art. 32°, n°s. 2 e 10, da CRP). Com efeito, o valor probatório dos relatórios dos jogos, além de só respeitarem, como vimos, aos factos que nele são descritos como percepcionados pelos delegados e não aos demais elementos da infracção, não prejudicando a valoração jurídico-disciplinar desses factos, não é definitiva mas só “prima facie” ou de “interim”, podendo ser questionado pelo arguido e se, em face dessa contestação, houver uma incerteza razoável” quanto à verdade dos factos deles constantes, impõe-se, para salvaguarda do princípio “in dubio pro reo”, a sua absolvição”.

Ficou, deste modo, resolvida a questão da invalidade da decisão por violação do princípio da presunção da inocência, bem como a questão relativa à presunção de veracidade dos relatórios prevista no art. 13.º al. f) do RD, a qual não opera uma inversão do ónus da prova.

Assim, considerando o quadro fixado, a este tribunal cumprirá conhecer das questões relativas à matéria de facto, sua valoração e consequências daí a extrair. Como ordenado no acórdão do STA, isso consubstancia-se em: “valoração da prova considerando a aplicação do disposto no art. 13°, al. f), do RD, que implicará, pelo menos, o conhecimento do teor exacto e integral do relatório em questão —. a fim de aferir quais os factos que estão abrangidos pela presunção de que ele goza — e o que tenha sido alegado pela ora recorrida para pôr em causa a sua veracidade — para permitir averiguar se foi criada uma situação de “incerteza razoável” — bem como se, com base nos factos que se devem considerar provados, se podem extrair outros através de presunção judicial”.

Vejamos então, sendo que, por um lado, não vem impugnada a matéria de facto e, por outro lado, sempre a reapreciação da factualidade provada subjacente ao ordenado pelo STA, por imperativo das regras do processo penal (aqui subsidiariamente aplicável) se terá que limitar à descrição dos factos e circunstâncias factuais que não envolvam uma alteração substancial dos factos (art.s 358.º e 359.º do CPP).

O que está em causa no caso concreto é a responsabilização do F... – SAD por violação de deveres a que estava obrigado de modo a evitar comportamentos incorrectos dos seus adeptos, em jogo em que a equipa participou na qualidade de visitante, sendo que de acordo com o relatório elaborado pelos delegados da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), os adeptos do F... levaram a cabo “condutas incorretas”.

Importa, portanto, determinar se os Relatórios da equipa de arbitragem e dos Delegados da LPFP, atento os respectivos conteúdos, são suficientes e adequados para sustentar a punição, existindo no caso concreto uma presunção de veracidade do conteúdo de tais documentos (artigo 13.º, al. f) do RD da LPFP) e se o F...-SAD apresentou contraprova suficiente para abalar essa convicção.

Alega a Recorrente que foi por si demonstrado a prática de medidas preventivas junto dos seus adeptos. Concretiza que o tribunal a quo julgou como provado que "O OLA F... tenta sensibilizar os adeptos reunindo semanalmente com os GOA e falando em particular com os grupos mais problemáticos e com as direções das claques e já tendo efetuado apelos públicos e usando o facebook, institucional".

Será que estes factos — que estão provados — e que apontam para a existência de sensibilização semanal dos adeptos do Clube, em particular, junto dos grupos mais problemáticos, e por via do “facebook” contra a violência desportiva, abalam o juízo de culpa que esteve na base da punição do ora Recorrente?

Achamos que não.

Com efeito, o que decorre do teor do relatório em questão é que, inequivocamente e como provado, “aos 8 minutos da segunda parte do jogo, os adeptos afectos ao F..., situados na bancada nascente atiraram 1 (um) pote de fumo e 1 (um) flash light. Os mesmos adeptos atiraram 1 (um) pote de fumo e 1(um) flash light aos 14 minutos da segunda parte do jogo”. E também do Relatório de Ocorrências elaborado pelas forças de segurança, no caso a GNR, consta a descrição da mesma factualidade (cfr. fls. 115-116 e fls. 169 do processo instrutor).

Por outro lado, da alegação da ora Recorrente que suportou o recurso hierárquico impróprio para o Pleno da Secção Disciplinar, o que se retira é a alegação de que “os autos não aportam quaisquer elementos probatórios que sustentem que a recorrente nada tenha feito para impedir a ocorrência de tais condutas” (cfr. fls. 85 e s., fls. 88 do processo instrutor). Nada, porém, alegou quanto ao desenvolvimento de quaisquer condutas positivas por si desenvolvidas tendentes a repelir a violência no desporto, muito menos por referência ao concreto evento desportivo por que foi punida.

E pela ora Recorrente foi requerida a audição de uma testemunha – F... de Sousa, Oficial de Ligação aos Adeptos do F..., a qual foi ouvida por vídeo-conferência. De relevo, o que afirmou e que já vem provado, foi que tem reuniões semanais com os responsáveis dos grupos organizados de adeptos do F..., nas quais são abordadas as questões atinentes ao comportamento do público no decurso dos jogos, quer em casa, quer fora, com particular destaque para a problemática do uso de engenhos pirotécnicos. De igual modo, afirmou que no seu “facebook” institucional faz apelos públicos ao bom comportamento dos adeptos do F... e ao não uso de engenhos pirotécnicos nos jogos e que sempre que no decurso dos jogos os adeptos pertencentes aos grupos organizados de adeptos do F... adotam comportamentos incorrectos, intervém junto dos respectivos líderes desses grupos a fim de tentar obviar a que tais comportamentos se repitam.

Ora, como o STA repetidamente tem afirmado, “]a] prova dos factos conducentes à condenação do arguido em processo disciplinar não exige uma certeza absoluta da sua verificação, dado a verdade a atingir não ser a verdade ontológica, mas a verdade prática, bastando que a fixação dos factos provados, sendo resultado de um juízo de livre convicção sobre a sua verificação, se encontre estribada, para além de uma dúvida razoável, nos elementos probatórios coligidos que a demonstrem ainda que fazendo apelo, se necessário, às circunstâncias normais e práticas da vida e das regras da experiência”. // “Temos, ainda, que a condenação em pena disciplinar deve assentar ou estribar-se em provas que permitam um juízo de certeza, ou seja, uma convicção segura, que esteja para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados [cfr., entre outros, Acs. deste Supremo de 07.10.2004 - Proc. n.º 0148/03, 28.04.2005 - Proc. n.º 0333/05, de 21.10.2010 - Proc. n.º 0607/10, de 28.06.2011 - Proc. n.º 0900/10, de 15.03.2012 - Proc. n.º 0426/10, de 23.01.2013 (Pleno) - Proc. n.º 0772/10, de 14.01.2016 - Proc. n.º 01546/14, de 28.01.2016 - Proc. n.º 0404/14, de 13.07.2016 - Proc. n.º 0516/14]. // “É que no processo sancionador a prova da prática da infração que é exigida deve ser conclusiva e inequívoca no sentido de que o sancionado é o autor responsável, não podendo impor-se uma sanção disciplinar com base em simples indícios ou conjeturas subjetivas. // “Na verdade, como afirmado no acórdão deste STA de 07.06.2005 [Proc. n.º 0374/05] a «“prova dos factos integrantes da infração disciplinar cujo ónus impende sobre a entidade administrativa que exerce o poder disciplinar, através do instrutor do processo, tem de atingir um grau de certeza que permita desferir um juízo de censura baseado em provas convincentes para um apreciador arguto e experiente, de modo a ficar garantida a segurança na aplicação do direito sancionatório”», segurança essa que não se encontra garantida se «a prova coligida no processo disciplinar não legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido». // Note-se, todavia, que a condenação do arguido em processo disciplinar não exige que a certeza tenha de ser «absoluta, férrea ou apodítica da sua responsabilidade» [cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo de 21.10.2010 - Proc. n.º 0607/10, de 15.03.2012 - Proc. n.º 0426/10, de 07.01.2016 - Proc. n.º 0131/13], dado o preenchimento do grau de certeza exigido se bastar com existência de elementos probatórios coligidos no processo e que o «demonstrem segundo as normais circunstâncias práticas da vida e para além de uma dúvida razoável». // Com efeito, a prova dos factos não exige uma certeza absoluta da sua verificação, dado «a verdade a atingir não ser a verdade ontológica, mas a verdade prática» [cfr. o citado Ac. deste Supremo de 07.01.2016 - Proc. n.º 0131/13], uma «verdade histórico-prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo o preço, mas processualmente válida» [cfr. J. Figueiredo Dias, in: «Direito Processual Penal», I, 1981, pág. 194], bastando, por isso, que a fixação dos factos provados, sendo resultado de um juízo de livre convicção sobre a sua verificação, se encontre estribada, para além de uma dúvida razoável, nos elementos probatórios coligidos que a demonstrem ainda que fazendo apelo, se necessário, às circunstâncias normais e práticas da vida e das regras da experiência.

No caso concreto, a ora Recorrente verdadeiramente não nega ou põe efetivamente em causa a ocorrência dos factos registados no relatório do delegado da LPFP ao jogo, sendo que é inequívoco, como já demonstrado supra, que foram adeptos seus os autores dos factos em causa nos presentes autos.

Como também se extraí da jurisprudência do STA (cfr. o ac. de 21.02.2019, proc. n.º 33/18.0BCLSB):

“(…)

48. Constitui uma incumbência do Estado, em colaboração, nomeadamente, com as associações e coletividades desportivas [in casu, os clubes de futebol] a prevenção e combate à violência no desporto [cfr., no quadro internacional a «Convenção Europeia sobre a Violência e os Excessos dos Espectadores por Ocasião das Manifestações Desportivas e nomeadamente de Jogos de Futebol» vulgo «Convenção ETS n.º 120» (aprovada, por ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 11/87, de 10.03, e que cessou a sua vigência em 01.01.2019 - cfr. Aviso n.º 90/2018 publicado DR 26.07.2018) e a «Convenção sobre uma Abordagem Integrada da Segurança, Proteção e Serviços por Ocasião de Jogos de Futebol e Outras Manifestações Desportivas» (ETS n.º 218 - vigente na nossa ordem jurídica desde 01.08.2018 - cfr. Aviso n.º 91/2018 publicado DR 26.07.2018); no quadro normativo interno, nomeadamente, os arts. 79.º, n.º 2, da CRP, 03.º, n.º 2, 05.º da Lei n.º 5/2007, de 16.01 (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto - doravante LBAFD), 01.º, 05.º, 07.º, 08.º, 09.º, 16.º a 18.º, 23.º a 25.º, da Lei n.º 39/2009, de 30.07 (diploma que veio estabelecer o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança - com as alterações introduzidas pela Lei n.º 52/2013, de 25.07)], pugnando-se para que a atividade desportiva seja «desenvolvida em observância dos princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva e da formação integral de todos os participantes» [cfr. o art. 03.º, n.º 1, da LBAFD].

49. Em decorrência do que neste domínio constituem as obrigações e deveres legais enunciados no referido quadro normativo, que impendem, também, sobre os clubes e as sociedades desportivas, vieram, entretanto, a ser aprovados e publicitados pelas entidades responsáveis e organizadores das competições desportivas diversos regulamentos internos em matéria não apenas da organização daquelas competições, mas, também, de prevenção e punição das manifestações de violência, racismo, xenofobia e intolerância nos espetáculos desportivos, e, bem assim, de disciplina, nomeadamente, dos clubes de futebol e sociedades desportivas e dos agentes desportivos [cfr., no que aqui releva, o RD/LPFP-2017 - seus arts. 04.º, n.º 1, als. a) e b) 19.º, 66.º, 80.º, 94.º a 96.º, 105.º, 113.º, 131.º, 132.º, 145.º, 151.º a 154.º, 157.º a 159.º, 173.º, 178.º a 187.º - e o RC/LPFP-2017 - seus arts. 03.º, als. a) e d), 34.º, 35.º, 36.º e Anexo VI ao mesmo Regulamento].

50. Assim, no contexto do futebol, extrai-se do art. 06.º do RD/LPFP-2017 que o regime disciplinar desportivo é autónomo e independente da «responsabilidade civil ou penal, assim como do regime emergente das relações laborais ou estatuto profissional, os quais serão regidos pelas respetivas normas em vigor» [n.º 1], bem como da «responsabilidade disciplinar de natureza associativa decorrente da qualidade de associado da Liga Portuguesa de Futebol Profissional» [n.º 2], sendo que a «aplicação de sanções criminais, contraordenacionais, administrativas, cíveis ou associativas não constitui impedimento, atento o seu distinto fundamento, à investigação e punição das infrações disciplinares de natureza desportiva» [n.º 3], prevendo-se, no que releva, quanto ao âmbito subjetivo de aplicação das normas disciplinares que os «clubes são responsáveis pelas infrações cometidas nas épocas desportivas em que participarem nas competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e no âmbito dessas competições» [cfr. art. 07.º, n.º 2].

51. O conceito de «infração disciplinar» mostra-se definido no n.º 1 do art. 17.º do referido RD ali se preceituando que se considera «infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável», elencando-se nos seus arts. 29.º e 30.º o leque de sanções disciplinares [principais e acessórias] e quais aquelas que são aplicáveis aos clubes.

52. Resulta, por sua vez, do capítulo IV do RD/LPFP-2017 o elenco de infrações disciplinares, prevendo-se na sua secção I as «infrações específicas dos clubes», as quais podem ser «muito graves» [cfr. subsecção I, arts. 62.º a 83.º], «graves» [cfr. subsecção II, arts. 84.º a 118.º] e «leves» [cfr. subsecção III, arts. 119.º a 127.º], seguindo-se depois as infrações de dirigentes, de jogadores, de delegados dos clubes e dos treinadores, e na secção VI o regime das «infrações dos espectadores», resultando enunciado no art. 172.º, como princípio geral, o de que os «clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial» [n.º 1] e de que «[s]em prejuízo do acima estabelecido, no que concerne única e exclusivamente ao autocarro oficial da equipa visitante, o clube visitado será responsabilizado pelos danos causados em consequência dos atos dos seus sócios e simpatizantes praticados nas vias públicas de acesso ao complexo desportivo» [n.º 2] [sublinhado nosso].

53. Também as «infrações dos espectadores» se mostram qualificadas como podendo ser «muito graves» [cfr. subsecção II, arts. 173.º a 178.º], «graves» [cfr. subsecção III, arts. 179.º a 184.º] e «leves» [cfr. subsecção IV, arts. 185.º a 187.º], estipulando-se, no que releva para o litígio, no seu art. 187.º, respeitante a «comportamento incorreto do público», que «[f]ora dos casos previstos nos artigos anteriores, o clube cujos sócios ou simpatizantes adotem comportamento social ou desportivamente incorreto, designadamente através do arremesso de objetos para o terreno de jogo, de insultos ou de atuação da qual resultem danos patrimoniais ou pratiquem comportamentos não previstos nos artigos anteriores que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina é punido nos seguintes termos: a) o simples comportamento social ou desportivamente incorreto, com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 5 UC e o máximo de 15 UC; b) o comportamento não previsto nos artigos anteriores que perturbe ou ameace a ordem e a disciplina, designadamente mediante o arremesso de petardos e tochas, é punido com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 15 UC e o máximo de 75 UC» [n.º 1].

54. Decorre, por outro lado, do art. 34.º do RC/LPFP-2017, relativo à segurança e utilização dos espaços de acesso público, que os «clubes estão obrigados a elaborar um regulamento de segurança e utilização dos espaços de acesso ao público relativo ao estádio por cada um utilizado na condição de visitado e cuja execução deve ser concertada com as forças de segurança, a ANPC e os serviços de emergência médica e a Liga» [n.º 1], e que tal regulamento deverá conter, designadamente, medidas relativas à «a) separação física dos adeptos, reservando-lhes zonas distintas, nas competições desportivas consideradas de risco elevado; … d) instalação ou montagem de anéis de segurança e adoção obrigatória de sistemas de controlo de acesso, de modo a impedir a introdução de objetos ou substâncias proibidas ou suscetíveis de possibilitar ou gerar atos de violência, nos termos previstos na lei» [n.º 2].

55. Resulta do art. 35.º do mesmo RC que «[e]m matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, são deveres dos clubes: a) assumir a responsabilidade pela segurança do recinto desportivo e anéis de segurança; b) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados; c) aplicar medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública, impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respetivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto; (…) f) garantir que são cumpridas todas as regras e condições de acesso e de permanência de espetadores no recinto desportivo; (…) k) não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos, em violação dos princípios e regras definidos na Lei n.º 39/2009, de 30 de julho, com a redação dada pela Lei n.º 52/2013, de 25 de julho; l) zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube participem do espetáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos; (…) o) desenvolver ações de prevenção socioeducativa, nos termos da lei; (…) s) reservar, nos recintos desportivos que lhe são afetos, uma ou mais áreas específicas para os filiados dos grupos organizados de adeptos» [n.º 1], e que «[p]ara efeito do disposto na alínea f) do número anterior, e sem prejuízo do estabelecido no artigo 24.º da Lei n.º 39/2009 (…) e no Regulamento de prevenção da violência constante do Anexo VI, são considerados proibidos todos os objetos, substâncias e materiais suscetíveis de possibilitar atos de violência, designadamente: (…) f) substâncias corrosivas ou inflamáveis, explosivas ou pirotécnicas, líquidos e gases, fogo-de-artifício, foguetes luminosos (very-lights), tintas, bombas de fumo ou outros materiais pirotécnicos; g) latas de gases aerossóis, substâncias corrosivas ou inflamáveis, tintas ou recipientes que contenham substâncias prejudiciais à saúde ou que sejam altamente inflamáveis» [n.º 2], sendo que «[p]ara além do disposto nos números anteriores, os clubes visitados, ou considerados como tal, devem proceder à colocação, em todas as entradas do estádio, de um mapa-aviso, de dimensões adequadas, com a descrição de todos os objetos ou comportamentos proibidos no recinto ou complexo desportivo, nomeadamente invasões do terreno de jogo, arremesso de objetos, uso de linguagem ou cânticos injuriosos ou que incitem à violência, racismo ou xenofobia, bem como a introdução (…) material produtor de fogo-de-artifício ou objetos similares, e quaisquer outros suscetíveis de possibilitar a prática de atos de violência» [n.º 6] [sublinhados nossos].

56. E quanto aos regulamentos de prevenção da violência [cfr. art. 36.º daquele RC] a matéria surge regulada nos referidos RD/LPFP e no anexo VI ao RC/LPFP [o RPV/RC/LPFP - adotado ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 05.º da Lei n.º 39/2009 (cfr. art. 02.º do mesmo RPV - «norma habilitante»)], extraindo-se do seu art. 04.º que «[c]ompete à Liga e aos seus associados, incentivar o respeito pelos princípios éticos inerentes ao desporto e implementar procedimentos e medidas destinados a prevenir e reprimir fenómenos de violência, racismo, xenofobia e intolerância nas competições e nos jogos que lhes compete organizar», constituindo deveres do «promotor do espetáculo desportivo» [no caso os «clubes» - cfr. art. 05.º, al. h), do referido RPV], no que aqui ora releva, os de «(…) b) assumir a responsabilidade pela segurança do recinto desportivo e anéis de segurança; c) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados; (…) l) não apoiar, sob qualquer forma, grupos organizados de adeptos, em violação dos princípios e regras definidos na Lei n.º 39/2009 (…); m) zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube, associação ou sociedade desportiva participem do espetáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos; p) desenvolver ações de prevenção socioeducativa, nos termos da lei; (…) t) reservar, nos recintos desportivos que lhe são afetos, uma ou mais áreas específicas para os filiados dos grupos organizados de adeptos; u) instalar e manter em funcionamento um sistema de videovigilância, de acordo com o preceituado nas leis aplicáveis» [cfr. art. 06.º do mesmo Regulamento].

57. Constituem, por último, condições de acesso dos espetadores ao recinto desportivo definidas no art. 09.º do referido Regulamento, nomeadamente, o: «f) não entoar cânticos racistas ou xenófobos ou que incitem à violência; (…) l) consentir na revista pessoal e de bens, de prevenção e segurança, com o objetivo de detetar e/ou impedir a entrada ou existência de objetos ou substâncias proibidos ou suscetíveis de possibilitar atos de violência; m) não transportar ou trazer consigo objetos, materiais ou substâncias suscetíveis de constituir uma ameaça à segurança, perturbar o processo do jogo, impedir ou dificultar a visibilidade dos outros espetadores, causar danos a pessoas ou bens e/ou gerar ou possibilitar atos de violência, nomeadamente: (…) vi. substâncias corrosivas ou inflamáveis, explosivas ou pirotécnicas, líquidos e gases, fogo-de-artifício, foguetes luminosos (very-lights), tintas, bombas de fumo ou outros materiais pirotécnicos; vii. latas de gases aerossóis, substâncias corrosivas ou inflamáveis, tintas ou recipientes que contenham substâncias prejudiciais à saúde ou que sejam altamente inflamáveis», sendo que o acesso e permanência dos grupos organizados de adeptos [cfr. art. 11.º] se mostra disciplinado pelo estabelecido, nomeadamente, no art. 09.º, sendo sempre obrigatória a revista pessoal aos mesmos e seus bens.

58. Encerrando-se aqui o elencar do quadro normativo tido por pertinente para a análise do litígio temos que a previsão do ilícito desportivo disciplinar em questão, no caso o inserto no art. 187.º do RD/LPFP-2017, mostra-se clara e perfeitamente integrada naquilo que, por um lado, são os deveres legais e regulamentares atrás aludidos e que nesta matéria impendem, nomeadamente, sobre os clubes e sociedades desportivas, e, por outro lado, no que, mais vastamente, constituem os objetivos e os fins da política de combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança e desportivismo, prevenindo a eclosão e reprimindo a existência ou a manifestação de tais fenómenos.

59. Através da previsão do referido ilícito desportivo disciplinar visa-se a prossecução e realização daqueles objetivos e fins, prevenindo e reprimindo os comportamentos e as condutas que nele se mostram tipificados e que são atentatórios e desconformes com aqueles objetivos e fins, fazendo responder clubes e sociedades desportivas por tais condutas e comportamentos incorretos, tidos pelo público aos mesmos afeto ou simpatizante, enquanto reveladores da inobservância por estes, por ação ou por omissão, do que constituem os seus deveres legais e regulamentares gerais e especiais constantes dos comandos normativos atrás convocados.

60. Na formulação do que constitui o tipo de ilícito disciplinar inserto no art. 187.º do RD/LPFP-2017 e do que, em decorrência, se exige para o seu preenchimento em concreto, estão subjacentes, tão-só, as condutas ou os comportamentos social ou desportivamente incorretos que nele se mostram descritos e que foram tidos pelos sócios ou simpatizantes de um clube/sociedade desportiva e pelos quais os mesmos respondem, porquanto decorrentes ou fruto do que constitui o incumprimento pelos mesmos, por ação ou omissão, do dever in vigilando que têm sobre as suas claques e adeptos, nomeadamente e no que releva para a discussão objeto dos autos sub specie, de que houve alguma falha no dever de revista dos adeptos, no dever de revista do estádio, no dever de controlar os adeptos dentro do estádio, no dever de demover os adeptos de praticarem ou desenvolverem tal tipo de comportamentos e condutas. [sublinhado nosso]

61. Ora no caso vertente inexiste, por não aportado aos autos, um qualquer elemento densificador e revelador do cumprimento por parte da demandante dos deveres a que está subordinada no que respeita aos deveres de formação, controlo e vigilância do comportamento dos seus adeptos e espectadores, bem sabendo que estava obrigada a cuidar dos mesmos e que eram os seus adeptos que ocupavam a denominada «bancada sul», onde se verificaram as ocorrências registadas no Relatório.

62. Sobre os clubes de futebol e as respetivas sociedades desportivas, como é o caso da demandante aqui recorrida, recaem especiais deveres na assunção, tomada e implementação de efetivas medidas não apenas dissuasoras e preventivas, mas, também, repressoras, dos fenómenos de violência associada ao desporto e de falta de desportivismo, de molde a criar as condições indispensáveis para que a ordem e a segurança nos estádios de futebol português sejam uma realidade. [sublinhado nosso]

63. Neste contexto, ao invés do sustentado pela demandante na sua impugnação e que veio a ter acolhimento no acórdão recorrido, não estamos em face de uma qualquer situação de responsabilidade disciplinar objetiva violadora dos princípios e comandos constitucionais.

64. Com efeito, mostra-se ser in casu subjetiva a responsabilidade desportiva na vertente disciplinar da demandante aqui recorrida, já que estribada naquilo que foi uma violação dos deveres legais e regulamentares que sobre a mesma impendiam neste domínio e em que o critério de delimitação da autoria do ilícito surge recortado com apelo não ao do domínio do facto, mas sim ao da titularidade do dever que foi omitido ou preterido. [sublinhado nosso]

65. É que se no domínio da prevenção da violência associada ao fenómeno desportivo o quadro normativo impõe deveres a um leque alargado de destinatários, nomeadamente, aos clubes de futebol e respetivas sociedades desportivas, é porque lhes reconhece capacidade para os cumprir e também para os violar, pelo que apurando-se a violação de deveres legalmente estabelecidos os destinatários dos mesmos serão responsáveis por essa violação.

66. Socorrendo-nos e transpondo para o caso vertente a jurisprudência do TC expendida no acórdão n.º 730/95 [consultável in: «www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/» e que foi firmada no quadro da apreciação da conformidade constitucional da sanção de interdição dos estádios por comportamentos dos adeptos dos clubes prevista nos arts. 03.º a 06.º do DL n.º 270/89, de 18.08 (diploma no qual se continham medidas preventivas e punitivas de violência associada ao desporto) e 106.º do Regulamento Disciplinar da FPF], temos que os ilícitos disciplinares ou disciplinares desportivos imputados e pelos quais a demandante aqui recorrida foi sancionada resultam de «condutas ilícitas e culposas das respetivas claques desportivas (assim chamadas e que são os sócios, adeptos ou simpatizantes, como tal reconhecidos) - condutas que se imputam aos clubes, em virtude de sobre eles impenderem deveres de formação e de vigilância que a lei lhes impõe e que eles não cumpriram de forma capaz», «[d]everes que consubstanciam verdadeiros e novos deveres in vigilando e informando», presente que cabe a cada clube desportivo o «dever de colaborar com a Administração na manutenção da segurança nos recintos desportivos, de prevenir a violência no desporto, tomando as medidas adequadas», concluindo-se no sentido de que «[n]ão é, pois, (…) uma ideia de responsabilidade objetiva que vinga in casu, mas de responsabilidade por violação de deveres».

67. É, por conseguinte, neste ambiente de proteção, salvaguarda e prevenção da ética desportiva, bem como do combate a manifestações de violência associada ao desporto, que incidem ou recaem sobre vários entes e entidades envolvidos, designadamente sobre os clubes de futebol e respetivas sociedades desportivas, um conjunto de novos deveres in vigilando e in formando e em que a inobservância destes deveres assenta não necessariamente numa valoração social, moral ou cultural da conduta do infrator, mas antes no incumprimento de uma imposição legal, sancionando-se aqueles por via da contribuição omissiva, causal ou co causal que tenha conduzido a um comportamento ou conduta dos seus adeptos.

68. Na verdade, não estamos in casu, pois, perante uma responsabilidade objetiva já que o regime previsto nos arts. 17.º, 19.º, 20.º, 127.º, 187.º, n.º 1, als. a) e b), do RD/LPFP-2017 em articulação, nomeadamente, com os arts. 06.º, al. g), e 09.º, n.º 1, al. m), do RPV/RC/LPFP-2017 e com o que resulta do demais quadro normativo atrás convocado, observa o princípio da culpa, tanto mais que em sua decorrência apenas se sancionam os clubes de futebol ou as suas sociedades desportivas pelos comportamentos incorretos do seu público havidos em violação por aqueles dos deveres que sobre os mesmos impendiam.

69. Daí que, no contexto, o princípio constitucional da culpa, enquanto servindo, igualmente, de elemento conformador e basilar ao Estado de direito democrático, e tendo como pressuposto o de que qualquer sanção configura a reação à violação culposa de um dever de conduta, considerado socialmente relevante e que foi prévia e legalmente imposto ao agente, não se mostra minimamente infringido, tanto mais que será no quadro do processo disciplinar a instaurar [cfr. arts. 212.º e segs., 225.º e segs., do RD/LPFP-2017] que se terão de averiguar e apurar todos os elementos da infração disciplinar, permitindo, como se refere no citado acórdão do TC, que «por esta via, a prova de primeira aparência pode vir a ser destruída pelo clube responsável (por exemplo, através da prova de que o espectador em causa não é sócio, simpatizante ou adepto do clube)».

70. Frise-se que é na e da inobservância dos deveres de assunção da responsabilidade pela segurança do que se passe no recinto desportivo e do desenvolvimento de efetivas ações de prevenção socioeducativa que radica ou deriva a responsabilidade disciplinar desportiva em questão, dado ter sido essa conduta que permitiu ou facilitou a prática pelos seus adeptos dos atos ou comportamentos proibidos ou incorretos.

71. E que cabe aos clubes de futebol/sociedades desportivas a demonstração da realização por parte dos mesmos junto dos seus adeptos das ações e dos concretos atos destinados à observância daqueles deveres e, assim, prevenirem e eliminarem a violência, e isso sejam atos e ações desenvolvidos em momento anterior ao evento, sejam, especialmente, imediatamente antes ou durante a sua realização.[sublinhado e carregado nossos]

72. Para o efeito, aportando prova demonstradora, designadamente, de um razoável esforço no cumprimento dos deveres de formação dos adeptos ou da montagem de um sistema de segurança que, ainda que não sendo imune a falhas, conduza a que estas ocorrências e condutas sejam tendencialmente banidas dos espetáculos desportivos, assumindo ou constituindo realidades de carácter excecional.

73. A previsão no quadro disciplinar do ilícito desportivo em crise mostra-se, assim, devidamente legitimada já que encontra, ou vê radicar, repousar os seus fundamentos não apenas naquilo que é a necessária prevenção, mas, também, na culpa, sancionando-se o que constitui um negligente cumprimento dos deveres supra enunciados, sem que, de harmonia com o exposto, um tal entendimento atente ou enferme de violação dos princípios da culpa e do Estado de direito, ou constitua um entorse aos direitos de defesa e a um processo equitativo, dado que assegurados e garantidos em consonância e adequação com o entendimento e interpretação fixados.

(…).”

Doutrina esta replicada, i.a., nos acórdãos do STA de 4.04.2019 proc.s n.ºs 030/18.6BCLSB e 040/18.3BCLSB, de 2.05.2019, proc. nº 073/18.0BCLSB, e no acórdão de 19.06.2019, proc. nº 01/18.2BCLSB.

E o Tribunal Constitucional, a propósito da responsabilidade criminal das pessoas colectivas também já concluiu no acórdão n.º 302/95:

“(…) o que importa considerar é que, sendo o Estado de Direito material um Estado de justiça (um Estado que está empenhado, em função de considerações axiológicas materiais de justiça, na promoção das condições económicas, sociais e culturais para o livre desenvolvimento da personalidade do homem, designadamente, na sua actuação social), deve ele dar combate (se necessário for, pelo recurso a sanções penais) às violações mais graves dos respectivos bens jurídicos. E, sendo tais violações cometidas, as mais das vezes, por pessoas colectivas, e não por pessoas individuais, as exigências de justiça que vão implicadas na ideia de Estado de Direito não podem deixar de legitimar, sub specie constitutionis, normas, como as que aqui estão sub iudicio, que consagram a responsabilidade criminal das pessoas colectivas. [Sobre o tema dos delitos antieconómicos, cf. ainda MANUEL DA COSTA ANDRADE, A Nova Lei dos Crimes Contra a Economia (Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro) à Luz do Conceito de "Bem Jurídico", in Ciclo de Estudos de Direito Económico cit., páginas 71 e seguintes]”.

Assim, como se afirmou no acórdão do STA citado e transcrito, a previsão no quadro disciplinar do ilícito desportivo mostra-se legitimada, já que encontra os seus fundamentos não apenas naquilo que é a necessária prevenção da violência no desporto, mas, também, na culpa, sancionando-se o que constitua um cumprimento negligente dos deveres supra enunciados E, sem que, de acordo com o exposto, um tal entendimento atente ou enferme de violação dos princípios da culpa e do Estado de direito, ou constitua um entorse aos direitos de defesa e a um processo equitativo, dado que estes se encontram legalmente previstos, estando portanto garantidos.

De regresso ao caso concreto dos autos, temos que a referida decisão teve como base, os pressupostos factuais identificados no probatório e levaram em devida consideração o relatório do delegado ao jogo, o relatório da GNR e, bem assim, a prova testemunhal requerida e produzida.

No acórdão arbitral escreveu-se o seguinte para fundamentar a decisão sobre a matéria de facto:


«Imagem no original»

E pode afirmar-se que o convencimento pelo tribunal de que determinados factos estão provados se alcançou através da ponderação conjunta dos elementos probatórios disponíveis (e que levaram a excluir qualquer outra explicação lógica e plausível). Aliás, em boa verdade, não vem colocada a prova produzida.

Neste ponto, terá que acompanhar-se o raciocínio efectuado pelo tribunal arbitral e que levou à conclusão de que os comportamentos incorrectos descritos nos relatórios dos Delegados da Liga e no relatório de policiamento desportivo, lavrado pela GNR, devem ser imputados ao F…, pois que foram perpetrados por seus adeptos. Da prova produzida verifica-se ser inequívoco, como já se afirmou, que os adeptos que praticaram os factos dos autos eram afectos à Demandante. Isto perante os sinais existentes que permitem chegar a uma situação para além de toda a dúvida razoável: o facto de estarem localizados em bancadas exclusivamente afectas a adeptos do F... e serem portadores de variados sinais da sua ligação ao clube (camisolas, cachecóis, bandeiras e tarjas do mesmo).

Por outro lado, no caso concreto nada vem evidenciado, nada nos autos consta sobre a forma e aptidão do cumprimento dos seus deveres de controlo, formação e vigilância dos seus adeptos e demais espectadores. Não basta a alegação genérica e conclusiva de um conjunto de medidas adoptadas juntos dos adeptos para prevenir e reprimir a violência no desporto.

Não basta, para o efeito, a prova singela de que ocorrem reuniões semanais com os responsáveis dos grupos organizados de adeptos do F..., nas quais são abordadas as questões atinentes ao comportamento do público no decurso dos jogos, quer em casa, quer fora, com particular destaque para a problemática do uso de engenhos pirotécnicos. Nem que seja afirmado que no “facebook” institucional se fazem apelos públicos ao bom comportamento dos adeptos do F... e ao não uso de engenhos pirotécnicos nos jogos.

A este propósito importa fazer referência aos artigos 35.º, n.º 1, al. b), c) e l) e 36.º do Regulamento de Competições da LPFP:


Artigo 35.º

Medidas preventivas para evitar manifestações de violência e incentivo ao fair-play


“1. Em matéria de prevenção de violência e promoção do fair-play, são deveres dos clubes:

(…)

b) incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, especialmente junto dos grupos organizados;

c) aplicar medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública, impedindo o acesso aos recintos desportivos nos termos e condições do respectivo regulamento ou promovendo a sua expulsão do recinto;

(…)

l) zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube participem doespetáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos;

(…)”


Artigo 36.º

Regulamentos de prevenção da violência


As matérias relativas à prevenção e punição das manifestações de violência, racismo, xenofobia e intolerância nos espetáculos desportivos encontram-se regulamentadas no presente Regulamento, no Regulamento Disciplinar das competições organizadas pela Liga e no Anexo VI ao presente Regulamento.

Estes preceitos legais estabelecem obrigações para os clubes participantes nas competições profissionais incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos, bem como a aplicar medidas sancionatórias aos seus associados envolvidos em perturbações da ordem pública, e a zelar por que os grupos organizados de adeptos apoiados pelo clube participem do espectáculo desportivo sem recurso a práticas violentas, racistas, xenófobas, ofensivas ou que perturbem a ordem pública ou o curso normal, pacífico e seguro da competição e de toda a sua envolvência, nomeadamente, no curso das suas deslocações e nas manifestações que realizem dentro e fora de recintos (artigo 35.º, n.º 1, al. b), c) e l)).

Também com relevo para os presentes autos, dispõe o artigo 17º do RD que “a infracção disciplinar corresponde ao facto voluntário que, por ação ou omissão e ainda que meramente culposo”, represente uma violação dos deveres gerais e especiais previstos nos regulamentos desportivos e legislação aplicável, fixando o n.º 2 que “a responsabilidade disciplinar objetiva é imputável nos casos expressamente previstos”.

E o artigo 172.º, n.º 1, do RD da LPFP:

1. Os clubes são responsáveis pelas alterações da ordem e da disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes nos complexos, recintos desportivos e áreas de competição, por ocasião de qualquer jogo oficial.

Desde logo conseguimos aferir que a ora Recorrente, enquanto clube, é responsável pelas alterações da ordem e disciplina provocadas pelos seus sócios ou simpatizantes.

Donde estar a ora Recorrente vinculada a um dever especial de zelo para que os seus sócios ou simpatizantes se comportem de forma correcta e não coloquem em causa a segurança nos espectáculos desportivos (medidas que instem e favoreçam actuação ética, com fair play e correcta dos seus adeptos).

Ora o que vem decidido está em sintonia com a Jurisprudência por nós seguida, quer do STA, quer do Tribunal Constitucional.

É que perante a factualidade apurada e vertida nos relatórios oficiais, impunha-se à ora Recorrente abalar os fundamentos em que a presunção se sustentou, bastando para tanto abalar a sua certeza inicial por via da contraprova dos factos presumidos, não se exigindo, porém, a prova do contrário.

A prova do contrário destina-se a tornar certo não ser verdadeiro um facto já demonstrado formalmente (como no caso seria por via dos relatórios oficiais do delegado e do policiamento desportivo; este originando os competentes autos de notícia) e esta prova nada tem a ver com a contraprova, pois esta destina-se apenas a tornar incerto o facto visado, a criar a dúvida no espírito do julgador (um non liquet).

Mas o que os autos demonstram é que a ora Recorrente apenas demonstrou, em termos genéricos, que procura sensibilizar os seus adeptos e simpatizantes e os membros das claques, através de reuniões e por mensagens no “facebook”, a fim de evitar comportamentos violentos, físicos ou verbais. Nada mais de relevo nos é dito acerca nem das concretas mensagens e/ou invectivações feitas, nem sobre a existência e o modo de implementação das medidas preconizadas a esse respeito, nem, muito menos, por referência ao evento em concreto. Nenhuma conduta concreta vem demonstrada como tendo sido efectivamente desenvolvida por referência ao constante do relatório do delegado e do relatório de policiamento desportivo elaborado pela GNR. E na ausência dessa demonstração permanece válida a presunção derivada dos mesmos.

E não deixamos de assinalar que a decisão sobre a matéria de facto resultou, como explicitado pelo tribunal a quo não só da documentação junta aos autos, como dos esclarecimentos prestados; sendo que resultou manifesta a origem, modo e tempo em que os comportamentos ilícitos foram perpetrados (cfr. supra fundamentação do probatório).

Deste modo, temos para nós que não tendo sido feita contraprova, dúvida não existindo – não ocorre um qualquer non liquet -, também nesta perspectiva nunca seria de aplicar o princípio da presunção da inocência, próprio do direito penal. Apenas se não fosse possível formular um juízo de certeza, mas apenas de mera probabilidade, é que valeria o princípio da presunção de inocência, já que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade.

E perante o que ficou provado e do modo como o ficou, julgamos prevalente a presunção dos factos constantes dos relatórios dos jogos elaborados pelos delegados da LPFP, sendo que por estes foram percepcionados, de acordo com o disposto no art. 13º, alínea f) do Regulamento Disciplinar da LPFP.

Por outro lado, atente-se que os relatórios oficiais (dos delegados ao jogo e do relatório de policiamento desportivo), não foram postos em crise pela ora Recorrente quanto ao seu teor nem por qualquer outro dos elementos constantes dos autos.

Tanto basta para afirmar a improcedência do recurso, com a manutenção do acórdão do TAD recorrido.



III. Conclusões

Sumariando (adoptando-se, parcialmente, o sumário do acórdão do STA de 21.02.2019, bem como o do ac. deste TCAS de 6.12.2017):

i) A responsabilidade disciplinar dos clubes e sociedades desportivas prevista no art. 187.º do referido RD da LPFP pelas condutas ou os comportamentos social ou desportivamente incorrectos que nele se mostram descritos e que foram tidos pelos sócios ou simpatizantes de um clube ou de uma sociedade desportiva e pelos quais estes respondem não constitui uma responsabilidade objectiva violadora dos princípios da culpa e da presunção de inocência.

ii) A responsabilidade desportiva disciplinar ali prevista mostra-se ser, in casu, subjectiva, já que estribada numa violação dos deveres legais e regulamentares que sobre clubes e sociedades desportivas impendem neste domínio e em que o critério de delimitação da autoria do ilícito surge recortado com apelo não ao do domínio do facto, mas sim ao da titularidade do dever que foi omitido ou preterido.

iii) Perante a factualidade apurada e vertida nos relatórios oficiais, impunha-se à ora Recorrente abalar os fundamentos em que a presunção se sustentou, bastando para tanto abalar a sua certeza inicial por via da contraprova dos factos presumidos - não se exigindo, porém, a prova do contrário -, o que não sucedeu.

iv) Para tanto não basta a demonstração, em termos genéricos e sem reporte ao evento desportivo concretamente em causa, de que procura sensibilizar os seus adeptos e simpatizantes e os membros das claques, através de reuniões e por mensagens no “facebook”, a fim de evitar comportamentos violentos, físicos ou verbais.





IV. Decisão

Pelo exposto, conhecendo na sequência do ordenado pelo acórdão do STA de 16.01.2020, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão do TAD recorrido na parte em que confirmou a condenação do F... – FUTEBOL, S.A.D., pela prática da infracção p. e p. pelo art. 187.º, n.º 1, al.s a) e b) do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a qual se mantém na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente.

Notifique; informando que no presente processo, porque urgente, os respectivos prazos não estão suspensos para a prática de actos processuais que possam realizar-se via SITAF (cfr. art. 7.º, n.º 7, al. a), da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redacção dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06/04).

Lisboa, 30 de Abril de 2020


Pedro Marchão Marques

Alda Nunes


Lina Costa