Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:433/22.1BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:04/20/2023
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
MANUTENÇÃO DA SUSPENSÃO
Sumário:A segunda liquidação tem que ser entendida como substitutiva da primeira apresentada, pelo que liquidando valor superior a este e encontrando-se em cobrança nas primeiras execuções parte desse montante, haverá que reconhecer a conexão entre as liquidações. E, se assim é, enquanto se encontrar em contencioso a liquidação de CESE quanto ao ano de 2017 deve manter-se a suspensão da execução que visa parte do valor por ela determinado porque garantido pela contribuinte.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública, veio, em conformidade com o artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, de 24 de janeiro de 2023 que, julgando procedente a ação de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, deduzida ao abrigo do disposto nos artigos 276º e ss do CPPT pela sociedade S....., ACE, declarou nulo o despacho proferido pela Directora Distrital de Finanças de Setúbal que indeferiu o pedido de manutenção da suspensão da execução formulado junto dos processos de execução fiscal com os n.os 2259201701033719 e 225920170104912.


A Reclamada, aqui Recorrente, Fazenda Pública, termina as alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A

Ao decidir no sentido em que decidiu, incorreu o douto Tribunal em erro de julgamento, razão pela qual não se conforma esta representação, com o decidido.

B

Com efeito, labora a douta decisão em erro, ao concluir pela manutenção da suspensão da globalidade das execuções fiscais instauradas para a cobrança dos valores liquidados de CESE.

C

Na verdade, a S..... não fica impedida de reclamar da decisão que indeferiu o pedido de manutenção da suspensão dos PEF em crise até o trânsito em julgado da impugnação judicial n.º 365/22.3 BEBJA.

D

Contudo, apesar do objeto do referido processo 365/22.3BEBJA ser o ato de autoliquidação de substituição e dizer respeito a todo o montante de CESE de 2017 e ser esse o valor da ação de impugnação, não poderemos esquecer que, antes, a reclamante impugnou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, a liquidação da CESE referente ao ano de 2017, no valor de € 37.131,97 e dos respetivos juros compensatórios a que correspondeu o processo n.º 836/18.6BEALM), a qual foi julgada improcedente.

E

A haver suspensão, apenas na parte que foi liquidada adicionalmente, na sequência da apresentação da declaração de substituição, que não havia sido objeto de escrutínio no âmbito do processo 836/18.6BEALM e sê-lo-á no processo 365/22.3BEBJA. Mas nunca a totalidade da CESE de 2017.

F

Aceitar tal posição permitiria aos contribuintes discutir a dívida ad eternum pois, na sequência das decisões proferidas pelos tribunais judiciais, bastaria aos mesmos proceder à entrega de declarações de substituição para voltar a discutir a legalidade de toda a dívida, o que está vedado nos termos do n.º 6 do artigo 59.º do CPPT, como anteriormente referido.

G

Assim, a decisão que anule o ato reclamado será ilegal porque, por sua vez, anularia os efeitos jurídicos do caso julgado produzidos pela decisão proferida naquele processo.

NESTES TERMOS e nos melhores de Direito, deve conceder-se provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão recorrida, o que se deverá fazer por obediência à Lei e por imperativo de JUSTIÇA!»


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A Reclamante, aqui Recorrida, S....., S.A., apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

«A. A decisão reclamada é ilegal, devendo ser anulada, porque, o segundo acto de autoliquidação da CESE de 2017 praticado pela S..... (através da submissão de uma declaração de substituição) teve por efeito anular o primeiro acto.

B. Só uma decisão final proferida nos autos de impugnação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa desse segundo acto, nos quais se contesta integralmente a CESE de 2017 da S..... – por reporte à invalidade total do seu regime e, portanto, à totalidade do montante liquidado –, é que pode originar a obrigatoriedade de a Reclamante pagar esse montante.

C. É isso que resulta do regime do artigo 169º do CPPT (ao abrigo do qual estes autos executivos têm estado suspensos), em cujo n.º 1 se estabelece que, verificadas todas as demais condições de tal regime (designadamente a prestação de garantia), as execuções permanecem suspensas até que, por decisão final do processo administrativo ou judicial que tenha por objeto a legalidade da dívida exequenda, ocorra uma declaração definitiva da validade ou invalidade dessa dívida.

D. No nosso caso, é certo que não só a AT está na posse de duas garantias que salvaguardam inteiramente o seu crédito relativo à CESE de 2017 da S..... como está em curso um processo de contestação da legalidade desse crédito.

E. Caso vingasse aqui qualquer interpretação do regime do artigo 169º do CPPT da qual derivasse que a Reclamante estava obrigada a pagar o montante da CESE de 2017 (ou parte dela) enquanto a totalidade da dívida está subjacente a um processo de contestação da sua legalidade, então o regime teria de ser considerado inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva de direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20º e no n.º 4 do artigo 268º da Constituição.

F. Nesta sequência, não tem qualquer sentido a alusão ao regime do caso julgado. O que interessa fundamentalmente para os presentes efeitos é que neste momento há um contencioso pendente sobre a legalidade da dívida da CESE de 2017 da S....., contencioso esse que diz respeito a um acto de liquidação do montante total desse tributo, apurado quanto a esse ano, e em que a ora Reclamante utiliza argumentos para anular o tributo desse ano in totum, e não simplesmente quanto a qualquer valor residual.

G. Portanto, deferir o requerimento da S..... não equivalerá a violar o efeito de caso julgado da sentença incidente sobre a impugnação do acto de autoliquidação originário. Recusar a anulação da decisão reclamada com base nesse argumento redundaria numa usurpação por parte da AT do poder de livre decisão que cabe ao juiz do processo de impugnação da autoliquidação de substituição. Não cabe à AT (nem, em boa verdade, ao juiz dos presentes autos de reclamação) antecipar qual deverá ou deveria ser a decisão naquela impugnação; isso cabe, apenas, ao juiz que decidir esse outro processo, no âmbito desse outro processo.

H. Em face o do exposto, a decisão reclamada é ilegal, por violação do artigo 169º do CPPT, bem tendo andado o Tribunal recorrido ao anulá-la.

Termos em que deve ser por V. Exas. ser negado provimento ao presente recurso, com a confirmação da Sentença recorrida

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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que a recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.
De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.
Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões fundamentais a decidir são as de saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento quando declarou nulo o despacho proferido pela Directora Distrital de Finanças de Setúbal que indeferiu o pedido de manutenção da suspensão da execução formulado junto dos processos de execução fiscal com os n.os 2259201701033719 e 225920170104912.
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Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A) A S..... é uma empresa que integra o sector energético nacional e se encontra sujeita à Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético – por acordo;

B) A sociedade Reclamante, sedeada em Sines, exerceu a sua atividade, pelo menos, no ano de 2017 – cfr. doc. junto com a petição inicial;

C) Atenta a vigência, nesse período, do regime que impôs a Contribuição Extraordinária para o Sector Energético (CESE) a sociedade Reclamante praticou o ato de autoliquidação da mesma, mediante a submissão em 30/10/2017 da competente declaração modelo 27 - cfr. doc. junto com a petição inicial;

D) A Reclamante, por discordar com o regime de imposição da CESE, não procedeu ao pagamento do valor autoliquidado, correspondente a 37.131,97 € e apresentou contra a mesma reclamação graciosa - cfr. doc. junto com a petição inicial;

E) A reclamação graciosa, registada sob o nº 2259201804000340, na Direção de Finanças de Setúbal, foi indeferida e a Reclamante fez instaurar processo de impugnação que correu termos neste TAF sob o nº 836/18.6BEALM - cfr. doc. junto com a petição inicial;

F) Atenta a falta de pagamento da autoliquidação da CESE foram liquidados juros indemnizatórios para pagamento pela Reclamante - cfr. doc. junto com a petição inicial;

G) Não procedendo ao pagamento quer da contribuição quer dos juros indemnizatórios foram instaurados, no Serviço de Finanças de Sines, os processos de execução fiscal com os números 2259201701033719 e 2259201701042912, para cobrança do valor de CESE, 37.131,97 € e juros compensatórios no valor de 35,36 € - cfr. doc. junto com a petição inicial;

H) No âmbito de tais processos constituiu a Reclamante garantia em consequência do que os mesmos foram declarados suspensos pelo órgão de execução fiscal - cfr. doc. junto com a petição inicial;

I) No processo de impugnação referido em E) foi proferida decisão em primeira instância a qual julgou improcedente a pretensão da aqui Reclamante - cfr. doc. junto com a petição inicial;

J) Inconformada deduziu ali recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul, que proferiu Acórdão em 11/11/2021, através do qual manteve a sentença recorrida - cfr. doc. junto com a petição inicial;

K) A Reclamante recorreu desse Acórdão para o Tribunal Constitucional, que proferiu Decisão Sumária, em 09/05/2022, mediante a qual negou provimento ao recurso - cfr. doc. junto com a petição inicial;

L) Reclamou da mesma para a Conferência do Tribunal Constitucional, tendo sido indeferida a reclamação - cfr. doc. junto com a petição inicial;

M) Na sequência de procedimento inspetivo tributário, a sociedade Reclamante submeteu declaração de substituição relativa à CESE do mesmo exercício de 2017, em 07/05/2021, autoliquidando nova taxa no valor de 61.886,62 € - cfr. doc. junto com a petição inicial;

N) A sociedade Reclamante não procedeu ao pagamento da taxa assim autoliquidada, nomeadamente o valor correspondente à parte que excedeu o valor apurado na primeira liquidação, cifrado em 24.754,65 € - cfr. doc. junto com a petição inicial;

O) Em consequência dessa falta de pagamento foi emitida liquidação de juros compensatórios - cfr. doc. junto com a petição inicial;

P) Em virtude dessa falta de pagamento voluntário foram instaurados, no Serviço de Finanças de Sines, os processos de execução fiscal com os nºs 2259202101019155 e 2259202101031309, para cobrança do valor de 24.754,65 € e juros compensatórios no valor de 3.508,76 € - cfr. doc. junto com a petição inicial;

Q) A Reclamante apresentou garantia nos processos de execução fiscal referidos na alínea que antecede com vista à suspensão dos mesmos - cfr. doc. junto com a petição inicial;

R) A sociedade Reclamante deduziu reclamação graciosa quanto à CESE, por si autoliquidada em substituição daquela que já apresentara quanto ao mesmo período de 2017, por se manter inconformada com a aplicação e o regime legal integral a ela respeitante - cfr. doc. junto com a petição inicial;

S) A reclamação graciosa instaurada, sob o nº 2259202204000242, na Direção de Finanças de Setúbal, mereceu decisão de indeferimento - cfr. doc. junto com a petição inicial;

T) Contra esse indeferimento deduziu a sociedade Reclamante processo de impugnação que neste TAF foi registado sob o nº 365/22.3 BEBJA que aqui corre termos - cfr. certidão do processo junto a estes autos;

U) Na impugnação referida na alínea que antecede visa a aqui Reclamante os atos de autoliquidação da CESE, e de juros compensatórios e de mora, referentes a 2017, nos valores de 61.886,62 €, 3.483,28 € e 25,48 € - cfr. certidão do processo junta a estes autos;

V) Na referida impugnação sustenta a Reclamante “(…) a desconformidade da CESE – mormente do disposto nos artigos 228º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro (que institui o Regime Jurídico da CESE), 264º, nº 2 da Lei nº 42/2016, de 28 de dezembro (que prorroga a vigência da CESE para o ano de 2017), 1º (objeto), 2º (base de incidência subjetiva), 3º (base de incidência objetiva), 6º (determinação da taxa aplicável), 11º (determinação da consignação da receita ao FSSSE) e 12º (não dedutibilidade do tributo) do seu regime jurídico – com o disposto no art. 17º da LEO e com o artigo 105º da CRP, é manifestamente ilegal e inconstitucional (indiretamente que seja) o ato de autoliquidação ora impugnado, devendo ser declarado nulo, nos termos da al. k) do art. 161º do CPA, com todas as consequências legais.” – cfr. certidão do processo junta a estes autos;

W) Formulando aí os seguintes pedidos:

“- a declaração de nulidade dos atos de autoliquidação da CESE e de liquidação de juros compensatórios ora impugnados por padecerem de ilegalidade abstrata e inconstitucionalidade, por vícios orçamentais;

- a anulação do ato de indeferimento da reclamação impugnado;

- a anulação dos atos de autoliquidação da CESE e de liquidação de juros compensatórios reclamados;

- o reembolso dos montantes que tenham sido ou venham entretanto a ser pagos;

- em caso de efetivo pagamento de qualquer montante, a declaração do direito da Impugnante ao pagamento de juros indemnizatórios por parte da AT, de acordo com o estatuído nos arts. 43º e 100º da LGT;

- a declaração do direito da Impugnante ao pagamento da indemnização prevista nos artigos 53º da LGT e 171º do CPPT em virtude da prestação indevida de garantia para suspensão do processo executivo instaurado para cobrança coerciva do montante não pago voluntariamente” – cfr. certidão do processo junta a estes autos;

X) A Reclamante apresentou requerimento junto do Serviço de Finanças de Sines a solicitar a extinção dos processos de execução fiscal citados em G) e a devolução da garantia nos mesmos prestada alegando, em síntese, que a CESE aí em cobrança deve ser considerada anulada por força da apresentação da declaração de substituição - cfr. doc. junto com a petição inicial e certidão da sentença do processo nº 255/22.BEBJA;

Y) Requerimento esse que foi indeferido por despacho da Senhora Diretora Distrital de Finanças de Setúbal de 20/05/2022 - cfr. doc. junto com a petição inicial e certidão da sentença do processo nº 255/22.BEBJA;

Z) A Reclamante deduziu reclamação do referido despacho, enquanto ato do órgão de execução fiscal, em processo que veio a ser distribuído neste TAF sob o nº 255/22.0BEBJA - cfr. doc. junto com a petição inicial e certidão da sentença do processo nº 255/22.BEBJA;

AA) Essa reclamação foi julgada improcedente, decidindo pela manutenção dos processos de execução fiscal em questão - cfr. doc. junto com a petição inicial e certidão da sentença do processo nº 255/22.BEBJA;

BB) No relatório da sentença proferida nesse processo foi consignado que:

“(…) o que resulta da matéria de facto provada é que um mesmo facto, ocorrido no ano de 2017 e previsto nas normas de incidência tributária da contribuição extraordinária sobre o sector energético, deu origem a duas autoliquidações. Uma primeira, na qual foi apurado um valor a pagar de 37131,97 € e uma segunda, que embora efetuada na sequência de uma ação de inspeção tributária, foi também efetuada pela aqui Reclamante, apurando um valor total de 61886,92 €, ou seja, mais 24754,65 € do que havia sido apurado inicialmente na primeira declaração. (…) Assim, o valor da contribuição extraordinária sobre o sector energético devido pela ora Reclamante relativamente ao ano de 2017 é aquele que resultou da declaração de substituição, ou seja, é o valor de 61886,62 €, e não aquele que havia sido apurado na primeira declaração de 37131,97 €.

Neste quadro, a segunda declaração apresentada, contendo um ato de autoliquidação do valor do imposto devido veio a substituir a primeira declaração, e consequentemente o ato de autoliquidação que ela também comportava.

Porém, daí não decorre que a dívida resultante desses autoliquidações tenha ele sido, total ou parcialmente anulada.

(…)

Simplesmente o valor dessa primeira autoliquidação, de 37131,97 € não terá considerado todos os elementos do facto tributário, sendo inferior ao valor devido, de 61.886,62 €.

Esta segunda autoliquidação não só manteve o valor que havia sido apurado naquela primeira, de 37131,97 €, como lhe veio a somar um valor de 24754,65 € e é apenas este valor que se encontra em cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº 2259202101019155, mantendo-se, necessariamente, a cobrança coerciva do restante valor de 37131,97 € e dos juros compensatórios associados através dos processos de execução fiscal nºs 2259201701033719 e 2259201701042912, os quais, por isso, não podem ser extintos.

(…)

O valor total da contribuição extraordinária sobre o sector energético apurado pela Reclamante com referência ao ano de 2017 foi de 61886,62 €.

A determinação desse valor foi feita em dois momentos, através de duas declarações de autoliquidação, uma primeira na qual foi apurado um valor de 37131,97 € e outra que veio corrigir esse valor para os 61886,62 €, quando já se encontrava em cobrança coerciva aquele valor parcial de 37131,97 € bem como o valor dos juros compensatórios, através justamente dos processos de execução fiscal nºs 2259201701033719 e 2259201701042915.

Já nos processos de execução fiscal nºs 2259202101019155 e 2259202101031309, por sua vez, apenas está em cobrança coerciva aquele valor parcial de 24754,65 € e juros compensatórios.

O que significa que, embora através de distintos processos de execução fiscal, aquilo que se encontra a ser exigido coercivamente à ora Reclamante é, nem mais nem menos, do que o valor da contribuição extraordinária sobre o sector energético relativa ao ano de 2017. (…)” – cfr. certidão do processo nº 255/22. BEBJA;

CC) Esta decisão transitou em julgado em 26/09/2022 - cfr. certidão da sentença do processo nº 255/22.BEBJA;

DD) Na sequência desta decisão apresentou a Reclamante requerimento mediante o qual solicitou a manutenção da suspensão dos processos de execução fiscal em questão, ou seja, os identificados em G) - cfr. doc. junto com a petição inicial;

EE) Por despacho da Senhora Diretora Distrital de Finanças de Setúbal, de 25/10/2022, foi entendido não se encontrarem reunidos os pressupostos para tal pretensão ter acolhimento nos termos do disposto no art. 169º, nº 1 do CPPT, atenta a improcedência da reclamação de atos do órgão de execução fiscal e a ausência de contencioso associado a estes processos, indeferindo a requerida manutenção da suspensão das execuções fiscais - cfr. doc. junto com a petição inicial;

FF) Mantendo a sua inconformação, a Reclamante apresentou a presente reclamação contra esse despacho.»

Factos não provados

«Com interesse para a decisão a proferir nada mais se provou de relevante.»

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Motivação da matéria de facto

«A convicção do Tribunal assenta no conjunto da prova documental junta aos autos pela sociedade Reclamante. De tal acervo probatório não coube impugnação e inexistem indícios que coloquem em causa a sua genuidade.»


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II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente reclamação procedente e, em consequência, declarou nulo e de nenhuns efeitos o acto reclamado.

Para tal, apresentou a seguinte fundamentação, em síntese:
«Nos termos do artigo 52º da Lei Geral Tributária e do artigo 169º do Código de Processo e de Procedimento Tributário, nos casos de reclamação graciosa, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução fiscal que tenham por objeto a alegada ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, a cobrança da prestação tributária suspende-se no processo de execução fiscal, desde que seja prestada garantia idónea nos termos das leis tributárias.
O artigo 199º do Código de Processo e de Procedimento Tributário, estabelece no seu nº 1 que “1-Caso não se encontre já constituída garantia, com o pedido deverá o executado oferecer garantia idónea, a qual consistirá em garantia bancária, caução, seguro -caução ou qualquer meio suscetível de assegurar os créditos do exequente.(…)”.
Daqui resulta que como pressupostos essenciais para ser determinada, e igualmente mantida por força dos mesmos, prevê o legislador que seja prestada garantia que a Administração Tributária considere idónea e que exista pendência de contencioso gracioso ou judicial relativamente à dívida em cobrança.
O dissídio nos presentes autos reside na circunstância de o órgão de execução fiscal recusar o entendimento segundo o qual aquele montante em cobrança respeitante à primeira liquidação da CESE respeitante a 2017 não se encontra já abrangido por qualquer contencioso posto que a impugnação judicial instaurada foi decidida e encontra-se transitada em julgado.
Por seu turno a Reclamante sustenta que tal liquidação foi substituída por uma outra que a corrigiu e aliás determinou valor superior que incluiu aquele primeiro valor liquidado e executado. Aliás, a segunda execução fiscal instaurado apenas visa cobrar o remanescente. Para além disso invoca a manutenção da discussão da legalidade intrínseca à CESE e ao período em questão por força da impugnação judicial que instaurou e corre termos sob o nº 365/22.BEBJA.
Desde logo se dirá assistir razão à Reclamante.
Com efeito, a razão legal e factual encontra-se do seu lado, aliás como já reconhecido no processo que correu previamente a este, a reclamação nº 255/22. BEBJA, e cujo teor a Autoridade Tributária não respeitou. Isto porquanto esse pretérito processo analisou a mesma questão central que aqui se coloca, ou seja, a da natureza substitutiva da segunda autoliquidação de CESE por parte da Reclamante quanto ao ano de 2017. E, por força dessa natureza, qual a repercussão da mesma nos processos de execução fiscal cuja suspensão aqui está em causa, e cuja extinção ali foi rejeitada. E, manifestamente reconheceu o Tribunal que ali se pronunciou – na reclamação nº 255/22.BEBJA – que a segunda liquidação tem que ser entendida como substitutiva da primeira apresentada, pelo que liquidando valor superior a este e encontrando-se em cobrança nas primeiras execuções parte desse montante, haverá que reconhecer a conexão entre as liquidações. E, se assim é, como o Tribunal reconheceu que era, e a Autoridade Tributária parece não ter entendido, enquanto se encontrar em contencioso a liquidação de CESE quanto ao ano de 2017 deve manter-se a suspensão da execução que visa parte do valor por ela determinado porque garantido pela contribuinte.
Destarte, reconhece-se que a determinação do valor alegadamente devido pela Reclamante - por força de um regime legal que contesta - foi efetuada em dois momentos, através de duas declarações de autoliquidação, uma primeira na qual foi apurado um valor de 37131,97 € e outra que veio corrigir esse valor para os 61886,62 €. Ora, o que importa para os presentes autos de sobremaneira é que já se encontrava em cobrança coerciva o valor parcial de 37131,97 € bem como o valor dos juros compensatórios, através justamente dos processos de execução fiscal nºs 2259201701033719 e 2259201701042915 cuja manutenção da suspensão a Reclamante peticiona porque devidamente garantido o seu pagamento.
Por outro lado, nos processos de execução fiscal nºs 2259202101019155 e 2259202101031309, posteriormente instaurados na sequência da autoliquidação de substituição, apenas está em cobrança coerciva aquele valor parcial de 24754,65 €, e juros compensatórios.
Pelo que se impõe concluir que, porque evidente, não obstante através de distintos processos de execução fiscal, aquilo que se encontra a ser exigido coercivamente à ora Reclamante é, nem mais nem menos, do que o valor da contribuição extraordinária sobre o sector energético relativa ao ano de 2017.
Sucede que esse valor, ou seja, essa liquidação mantém-se como litigiosa porquanto contestada a sua legalidade pela mesma sociedade Reclamante no âmbito de processo de impugnação que corre termos neste TAF sob o nº 365/22.BEBJA, aliás como não desconhece a Fazenda Pública que para o mesmo já foi citada.
Ora, não reconhecer esta conexão entre liquidações e processos de execução fiscal e por força da mesma o direito da Reclamante a ver mantida a suspensão da globalidade das execuções fiscais instauradas para cobrança da totalidade dos valor liquidados de CESE, de juros indemnizatórios e juros de mora atenta contra o direito constitucional à tutela jurisdicional eficaz e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos. Isto porque a Constituição da República assim o reconheceu no art. 20º e o legislador ordinário assim o consagrou nos citados arts. 52º da LGT e 196º e199º do CPPT. A eficácia e efetividade dos meios de reação colocados à disposição da contribuinte resultam enorme e flagrantemente ofendidos pela posição adotada pela Autoridade Tributária de não reconhecimento da conexão entre liquidações e, consequentemente, entre execuções fiscais.
Por outro lado, cumpre referir, ocorre por parte da Autoridade Tributária ofensa do caso julgado. Efetivamente, vista a decisão proferida na reclamação nº 255/22.BEBJA, relativamente à qual, nomeadamente a Fazenda Púbica não interpor recurso, resulta inequívoco a solução jurídica do caso que ora se apresentou. Afigura-se-nos inexistirem quaisquer dúvidas na aplicação à situação vertente do caso julgado material ou substancial porquanto o teor daquela decisão respeita ao mérito da causa subjacente à relação material controvertida, passando a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, de acordo com o nº 1 do art. 619º do CPC. Princípio este que, de modo inexplicável, a Autoridade Tributária postergou. As decisões devem ser observadas como um todo e não ater-se, somente, ao seu segmento efetivamente decisório. É que o Tribunal para alcançar esse segmento deve enunciar o seu percurso cognoscitivo de molde a chegar a essa decisão. Apontar as razões de facto e respetivo enquadramento jurídico que lhe permitiram chegar a essa decisão e não a outra. Destarte, analisadas tais razões e moldura legal, chegar-se-ia forçosamente à conclusão que nestes autos se reconhece, qual seja a de que devem manter-se suspensas todas as execuções fiscais instauradas para cobrança da CESE e juros adicionais enquanto se mantiver em discussão a legalidade da mesma atendendo a que se encontram garantidas pela contribuinte aí executada.
Nestes termos, procede o alegado vício de ilegalidade do despacho reclamado em razão do que, nos termos do disposto nos artigos 161º, nº 2, alíneas d) e i) e 162º do CPA, aplicável por força da al. d) do art. 2º do CPPT, se declara o mesmo nulo e, em consequência, é extirpado da ordem jurídica.»


Inconformada, veio, a Reclamada Fazenda Pública, interpor recurso da referida decisão alegando erro de julgamento ao concluir pela manutenção da suspensão da globalidade das execuções fiscais instauradas para a cobrança dos valores liquidados de CESE.
Alega que aceitar tal posição permitiria aos contribuintes discutir a dívida ad eternum pois, na sequência das decisões proferidas pelos tribunais judiciais, bastaria aos mesmos proceder à entrega de declarações de substituição para voltar a discutir a legalidade de toda a dívida, o que está vedado nos termos do n.º 6 do artigo 59.º do CPPT. E que a decisão que anule o ato reclamado será ilegal porque, por sua vez, anularia os efeitos jurídicos do caso julgado produzidos pela decisão proferida naquele processo.

Adianta-se, desde já, que não assiste razão à recorrente.

Antes de mais, importa referir que, conforme alínea M) do probatório, foi na sequência de procedimento inspectivo tributário que a sociedade reclamante submeteu declaração de substituição relativa à CESE do mesmo exercício de 2017, em 07/05/2021, autoliquidando nova taxa no valor de 61.886,62 €.

Por outro lado, não se compreende de que modo a anulação do acto reclamado – manutenção da suspensão das execuções fiscais – anularia os efeitos jurídicos do caso julgado.

Aliás, em bom rigor, tal como se escreveu na sentença recorrida, as questões em díssidio nesta reclamação, já tinham sido decididas em anterior Reclamação do Acto do Órgão de Execução Fiscal, que correu sob o nº 255/22.0BEBJA, e que transitou em julgado, reclamação essa que vem referida nas alíneas Z), a CC) do probatório, e onde se pode ler o seguinte excerto:
“(…) o que resulta da matéria de facto provada é que um mesmo facto, ocorrido no ano de 2017 e previsto nas normas de incidência tributária da contribuição extraordinária sobre o sector energético, deu origem a duas autoliquidações. Uma primeira, na qual foi apurado um valor a pagar de 37131,97 € e uma segunda, que embora efetuada na sequência de uma ação de inspeção tributária, foi também efetuada pela aqui Reclamante, apurando um valor total de 61886,92 €, ou seja, mais 24754,65 € do que havia sido apurado inicialmente na primeira declaração. (…) Assim, o valor da contribuição extraordinária sobre o sector energético devido pela ora Reclamante relativamente ao ano de 2017 é aquele que resultou da declaração de substituição, ou seja, é o valor de 61886,62 €, e não aquele que havia sido apurado na primeira declaração de 37131,97 €.

Neste quadro, a segunda declaração apresentada, contendo um ato de autoliquidação do valor do imposto devido veio a substituir a primeira declaração, e consequentemente o ato de autoliquidação que ela também comportava.

Porém, daí não decorre que a dívida resultante desses autoliquidações tenha ele sido, total ou parcialmente anulada.

(…)

Simplesmente o valor dessa primeira autoliquidação, de 37131,97 € não terá considerado todos os elementos do facto tributário, sendo inferior ao valor devido, de 61.886,62 €.

Esta segunda autoliquidação não só manteve o valor que havia sido apurado naquela primeira, de 37131,97 €, como lhe veio a somar um valor de 24754,65 € e é apenas este valor que se encontra em cobrança coerciva no processo de execução fiscal nº 2259202101019155, mantendo-se, necessariamente, a cobrança coerciva do restante valor de 37131,97 € e dos juros compensatórios associados através dos processos de execução fiscal nºs 2259201701033719 e 2259201701042912, os quais, por isso, não podem ser extintos.

(…)

O valor total da contribuição extraordinária sobre o sector energético apurado pela Reclamante com referência ao ano de 2017 foi de 61886,62 €.

A determinação desse valor foi feita em dois momentos, através de duas declarações de autoliquidação, uma primeira na qual foi apurado um valor de 37131,97 € e outra que veio corrigir esse valor para os 61886,62 €, quando já se encontrava em cobrança coerciva aquele valor parcial de 37131,97 € bem como o valor dos juros compensatórios, através justamente dos processos de execução fiscal nºs 2259201701033719 e 2259201701042915.

Já nos processos de execução fiscal nºs 2259202101019155 e 2259202101031309, por sua vez, apenas está em cobrança coerciva aquele valor parcial de 24754,65 € e juros compensatórios.

O que significa que, embora através de distintos processos de execução fiscal, aquilo que se encontra a ser exigido coercivamente à ora Reclamante é, nem mais nem menos, do que o valor da contribuição extraordinária sobre o sector energético relativa ao ano de 2017. (…)”

Aqui chegados, e vista a decisão proferida na Reclamação nº 255/22.BEBJA, relativamente à qual a Fazenda Pública não recorreu, resulta inequívoca a solução jurídica do caso em apreço.

Pelo que sem mais delongas, por desnecessárias, improcede o presente recurso e se mantém a sentença recorrida.

***


III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da 1ª Subsecção da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 20 de Abril de 2023

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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Hélia Gameiro Silva]