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Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2173/04.4BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:SEGUROS UNIT LINKED
PROVISÕES TÉCNICAS
LEI INTERPRETATIVA
PRINCÍPIO DA NÃO RETROATIVIDADE DA LEI FISCAL
CONCURSO
DEDUTIBILIDADE DE RETENÇÃO NA FONTE
CORREÇÕES REFLEXAS
DEDUÇÃO À COLETA
IRC
Sumário:
I. Comercializando a Impugnante seguros unit linked, os rendimentos dos valores mobiliários, que constituem a carteira a que está a associada a rentabilidade do seguro, são da Impugnante, não obstante o risco ser por conta do tomador.

II. Atento o referido em I., assiste-lhe direito à dedução de imposto pago no estrangeiro, à dedução de retenções na fonte e aos benefícios fiscais previstos nos então art.ºs 31.º e 32.º do EBF.

III. A constituição de provisões técnicas, obrigatórias, não desvirtua o mencionado em II.

IV. Uma verdadeira lei interpretativa tem, de um lado, de ter subjacente a existência de uma controvérsia atinente à lei velha e, de outro, de adotar uma solução que se situe dentro dos quadros de tal controvérsia.

V. O disposto no art.º 51.º, n.º 6, do CIRC, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, não é aplicável, designadamente, ao exercício de 2000, sob pena de violação do princípio da retroatividade da lei fiscal, não obstante o legislador lhe ter conferido expressamente cariz interpretativo.

VI. A retenção na fonte de IRS, paga pela Impugnante enquanto promotora de um concurso, é fiscalmente dedutível.

VII. Resultando das correções efetuadas pela AT que a Impugnante deixou de ter coleta, passando a uma situação de prejuízo fiscal, em sede de ação inspetiva devem ser efetuadas as correções reflexas de tal circunstância.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I. RELATÓRIO

G….., S.A (antes designada B….., SA; doravante 1.ª Recorrente ou Impugnante) e a Fazenda Pública (doravante 2.ª Recorrente ou FP) vieram apresentar recurso da sentença proferida a 30.09.2014, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação apresentada pela primeira, que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) atinente ao exercício de 2000.

Os recursos foram admitidos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Nesse seguimento, a 1.ª Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A)         O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora. Recorrente, a qual tem por objeto a apreciação jurisdicional das correções à matéria coletável subjacentes à emissão da liquidação n.° ….., que apurou um valor a reembolsar de EUR 2.806.210,83, referente a IRC do exercício fiscal de 2000.

B) O Tribunal a quo deferiu apenas parcialmente o pedido da ora Recorrente, sendo que as questões materiais objeto do presente recurso prendem-se com a análise da legalidade das correções à matéria coletável não anuladas pelo Tribunal a quo, a saber: i) dedutibilidade do IRS suportado sobre prémios atribuídos em concurso e ii) benefícios fiscais aplicáveis aos rendimentos decorrentes da comercialização dos seguros unit linked.

C) O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão na falta de prova por parte da Recorrente sobre a titularidade dos ativos referentes ao seguro unit linked.

D) Nos termos do disposto no artigo 651.° do CPC, depois do encerramento da discussão, só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou no caso de a junção se tornar necessária em virtude do julgamento proferido em 1 ,a instância.

E) No caso sub judice parece evidente que a necessidade de junção de documentação adicional decorre direta e exclusivamente do teor da sentença proferida e da necessidade de efetuar prova adicional face aos argumentos invocados pelo Tribunal a quo, o que se invoca para os devidos efeitos legais, nomeadamente para efeitos de admissão de diversa documentação passível de comprovar a titularidade dos rendimentos subjacentes às correções ora sindicadas relacionadas com os seguros unit linked (matéria de facto dada como não provada em 1.ª instância).

F) Ao não ordenar qualquer diligência probatória, o Tribunal a quo violou os seus deveres de inquisitório, padecendo a decisão recorrida de deficiente ou insuficiente base instrutória, a qual deverá ser ampliada face à prova documental ora junta e cuja admissão se torna imprescindível face ao teor da solução jurídica encontrada pelo Tribunal recorrido.

G) Acresce que ao contrário do invocado na sentença recorrida, as correções ora sindicadas não estão fundamentadas com base numa alegada falta de documentação, mas sim na caracterização jurídico-fiscal dos rendimentos gerados a partir da apólice, padecendo, a decisão recorrida de manifesto erro de julgamento,

H) De igual modo deverá ser refutada a argumentação aduzida para desvalorizar o parecer do Prof, SALDANHA SANCHES, uma vez que as alterações legislativas invocadas pelo Tribunal a quo em nada alteraram a natureza ou as características dos seguros unit linked, nem tão pouco a natureza e tipificação dos rendimentos gerados a partir desses produtos financeiros, os quais estão previstos na legislação seguradora e contabilística desde os anos 90.

I) Com efeito, os produtos unit linked já estavam consagrados expressamente no nosso ordenamento jurídico, nos termos do número 3 do artigo 124.° do DL 94-B/98, de 17 de abril (ao contrário do que é afirmado pelo Tribunal a quo), mas também porque uma análise atenta do preâmbulo do DL 60/2004 permite-nos concluir que o objetivo primordial deste diploma, e das alterações promovidas, se prende exclusivamente com o reforço dos mecanismos de informação e proteção dos direitos do tomador do seguro, dada a complexidade crescente deste tipo de produtos financeiros.

J) Neste sentido, cumpre esclarecer este Venerando Tribunal que as questões abordadas pelo Ilustre Professor no referido Parecer prendem-se (i) em primeiro lugar com a definição da titularidade dos ativos e do risco subjacente a estes produtos, (ii) com a possibilidade de aplicação a estes produtos dos benefícios previstos no artigo 46.° do CIRC e 22.° do EBF; e ainda (iii) com a relevância da contabilização de provisões técnicas para definição do regime fiscal aplicável na esfera da seguradora.

K) Os seguros de capitalização “Unit-linked” consistem numa apólice de seguro de vida, expressa em unidades de conta, cuja rentabilidade ou valorização está indexada à valorização de um ativo subjacente escolhido pela Recorrente, que poderão ser ações ou unidades de participação detidas pela mesma.

L)Parece, assim, relativamente pacífico que estamos perante um produto do ramo vida associado a uma carteira de investimentos cuja titularidade pertence à ora Recorrente e cuja rentabilidade está dependente da rentabilidade dos ativos que a Recorrente afetar a esse seguro (a carteira de títulos que compõe o património do fundo).

M) Conforme resulta de forma cristalina do Parecer do Professor SALDANHA SANCHES junto aos presentes autos, a Administração Tributária parece ignorar a existência de duas relações jurídicas distintas, a saber: (i) a relação entre a seguradora e o tomador do seguro; e (ii) a relação entre a seguradora e o mercado de investimento (entidade que comercializa os produtos financeiros a que está ligada a rentabilidade do seguro).

N) A dualidade destas relações está perfeitamente comprovada nos autos, uma vez que inexiste qualquer relação entre os segurados e as entidades em quem a seguradora aplica os valores investidos pelos segurados, pelo que o tomador do seguro não é o titular dos ativos subjacentes aos investimentos efetuados pela seguradora, sendo, assim, inequívoco que os fundos autónomos são da titularidade da ora Recorrente.

O) Resumindo, conforme resulta também da prova documental junta com as presentes alegações, o tomador do seguro unit linked não recebe juros, não é titular de quaisquer ações ou valores mobiliários, não recebe dividendos, antes limita-se a ter uma quota ideal sobre um rendimento futuro o qual está indexado aos ativos detidos pela seguradora, in casu a ora Recorrente, o que se invoca para os devidos efeitos legais.

P) Delimitadas as matérias acima, e no que respeita concretamente à correção relativa à eliminação da dupla tributação económica, a questão decidenda resulta em determinar se a Recorrente, nos rendimentos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é suportado pelo tomador do seguro, pode beneficiar do regime de eliminação da dupla tributação económica prevista no artigo 45.° do CIRC, na redação em vigor à data dos fatos tributários.

Q) Os rendimentos gerados pelas participações sociais em carteiras em que o risco de investimento seja suportado pelo tomador de seguro e em que foram aplicadas as reservas técnicas da ora Recorrente constituem rendimentos desta, nomeadamente para efeitos do artigo 45.° do CIRC.

R) Tal conclusão não é prejudicada pelo facto de a Recorrente ser obrigada a registar provisões técnicas por contrapartida dos rendimentos obtidos com os investimentos, ao contrário do invocado pela Administração Tributária para fundamentar a presente correção;

S) Cumpre salientar que os seguros Unit-linked implicaram desde sempre e ao abrigo do Plano de Contas para as Empresas de Seguros (aprovado pela Norma Regulamentar n.° 7/94, de 27 de Abril - “PCES 94") a constituição de provisões técnicas, por forma a acautelar os pagamentos futuros a efetuar aos respetivos subscritores.

T) As provisões técnicas não se destinam a anular o efeito contabilístico do registo do proveito referente a lucros distribuídos, mas sim provisionar as obrigações futuras assumidas perante os subscritores dos seguros unit-linked.

U) As provisões técnicas, inscritas na contabilidade da Recorrente, não são referentes aos rendimentos dos títulos detido na carteira de investimentos da Recorrente, mas sim, ao valor das unidades de conta que consubstanciam responsabilidade da seguradora, decorrente do seguro de capitalização celebrado com o respetivo tomador.

V) A este respeito, conclui SALDANHA SANCHES no parecer junto aos presentes autos que, “Afirmar (...) que o facto de a empresa provisionar o montante dos dividendos distribuídos (por fazer parte das suas responsabilidades) impede-a de utilizar o mecanismo de eliminação da dupla tributação é negar arbitrariamente às empresas sujeitas a provisões obrigatórias determinadas pela sua entidade reguladora um mecanismo que decorre do princípio da tributação do rendimento real, constituindo uma restrição à actividade económica das empresas seguradoras sem qualquer base legal”.

W) Contudo, na ótica da Administração Tributária, ficaria prejudicada a aplicação do artigo 45.° do CIRC, dado que os proveitos da seguradora são anulados por um registo na conta de custos, “não afetando a base tributável, condição referida no n.°1 do artigo 45.° do CIRC.”

X) Trata-se de uma asserção que não pode proceder, desde logo porquanto não tem apoio na letra e no espírito do artigo 45° do CIRC, conforme se passa a evidenciar.

Y) De facto, como bem se demonstrou nos presentes autos, sendo a Recorrente titular (jurídica e economicamente) dos ativos financeiros aos quais estão indexadas as unidades de conta - os quais fazem parte do seu ativo -, nenhuma dúvida restará que os proveitos gerados com os ativos detidos nos fundos autónomos, devidamente registados como tal na sua contabilidade e integrantes consequentemente do resultado contabilístico do exercício, encontram-se incluídos na base tributável da Recorrente,

Z) Assim é evidente que tais rendimentos fazem parte do lucro contabilístico na aceção do artigo 17.° do CIRC, contribuindo para o apuramento do resultado final transposto anualmente para a Declaração Modelo 22 do exercício, ao contrário do que pretende fazer crer a Administração Tributária nos presentes autos, pelo que, tratando-se de rendimentos da Recorrente incluídos no seu resultado final do exercício, parece inequívoco que a esta terá direito ao benefício da eliminação da dupla tributação económica estabelecido no artigo 45° do CIRC, o que motivará a anulação da correção ora sindicada e a revogação da sentença ora recorrida.

AA) Por outro lado, sempre se diga que o legislador ao adotar o método de isenção não cuidava, à data dos factos tributários, em fazer depender o benefício fiscal do requisito dos lucros estarem sujeitos a tributação efetiva, seja na esfera da entidade beneficiária ou da entidade pagadora.

BB) No que respeita às correções relativas à não aplicação dos benefícios fiscais previstos nos artigos 31.° e 32.° do EBF e face à fundamentação constante do relatório final de inspeção, as mesmas devem ser integralmente anuladas, uma vez que ficou definitivamente provada no presente recurso a questão da titularidade dos ativos e dos respetivos rendimentos relativos às carteiras unit linked na esfera da ora Recorrente;

CC) Por outro lado, relativamente à não-aceitação da dedução das retenções na fonte de IRC efetuadas pelos fundos de investimento subscritos pela Recorrente, a Administração Tributária confunde uma vez mais duas realidades distintas: os rendimentos gerados pelas carteiras de títulos subscritas pela Recorrente e os rendimentos associados a cada unidade de conta subscrita pelo tomador do seguro, remetendo a Recorrente integralmente para os argumentos acima expostos sobre a matéria.

DD) Em harmonia com o acima exposto, quando os titulares de UPs são sujeitos passivos de IRC - como é o caso da Recorrente - então os rendimentos gerados pelas UPs são considerados como proveitos ou ganhos, constituindo uma componente positiva do seu lucro tributável, parecendo, assim, cristalino, que o titular das UPs possa - como poderia face a rendimentos diretamente derivados dos “títulos subjacentes” - ter direito ao crédito de imposto relativo ao imposto retido na fonte no montante, conforme se encontra expressamente consagrado no artigo 22.°,n.°3do EBF.

EE) Por outro lado, assume extrema relevância referir, para efeitos de apreciação da questão material ora controvertida, que a Administração Tributária tem aceite expressamente, desde o exercício de 2006, a possibilidade de a Recorrente deduzir, ao abrigo do artigo 22° do EBF, o imposto retido na fonte, tendo sido as correções efetuadas, a partir da referida data, com base, não na inaplicabilidade do referido preceito legal aos seguros unit linked, mas sim na circunstância de uma parte do imposto deduzido pela Recorrente respeitar a imposto presumivelmente retido e declarado como tal pela Recorrente.

FF) Concluindo, o entendimento propugnado pela Administração Tributária e seguido na íntegra pelo Tribunal a quo, para além de carecer em absoluto, de qualquer base legal, desvirtua de forma inaceitável o funcionamento do mercado segurador, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente de revogação da correção e aceitação da dedução da quantia ora sindicada, tudo com as demais consequência legais.

GG) Por último, no que respeita à correção relativa à não dedutibilidade do IRS retido sobre prémios atribuídos em concurso, a ora Recorrente também não pode concordar com os argumentos da Administração Tributária e do Tribunal a quo;

HH) Com efeito, como a própria Administração Tributária admite no PAT junto aos autos de impugnação, o custo total do prémio atribuído a concurso corresponde ao valor do prémio anunciado, acrescido do valor de imposto retido na fonte que o promotor entrega diretamente à Fazenda Pública, na qualidade de substituto tributário e único responsável perante o Estado pela obrigação de retenção e entrega do imposto retido, sendo este o valor que efetivamente despendeu.

II) Sendo o custo total para a Recorrente constituído pelo valor ilíquido do prémio atribuído, inexiste qualquer dispositivo legal que impeça a Recorrente de fazer essa dedução à sua matéria coletável para efeitos fiscais, estando ao invés a dedução expressamente admitida na alínea f) do n.° 1 do artigo 23.° do CIRC à data dos factos;

JJ) Não tendo a Administração Tributária posto em causa a indispensabilidade deste custo, nem a dedutibilidade do encargo suportado com o pagamento do prémio líquido de imposto, nenhuma dúvida restará que, consequentemente, o imposto retido na fonte pela Recorrente deve ser considerado um custo fiscalmente dedutível, o que motivará a anulação da correção ora sindicada e da sentença ora recorrida, tudo com as demais consequências legais.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente procedente, requerendo-se a revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, com base nos fundamentos acima melhor expostos, concluindo-se ainda no sentido da anulação da liquidação de IRC do exercício de 2000 objeto dos presentes autos, tudo com as devidas consequências legais,

Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!”.

A FP não contra-alegou.

Por seu turno, a 2.ª Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“I. A douta sentença ora recorrida entendeu que a AT devia proceder à correcção da tributação na parte do englobamento do montante do crédito de Imposto acrescido à liquidação (linha 217 do quadro 07 da declaração mod. 22, no montante de Esc. 107.937.737 (agora € 538.391,16), no que concerne ao crédito de imposto relativo à dupla tributação económica de lucros distribuídos, como tal declarado pela Impugnante.

II. E outrossim entendeu a douta sentença a quo, no que respeita ao crédito de imposto relativo à Contribuição Autárquica, que a respectiva colecta deveria ser integralmente aceite como custo, não devendo ser adicionado o respectivo valor ao resultado líquido do exercício, porquanto não sendo dedutível a colecta da contribuição autárquica para efeito do art.° 74° do CIRC (crédito de imposto relativo à colecta de contribuição autárquica), esta passa a ser deduzida ao lucro tributável.

III. Porém, salvo o devido respeito, não se pode concordar com esta decisão pelas razões que se passam a explanar.

IV. O facto de a Impugnante ter ficado sem colecta de imposto, deveu-se a correcções efectuadas em sede de procedimento inspectivo.

V. Donde é legítimo considerar que subjacentes àquelas correcções, esteve a prática de irregularidades e/ou ilegalidades por parte da Impugnante, no que concerne à sua contabilidade ou às respectivas declarações fiscais, fazendo destas constar determinado tipo de valores que não estava legalmente autorizada a fazer.

VI. Ora, se em consequência da correcção dessas irregularidades, a Impugnante deixou de ter colecta que lhe permitisse deduzir o valor inscrito para efeitos de crédito de imposto por dupla tributação económica, tal facto apenas à Impugnante é imputável.

VII. Posto que se não fora os valores indevidamente declarados e/ou registados na contabilidade da Impugnante que lhe permitiam ter lucro tributável, matéria colectável e colecta, aquela não teria ab initio, deduzido os valores em causa à colecta.

VIII. Sendo ainda certo que in casu, o objecto do procedimento inspectivo tão pouco incidiu directamente sobre os valores declarados pela Impugnante a título de deduções à colecta.

IX. Pelo que também não seria em sede inspectiva que se poderiam operar as correcções a que se arroga a Impugnante.

X. Sem conceder, quanto ao anteriormente exposto, importa ainda considerar que a legitimidade da Administração Fiscal para proceder às correcções a que se arroga a Impugnante teriam sempre de passar pela verificação da regularidade formal e substancial dos documentos de suporte dos rendimentos englobados para efeitos de puder [sic] beneficiar da dedução à colecta do crédito de imposto por dupla tributação económica.

XI. Ou seja, não procedendo a impugnante à discriminação dos valores incluídos, respectivamente, no campos 217 (dupla tributação económica) e 211 (crédito de imposto relativo a Contribuição Autárquica) do quadro 07 da modelo 22, nem juntando esta os meios de prova necessários à confirmação da legitimidade daqueles créditos de imposto, não poderia a presente pretensão da Impugnante ser acolhida.

XII. Porquanto, arrogando-se a Impugnante a semelhante direito, sobre ela impendia o ónus de provar que os valores declarados correspondem efectivamente a imposto relativo a dupla tributação económica ou a Contribuição Autárquica, de molde a sustentar a sua pretensão.

XIII. Porquanto, sem que se apresentem os documentos comprovativos dos valores declarados, também não é possível confirmar se estes reuniam os requisitos legais, face as normas tributárias e contabilísticas aplicáveis, para serem acrescidos ao quadro 07 da declaração modelo 22, como tal entregue pela Impugnante para o exercício de 2000.

XIV. Como aliás se lhe impunha e decorre das regras gerais do ónus da prova, a que se reportam o art.° 342° do Código Civil e o art.° 74° da LGT.

XV. Não o tendo feito, afigura-se, salvo melhor opinião, não ser legítimo à AT corrigir um valor que não se encontra discriminado e cujos documentos contabilísticos de suporte desconhece.

XVI. Assim e com os fundamentos invocados, pugna-se pela legalidade do acto tributário impugnado, motivo pelo qual deverá o mesmo manter-se na ordem jurídica.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a douta decisão em apreço, na parte em que julgou procedente a pretensão da Impugnante, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA”.

A Impugnante apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida, a qual tem por objeto a apreciação jurisdicional das correções à matéria coletável subjacentes à emissão da liquidação n.° ….., que apurou um valor a reembolsar de EUR 2.806.210,83, referente a IRC do exercício fiscal de 2000;

B) A Fazenda Pública, ora Recorrente, não concorda com a decisão do Tribunal a quo na parte em que a mesma julgou procedente o pedido formulado pela ora Recorrida relativo à correção das deduções à coleta reportadas na declaração Modelo 22 do exercício de 2000, o que motivou a apresentação do presente recurso;

C) Na ótica do Tribunal a quo, em virtude da decisão de manutenção das correções à matéria coletável do exercício, as quais determinaram o apuramento de um prejuízo fiscal, a ora Recorrida teria direito a corrigir as quantias acrescidas ao lucro tributável relativas à eliminação da dupla tributação económica e à contribuição autárquica;

D) A questão material controvertida objeto do presente recurso prende-se em determinar se a ora Recorrida tem direito a retirar do seu lucro tributável as quantias que havia deduzido à coleta as quantias relativas à eliminação da dupla tributação económica e à contribuição autárquica, em virtude da realização das correções à matéria coletável do ano de 2000;

E) Recorde-se que o Tribunal a quo deu como assente em 1.ª instância a matéria de facto relativa aos montantes acrescidos no quadro 07 da Modelo 22 (vide ponto 7 do probatório);

F) Por outro, ao abrigo do artigo 651.° do CPC, a Recorrida juntou aos presentes autos cópia da documentação comprovativa dos valores declarados na Modelo 22, requerendo-se, assim, a sua junção em função das alegações da ora Recorrente, uma vez que tal documentação permite demonstrar e comprovar os valores declarados no exercido de 2000 e subjacentes às correções objeto do presente recurso:

G) Não obstante o acima exposto, a ora Recorrida gostaria de salientar que a referida documentação já havia sido previamente junta em 1.ª instância em anexo às alegações escritas apresentadas ao abrigo do artigo 120° do CPPT, o que se invoca para os devidos efeitos legais, mormente para efeitos de manifesta improcedência da posição da ora Recorrente;

H) Conforme resulta da factualidade assente nos presentes autos, no exercício de 2000, a ora Recorrida deduziu o crédito de imposto relativo à dupla tributação económica de lucros distribuídos e o imposto referente a Contribuição Autárquica;

I) No entanto, face às correções efetuadas pela Administração Tributária ao exercício de 2000 - as quais foram objeto do presente processo de impugnação judicial a ora Recorrida passou a apresentar um resultado negativo (e consequente supressão da coleta), pelo que se impunha necessariamente a correção das linhas 211 e 217 do quadro 07 da Modelo 22, conforme sancionado pelo Douto Tribunal a quo;

J) Ora, no campo 217 do Quadro 07 da declaração de rendimentos, a Recorrida inscreveu o montante de EUR 538.391,16 (ESC 107.937.737), correspondente ao crédito de imposto a que tinha direito, nos termos do anterior artigo 72.° do CIRC, respeitante à eliminação da dupla tributação económica - Campo 352 do Quadro 10 da declaração (deduções à coleta);

K) Ou seja, de modo a poder beneficiar dessa dedução à coleta, a Recorrida adicionou aos rendimentos englobados, na Linha 217 do Quadro 07 da declaração Modelo 22, o valor do crédito de imposto, no montante de EUR 538.391,16, conforme estabelecido pela alínea a) do n° 1 do art. 58° do Código do IRC (na redação em vigor em 2000);

L) Por oposição, e conforme evidenciado pela Recorrida nos presentes autos e expressamente reconhecido pelo Tribunal a quo, ao não ser possível beneficiar do crédito de imposto, não será aplicável a referida alínea a) do n.° 1 do artigo 58.º do CIRC, não podendo os rendimentos englobados pela Recorrida na sua declaração ser adicionados à matéria coletável;

M) Admitir o contrário, consubstanciaria uma injustificada dupla tributação pois, para além de não poder eliminar a dupla tributação económica através do crédito de imposto referente aos lucros incluídos na base tributável, logo sujeitos a tributação, a Recorrida seria novamente tributada pela adição de parte desse valor aos rendimentos englobados, devendo assim o montante de EUR 538.391,16 ser deduzido à matéria coletável da Recorrida;

N) À semelhança do que sucedeu relativamente ao crédito de imposto acima referido, a ora Recorrida deduziu à coleta o crédito de imposto relativo à coleta da CA, previsto pelo artigo 74° do Código do IRC (em vigor em 2000), contudo, de modo a poder beneficiar dessa dedução teve de adicionar ao resultado líquido do exercício, na Linha 211 do Quadro 07 da declaração Modelo 22 o valor da coleta da CA, no montante de EUR 21.324,83, uma vez que, de acordo com o estabelecido na alínea b) do n° 1 do artigo 41° do Código do IRC (na redação em vigor em 2000), aquele valor não era aceite como custo;

O) Em virtude das correções efetuadas pela Administração Tributária, a Recorrida deixou de poder utilizar o benefício do crédito de imposto relativo à coleta de CA, uma vez que este apenas pode ser deduzido até à concorrência da coleta, não sendo assim aplicável a alínea b) do n.° 1 do artigo 41° do CIRC e, consequentemente, não devendo ser adicionado o respetivo valor ao resultado líquido do exercício, tal como expressamente sancionado pelo Douto Tribunal a quo na decisão ora recorrida;

P) Em sede inspetiva, a Autoridade Tributária não contestou a validade dos valores declarados pela ora Recorrida, sendo que a si lhe competia tal ónus ao abrigo dos princípios do inquisitório e da legalidade;

Q) A ora Recorrente ignora que a Autoridade Tributária deverá balizar a sua atuação segundo critérios de legalidade, estando adstrita a realizar todos os procedimentos necessários ao apuramento da verdade material dos factos e à reposição da correta situação tributária dos contribuintes, mesmo que tal implique a realização de correções que lhe sejam favoráveis;

R) Aliás, no caso em apreço, tal dever advinha diretamente do quadro legal aplicável à data dos factos, pois, como vimos acima, o acréscimo destas quantias aos rendimentos englobados - nos termos dos artigos 41.° e 58.° do CIRC - está necessariamente ligado, como vimos, à correspondente dedução à coleta dos referidos montantes (artigos 72.° e 74.° do CIRC);

S) Por outro lado, importa ainda salientar que o entendimento ora propugnado pela Recorrente não tem qualquer suporte legal, muito menos no invocado artigo 74° da LGT, dado que estamos perante elementos expressamente declarados pela Recorrida na sua declaração Modelo 22, os quais, consequentemente, gozam de presunção de veracidade, nos termos do artigo 75° da LGT.

T) Por último, a Recorrida gostaria ainda de salientar que os montantes objeto do presente recurso e declarados na Declaração Modelo 22 do exercício do 2000 constituem matéria assente nos presentes autos, tal como resulta do ponto 7 do probatório fixado pelo Douto Tribunal a quo, pelo que se impunha à ora Recorrente a apresentação dos correspondentes meios de prova que permitissem afastar a matéria dada como assente em 1.ª instância.

U) Tudo resumido, e mantendo-se o julgado em primeira instância nas matérias objeto de recurso por parte da ora Recorrida - cuja decisão está em relação de subsidiariedade e prejudicialidade face às questões objeto do presente recurso formulado pela Recorrente - deve ser julgado manifestamente improcedente o presente recurso, requerendo-se a este Venerando Tribunal a confirmação da sentença proferida pelo Tribunal a quo na parte em que o mesmo julgou procedente o pedido formulado peia ora Recorrida no sentido da correção do ato tributário ora sindicado relativamente às deduções à coleta, tudo com as devidas consequências legais,

Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, requerendo-se a confirmação da decisão proferida pelo Tribunal a quo na parte ora sindicada, com base nos fundamentos acima melhor expostos, tudo com as devidas consequências legais.

Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, acostumada Justiça!”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido da improcedência de ambos os recursos.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

No recurso apresentado pela 1.ª Recorrente:
a) Há erro no julgamento da matéria de facto e inerente violação do princípio do inquisitório por parte do Tribunal a quo?
b) Verifica-se erro de julgamento, quanto às correções que têm subjacentes rendimentos decorrentes da comercialização dos seguros unit linked, porquanto tais rendimentos eram da Impugnante?
c) Verifica-se erro de julgamento, atenta a dedutibilidade do IRS suportado sobre prémios atribuídos em concurso?

No recurso apresentado pela 2.ª Recorrente:
d) Há erro de julgamento, no tocante às correções relativas a deduções à coleta, dado que a realidade formal e substantiva das mesmas não foi analisada nem demonstrada pela Impugnante?

II. DA ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS

Cumpre, antes de mais, aferir da admissibilidade da junção dos documentos na presente instância, com as alegações de recurso.

Vejamos.

Nos termos do art.º 651.º do CPC, aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT:

“1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.

Assim, de acordo com esta disposição legal é admissível a apresentação de documentos com as alegações de recurso ou nos casos em que a sua apresentação não tenha sido possível em momento anterior (v. a remissão expressa para o art.º 425.º do CPC) ou quando tal junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.

Quanto ao alcance desta última situação, trata-se da admissibilidade da junção de documentos quando o julgamento em 1.ª instância seja “de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”[1], não sendo admissível a junção de documentos para prova de factos que já se sabia estarem sujeitos a prova[2].

Chama-se a este propósito à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.05.2015 (Processo: 0570/14), onde se refere:

“[N]os termos do art. 651.º (anterior art. 693.º-B), n.º 1, do CPC, no caso de recurso, as partes podem juntar documentos às alegações, não só nas situações excepcionais a que se refere o art. 425.º (anterior art. 524.º, n.ºs, 1 e 2), como também no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.

Ou seja, (…) são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância (…).

(…) [A] possibilidade resultante desta última hipótese só se verificará quando «pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida» e já não quando «a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância» (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra editora, 2.ª edição, págs. 533 e 534.).

Assim, a junção de documentos às alegações de recurso só poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância «criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam» (ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115.º, pág. 95.)”.

In casu, a 1.ª Recorrente juntou, com as suas alegações, três documentos, todos de data anterior à da propositura da presente ação.

Como resulta claro, a junção dos documentos em causa não se poderá enquadrar no âmbito da 1.ª parte do n.º 1 do art.º 651.º, dado tratar-se de documentos datados de momento anterior sequer à propositura da impugnação.

Resta aferir se a sua junção se enquadra no âmbito da 2.ª parte da mencionada disposição legal, tal como defende a Recorrente.

Desde já se adiante que a resposta é afirmativa.

Com efeito, como resulta da decisão recorrida e é mencionado pela 1.ª Recorrente, os factos considerados não provados na verdade não eram controvertidos, tendo havido, pois, a aplicação de um entendimento com o qual a parte não podia contar.

Face ao exposto, admite-se a junção de tais documentos.

Já quanto aos documentos juntos com as contra-alegações apresentadas pela Impugnante, carece de pertinência apreciar a sua junção, uma vez que os mesmos já constam dos autos (cfr. documentos juntos de fls. 154 a fls. 169 dos autos em suporte de papel).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

III.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. A impugnante, C….. SA., dedica-se, à data dos factos, à produção de seguros do ramo vida – CAE 66 011 – cfr. consta do PA aqui em anexo – não contestado

2. No âmbito da sua atividade a impugnante comercializou, no exercício de 2000, o produto denominado por “unit linked”, o qual se encontrava afeto a carteiras de títulos (ações, obrigações e unidades de participação em fundos de investimento mobiliário e imobiliário) detidas pela impugnante – não contestado

3. A sociedade supra identificada, aqui Impugnante, foi objeto de ação inspetiva de âmbito geral que incidiu sobre as áreas de IRC, IRS, IVA e I. SELO com referência ao exercício de 2000, seleccionada de acordo com critérios de selecção utilizados para empresas do Cadastro especial de Contribuinte em cumprimento da ordem de serviço n.º …..de 27/09/02, por parte da Direção de Serviços Prevenção e Inspeção Tributária (DSPIT) da Direção Geral dos Impostos, com inicio em 22/10/2002 – cfr. conta do PA aqui em anexo – não contestado

4. No decurso da ação inspetiva supra os Serviços de Inspeção Tributária verificaram que:

“(...)

III- Descrição dos Factos e fundamentos das correcções à matéria tributável e apuramento do imposto em falta

As áreas contabilístico-fiscais inspeccionadas de acordo com os procedimentos em uso e com a profundidade considerada adequada nas circunstâncias deram origem às seguintes correcções ao exercício de 2000:

(…)

III – 1.5. – IRS sobre prémios atribuídos em concursos

Com base nas contas c/630601101000101 – Concursos e 483228 – Outros Acréscimos de custos – Concursos., verificou-se que foi relevado como custo (na primeira) o valor de 26.138,55 € (5.240.308$00) correspondente a IRS retido ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 74.º do CIRS, sobre prémios atribuídos em concursos de produção. Nesta conta estão contabilizados valores foram registados como custo em 1999 (provisão), os quais incluíam IRS referente aos prémios de concurso respeitantes àquele ano, mas atribuídos no exercício sob análise.

O valor referido não se aceita como custo fiscal nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, por ser um encargo que incidiu sobre terceiros que a empresa não está legalmente autorizada a suportar, mesmo tendo sido contabilizada como custo (…)

(…)

III – 1.9. – Rendimentos do Artigo 45.º do CIRC, ou eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos

(…) verificamos que o contribuinte considerou valores inferiores aos que havia discriminado por erro no somatório dos mesmos, rendimentos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é suportado pelo tomador do seguro – Unit Linked e não apresentou suporte documental de alguns rendimentos atribuídos.

De referir que os produtos - Unit Linked, não obstante, se encontrarem relevados nas contas da seguradora, não existe por parte desta, a garantia de um capital. Nestes contractos a empresa de seguros intervém apenas como gestora dos investimentos pertencentes ao tomador do seguro. O facto de, na data da atribuição dos dividendos os títulos se encontrarem na posse da seguradora e os ganhos reflectidos na conta de proveitos não lhe confere o direito ao benefício por não ser a verdadeira beneficiária do rendimento, pressuposto relevante para efeito de atribuição do benefício fiscal.

Em relação, à falta de suporte documental, dado que não é possível validar os rendimentos não se aceita o valor apurado pelo sujeito passivo.

Assim sendo, reapurou-se a base de cálculo, originando um beneficio superior ao declarado., pelo que nos termos do n.º 1e 2 do art. 45.º do CIRC, procedeu-se à correcção do diferencial de 104.110,73 (20.872.328$00), a favor do sujeito passivo. – (…)

(…)

III – 1.10.1 – Artigo 31.º do EBF

Da análise documental efectuada, mediante listagem discriminativa dos títulos e respectivos rendimentos relevados na conta 74 (…), verificamos que o contribuinte considerou valores inferiores aos que havia discriminado por erro no somatório dos mesmos, rendimentos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é suportado pelo tomador do seguro – Unit Linked e não apresentou suporte documental de alguns rendimentos atribuídos.

Relativamente ao produto Unit Linked, pelas razões expostas no ponto anterior, não relevam para efeitos de dedução ao resultado líquido do exercício, pelo que não se aceita o correspondente valor deduzido como beneficio.

Em relação, à falta de suporte documental, dado que não é possível validar os rendimentos não se aceita o valor apurado pelo sujeito passivo. Estes factos originaram um beneficio superior ao declarado, pelo que nos termos do preceito legal citado, procedeu-se à correcção do diferencial de 25.916,74 € (5.195.840$00)., a favor do sujeito passivo – (…)

III – 1.10.2 – Artigo 32.º do EBF

A correcção no montante de 5.161,49 € (1.034.786$00), resultou da não aceitação na base de cálculo de beneficio de rendimentos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é suportado pelo tomador do seguro.

Como os rendimentos em questão, conforme mencionado no ponto anterior, não pertencem à seguradora nem estão documentados, não pode esta usufruir dos benefícios daí resultantes.- (…)

III – 2.1.1 – Retenções de terceiros sobre rendimentos de capitais

O sujeito passivo incluiu no imposto retido por terceiros a parte correspondente a rendimentos de títulos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é suportado pelo tomador do seguro o montante de 99.081,51 (19.864.059$00). Não sendo rendimentos da empresa que deram origem à retenção efectuada esta não se enquadra no artigo 75.º do CIRC, pelo que o reembolso foi indevido.

Assim não se aceita a dedução do imposto, pelo que este se considera em falta (…)

(…)”

Tudo conforme consta do PA aqui em anexo – Doc. 1 junto à petição inicial

5. As correcções supra e as demais conclusões do relatório da Inspeção, obteve concordância do Diretor de serviços da DSPIT por despacho proferido em 05/06/2003 – cfr. consta do PA aqui em anexo – Doc. 1 junto à petição inicial.

6. A correção supra mencionada deu origem à liquidação adicional n.º …..efetuada em 18/06/2003 e deu lugar a reembolso a favor do sujeito passivo no montante de € 2.806.210,83 – cfr. fls. 55 dos autos – Doc 2 junto à petição inicial.

7. A Impugnante apresentou a declaração mod. 22, do exercício de 2000, via INTERNET, em 31/05/2001, tendo ali acrescido no quadro 07:

a) Linha 217 – Correcções nos casos de crédito de imposto (art. 58.º, n.º 1 al. a) e b) ) no montante de Esc. 107.937.737 (agora € 538.391,16)

b) Linha 211 – IRC e Contribuição Autárquica (art. 41.º, n.º 1 al. a) e b) ) no montante de Esc. 585.173.774 (agora € 2.918.834,32).

Tudo conforme fls. 81 e seguintes dos autos – Doc. 5 à petição inicial”.



III.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Dos autos não resulta provado:

1. Que as unidades de participação que compõem a carteira à qual está indexado o produto comercializado pela impugnante e identificado no ponto 2., do probatório, tenha sido adquirido pela Impugnante em nome próprio;

2. Que os rendimentos relativos aos títulos mencionados em 2., do probatório tenham sido pagos à impugnante;

3. O título que atribui à Impugnante o direito de auferir o rendimento do capital para o qual arroga cabimento em sede de benefícios fiscais.

Não se provaram outros factos que em face das possíveis soluções de direito importe registar como não provados”.

III.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:
“A convicção do Tribunal no estabelecimento deste quadro factológico fundou-se, na prova documental junta aos autos, em concreto no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra, com relevância para os elementos constantes do Relatório da Inspeção Tributária”.

III.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se alterar a redação de parte da factualidade mencionada em III.A., em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração, por forma a complementar a factualidade dada por assente pelo Tribunal a quo[3].

Nesse seguimento, é a seguinte a redação dos factos que se identificam, por referência à sua enumeração por números efetuada em 1.ª instância:

2. No âmbito da sua atividade a impugnante comercializou, no exercício de 2000, o produto denominado por “unit linked”, o qual se encontrava afeto a carteiras de títulos (ações, obrigações e unidades de participação em fundos de investimento mobiliário e imobiliário) adquiridos pela impugnante, produtos em que o risco de investimento era suportado pelo tomador do seguro e cuja rentabilidade refletia o rendimento dos títulos que integram as carteiras.

[não controvertido, como decorre quer da posição da Impugnante quer do teor do relatório de inspeção tributária (RIT)].

4. No decurso da ação inspetiva supra os Serviços de Inspeção Tributária elaboraram RIT, datado de 15.01.2003, do qual consta designadamente o seguinte:

“(...)

III- Descrição dos Factos e fundamentos das correcções à matéria tributável e apuramento do imposto em falta

As áreas contabilístico-fiscais inspeccionadas de acordo com os procedimentos em uso e com a profundidade considerada adequada nas circunstâncias deram origem às seguintes correcções ao exercício de 2000:

(…)

III – 1.5. – IRS sobre prémios atribuídos em concursos

Com base nas contas c/630601101000101 – Concursos e 483228 – Outros Acréscimos de custos – Concursos., verificou-se que foi relevado como custo (na primeira) o valor de 26.138,55 € (5.240.308$00) correspondente a IRS retido ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 74.º do CIRS, sobre prémios atribuídos em concursos de produção. Nesta conta estão contabilizados valores foram registados como custo em 1999 (provisão), os quais incluíam IRS referente aos prémios de concurso respeitantes àquele ano, mas atribuídos no exercício sob análise.

O valor referido não se aceita como custo fiscal nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, por ser um encargo que incidiu sobre terceiros que a empresa não está legalmente autorizada a suportar, mesmo tendo sido contabilizada como custo (…)

(…)

III – 1.9. – Rendimentos do Artigo 45.º do CIRC, ou eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos

(…) verificamos que o contribuinte considerou valores inferiores aos que havia discriminado por erro no somatório dos mesmos, rendimentos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é suportado pelo tomador do seguro – Unit Linked e não apresentou suporte documental de alguns rendimentos atribuídos.

De referir que os produtos - Unit Linked, não obstante, se encontrarem relevados nas contas da seguradora, não existe por parte desta, a garantia de um capital. Nestes contractos a empresa de seguros intervém apenas como gestora dos investimentos pertencentes ao tomador do seguro. O facto de, na data da atribuição dos dividendos os títulos se encontrarem na posse da seguradora e os ganhos reflectidos na conta de proveitos não lhe confere o direito ao benefício por não ser a verdadeira beneficiária do rendimento, pressuposto relevante para efeito de atribuição do benefício fiscal.

Em relação, à falta de suporte documental, dado que não é possível validar os rendimentos não se aceita o valor apurado pelo sujeito passivo.

Assim sendo, reapurou-se a base de cálculo, originando um beneficio superior ao declarado., pelo que nos termos do n.º 1e 2 do art. 45.º do CIRC, procedeu-se à correcção do diferencial de 104.110,73 (20.872.328$00), a favor do sujeito passivo. – (…)

(…)

III – 1.10.1 – Artigo 31.º do EBF

Da análise documental efectuada, mediante listagem discriminativa dos títulos e respectivos rendimentos relevados na conta 74 (…), verificamos que o contribuinte considerou valores inferiores aos que havia discriminado por erro no somatório dos mesmos, rendimentos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é suportado pelo tomador do seguro – Unit Linked e não apresentou suporte documental de alguns rendimentos atribuídos.

Relativamente ao produto Unit Linked, pelas razões expostas no ponto anterior, não relevam para efeitos de dedução ao resultado líquido do exercício, pelo que não se aceita o correspondente valor deduzido como beneficio.

Em relação, à falta de suporte documental, dado que não é possível validar os rendimentos não se aceita o valor apurado pelo sujeito passivo. Estes factos originaram um beneficio superior ao declarado, pelo que nos termos do preceito legal citado, procedeu-se à correcção do diferencial de 25.916,74 € (5.195.840$00)., a favor do sujeito passivo – (…)

III – 1.10.2 – Artigo 32.º do EBF

A correcção no montante de 5.161,49 € (1.034.786$00), resultou da não aceitação na base de cálculo de beneficio de rendimentos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é suportado pelo tomador do seguro.

Como os rendimentos em questão, conforme mencionado no ponto anterior, não pertencem à seguradora nem estão documentados, não pode esta usufruir dos benefícios daí resultantes.- (…)

III – 2.1.1 – Retenções de terceiros sobre rendimentos de capitais

O sujeito passivo incluiu no imposto retido por terceiros a parte correspondente a rendimentos de títulos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é suportado pelo tomador do seguro o montante de 99.081,51 (19.864.059$00). Não sendo rendimentos da empresa que deram origem à retenção efectuada esta não se enquadra no artigo 75.º do CIRC, pelo que o reembolso foi indevido.

Assim não se aceita a dedução do imposto, pelo que este se considera em falta (…)

(…)

V. Direito de audição – Fundamentação

(…)

Ponto 1.5 do projecto de conclusões do relatório de inspecção - IRS s/ Prémios atribuídos em concursos - valor de 26.138,55 € (5.240.308$00);

(…)

Ponto 1.9 do projecto de conclusões do relatório de inspecção - Rendimentos do artigo 45° do CIRC. ou eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos - valor de 31.472,19 € (16.333.708$00);

O sujeito passivo não concordou com o valor da correcção proposta, argumentando que foi efectuada uma correcção a favor do sujeito passivo menor do que a devida, dado não terem sido aceites para efeito do artigo 45° do CIRC rendimentos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é do tomador do seguro e outros para os quais não foi apresentado suporte documental.

Relativamente ao 1º caso refere que não deve ser efectuada qualquer correcção dado que os investimentos são subscritos pela T….. e constituem rendimentos da companhia, pelo que esta pode deduzir os rendimentos ao abrigo do artigo 45° do CIRC.

Os argumentos do sujeito passivo não são aceites pelos serviços visto que os investimentos associados a carteiras em que o risco do investimento é suportado pelo tomador do seguro, apesar de serem contabilizados como proveitos da companhia tem como contrapartida um registo na conta de custos 6101- Variação de outras provisões técnicas, tornando o impacto nulo no resultado da empresa, não afectando a base tributável, condição referida no n°1 do artigo 45° do CIRC. Com estas operações a empresa não tem custos nem proveitos, aufere apenas uma "comissão" por gerir a referida carteira, sendo este o valor que tem impacto no apuramento do resultado da empresa, pelo que não se aceita a pretensão do sujeito passivo mantendo-se a correcção proposta.

Em relação ao 2o caso o contribuinte no exercício de resposta ao direito de audição prévia vem apresentar o suporte documental relativamente aos rendimentos contabilizados como proveitos e atribuídos pelas entidades, B…..; P….., ….., SGPS, S: A. e E….., pelo que se aceitam os novos elementos apresentados pelo sujeito passivo anulando-se o valor da respectiva correcção proposta.

Assim o valor da correcção proposta no ponto 1.9 do projecto de conclusões do Relatório de inspecção de 81.472.19 € passa para 104.110,73 € ambas a favor do sujeito passivo.

Ponto 1.10.1 do projecto de conclusões do relatório de inspecção - Benefícios fiscais - Artigo 31° do EBF-1.496.377,42 € (299.996.736$00)

O sujeito passivo não concordou com o valor da correcção proposta, argumentando que os rendimentos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é do tomador do seguro devem usufruir do beneficio do artigo 31° do EBF, dado que os investimentos são subscritos pela T….. e constituem rendimentos da companhia.

Os argumentos do sujeito passivo não são aceites pelos serviços visto que os investimentos associados a carteiras em que o risco do investimento é suportado pelo tomador do seguro apesar de serem contabilizados como proveitos da companhia tem como contrapartida um registo na conta de custos 6101- Variação de outras provisões técnicas, tornando o impacto nulo no resultado da empresa. Com estas operações a empresa não tem custos nem proveitos, aufere apenas uma "comissão” por gerir a referida carteira, sendo apenas este valor que tem impacto no apuramento do resultado da empresa, pelo que não se aceita a pretensão do sujeito passivo mantendo-se a correcção proposta.

Ao exercer o direito de audição prévia o sujeito passivo vem apresentar o suporte documental relativamente aos rendimentos contabilizados como proveitos e atribuídos peias entidades, B…..; P….., S….., SGPS, S: A. e E….., pelo que se aceitam os novos elementos apresentados pelo sujeito passivo anulando-se o valor da respectiva correcção proposta.

Assim o valor da correcção proposta no ponto 1.10.1 do projecto de conclusões do Relatório de inspecção de 1.496.377,42 € a favor da administração fiscal passa para 25.916,74 € a favor do sujeito passivo.

Ponto 1.10.1 do projecto de conclusões do relatório de inspecção - Benefícios fiscais - Artigo 32° do EBF- 167.728,78 € (33.626.601$00)

O sujeito passivo não concordou com o valor da correcção proposta, argumentando que os rendimentos associados a investimentos relativos a seguros em que o risco é do tomador do seguro devem usufruir do beneficio do artigo 32° do EBF, dado que os investimentos são subscritos pela T….. e constituem rendimentos da companhia.

Os argumentos do sujeito passivo não são aceites pelos serviços visto que os investimentos associados a carteiras em que o risco do investimento é suportado pelo tomador do seguro apesar de serem contabilizados como proveitos da companhia tem como contrapartida um registo na conta de custos 6101- Variação de outras provisões técnicas, tornando o impacto nulo no resultado da empresa. Com estas operações a empresa não tem custos nem proveitos, aufere apenas uma "comissão” por gerir a referida carteira, sendo apenas este valor que tem impacto no apuramento do resultado da empresa, pelo que não se aceita a pretensão do sujeito passivo mantendo-se a correcção proposta.

Ao exercer o direito de audição prévia o sujeito passivo vem apresentar o suporte documental relativamente aos rendimentos contabilizados como proveitos e atribuídos pela P….., pelo que se aceitam os novos elementos apresentados pelo sujeito passivo anulando- se parcialmente o valor da correcção proposta.

Assim o valor da correcção proposta no ponto 1.10.2 do projecto de conclusões do Relatório de inspecção de 167.728,78 € a favor da administração fiscal passa para 5.161,49 € também a favor do Estado.

(…)

Ponto 2.1.2 do projecto de conclusões do relatório de inspecção - Retenções de terceiros sobre rendimentos de capitais - 99.081,51 € (19.864.059$00)

(…)” – cfr. Doc. 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

7. A Impugnante apresentou a declaração mod. 22, do exercício de 2000, via INTERNET, em 31.05.2001, na qual declarou:

a) Linha 217 do quadro 07 – correções nos casos de crédito de imposto (art. 58.º, n.º 1 al. a) e b)] no montante de Esc. 107.937.737 (correspondente a 538.391,16 Eur.);

b) Linha 211 do quadro 07 – IRC e Contribuição Autárquica (art. 41.º, n.º 1 al. a) e b) ) no montante de Esc. 585.173.774 (correspondente a 2.918.834,32 Eur.);

c) Matéria coletável – Esc. 1.973.499.437 (correspondente a 9.843.773,69 Eur.);

d) Coleta – Esc. 631.519.820 (correspondente a 3.150.007,58 Eur.);

e) Campo 352 [dupla tributação económica (art. 72.º)] – Esc. 107.937.737 (correspondente a 538.391,16 Eur.);

f) Campo 354 [contribuição autárquica (art. 74.º)] – Esc. 4.275.245 (correspondente a 21.324,83 Eur.) (cfr. fls. 81 e seguintes dos autos – Doc. 5 junto com petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

III.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e da violação do princípio do inquisitório

Ao longo das suas alegações, a 1.ª Recorrente insurge-se quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, no sentido de deverem ser dados como provados os factos que o Tribunal a quo considerou não provados, atentando, mesmo, na documentação junta com as alegações de recurso.

Considera, pelos mesmos motivos, que estão provados os seguintes factos:

i) Os seguros de capitalização unit linked consistem numa apólice de seguro de vida, expressa em unidades de conta, cuja rentabilidade ou valorização está indexada à valorização de um ativo subjacente escolhido e gerido pela Recorrente;

ii) Os seguros unit linked são seguros em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro, funcionando o seguro através do investimento efetuado por parte da seguradora em ativos (ações, obrigações, fundos de investimentos), ativos esses cuja propriedade pertence à seguradora, ora Recorrente;

iii) A apólice de um seguro unit linked sofre variações de valor na correspondente medida da valorização ou desvalorização dos ativos correspondentes aos investimentos efetuados pela seguradora;

iv) Os seguros unit linked geram proveitos na esfera da Recorrente, em particular os rendimentos gerados a partir dos ativos por si detidos e geridos (ativos em que são reinvestidos os montantes aplicados pelos tomadores do seguro);

v) Os referidos seguros geram, igualmente, rendimentos na esfera do segurado, os quais são tributados aquando do resgate ou do vencimento da apólice;

vi) A titularidade dos ativos a que está ligado o seguro é da própria companhia seguradora, ora Recorrente, estando os rendimentos daí advenientes registados na contabilidade da seguradora.

Vejamos.

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão[4].

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­‑se-lhe os ónus já mencionados[5].

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que foram, de forma que se entende suficiente, cumpridos os referidos ónus.

Estando cumpridas as exigências constantes do art.º 640.º do CPC, cumpre apreciar.

Desde já se refira que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito. Por outro lado, cumpre distinguir entre factos provados e meios de prova, sendo que uns não se confundem com os outros.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido.

A sentença sob apreciação deu como não provados os seguintes factos:

1. Que as unidades de participação que compõem a carteira à qual está indexado o produto comercializado pela impugnante e identificado no ponto 2., do probatório, tenha sido adquirido pela Impugnante em nome próprio;

2. Que os rendimentos relativos aos títulos mencionados em 2., do probatório tenham sido pagos à impugnante;

3. O título que atribui à Impugnante o direito de auferir o rendimento do capital para o qual arroga cabimento em sede de benefícios fiscais.

Como já deixamos mencionado supra, a propósito da admissibilidade dos documentos, consideramos que a factualidade que o Tribunal a quo considerou não provada não era controvertida, atento o que decorre do RIT. Na verdade, a forma de funcionamento do produto em causa (seguros unit linked) nunca é posta em causa, sendo sim aferido até que ponto a circunstância de o risco ser por conta do tomador implica de alguma forma desconsiderar a Impugnante como recebedora de rendimentos, questão que se configura como sendo de direito. Ademais, a documentação junta pela 1.ª Recorrente com as alegações de recurso confirma justamente o que já nem era controvertido.

Assim, considera-se ser de eliminar todos os factos não provados, deferindo-se, desta forma, o requerido.

Quanto aos factos provados a aditar, refira-se que, no tocante aos factos i) e ii) identificados supra, os mesmos já resultam da matéria de facto assente [cfr. factos 1. e 2. (este último na redação que lhe foi dada na presente instância]. O facto iii), por seu turno, é uma decorrência lógica do facto ii).

Quanto aos factos iv) e vi), os mesmos, como referimos, não são controvertidos e são de aditar (exceto naquilo que já resulta do facto 2., em termos de titularidade).

No tocante ao facto v), o mesmo é irrelevante, in casu.

Assim, considera-se ser de deferir em parte o requerido, mas adotando-se a seguinte formulação em termos de factos a aditar:

8. Os rendimentos relativos aos títulos mencionados em 2) foram pagos à impugnante, estando registados enquanto tal na sua contabilidade (facto não controvertido, como decorre do RIT, sendo apenas discutido o impacto do facto de o risco ser do tomador do seguro).

Face ao decidido, carece de relevância apreciar o alegado quanto à violação do princípio do inquisitório por parte do Tribunal a quo.

III.F. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, acorda-se aditar o seguinte facto provado:

9. A impugnante constituiu provisões técnicas considerando o valor dos rendimentos mencionados em 8) e o funcionamento dos produtos mencionados em 2) (facto não controvertido, como decorre do RIT).

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

IV.A. Do erro de julgamento alegado pela 1.ª Recorrente, atinente aos produtos unit linked

Alega, desde logo, a 1.ª Recorrente que a sentença sob escrutínio padece de erro de julgamento, na medida em que a questão da titularidade dos ativos referentes aos seguros unit linked não era controvertida e a fundamentação da correção não se centra em qualquer falta de documentação, centrando-se a questão na caraterização jurídico-fiscal dos rendimentos gerados a partir da apólice. Ademais, as alterações legislativas invocadas pelo Tribunal a quo em nada alteraram a natureza ou as características dos seguros unit linked, nem tão pouco a natureza e tipificação dos rendimentos gerados a partir desses produtos financeiros, os quais estão previstos na legislação seguradora e contabilística desde os anos 90. Como tal, assiste à 1.ª Recorrente o direito a eliminar a dupla tributação económica prevista então no art.º 45.º do CIRC, bem como o direito aos benefícios fiscais previstos nos art.ºs 31.º e 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e o direito a deduzir o imposto retido.

Vejamos então.

Em causa nos autos está o tratamento de seguros comercializados pela 1.ª Recorrente, cuja rendibilidade depende de outros ativos financeiros.

A sua previsão, à época já resultava do disposto no art.º 124.º, n.º 3, do DL n.º 94-B/98, de 17 de abril. Aliás, tal decorre do preâmbulo do DL n.º 60/2004, de 22 de março, onde se refere:

“A crescente sofisticação dos mercados financeiros e o aumento da concorrência e da internacionalização são fatores que contribuem para uma constante inovação financeira, traduzida na introdução de novos instrumentos de captação de aforro, cuja rendibilidade depende do comportamento de outros instrumentos financeiros (como valores mobiliários e índices bolsistas). É neste contexto que surgem os instrumentos de captação de aforro estruturados (ICAE). Estes instrumentos combinam as características de um produto clássico — segurador, bancário ou do mercado de valores mobiliários — com as de outro ou outros instrumentos financeiros, formando assim um produto materialmente novo. Os seguros ligados a fundos de investimento (unit linked) são os produtos que, no âmbito da actividade seguradora, presentemente, constituem ICAE. Tais contratos estão integrados no ramo «Vida» nos termos do n.º 3 do artigo 124.º do Decreto-Lei n.o 94-B/98, de 17 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 8-C/2002, de 11 de Janeiro” (sublinhados nossos).

Portanto, desde já se refira que o constante da sentença recorrida, no sentido de não ser de considerar o disposto no DL n.º 60/2004, de 22 de março, carece de relevância, porquanto este diploma visou apenas “assegurar que o aforrador tenha acesso a toda a informação relevante para tomar uma decisão de investimento esclarecida, isto é, consciente dos riscos em que incorre”, perante determinados produtos existentes no mercado, nos quais se incluem os seguros unit linked.

Estamos, pois, perante um instrumento de captação de aforro estruturado (ICAE).

Os ICAE definem-se como “instrumentos financeiros que, embora assumam a forma jurídica de um instrumento original já existente, têm características que não são diretamente identificáveis com as do instrumento original, em virtude de terem associados outros instrumentos de cuja evolução depende, total ou parcialmente, a sua rendibilidade, sendo o risco do investimento assumido, ainda que só em parte, pelo tomador de seguro” [cfr. art.º 1.º, al. j), do DL n.º 176/95, de 26 de julho, então em vigor; ver, a este respeito, Jorge Alves Morais, Carla Meneses Esteves, Júlia Rodrigues da Silva, Maria Adelaide Resende e Ana Teresa Santos, Manual de contratos de direito bancário e financeiro: regime legal - fiscalidade – jurisprudência, Quid Juris, Lisboa, 2006].

No caso dos autos, os instrumentos financeiros em causa são seguros comercializados pela 1.ª Recorrente, que atua no ramo Vida, com especiais caraterísticas, por terem associados rendimentos que provêm de obrigações, ações e/ou fundos de investimento mobiliário e imobiliário e em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro.

Como referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19.12.2012 (Processo: 1890/10.4T2AVR.C1):

“… [A] Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei n°. 72/2008, de 16 de Abril, acolhe, no art. 206.°, o que já constava do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto- Lei n.° 176/95, de 26 de Julho, prevendo a utilização de instrumentos de captação de aforro estruturados em sede de seguros de vida.

A estrutura tipológica do vulgarizado unit linked resulta da concatenação entre duas figuras: trata-se de um seguro de vida, mas o conteúdo económico do direito do beneficiário, ou seja, o quantum da prestação que lhe será outorgada, é determinado por referência a um ou mais fundos de investimento. Com o valor dos prémios pagos pelo tomador do seguro a ser convertido em determinado número de unidades de participação, sendo que ao beneficiário será devido, a final, o valor das unidades que lhe corresponderem” (sublinhados nossos).

Entendeu a administração tributária (AT) que, nestes casos, em virtude de o risco de investimento ser suportado pelo tomador do seguro e da existência de provisões técnicas, não assistia direito à 1.ª Recorrente a fazer as deduções relativas a dupla tributação (ponto III.1.9. do RIT), a aplicar o disposto nos art.ºs 31.º e 32.º do EBF (pontos III.1.10.1. e III.10.1.2 do RIT) e a fazer a dedução de retenções na fonte (ponto III.2.1.1. do RIT).

As correções em causa centram-se unicamente neste fundamento. Assim, e como referido pela 1.ª Recorrente, não está em causa a sua documentação. As situações atinentes à documentação, elencadas no anexo 7 do RIT, foram supridas pela 1.ª Recorrente, como resulta da análise do direito de audição constante do RIT.

In casu, não é controvertido que os títulos que compõem a carteira à qual está indexado o produto comercializado pela 1.ª Recorrente são adquiridos por esta, ainda que o risco de investimento seja suportado pelo tomador do seguro.

Ou seja, em termos de propriedade dos valores mobiliários, que constituem a carteira a que está a associada a rentabilidade do seguro, a mesma é da 1.ª Recorrente. Daí que lhe sejam pagos a si, diretamente, os rendimentos respetivos, com as necessárias consequências, desde logo, em termos de retenção na fonte e dedução de imposto pago no estrangeiro e, bem assim, em termos de consideração da reunião dos pressupostos dos então art.ºs 31.º e 32.º do EBF, atinentes a dividendos de ações.

Como sistematizado por Saldanha Sanches e João Taborda da Gama («Provisões no âmbito de seguros unit-linked e dupla tributação económica», Fiscalidade, 33, 2008, pp. 31, 32 e 35):

“… [A] prestação típica do tomador num contrato de seguro é o prémio (…). Do lado da seguradora, as prestações normais são a indemnização e o resgate. Num contrato de seguro de vida comum, o prémio está a maior parte das vezes determinado à partida, assim como são determináveis os montantes a pagar pela seguradora (…), ou pelo menos os limites destes. Não é isto, porém, o que acontece num seguro unit-linked (…).

Quando o tomador subscreve este tipo de produto, continua a ter que pagar um prémio. No entanto, as prestações a que a seguradora se obriga para com o segurado são variáveis (podendo existir uma parte fixa/garantida). (…) [N]o caso dos unit-linked, a aleatoriedade assume proporções diferentes, uma vez que à imprevisibilidade do evento (o risco do seguro) se junta a imprevisibilidade dos valores a pagar pela seguradora (o risco do investimento), que variarão de momento para momento.

E como se determinam as obrigações futuras da seguradora? Aos valores pagos a título de prémio por parte do tomador do seguro, a seguradora faz corresponder um certo número de unidades de conta. Estas unidades de conta (que não são títulos e não têm mercado) têm o seu valor ligado, em cada momento, ao valor de um conjunto de activos (por exemplo, unidades de participação em fundos de investimento, participações sociais, depósitos bancários, créditos sobre o Estado). (…)

No momento do resgate, em princípio, a seguradora pagará ao segurado o valor encontrado pela multiplicação do número de unidades de conta a que o segurado tem direito pelo valor da unidade de conta nesse dia, subtraído de eventuais comissões de resgate (…)

(…) Reconduzindo este mecanismo aos antigos cânones jurídicos, temos no seguro unit-linked uma obrigação pecuniária na modalidade de dívida de valor, em que o conteúdo da obrigação não está expresso em moeda (com ou sem curso legal), mas sim numa realidade que pode ser convertida em moeda num dado momento” (sublinhados nossos).

Em termos de funcionamento destes produtos, referem os mesmos AA. (ob. e loc. cit., pp. 32 e ss.):

“… O mecanismo do seguro unit-linked funcionará (…), porque a seguradora deverá utilizar os montantes recebidos a título de prémio para comprar os activos financeiros a que o valor das unidades de conta está indexado. Compra e vende títulos ao ritmo a que os clientes contratam consigo. Como o valor das prestações que tem de pagar aos seus clientes está indexado ao valor destes activos, as variações nos mercados não afectam a sua capacidade de pagamento, sendo comum dizer-se, por isso e só por isso, que o risco pertence ao segurado. (…)

Os unit-linked implicam dois tipos de relação jurídica (…). Na primeira, encontramos, como sujeitos, a seguradora e o cliente. Este paga um dado prémio que lhe dá direito a uma contraprestação indeterminada mas determinável, cujo valor está indexado a acontecimentos futuros (passando a ser determinada no momento em que estes se verificam). Na segunda relação jurídica, os sujeitos são as seguradoras e os outros agentes nos mercados financeiros; aquela compra e vende os activos a que estão indexados os valores que tem de pagar aos clientes. Repita-se: os segurados não são sujeitos nesta segunda relação. Não compram, não vendem, não participam em perdas, não recebem dividendos. O sujeito, aqui, é a seguradora. São dela as obrigações comerciais e os direitos. Serão dela, consequentemente, as obrigações tributárias activas e passivas.

(…) As seguradoras não são intermediárias financeiras, nem actuam por conta dos segurados (…). Elas actuam por sua própria conta nos mercados. As unidades de conta não são unidades de participação em fundos, títulos de qualquer outra espécie que pertençam aos clientes. São meras unidades de cálculo nocionais.

(…) Por outro lado, repita-se, nunca há uma relação de paridade total entre as unidades de conta e o conjunto activos a que estão indexadas (…) em virtude da dedução de uma série de comissões no cômputo do valor da unidade de conta” (sublinhados nossos).

Feito este enquadramento, resulta claro e não é, como já referido, controvertido que a titularidade dos ativos é da seguradora, in casu a 1.ª Recorrente, sendo a esta pagos os diversos rendimentos, consoante o tipo de ativo em causa.

O que resulta do RIT é a verificação de que os rendimentos em causa se encontram inscritos na contabilidade da 1.ª Recorrente enquanto rendimentos desta, sendo que a AT, no entanto, considera que na realidade os rendimentos são do tomador de seguro, por ser seu o risco de investimento.

Em consequência, entendeu a AT que, em virtude da tal caraterística e face à constituição de provisões técnicas, deveriam ser feitas as correções já mencionadas.

Quanto à questão do risco de investimento, desde já se refira que não se acompanha a posição da AT. Com efeito, não é posto em causa que os títulos (que compõem a carteira à qual está indexado o seguro) são adquiridos pela 1.ª Recorrente e os respetivos rendimentos são pagos à mesma. Assim, não é possível, sem mais, atendendo apenas à configuração do produto (seguro) em causa, em termos de risco de investimento, extrapolar para uma espécie de desconsideração da intervenção da 1.ª Recorrente, feita em nome próprio, e tratá-la como uma mera intermediária, ignorando o facto de os títulos não saírem da titularidade da Impugnante, abstraindo da existência de um produto (seguro) específico comercializado, indexado à rentabilidade desses mesmos títulos (sendo que é este o produto que está na base da relação contratual estabelecida entre a impugnante e os tomadores dos seguros e não os títulos aos quais os mesmos se encontram indexados).

Quanto às provisões técnicas, é desde logo de chamar à colação o art.º 69.º, n.º 1, do DL n.º 94-B/98, de 17 de abril (Regime de Acesso e Exercício da Atividade Seguradora e Resseguradora – RAEASR), nos termos do qual “[o] montante das provisões técnicas deve, em qualquer momento, ser suficiente para permitir à empresa de seguros cumprir, na medida do razoavelmente previsível, os compromissos decorrentes dos contratos de seguro”, nelas se incluindo as provisões de seguros e operações do ramo «Vida» [art.º 70.º, n.º 1, al. e), do RAEASR].

Assim, nos termos do art.º 75.º, n.º 1, al. b), do RAEASR, a provisão de seguros e operações do ramo «Vida», que deve representar o valor das responsabilidades da empresa de seguros líquido das responsabilidades do tomador do seguro, em relação a todos os seguros e operações do ramo «Vida», compreende, designadamente, a provisão de seguros e operações do ramo «Vida» em que o risco de investimento é suportado pelo tomador do seguro (sobre as especificidades nos seguros unit linked, v. Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, ob. e. loc. cit., pp. 49 a 52: “[A] companhia de seguros tem as mais diversas formas de risco e diversas formas de acautelar esse mesmo risco. Estas normas devem garantir que o faz do modo mais adequado possível e aplicando regras especiais para os seguros unit-linked. Contudo, (…) a norma regula as provisões para este tipo de seguro levando em conta não o seu não-risco (nesse caso, não haveria provisão), mas o seu risco específico. Vai haver um pagamento futuro e esse pagamento tem de ser provisionado. (…) // As regras de quantificação das provisões servem para determinar que quantia vai ser diminuída ao lucro da companhia de seguros de modo que não possa ser objecto de distribuição aos sócios. (…) // A provisão não é, nem nunca pode ser, considerada um activo. E uma mera cifra do balanço (…) com uma grande importância, porque, sendo uma conta do passivo, vai conduzir necessariamente a que haja no activo bens de valor igual a cifra. A realização da provisão conduz a uma redução do lucro que pode ser distribuído no final do exercício e por isso, do ponto de vista económico, permite um investimento feito pela empresa. (…) // [P]erante a inevitabilidade da responsabilidade futura, reduz-se o lucro (aparente) de hoje para lhe poder fazer face. Nesse sentido são fundos temporariamente retidos que vão ser usados para compromissos futuros levados a lucros (e aí sujeitos a imposto) se e quando se revelarem desnecessários. (…) // Em suma, as provisões são uma obrigação permanente para as seguradoras: sempre que são feitas, diminuem a matéria colectável; quando são anuladas, podem aumentá-la ou não. Mas como não há seguro sem risco, nem risco sem provisão, não pode haver seguro sem provisão”).

Como decorria do então art.º 33.º, n.º 1, al. d), do CIRC, as provisões técnicas em causa são fiscalmente dedutíveis.

Ora, o facto de estarem constituídas tais provisões não pode ter como consequência lógica a extraída pela AT, de que se anula o rendimento obtido que, em seu entender, na verdade, é do tomador do seguro, não considerando o referido rendimento na esfera da 1.ª Recorrente, nem as suas consequências.

Citando, novamente, Saldanha Sanches e João Taborda da Gama (ob.e.loc. cit., pp. 36, 60 a 70):

“No que respeita à relação entre seguradora e tomador, os prémios recebidos são, claro, proveitos para efeitos de IRC, como qualquer outro prémio de seguro.

No que respeita à outra situação, em que as seguradoras actuam enquanto proprietárias dos activos, as empresas de seguros devem, claro, ser tributadas como qualquer outra sociedade que detenha participações sociais noutras empresas e UP de fundos de investimento, ou quaisquer outros rendimentos dos activos subjacentes. Assim, os rendimentos que venha a obter por ser detentora de acções e UP são ganhos sujeitos a imposto. Em concreto, a IRC (…), nos termos de tributação que resultem das disposições conjugadas do Código do IRC e do artigo 22.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) (…)

Quando afirmamos que são ganhos sujeitos a imposto, queremos, claro, afirmar que são ganhos incluídos na base tributável, ou seja, sujeitos ao regime fiscal globalmente considerado e não apenas a parte do regime. Assim, todo o regime do artigo 22.° do EBF e todo o regime do IRC — incluindo os mecanismos de eliminação da dupla tributação económica do artigo 46.° do respectivo Código — lhe são aplicáveis.

Assim, (…) os rendimentos das UP que as seguradoras detêm são tributados como proveitos ou ganhos em IRC, sendo deduzidas, a título de imposto por conta, para efeitos do artigo 83.º do Código do IRC, as quantias retidas na fonte pelo fundo ou pelas entidades em que este participa (…). Por seu turno, da aplicação do artigo 46.º do Código do IRC resulta (…) que os montantes recebidos pelas seguradoras a título de lucros distribuídos pelas sociedades participadas são deduzidos no apuramento do lucro tributável.

Este regime é o regime normal que resulta da aplicação das normas fiscais aos rendimentos que resultam do investimento que a seguradora faz (em seu nome, recordemos) em participações sociais noutras empresas e em UP de fundos de investimento. A questão das provisões que a seguradora faz (rectius, tem o dever legal de fazer) com vista à cobertura destas responsabilidades (…) é uma matéria independente cujo funcionamento não pode ser utilizado para impedir os efeitos acima referidos.

(…) [O]s lucros distribuídos estão incluídos na base tributável — tal corresponde a uma obrigação fiscal e contabilística da empresa — e é irrelevante aqui haver ou não provisão; os rendimentos distribuídos, na medida em que influenciam o valor diário das unidades de conta, influenciam as responsabilidades da seguradora — tal resulta de uma obrigação contratual entre a companhia de seguros e o segurado; qualquer valorização das unidades de conta tem de ser reflectida nas provisões — tal corresponde a uma obrigação contabilística e prudencial da companhia de seguros.

Na contabilidade da seguradora, em relação a cada produto unit-linked (…) deve estar evidenciada a composição do conjunto de activos, nos quais se incluem os depósitos bancários resultantes da distribuição de dividendos. (…)

O facto de a empresa provisionar o montante dos dividendos distribuídos (por tal fazer parte das suas responsabilidades) não a impede de utilizar o mecanismo da eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos: tal seria negar arbitrariamente às empresas sujeitas a provisões obrigatórias determinadas pela sua entidade reguladora um mecanismo que decorre do princípio da tributação do rendimento real, constituindo uma restrição à actividade económica das empresas seguradoras sem qualquer base legal, uma vez que ficam numa posição pior do que qualquer outra empresa que detenha os mesmos activos e que pode minimizar a dupla tributação. Aceitar esta ideia e ser coerente (…) implicaria recusar a eliminação da dupla tributação económica em relação a todas as participações sociais e outros activos das seguradoras, independentemente de os mesmos corresponderem ou não a provisões técnicas no âmbito dos unit-linked, pois em qualquer dos casos, tais rendimentos, na medida em que aumentam responsabilidades, devem ser provisionados. (…)

[Especificamente quanto aos rendimentos de unidades de participação em fundo de investimento], quando esta [companhia de seguros] recebe o rendimento do fundo de investimento, já sabe que a esse rendimento está ligada uma responsabilidade futura de data incerta (…) e por isso deve fazer a respectiva provisão. Como sociedade que é, pode considerar o imposto retido, uma vez que quando cumprir o seu dever para com o segurado este vai suportar IRS nos termos da lei.

Estes rendimentos entram, por isso, no processo de determinação do lucro. Temporariamente, a provisão, que é igual ao rendimento, impede que haja um aumento do lucro tributável, ou seja, entra para a determinação do lucro, mas a soma final é igual a zero. Quando o contrato termina a sua vigência com o pagamento contratado, então haverá apuramento de um lucro ou eventualmente de um prejuízo.

(…) Concluindo, quanto a este ponto: as provisões técnicas devem ser ajustadas também na medida das retenções na fonte efectuadas aos (ou no seio dos) fundos de investimento detidos pela seguradora, o que resulta de uma obrigação legal. A lei considera que devem ser provisionadas as responsabilidades futuras da seguradora, e as retenções na fonte aumentam-nas na medida em que aumentam o valor da Unidade de Conta, já que na modalidade de cada unit-linked se inserem como activos os créditos fiscais sobre o Estado (que resultam do facto de a lei mandar considerar as retenções na fonte efectuadas como pagamentos por conta do IRC da seguradora). Não há, por isso, qualquer interpretação alternativa que, sem violar o mecanismo legal da tributação dos fundos de investimento e o regime e princípios subjacentes a toda matéria das provisões técnicas, entenda que a seguradora não tem, neste caso, o direito a considerar tais retenções como imposto por conta do seu IRC.

(…) Façamos notar, uma vez mais, que a única razão pela qual o legislador permitiu que a pessoa singular pudesse escolher entre o investimento directo no fundo de investimento e o investimento feito por meio de um contrato com uma companhia seguros, que economicamente se vai interpor entre o fundo de investimento e o aforrador, é que é deste modo que a imobilização forçada inerente ao contrato de seguro permite o aumento dos níveis de poupança — e por isso criou um benefício fiscal para o contrato de seguro. Em princípio, investimento por investimento, seria mais racional colocar poupanças num fundo de investimento que pode ser vendido a qualquer momento do que investir mediante um seguro de vida unit-linked em que o capital só volta ao aforrador em caso de morte ou de resgate, sempre depois de um certo período de tempo. Deste modo, o legislador encoraja e estimula a poupança de médio prazo, cada vez mais reduzida na actual sociedade de consumo, aproveitando a confiança dos aforradores nas seguradoras.

(…) Se a companhia de seguros não pudesse exonerar-se dos encargos tributários que o fundo ou as sociedades comerciais suportaram, teria de repercutir esse encargo na indemnização a pagar ao segurado, que deste modo sofreria uma dupla tributação: primeiro, no fundo de investimento ou na colectiva e, depois, no momento em que fosse tributado em IRS pela indemnização que iria receber. Para mais, esta repercussão de impostos que a lei elimina e anularia o benefício fiscal que o legislador procurou conceder à poupança” (sublinhados nossos).

O facto de o risco de investimento ser do tomador e o facto de a 1.ª Recorrente ter constituído provisões técnicas (obrigatórias) não conduz, per se, à conclusão extraída pela AT, no sentido de considerar que o rendimento dos títulos aos quais estão indexados os seus produtos na verdade são rendimentos do tomador do seguro.

Logo, as correções efetuadas e ora objeto de recurso padecem de erro sobre os pressupostos, em virtude de os rendimentos em causa serem rendimentos da 1.ª Recorrente e de as correções se terem centrado na circunstância de a AT considerar que se tratava de rendimentos dos tomadores dos seguros.

Neste sentido, vejam-se os Acórdãos deste TCAS de 15.12.2016 (Processo: 09756/16), de 19.09.2017 (Processo: 1305/07.5BELSB; inédito), de 16.11.2017 (Processo: 08244/14; inédito) e de 22.02.2018 (Processo: 733/09.6BELRS; inédito)

Acrescente-se que esta nossa posição não se modifica em virtude da alteração do art.º 51.º, n.º 6, do CIRC, decorrente da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (lei do orçamento do estado para 2016 – LOE/2016).

Deste diploma, resulta que a redação do mencionado n.º 6 passou a ser a seguinte:

“6 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável, independentemente da percentagem de participação e do prazo em que esta tenha permanecido na sua titularidade, à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros…”.
Por outro lado, nos termos do art.º 135.º da LOE/2016:

“A redação dada pela presente lei ao n.º 6 do artigo 51.º, ao n.º 15 do artigo 83.º, ao n.º 1 do artigo 84.º, aos n.ºs 20 e 21 do artigo 88.º e ao n.º 8 do artigo 117.º do Código do IRC tem natureza interpretativa”.

É certo que, nos termos do art.º 13.º, n.º 1, do Código Civil, “[a] lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transação, ainda que não homologada, ou por atos de análoga natureza”. Ou seja, no fundo do que daqui resulta é que a lei interpretativa produz efeitos ex tunc.

Mas, para que tal ocorra, temos de estar perante uma verdadeira lei interpretativa, não bastando, para tal, que o legislador a classifique enquanto tal, sobretudo quando haja norma de hierarquia superior que o proíba.

Nas palavras de Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1994, p. 245), “[o] legislador pode declarar interpretativa certa disposição da LN [lei nova], mesmo quando essa disposição é de facto inovadora. E por vezes fá-lo. Em tais casos, tratar-se-á de um disfarce da retroactividade da LN”.

Refere o mesmo autor, a propósito do art.º 13.º do Código Civil (ob. cit., pp. 245 a 247):

“Este texto começa por estabelecer que a lei interpretativa se integra na lei interpretada, querendo com isto significar que relativamente a leis desta natureza não há que aplicar o princípio da não retroactividade (...). // [A] razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo a consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de natureza interpretativa aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. // Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, pois, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei” (sublinhados nossos).

Ora, no caso dos autos, à exceção da classificação formulada pelo legislador, nada faz concluir pelo caráter interpretativo do normativo em análise. Com efeito, não existia qualquer situação controversa em torno da desconsideração de rendimentos em situações como a dos autos, que faça com que a redação em causa seja encarada como uma tomada de posição do legislador, de entre as soluções admissíveis. Aliás, a lei, como deixamos evidenciado supra, não fazia qualquer tipo de ressalva das situações em que o risco dos produtos financeiros é por conta do tomador. É evidente que havia e há diferendos judiciais em torno da matéria, mas não se pode concluir que tal circunstância, per se, consubstancia situação controversa para os efeitos de se considerar determinada norma como interpretativa. Ou seja, não se conhece controvérsia doutrinal ou jurisprudencial que justifique entender-se a norma em causa como verdadeiramente interpretativa, do ponto de vista material. Em bom rigor, a lei nova nem vem dar respaldo à interpretação da AT (que, relembramos, se centra numa desconsideração do papel da Impugnante), não pondo em causa que o rendimento é da seguradora, mas simplesmente não admitindo a aplicação dos n.ºs 1 e 2 quando o risco seja por conta do tomador, restringindo, pois, por esta via o âmbito de normas que, não fosse tal restrição, lhe seriam aplicáveis.

Estando nós perante uma norma que, do ponto de vista material, não é interpretativa, ainda que formalmente o legislador a tenha classificado como tal, a mesma atenta contra o princípio da não retroatividade de lei fiscal, com assento na nossa lei fundamental.

Com efeito, atento o art.º 103.º da CRP, existe, desde a revisão constitucional de 1997, uma proibição expressa da retroatividade da lei fiscal, como resulta do seu teor, que ora se transcreve:

“1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.

2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

O Tribunal Constitucional tem vindo a interpretar esta norma da lei fundamental em termos de a mesma só proibir a chamada retroatividade autêntica.

Assim, tem-se partido da distinção entre retroatividade autêntica ou de primeiro grau, que se verifica quando os efeitos da lei nova se pretendem projetar sobre factos que se verificaram integralmente antes da sua entrada em vigor, e a inautêntica, que abrange, designadamente, situações de rendimento ainda em formação.

Evidenciando esta distinção, chama-se à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 128/2009, de 12.03.2009:

“Foi na revisão constitucional de 1997 que o legislador constituinte tomou a opção de consagrar, no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição, o princípio geral de proibição de cobrança, pelo Estado, de impostos retroactivos. Explicitou-se, aqui, diz a doutrina, algo que já decorria do princípio da protecção de confiança e da ideia de Estado de direito nos termos do artigo 2.º da CRP (…).

Decorre deste preceito constitucional que qualquer norma fiscal desfavorável (…) será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroactiva, sendo a expressão «retroactividade» usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico: proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável.

(…) Uma vez expresso no texto da Constituição a proibição da retroactividade em matéria fiscal, o Tribunal passou a ler esta proibição já não numa dimensão subjectiva (…) mas antes numa dimensão objectiva. Diz o Tribunal, a este propósito, que à proibição expressa da retroactividade da lei fiscal “não pode deixar de estar ínsita uma garantia forte de objectividade e auto-vinculação do Estado pelo Direito” (Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2000, in www.tribunalconstitucional.pt)

Quer isto dizer que, actualmente, e consagrado que está o princípio geral de irretroactividade da lei fiscal, a mera natureza retroactiva de uma lei fiscal desvantajosa para os particulares é sancionada, de forma automática, pela Constituição, qualquer que tenha sido, em concreto, a conduta da administração fiscal ou do particular tributado. (…).

(…) [A] retroactividade proibida no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição é a retroactividade própria ou autêntica. Ou seja, proíbe-se a retroactividade que se traduz na aplicação de lei nova a factos (no caso, factos tributários) antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova). (…)

(…) No Acórdão n.º 287/90, de 30 de Outubro, o Tribunal estabeleceu já os limites do princípio da protecção da confiança na ponderação da eventual inconstitucionalidade de normas dotadas de «retroactividade inautêntica, retrospectiva». (…) Foi neste aresto ainda que o Tribunal procedeu à distinção entre o tratamento que deveria ser dado aos casos de «retroactividade autêntica» e o tratamento a conferir aos casos de «retroactividade inautêntica» que seriam, disse-se, tutelados apenas à luz do princípio da confiança…”.

A este respeito, chama-se ainda à colação o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/10, de 27.10.2010, onde se refere:

“[O] (…) Tribunal Constitucional, na sua mais recente jurisprudência em matéria fiscal, designadamente nos acórdãos n.ºs 128/2009 e 85/2010, também considerou que a retroactividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, CRP é somente a autêntica. Disse-se no primeiro acórdão:

Decorre deste preceito constitucional que qualquer norma fiscal desfavorável (…) será constitucionalmente censurada quando assuma natureza retroactiva, sendo a expressão «retroactividade» usada, aqui, em sentido próprio ou autêntico: proíbe-se a aplicação de uma lei fiscal nova, desvantajosa, a um facto tributário ocorrido no âmbito da vigência da lei fiscal revogada (a lei antiga) e mais favorável.”

E mais adiante, no referido acórdão, reitera-se:

“A retroactividade proibida no n.º 3 do artigo 103.º da Constituição é a retroactividade própria ou autêntica. Ou seja, proíbe-se a retroactividade que se traduz na aplicação de lei nova a factos (no caso, factos tributários) antigos (anteriores, portanto, à entrada em vigor da lei nova).”

(…) Na doutrina, Autores há que consideram que o âmbito de aplicação do artigo 103.º, n.º 3, CRP abrange somente a retroactividade autêntica e não a imprópria ou "inautêntica" (Casalta Nabais, Direito Fiscal, p. 147; Rui Guerra da Fonseca, Comentário à Constituição Portuguesa, II volume, coordenação de Paulo Otero, pp. 872 e segs., Américo Fernando Brás Carlos, Impostos, p. 145 e segs.), enquanto outros mostram mais simpatia pela posição contrária, como é o caso de Paz Ferreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, org. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Tomo II, Coimbra, 2006, p. 223, seguindo a posição de Diogo e Mónica Leite de Campos e Jorge Bacelar Gouveia)”.

Ora, a redação dada ao n.º 6 do art.º 51.º do CIRC implica, na verdade, uma verdadeira alteração substantiva do regime do IRC que, a aplicar-se a situações anteriores (nomeadamente situações ocorridas 16 anos antes, como é o caso dos autos), atenta contra o mencionado princípio.

Chama-se a este propósito à colação o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 751/2020, de 16.12.2020, no qual se decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa, da norma do art.º 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, ao atribuir caráter meramente interpretativo ao n.º 7 do art.º 7.º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo art.º 152.º da citada da Lei, determina a aplicabilidade nos anos fiscais anteriores a 2016, cujos princípios são transponíveis in casu.

Ali se refere:
“… No domínio fiscal rege, desde a revisão constitucional de 1997, a norma do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição: ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroativa. Consequentemente, o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modificações que, com efeitos retroativos, os agravem. Segundo a jurisprudência constitucional, retira-se daquele preceito uma proibição de estatuir consequências jurídicas novas que constituam ex novo ou agravem situações fiscais já definidas, nomeadamente o quantum devido a título de certo imposto e previamente definido em razão da verificação de todos os factos relevantes à luz do direito aplicável antes da estatuição das consequências jurídicas novas. (…)
Na verdade, o Tribunal Constitucional tem vindo a explicitar o enquadramento constitucional dos limites à repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas e a diferenciá-los em função da intensidade da projeção dos respetivos efeitos sobre a esfera jurídica das pessoas. Assim, na síntese do Acórdão n.º 575/2014:
«O Estado de direito é um estado de segurança jurídica. E a segurança exige que os cidadãos saibam com o que podem contar, sobretudo nas suas relações com os poderes públicos. Saber com o que se pode contar em relação aos atos da função legislativa do Estado é coisa incerta ou vaga, precisamente porque o que é conatural a essa função é a possibilidade, que detém o legislador, de rever ou alterar, de acordo com as diferentes exigências históricas, opções outrora tomadas. Contudo, a possibilidade de alteração dessas opções, se é irrestrita (uma vez cumpridas as demais normas constitucionais que sejam aplicáveis) quando as novas soluções legislativas são pensadas para valer apenas para o futuro, não pode deixar de ter limites sempre que o legislador decide que os efeitos das suas escolhas hão de ter, por alguma forma, certa repercussão sobre o passado.
A Constituição não proíbe, em geral, que as novas escolhas legislativas (…) façam repercutir os seus efeitos sobre o passado. Mas, para além disso, não proíbe nem pode proibir genericamente que o legislador recorra a uma "técnica" de modelação da repercussão dos efeitos das suas escolhas em face da variabilidade dos graus de intensidade de que ela pode revestir. Na verdade, a repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas pode assumir uma intensidade forte ou máxima, sempre que a lei nova faça repercutir os seus efeitos sobre factos pretéritos, praticados ao abrigo de lei anterior, redefinindo assim a sua disciplina jurídica. Mas pode também assumir uma intensidade fraca, mínima ou de grau intermédio, sempre que a lei nova, pretendendo embora valer sobre o futuro, redefina a disciplina de relações jurídicas constituídas ao abrigo de um (diverso) Direito anterior. Neste último caso, designa-se este especial grau de repercussão dos efeitos das novas decisões legislativas como sendo de «retroatividade fraca, imprópria ou inautêntica», ou ainda, mais simplesmente, de «retrospetividade». Como quer que seja, e não sendo o recurso por parte do legislador a qualquer uma destas formas de retroação da eficácia dos seus atos genericamente proibida pela Constituição, a convocação legislativa de qualquer uma destas técnicas não deixa de colocar problemas constitucionais, face justamente ao imperativo de segurança jurídica que decorre do princípio do Estado de direito.
É, com efeito, evidente que a repercussão sobre o passado das novas escolhas legislativas, qualquer que seja a forma ou o grau de que se revista, diminui ou fragiliza a faculdade, que os cidadãos de um Estado de direito devem ter, de poder saber com o que contam, nas relações que estabelecem com os órgãos de poder estadual. Precisamente por isso, a Constituição proibiu expressamente o recurso, por parte do legislador, à retroatividade forte, sempre que a medida legislativa que a ela recorre implicar intervenções gravosas na liberdade e (ou) no património das pessoas, assim sucedendo quando estejam em causa restrições a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º, n.º 3), a definição de comportamentos criminalmente puníveis (artigo 29.º, n.º 1), ou a criação de impostos ou definição dos seus elementos essenciais (artigo 103.º, n.º 3). A razão pela qual a Constituição exclui a possibilidade de existência de leis retroativas nesses casos reside precisamente na intensidade da condição de insegurança pessoal que do contrário resultaria no quadro de um Estado de direito democrático como é aquele que o artigo 2.º institui.»
No respeitante ao domínio fiscal, o Tribunal Constitucional entende que a proibição da retroatividade do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição apenas se dirige à retroatividade autêntica (…).
A mencionada proibição constitucional tem implicações relativamente às leis interpretativas em matéria fiscal.
Como se explicou nos Acórdãos n.os 267/2017 e 395/2017, devido à integração da lei interpretativa na lei interpretada estatuída no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, a primeira é necessariamente retroativa, já que a mesma é considerada como "fazendo parte" da segunda.
Trata-se, evidentemente, de uma ficção temporal - a ficção de que um facto presente (a entrada em vigor da lei interpretativa) ocorreu no passado (a entrada em vigor da lei interpretada); e a retroatividade das normas interpretativas resulta dessa ficção (assim, v. o Acórdão n.º 395/2017).
Concretizando no que se refere à norma ora em apreciação (…), o caráter interpretativo atribuído à determinação, em 2016, de uma associação necessária da isenção prevista em preceito vigente desde 2003 a certas garantias e operações financeiras, com exclusão de outras, implica que tal exclusão abranja também garantias prestadas e operações financeiras realizadas antes de 2016 (…).
Daí suscitar-se a questão da solvabilidade constitucional, designadamente à luz do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, das leis interpretativas que agravem situações fiscais anteriormente definidas em consequência da ocorrência do pertinente facto tributário.
(…) A especificidade da lei interpretativa prende-se com a intenção e a força vinculante do próprio ato normativo: por contraposição à lei inovadora, aquela visa ou declara pretender fixar apenas o sentido correto de um ato normativo anterior. A mesma não pretende criar direito novo, antes tem como objetivo esclarecer o sentido "correto" do direito preexistente. «O órgão competente que cria uma lei (p. ex. a Assembleia da República) tem também a competência para a interpretar, modificar, suspender ou revogar» (cf. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 176). Está em causa, afinal, uma manifestação da mesma competência legislativa que é fonte em sentido orgânico do ato interpretando (cf. idem, ibidem). E, por ser de valor igual a este último, a lei interpretativa determina-lhe o sentido para todos os efeitos, independentemente da correção hermenêutica de tal interpretação. Por isso, a interpretação da lei fixada pelo próprio legislador - a chamada "interpretação autêntica" - «vale com a força inerente à nova manifestação de vontade» do respetivo autor (cf. Autor cit., ibidem, p. 177). Daí a aludida consequência de a lei interpretativa se integrar na lei interpretada (cf. o artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil).
Por isso mesmo, como se referiu no Acórdão n.º 267/2017, pode, de acordo com certa conceção, falar-se de uma retroatividade meramente formal inerente a toda a lei - tida por "verdadeiramente" ou "genuinamente" - interpretativa: há retroatividade, porque tal lei se aplica a factos e situações anteriores, e a mesma retroatividade é "formal", visto que a lei, «vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da [lei anterior - cujo sentido e alcance não se podiam ter como certos -] com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas» (cf. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, p. 246). Com efeito, «a retroação [das leis interpretativas] justifica-se, além do mais, por não envolver uma violação de quaisquer expectativas seguras e legítimas dos interessados. Estes podiam contar com a solução da [lei nova] interpretativa, visto ela corresponder a um dos vários sentidos atribuídos já pela doutrina e pela jurisprudência à [lei antiga]»: assim, é «de sua natureza interpretativa a lei que, sobre um ponto em que a regra de direito é incerta ou controvertida, vem consagrar uma solução que a jurisprudência, por si só, poderia ter adotado» (cf. Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do novo Código Civil, Almedina, Coimbra, 1968, pp. 286-287).
Diferentemente, se a lei nova se pretende aplicar a factos e situações jurídicas anteriormente disciplinados por um direito certo, então este último é modificado, violando-se expectativas quanto à sua continuidade, e tal lei, na medida em que inove relativamente ao direito anterior - qualificando-se já não como lei interpretativa, mas sim como lei inovadora - , será substancial ou materialmente retroativa (cf. Baptista Machado, Introdução ao Direito..., cit., p. 247).
Nesta perspetiva, e tendo em conta a ótica da tutela da confiança dos destinatários do direito, relevará, então, que a lei verdadeiramente interpretativa é apenas formalmente retroativa, uma vez que se limita a declarar o direito preexistente; ao passo que a lei autoqualificada como interpretativa mas que em boa verdade seja inovadora se deva considerar como material ou substancialmente retroativa, porquanto, ao modificar o direito preexistente, constitui direito novo.
Na verdade, pode suceder - e sucede com alguma frequência - que o legislador declare ou qualifique expressamente como "interpretativa" certa disposição de uma lei nova, mesmo quando essa disposição seja na realidade inovadora. Ora, uma lei que modifique o direito preexistente - o mesmo é dizer, que constitua direito novo - sob a capa de "lei interpretativa", porque criadora de efeitos jurídicos novos para os respetivos destinatários, violará necessariamente uma eventual proibição de leis retroativas; porém, a lei genuinamente interpretativa, porque se limite a declarar o direito que já vigora e com o qual os respetivos destinatários podem contar, não violará tal proibição, do mesmo modo que toda e qualquer interpretação jurídica, incluindo a feita pelos tribunais, também não pode considerar-se como produtora de efeitos jurídicos novos que frustrem «expectativas seguras e legitimamente fundadas».
(…)
[N]ão pode aceitar-se a ideia de que uma lei "genuinamente interpretativa" - porque se limita a consagrar um dos sentidos possíveis da lei interpretada - não seja lesiva das «expectativas seguras e legitimamente fundadas» dos seus destinatários e, por isso mesmo, caso trate de matéria fiscal, a respetiva retroatividade - tida como meramente "formal" - nem sequer esteja abrangida pela proibição do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
Como se entendeu no Acórdão n.º 395/2017:
«Sem dúvida que os cidadãos destinatários das leis, designadamente de leis com uma vocação ablativa, não devem ter qualquer expectativa de que estas sejam, ou possam vir a ser, interpretadas no sentido que lhes é mais favorável; não existe, nem sequer nos domínios penal ou fiscal, um qualquer «princípio da interpretação mais favorável» ao cidadão. Mas têm a expectativa legítima, na qualidade de destinatários da lei, de formarem uma convicção sobre o direito nela vertido e de agirem com base nessa convicção jurídica - assim como, na eventualidade de se verificar um litígio, de recorrerem aos tribunais para que estes apreciem, no uso da autoridade jurisdicional que exclusivamente lhes cabe, e no âmbito de um processo de partes com igualdade de armas, o mérito jurídico do seu ponto de vista no caso concreto. Por outras palavras, os destinatários das leis têm a expectativa legítima de que estas sejam objeto de uma interpretação jurídica, porque é nesses exatos termos - enquanto sujeitos de direito - que aquelas se lhes dirigem. Ao consagrarem um sentido por razões de ordem política - constitutivas e não declarativas de direito -, as leis interpretativas frustram essa expectativa legítima dos cidadãos na juridicidade, adversariabilidade e justiciabilidade da sua relação com a lei.
Não é outro, segundo se crê, o alcance das seguintes palavras que constam do Acórdão n.º 172/2000:
"[A] vinculação interpretativa que [as] leis [interpretativas] comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários. A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas e já aplicadas noutros casos [...] leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica."»
Consequentemente, a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, caso esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição da retroatividade consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.
13 - No caso da norma em apreciação no presente processo, nem sequer é necessário discutir se a proibição constitucional de leis interpretativas em matéria fiscal é, nos mesmos termos em que a previsão do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição tem sido interpretada pela jurisprudência constitucional, absoluta (como sustentado, por exemplo, nos Acórdãos n.os 267/2017, 644/2017 e 92/2018) ou admite exceções, fundadas seja na existência de uma controvérsia insanável com um lastro decisório estatisticamente significativo no âmbito de uma determinada ordem jurisdicional, seja na coincidência do sentido fixado pela lei interpretativa com o da jurisprudência dominante relativamente ao entendimento da lei interpretada (como se considerou hipoteticamente, por exemplo, nos Acórdãos n.os 395/2017 e 107/2018; e se entendeu dever aplicar no caso decidido pelo Acórdão n.º 49/2020).
Com efeito, tal questão pode aqui ser deixada em aberto, uma vez que é muito reduzido o número de decisões de tribunais superiores ou de tribunais arbitrais tomadas antes da entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016 relativamente à alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003” (sublinhados nossos).

Portanto, não é aplicável in casu a redação do n.º 6 do art.º 51.º do CIRC dada pela LOE/2016, sob pena de violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal.

Acrescente-se, adicionalmente, que a LOE/2016, no seu art.º 136.º, n.º 8, prevê que “[a]s alterações introduzidas nos artigos 14.º, 51.º, 51.º-A, 51.º-C, 91.º-A, 95.º e 97.º do Código do IRC aplicam-se às participações detidas à data de entrada em vigor da presente lei, contando-se o novo período de detenção desde a data da aquisição da percentagem de 10 % do capital social ou dos direitos de voto”, sendo que nada foi sequer alegado no sentido de se reunirem tais pressupostos em termos de detenção.

Em consequência, assiste razão à 1.ª Recorrente nesta parte.

IV.B. Do erro de julgamento alegado pela 1.ª Recorrente, quanto à correção relativa à não dedutibilidade do IRS retido sobre prémios atribuídos em concurso

Entende, por outro lado, a 1.ª Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que o custo total do prémio atribuído a concurso corresponde ao valor do prémio anunciado, acrescido do valor de imposto retido na fonte que o promotor entrega diretamente à AT, na qualidade de substituto tributário e único responsável perante o Estado pela obrigação de retenção e entrega do imposto retido, sendo este o valor que efetivamente despendeu. Sendo o custo total para a 1.ª Recorrente constituído pelo valor ilíquido do prémio atribuído, inexiste qualquer dispositivo legal que a impeça de fazer essa dedução à sua matéria coletável para efeitos fiscais, estando ao invés a dedução expressamente admitida na alínea f) do n.º 1 do art.º 23.º do CIRC à data dos factos.

In casu, a correção efetuada tem a ver com a consideração como custo do IRS retido ao abrigo do art.º 74.º, n.º 2, al. b), do CIRS, sobre prémios em concursos de produção, não aceite como tal pela AT, por se tratar de encargo que incidiu sobre terceiros e que a 1.ª Recorrente não está legalmente autorizada a suportar.

Vejamos então.

Nos termos do art.º 23.º do CIRC, na redação vigente à época:

“1 - Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:

(…)

f) Encargos fiscais e parafiscais”.

Por seu turno, nos termos do art.º 41.º do mesmo código, na redação vigente à época:

“1 - Não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:

(…) c) Os impostos e quaisquer outros encargos que incidam sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar”.

Atento o constante da factualidade assente, exclusivamente no RIT, o que está em causa é admissibilidade de custo com o IRS retido em casos de prémios de concursos, que têm de ser publicitados pelo valor líquido de impostos, mas cabendo à 1.ª Recorrente o encargo com o imposto correspondente.

Não sendo posta em causa a realização de tais concursos com os prémios publicitados nos termos já referidos, coube à 1.ª Recorrente, enquanto entidade promotora do concurso, a retenção na fonte do IRS correspondente, o que também não é controvertido.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 07.03.2007 (Processo: 0498/06):

“Tratando-se de prémios pagos pela impugnante (…) em consequência de sorteios e concursos, não há dúvidas que estes rendimentos se encontram no âmbito de incidência do IRS, concretamente no seu artigo 12.º, alínea b), configurando rendimentos da categoria I (actualmente extinta, por integração na categoria G).

(…) A tributação desses rendimentos ocorre por retenção na fonte a título definitivo com carácter liberatório, conforme dispõem o n.º 1 e a alínea b) do n.º 2 do artigo 74.º CIRS (…).

Tal retenção cabe à entidade devedora desses rendimentos, que deduzirá, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 94.º CIRS, a importância correspondente ao rendimento sujeito a tributação às taxas fixadas no artigo 74.º CIRS”.

(…) [O] que se exige apenas à entidade organizadora dos concursos é que entregue nos cofres do Estado o imposto correspondente ao prémio atribuído, calculado pela aplicação da taxa devida sobre o seu valor.

Só que, como o prémio pago não pode deixar de corresponder ao valor líquido de IRS, porque é isso que de facto é entregue ao beneficiário, torna-se necessário apurar o rendimento ilíquido sujeito a imposto” (sublinhado nosso).

Ora, tal situação, tal como refere a 1.ª Recorrente, enquadra-se no art.º 23.º, n.º 1, al. f), do CIRC, dado tratar-se de um encargo fiscal suportado pela 1.ª Recorrente, na qualidade de substituta tributária, cuja indispensabilidade ou efetividade nunca, aliás, foi posta em causa, não se enquadrando no âmbito da al. c) do n.º 1 do art.º 41.º do mesmo código, uma vez que cabe legalmente à 1.ª Recorrente a retenção na fonte em causa.

Como tal, também neste caso assiste razão à 1.ª Recorrente.

IV.C. Do erro de julgamento alegado pela 2.ª Recorrente, atinente ao crédito de imposto relativo à dupla tributação económica de lucros distribuídos e ao relativo à contribuição autárquica

Alega, por seu turno, a 2.ª Recorrente que a decisão sob escrutínio padece de erro de julgamento, no que toca ao crédito de imposto por dupla tributação económica e ao relativo à contribuição autárquica, uma vez que a sua desconsideração decorreu de a Impugnante ter deixado de ter coleta que lhe permitisse deduzir o valor inscrito, em consequência das correções efetuadas. Considera ainda que tal teria sempre de passar pela verificação da regularidade formal e substancial dos documentos de suporte dos rendimentos englobados para efeitos de poder beneficiar da dedução à coleta do crédito de imposto por dupla tributação económica.

Vejamos então.

In casu, a Impugnante sustentou, em 1.ª instância, que, em virtude das correções levadas a efeito pela AT, deixaram de ser consideradas as deduções à coleta efetuadas quer por via da dupla tributação económica quer atinentes a contribuição autárquica.

Comecemos pela parte relativa ao crédito de imposto respeitante à dupla tributação económica de lucros distribuídos.

Como resulta provado (cfr. facto 7.), a Impugnante, na sua declaração modelo 22 de IRC, adicionou aos rendimentos englobados o valor de crédito de imposto de 538.391,16 Eur. [cfr. art.º 58.º, n.º 1, al. a), do CIRC].

Resulta igualmente provado que, nessa declaração, uma vez que apurara coleta, fizera a correspetiva dedução por dupla tributação internacional.

Refira-se que, quanto a toda esta parte da declaração (abrangendo quer os aspetos relativos à dupla tributação internacional quer os relativos à contribuição autárquica), a Impugnante goza da presunção de veracidade da mesma, prevista no art.º 75.º, n.º 1, da LGT.

Como resulta igualmente provado, das correções efetuadas pela AT (nem todas impugnadas, acrescente-se), a situação da Impugnante passou a ser de prejuízo fiscal, o que implica, por consequência, a inexistência de coleta.

Ora, nos termos do então art.º 58.º, n.º 1, al. a), do CIRC:

“1 - Na determinação da matéria coletável sujeita a imposto:

a) Quando houver rendimentos que dão direito a crédito de imposto por dupla tributação económica dos lucros distribuídos nos termos do artigo 72º, deverá adicionar-se aos rendimentos englobados o montante do crédito de imposto a que houver lugar”.

Ou seja, o valor inscrito na linha 217 do quadro 07 da declaração modelo 22 só o foi na perspetiva e face à hipótese de ser possível a dedução à coleta.

Tendo a AT procedido a uma série de correções, que conduziram a uma situação de prejuízo tributável e inerente impossibilidade de consideração de deduções à coleta, cabia-lhe a si, AT, extrair todas as consequências advenientes de tais correções, o que não fez.

Ademais, a AT nunca pôs em causa, no momento oportuno, a efetividade dos custos nem a sua regularidade formal ou substancial (relembremos que aqui funciona a presunção de veracidade do declarado, nos termos já referidos supra), não sendo, pois, exigível que a Impugnante o faça em sede impugnatória, carecendo de qualquer respaldo legal o alegado pela 2.ª Recorrente no sentido de que a Impugnante deveria ter provado em sede impugnatória a efetividade dos valores em causa.

Carece, por isso, de relevância o alegado no sentido de terem de ser aferidas as regularidades formais e substanciais, porque tal deveria ter sido feito em sede de inspeção tributária; não o tendo a AT feito, sibi imputet.

Quanto ao crédito de imposto atinente à contribuição autárquica, os argumentos são similares e pelo mesmo motivo não procedem.

Com efeito, como decorria do então art.º 41.º, n.º 1, al. b), do CIRC, não era dedutível para efeito de determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizada como custo ou perda do exercício, a coleta da contribuição autárquica que fosse dedutível nos termos do art.º 74º.

Nos termos do art.º 71.º do CIRC:

“2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior, serão efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

(…)

c) A correspondente à coleta da contribuição autárquica”.

Por seu turno, o art.º 74.º do mesmo código prescrevia que:

“1 - A dedução a que se refere a alínea c) do nº 2 do artigo 71º é aplicável quando na matéria coletável tenham sido incluídos rendimentos de prédios ou parte de prédios sobre cujo valor tenha incidido a contribuição autárquica.

2 - A dedução consiste num crédito de imposto correspondente à coleta da contribuição autárquica até à concorrência da parte do montante apurado nos termos do n.º 1 do artigo 71.º que proporcionalmente corresponder aos rendimentos de prédios ou parte de prédios referidos no número anterior”.

Ora, tendo sido as correções efetuadas de tal forma a que, nos termos já referidos, a Impugnante deixou de poder deduzir à coleta o valor relativo a contribuição autárquica, deveria a AT em sede de inspeção tributária ter tirado as consequências daí advenientes, considerando o disposto no art.º 41.º do CIRC e já referido.

Entendimento distinto seria atentatório do princípio da tributação pelo rendimento real.

Como tal, não assiste razão à 2.ª Recorrente.

Vencida a FP é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de, no caso do recurso apresentado pela Impugnante, não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).

V. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:
a) Conceder provimento ao recurso interposto pela G….., S.A, e, em consequência, revogar a sentença nessa parte, julgando-se a impugnação procedente quanto a tais correções, com a consequente anulação da liquidação impugnada na parcela correspondente;
b) Negar provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública;
c) Custas pela Fazenda Pública em ambos os recursos e em ambas as instâncias;
d) Registe e notifique.


Lisboa, 25 de fevereiro de 2021


[A relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Senhores Desembargadores António Patkoczy e Mário Rebelo]

Tânia Meireles da Cunha


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[1] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 242.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2019, p. 786.
[3] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 286.
[4] Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
[5] V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.