Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:393/12.7BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2019
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO
FUNDAMENTAÇÃO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
FUNDADA INSUFICIÊNCIA DO PATRIMÓNIO
INSOLVÊNCIA DE CARATER LIMITADO
Sumário:I. Encontra-se fundamentado o despacho de reversão se dele constam os pressupostos e a extensão da reversão.

II. É admissível a fundamentação por remissão do despacho de reversão.

III. Tendo sido declarada a insolvência da devedora originária com caráter limitado e encerrado, dois meses depois, o processo de insolvência, não haveria por que avocar àquele processo o PEF.

IV. O art.º 23.º, n.º 7, da LGT, admite a reversão do PEF contra o responsável tributário, ainda que esteja pendente processo de insolvência
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

Ana .......... (doravante Recorrente ou oponente) veio apresentar recurso da sentença proferida a 20.04.2018, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Beja, na qual foi julgada improcedente a oposição por si apresentada, ao processo de execução fiscal (PEF) n.º .........., que o Serviço de Finanças (SF) de Estremoz lhe moveu, por reversão de dívidas de IVA do ano de 2009 da devedora originária G.........., Lda.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“1. Afirma a sentença de que ora se recorre que apenas têm interesse para a causa as normas citadas no despacho de reversão: o artigo 153.° do CPPT e o artigo 24.°, alínea b) da LGT.

2. Ao alegar a falta de fundamentação do despacho de reversão, não pretende a recorrente discutir a existência, ou não, dos factos que originam tal despacho.

3. Pretende sim a questão de saber se o despacho propriamente dito está provido de todos os elementos legalmente exigidos que permitam ao seu destinatário a sua perfeita compreensão.

4. Para tal não basta a invocação dos artigos 153.° do CPPT e 24.°, alínea b) da LGT, sem mais.

5. É necessário concretizar os fundamentos da reversão no que diz respeito à concreta responsabilidade da revertida ora recorrente.

6. A citação recepcionada pela ora recorrente não refere os concretos fundamentos da reversão, limitando-se a fazer referência aos artigos 153.° do CPPT e 24.°, alínea b) da LGT, mas não concretizando os fundamentos da concreta responsabilidade da ora recorrente.

7. A primeira questão que se coloca ao olhar para a dita “fundamentação” - que facilmente se constata não mais ser que um modelo utilizado em todos os despachos de reversão e nunca adaptado a cada caso concreto - é a de saber quais as diligências que foram efectuadas para se chegar a tais conclusões.

8. Ao receber uma citação para reversão deveria o contribuinte, automaticamente, conseguir identificar quais as diligências realizadas, quais as razões da insuficiência de bens penhoráveis da sociedade devedora originária, a que título é devedor subsidiário, qual o cargo que desempenhou na devedora originária, qual o período de tempo em que desempenhou esse cargo e qual o período de tempo em que foi contraída a dívida tributária e, finalmente, qual a forma de apuramento da dívida (métodos directos ou indirectos).

9. A ora oponente, ao ler a nota de citação que recebeu, não consegue obter resposta a nenhuma destas questões.

10. Fundamentar a decisão de reversão deveria ser explicar que se reverte determinada dívida - concretizando qual dívida - contra determinada pessoa, pelo facto de essa pessoa ter desempenhado determinado cargo ou função num determinado e concretizado período temporal, concretizando ainda qual a facturação relativa a esse período e que montante concreto de IVA foi liquidado, esclarecendo que existiram incumprimentos, que tais incumprimentos se deveram a actos ou omissões culposas do devedor subsidiário e sempre especificando quais os actos em concreto e quais os alegados montantes retidos em cada acto.

11. As formalidades que a lei impõe em direito tributário são garantia da defesa e direitos dos contribuintes, motivo pelo qual tais formalidades se devem ter sempre como essenciais, só sendo passíveis de degenerescência quando a lei expressamente o consagra, o que não é o caso.

12. Não consta do despacho qualquer referência factual à situação patrimonial da sociedade devedora originária, que não à mera insuficiência ao património.

13. Tal facto trata-se tão só de uma conclusão e não de uma descrição fáctica da concreta situação financeira da empresa que permitisse concluir pela eventual insuficiência.

14. Ainda que se considere haver mera insuficiência de fundamentação, esta é equiparada à falta de fundamentação, tendo como consequência a anulação do despacho de reversão, nos termos do artigo 153.°, n.° 2 e 163.° do CPA.

15. A anulação do despacho de reversão por vício de forma tem como consequência a absolvição da instância.

16. Considerou a sentença recorrida que não se logrou provar a existência de património social aquando do despacho que ordenou a reversão

17.A Autoridade Tributária não efectuou qualquer esforço no sentido de demonstrar a insuficiência do património da devedora originária,

18. A Autoridade Tributária não concretizou tal afirmação em dados concretos, nem tão pouco demonstrou a afirmação feita ou rederiu quais as diligências que permitiram chegar a tal conclusão.

19. Se a Autoridade Tributária tivesse feito diligências no sentido de apurar os bens penhoráveis da devedora originária facilmente tinha constatado que esta detinha inúmeros créditos sobre várias empresas.

20. A ora recorrente não conseguiu - nem consegue - provar a existência de tais activos, uma vez que toda a sua contabilidade se encontra apreendida à ordem do processo-crime n.° 99/09.4IDLRA que corre os seus termos no Tribunal Judicial de Leiria.

21. Não se conforma a recorrente com a afirmação da sentença recorrida que refere que "invoca-se a existência de um alegado processo de inquérito cuja efectividade nunca foi comprovada".

22. O principio do inquisitório, consagrado no artigo 99.° da LGT, consagra que “o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados (...)”

23. O Tribunal tem o dever de ordenar oficiosamente todas as diligências úteis para conhecer dos factos alegados.

24. O Tribunal a quo não fez qualquer esforço no sentido de averiguar a existência do referido processo-crime, nomeadamente, oficiando o Tribunal Judicial de Leiria para prestar essa informação.

25. Na oposição apresentada, requereu a ora recorrente que fosse oficiada a entrega de todos os documentos apreendidos à ordem do referido processo de inquérito.

26. O Tribunal nada fez nesse sentido.

27. Existe uma gravosa preterição de diligências essenciais que influi no exame ou decisão da casa.

28. Tal preterição de diligências essenciais consubstancia uma nulidade prevista no n.° 1 do artigo 195.° do CPC, aplicável ex vi artigo 2.°, alínea d) do CPC.

29. As testemunhas Maria d.......... e Maria .........., funcionárias da devedora originária, afirmaram a existência no activo da sociedade de um camião grande de transporte de mercadorias e mármore, de diversos computadores, de secretárias e móveis de escritório, bem como de créditos sobre alguns clientes, nomeadamente, a existência de computadores novos, de duas secretárias, de armários fechados - um com vidro e outro de metal - e de outros móveis, tudo em estado razoável.

30. A testemunha Maria d.......... afirmou também a existência de alguns créditos vencidos e não pagos e de outros vencidos e parcialmente pagos, fazendo especial referência a um crédito no valor de € 2.000 sobre a I.........., Lda.

31. Não concebe a ora recorrente como pode o Tribunal a quo afirmar que não foi produzida prova que permitisse, sequer, a criação de uma dúvida sobre a existência de bens da devedora originária.

32. Refere a sentença recorrida que, não ficando demonstrado o âmbito da insolvência alegada pela oponente e não tendo a mesma sido oportunamente notificada ao Serviço de Finanças nem registada para produção de efeitos externos e oponibilidade a todos os credores, não pode o Tribunal considerar a insolvência como forma de obstaculizar o prosseguimento da execução.

33. Cabe, então, discutir a quem cabe o dever de comunicar tal decisão ao Serviço de Finanças e de registar tal decisão na Conservatória do Registo Comercial, atendendo aos artigos 181.º do CPPT e 37.° e 38.° do CIRE.

34. Tanto a obrigação de requerer a avocação de todos os processos em que o insolvente seja executado, como a de proceder ao registo da sentença de insolvência não cabem à sociedade insolvente e, muito menos, à sua gerência.

35. É o administrador de insolvência que, sob pena de incorrer em responsabilidade subsidiária, deve requerer a avocação de todos os processos executivos que correm contra a sociedade insolvente para que sejam apensados ao processo de insolvência.

36. O artigo 59.°, n.° 1 do CIRE que “o administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem".

37. É à secretaria que cabe, oficiosamente, registar a declaração de insolvência, nos termos estabelecidos no artigo 38.° do CIRE, nomeadamente no Registo Comercial, nos termos da alínea b) do n.° 2 do mesmo artigo.

38. Não cabia à ora recorrente, na qualidade de responsável subsidiária, proceder à comunicação da sentença de insolvência ao Serviço de Finanças e ao registo da mesma na Conservatória do Registo Comercial.

39. A insolvência da sociedade devedora originária ocorreu em data posterior à instauração dos presentes autos de execução fiscal.

40. A Autoridade Tributária deveria ter reclamado tais créditos no âmbito do processo de insolvência, o que não fez.

41. Não pode um facto não imputável à ora recorrente, porque não da sua responsabilidade - a alegada ausência de comunicação ao Serviço de Finanças e de registo da sentença de insolvência - vir agora prejudicar a ora recorrente.

42. O processo de insolvência tem como efeito a suspensão de quaisquer diligências executivas e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência, nos termos do artigo 88.° do CIRE.

43. Não pode o efeito da insolvência legalmente determinado ficar dependente da demonstração do âmbito e do prosseguimento da referida insolvência, conforme refere a sentença recorrida.

44. Cabia ao Tribunal recorrido, logo que verificada a existência do referido processo de insolvência, ordenar a invalidade dos autos de execução fiscal, determinando que os créditos Tributárias deveriam ter sido reclamados em sede de reclamação de créditos no processo de insolvência”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 289.º, n.º 2, do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro de julgamento, em virtude de o despacho de reversão padecer de falta de fundamentação?

b) Houve erro de julgamento e violação do princípio do inquisitório no que respeita à inexistência de património da devedora originária?

c) Verifica-se erro de julgamento, em virtude de o processo de execução fiscal não poder prosseguir por força da declaração de insolvência da devedora originária?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A) A sociedade comercial “G.........., Lda” foi constituída em 29/05/2006 tendo como sócia única e gerente Ana ..........;

B) A sobredita sociedade iniciou actividade em termos fiscais para o exercício de compra e venda de bens, com o CAE 70120;

C) Em 27/04/2011 foi instaurado o processo de execução fiscal nº .......... contra a sociedade referida no Serviço de Finanças de Estremoz;

D) Visava tal processo a cobrança de dívida de IVA respeitante a períodos diversos do ano de 2009, e juros compensatórios, no montante global de 193.795,14 €;

E) A sociedade executada foi citada para a execução, na pessoa da sua gerente Ana .........., em 10/10/2011;

F) Em 12/12/2011 foi prestada no processo de execução fiscal a seguinte informação:


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G) Subsequentemente foi proferido despacho:


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H) Contendo este o seguinte segmento relativo ao projecto de reversão:

I) Foi remetido ofício para audição prévia relativa à projectada reversão datado de 12/12/2011;

J) Junto com este ofício, seguia cópia da informação de despacho para audição;

K) Este foi recebido pela destinatária Ana .......... em 22/12/2011;

L) A visada não exerceu o direito de audição;

M) Em 06/06/2012 a sociedade executada foi declarada em situação de insolvência no processo nº 248/12.5 TBETZ;

N) Esta decisão não foi comunicada ao Serviço de Finanças e não foi registada na Conservatória do Registo Comercial na ficha de matrícula respeitante à sociedade comercial;

O) Em 09/07/2012 foi proferido despacho de reversão com os fundamentos já enunciados no projecto de reversão;

P) Nessa data foi expedido ofício de citação da executada por reversão Ana ..........;

Q) Anexo a este ofício seguia a informação, cópia do despacho de reversão e certidões de dívida;

R) Que foi recebido por terceira pessoa em 12/07/2012;

S) À executada por reversão foi remetido ofício contendo advertência de que seria considerada notificada iniciando-se aí o prazo para requerer pagamento prestacional, dação em pagamento ou deduzir oposição;

T) Em 02/10/2012 deu entrada à petição inicial que deu origem aos presentes autos;

U) A sociedade executada tinha um camião de sua propriedade, material de escritório e computadores;

V) A sociedade tinha créditos que não conseguia cobrar designadamente um respeitante à sociedade I.......... em valor situado entre 2 a 3 mil euros;

W) O camião foi penhorado pelo Serviço de Finanças de Estremoz;

X) Os créditos foram comunicados ao Serviço de Finanças;

Y) A sociedade entrou em declínio a partir de 2010;

Z) Era a Oponente que determinava a atividade da sociedade, tais como as compras e vendas que a mesma realizava e dava instruções e ordens aos funcionários da mesma”.

II.B. Relativamente aos factos não provados, refere-se na sentença recorrida:

“Não resultam provados os factos que se mostrem opostos aos assentes ou despiciendos face aos concretos fundamentos alegados na oposição”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, aliás juntos os de maior relevância probatória pela própria Oponente, sendo estes os mesmos constantes do processo de execução fiscal apenso.

Considerou-se ainda a prova testemunhal que se mostrou suficientemente clara e isenta quanto ao modo de funcionamento da sociedade comercial e da Oponente em relação a esta pese embora o lapso de tempo já decorrido.

Não obstante os depoimentos se mostrarem credíveis igualmente se mostrarem desconhecedores no que tange à identificação dos alegados créditos da sociedade devedora originária cuja excussão vem sustentada na oposição.”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, é aditada a seguinte matéria de facto:

AA) Do despacho referido em O) constava designadamente o seguinte:


texto integral no original; imagem"

(…)

” (cfr. fls. 29 dos autos em suporte de papel)..

BB) Do ofício mencionado em P) constava designadamente o seguinte:

(…)

(cfr. fls. 26 e 27 dos autos em suporte de papel).

CC) Foi publicado anúncio, na plataforma Citius - Publicidade dos processos especiais de revitalização, dos processos especiais para acordo de pagamento e dos processos de insolvência, relativo à sentença respeitante à declaração de insolvência mencionada em M), do qual consta designadamente o seguinte:

“Conforme sentença proferida nos autos, verifica-se que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, não estando essa satisfação por outra forma garantida. // Ficam notificados todos os interessados que podem, no prazo de 5 dias, requerer que a sentença seja complementada com as restantes menções do artº 36º do CIRE” (informação pública constante do sítio da internet www.citius.pt, globalmente referidos no art.º 75.º da petição inicial).

DD) Foi publicado anúncio, na plataforma Citius - Publicidade dos processos especiais de revitalização, dos processos especiais para acordo de pagamento e dos processos de insolvência, relativo ao processo identificado em M), datado de 17.08.2012, do qual consta designadamente o seguinte:

“Ficam notificados todos os interessados, de que o processo supra identificado, foi encerrado.

A decisão de encerramento do processo foi determinada por: sentença proferida em 16.08.2012” (informação pública constante do sítio da internet www.citius.pt, globalmente referidos no art.º 75.º da petição inicial).

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento quanto ao vício de falta de fundamentação

Considera a Recorrente que incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, uma vez o despacho de reversão não contém todos os elementos legalmente exigidos que permitam ao seu destinatário a sua perfeita compreensão.

Vejamos.

O dever de fundamentação do despacho de reversão insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”(1).

Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão…”(2), para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e para que, por outro lado, seja possível o controlo, quer administrativo, quer jurisdicional, do ato em causa.

Deve ser, pois, clara, expressa, congruente e suficiente, de maneira a esclarecer inteiramente o seu destinatário, cumprindo, dessa forma, o desiderato constitucionalmente consagrado.

Sobre o alcance do dever de fundamentação do despacho de reversão, é de chamar à colação o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.10.2013 (Processo: 0458/13), onde se refere:

“…[E]nquanto acto administrativo tributário, o despacho de reversão deva incluir, além da indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (citado nº 1 do art. 77º da LGT), também a «declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação» - cfr. nº 4 do art. 23º da LGT. (…)

Ora, são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT).

Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT).

Não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido…” (sublinhado nosso).

Para aferir do cumprimento do dever de fundamentação do despacho de reversão por parte do órgão de execução fiscal (OEF), cumpre atentar na disciplina aplicável in casu no que ao regime jurídico da reversão respeita.

Assim, desde logo, há que considerar o disposto no art.º 23.º da LGT, de cujo n.º 1 decorre que é através da reversão que se efetiva a responsabilidade tributária subsidiária.

Resulta deste mesmo art.º 23.º que a reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário (n.º 2), sendo a este propósito de ter em consideração o disposto no n.º 2 do art.º 153.º do CPPT.

Nos termos do n.º 4 do mesmo art.º 23.º da LGT, a reversão é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:

“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

À semelhança do que já decorria do art.º 13.º do CPT, o art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

O art.º 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.

A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à AT alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, refere­-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. A presunção constante da referida al. b) do art.º 24.º, n.º 1, da LGT, deriva da consagração do dever de boa prática tributária, previsto no art.º 32.º da LGT, que consagra “... um especial dever de diligência no cumprimento dos deveres tributários [das pessoas colectivas] (...) — dever de diligência que se presume violado caso tais deveres tributários não sejam cumpridos”(3).

Feito este enquadramento legal, resulta que, do ponto de vista do cumprimento de dever de fundamentação formal do despacho de reversão, é exigido ao OEF que:

a) Indique as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade;

b) Mencione o preenchimento dos pressupostos da reversão, a saber:

b.1) Inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do art.º 23.º da LGT e n.º 2 do art.º 153.º do CPPT);

b.2) O exercício efetivo do cargo nos períodos relevantes, dependendo do enquadramento da situação na alínea a) ou na alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT;

c) Mencione a sua extensão temporal.

Vejamos então.

Desde já se refira que, nas suas conclusões, a Recorrente, quando se refere à falta de fundamentação, de um lado centra-se na análise da citação e, do outro, não atribuiu relevância à remissão ali contida.

Concretizando.

Como já deixamos explanado, a reversão depende de declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.

Tal exigência legal é cumprida se se recorrer à fundamentação por remissão, como resulta desde logo do n.º 1 do art.º 77.º da LGT.

Ora, como se extrai do teor da citação, é aí expressamente feita remissão para informação e despacho, pelo que, desde logo, carece de materialidade o alegado pela Recorrente no que respeita ao facto de a citação fazer apenas referência ao art.º 153.º do CPPT e ao art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT. Da mesma forma carece de materialidade o alegado quanto ao facto de a fundamentação se limitar a ser um mero modelo utilizado em todos os despachos de reversão, porquanto, atentando na informação prestada para a qual é feita remissão, claramente se verifica que é feita uma apreciação detalhada da situação particular da Recorrente [cfr. facto F)].

Assim, e considerando o teor do despacho de reversão e da informação para a qual o mesmo remete, resulta que:

a) São indicadas as normas legais que determinam a imputação da responsabilidade, in casu, os art.ºs 23.º e 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, e o art.º 153.º, n.º 2, al. b), do CPPT;

b) No que respeita ao preenchimento dos pressupostos da reversão:

b.1) São indicadas as diligências efetuadas no sentido da identificação de património na esfera da devedora originária, designadamente por consulta aos sistemas informáticos, tendo sido identificado um veículo automóvel, com valor comercial de 12.500,00 Eur., já penhorado em outro processo cuja dívida exequenda era superior e onerado com uma outra penhora, referindo-se que, quanto aos créditos e outros valores ou rendimentos as diligências efetuadas, via SIPA, foram infrutíferas ou não foi reconhecida a existência de créditos;

b.2) Foi identificada a Recorrente enquanto responsável subsidiária, desde a data da constituição da sociedade devedora originária até à data da elaboração da informação, considerando os elementos constantes do cadastro, bem como a certidão de registo comercial, a cópia do contrato de sociedade, a declaração de inscrição e início de atividade, os requerimentos apresentados junto da AT;

c) Foram identificadas as dívidas em causa (com expressa referência às certidões de dívida, ao tipo de imposto, à quantia exequenda), o período a que respeitam, o prazo legal para pagamento ou entrega, bem como o facto de a AT ter concluído ser a Recorrente responsável durante todo o período desde a constituição da sociedade (2006) até ao momento da elaboração da informação (2011).

Assim, face ao supra descrito, foram cabalmente descritos os fundamentos da reversão, no que respeita à responsabilidade da Recorrente.

Ao contrário do alegado pela Recorrente, considerando a informação que consubstancia fundamento do despacho de reversão, foram identificadas as diligências realizadas, quais as razões da insuficiência de bens penhoráveis da sociedade devedora originária, a que título a Recorrente é considerada responsável subsidiária, o cargo que desempenhou na devedora originária, qual o período de tempo em que desempenhou esse cargo e qual o período de tempo em que foi contraída a dívida tributária. Não consta da informação se as liquidações resultam da aplicação de métodos diretos ou indiretos nem teria de constar, uma vez que estão cabalmente identificadas as certidões de dívida em causa e tal é o exigível ao nível da fundamentação do despacho de reversão. O mesmo se refira quanto ao alegado pela Recorrente no que respeita à necessidade de ser identificada a faturação do período e o montante do IVA liquidado. Reiteramos: a dívida está cabal e suficientemente identificada, para efeitos de reversão, estando identificadas as concretas certidões de dívida, respeitantes a concretas liquidações de IVA por seu turno respeitantes a concretos período de imposto. No que respeita à culpa, atenta a circunstância de a AT ter subsumido a situação à al. b) do n.º 1 do art.º 24.º, disposição legal de prevê uma presunção de culpa a favor da AT, não teria de constar do despacho de reversão qualquer menção à atuação culposa da revertida, que se presume.

Quanto à situação patrimonial da devedora originária, está cabalmente explanada no despacho em causa, sendo mencionado o património identificado e todas as diligências efetuadas, ainda que infrutíferas. Veja-se, aliás, que a Recorrente se limita, de forma meramente conclusiva, a referir que “não consta do despacho qualquer referência factual à situação patrimonial da sociedade devedora originária, que não à mera insuficiência ao património”, quando tal referência é feita, justamente para ancorar a conclusão atinente à insuficiência do património social.

Face ao exposto, carece de razão a Recorrente, quanto à verificação do alegado vício de falta de fundamentação.

III.B. Erro de julgamento e violação do inquisitório no que respeita à inexistência de património da devedora originária

Considera, ainda, a Recorrente que o Tribunal a quo, ao ter considerado não se lograr provar a existência de património social, errou, na medida em que nem a AT efetuou esforços no sentido dessa demonstração nem o próprio Tribunal o fez, ao arrepio do dever do inquisitório, verificando-se, in casu, nulidade processual secundária.

Vejamos.

O carácter subsidiário da responsabilidade tributária, assim como a acessoriedade que a carateriza, implica que, à partida, só depois de excutidos os bens do devedor originário possa ser revertida a execução contra o responsável subsidiário – benefício da excussão prévia.

No nosso ordenamento jurídico, encontra-se consagrado expressamente este benefício da excussão prévia, decorrendo do disposto no art.º 23.º, n.º 2, da LGT, nos termos do qual “[a] reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão”.

Por seu turno, determina o n.º 2 do art.º 153.º do CPPT que “[o] chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: // a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; // b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido”.

Assim, é possível a reversão da execução em casos de insuficiência, ou seja, em casos em que existem bens — penhoráveis ou penhorados — na esfera patrimonial do devedor originário de valor inferior ao da dívida exequenda. Logo, o legislador entendeu que o benefício da excussão não é posto em causa nestas circunstâncias.

Este é, pois, um pressuposto da reversão, que deverá estar evidenciado no despacho que a ordena e que antecede a citação do revertido enquanto tal.

Como já referido a propósito da apreciação do alegado em torno da alegada falta de fundamentação, foram efetuadas diligências pela AT, cabalmente identificadas na informação mencionada em F) do probatório, tendo-se concluído apenas pela identificação de um veículo automóvel, já onerado com penhoras, referindo-se, concretamente quanto aos créditos, que nenhum deles foi reconhecido, na sequência das diligências efetuadas.

Assim, face aos elementos constantes dos autos, e ao contrário do referido pela Recorrente, a AT efetuou as diligências exigíveis para efeitos de identificação do património da devedora originária, concretizando as afirmações efetuadas.

Alega, por outro lado, a Recorrente que facilmente se concluiria para existência de “inúmeros créditos sobre várias empresas”, que não consegue provar por toda a sua contabilidade estar apreendida no âmbito de processo de inquérito.

Antes de mais, refira-se a este propósito que, sendo certo que a demonstração do não cumprimento do pressuposto da fundada insuficiência do património da devedora originária é admissível em sede de oposição, a mesma exige do oponente a alegação de factos concretos cuja prova permita concluir nesse sentido.

In casu, atenta a petição inicial, é apenas identificado um crédito, que, aliás, foi considerado em V) do probatório, referindo a oponente só ser possível identificar os demais através do acesso a elementos entregues no processo de inquérito, cuja junção aos autos requereu.

Neste seguimento, a oponente entende que o Tribunal a quo, ao não solicitar os elementos ao processo de inquérito, tal como requerido, praticou uma nulidade processual e violou o princípio do inquisitório.

Apreciando.

O princípio do inquisitório é um dos princípios que enforma o processo tributário. Atento o mesmo, impõe-se que o juiz realize ou ordene todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade material.

O mesmo encontra previsão expressa no n.º 1 do art.º 99.º da LGT, nos termos do qual “[o] tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer”, encontrando-se previsto, em termos idênticos, no art.º 13.º do CPPT.

O respeito pelo princípio do inquisitório implica, pois, que, sendo relevantes para a descoberta da verdade material, se levem a cabo diligências de prova, quer requeridas pelas partes, quer mesmo oficiosamente.

In casu, como já se mencionou, na petição inicial, a oponente requereu que fosse oficiada a entrega de documentos apreendidos à ordem do processo de inquérito n.º 99/09.4IDLRA, diligência que não foi levada a cabo e sobre cuja realização o Tribunal a quo não se pronunciou. Sendo certo que na decisão recorrida é referido não estar demonstrada a existência de tal processo de inquérito, não foi proferida, nem ali nem em qualquer outro momento do processo, decisão quanto à diligência de prova mencionada.

Não tendo o Tribunal a quo efetuado qualquer pronúncia sobre tal diligência de prova, a situação dos autos configura-se como irregularidade processual (omissão de um ato que a lei prescreve), sendo, em abstrato, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC, passível de ser configurada como nulidade processual secundária. Atento o disposto no art.º 196.º do mesmo código, tal nulidade tem de ser arguida, como foi o caso. Sendo certo que, em regra, as nulidades processuais secundárias devem ser arguidas nos termos previstos no art.º 199.º do CPC, considerando ainda o prazo geral de dez dias previsto no art.º 149.º do mesmo código, in casu, uma vez que se trata de omissão de decisão sobre um requerimento de prova, a mesma só se consumou verdadeiramente com a prolação da sentença. Assim, uma vez que tal omissão se corporiza na decisão que pôs termo à causa, a impugnação de uma e outra é incindível, pelo que é admissível a sua arguição nas alegações de recurso(4).

Sucede que nem todas as irregularidades processuais se configuram como nulidade processual secundária, sendo de atentar, a este propósito, na parte final do n.º 1 do art.º 195.º do CPC. Assim, a omissão de um ato que consubstancie irregularidade processual só é considerada nulidade ou quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Uma vez que, in casu, a situação não é cominada na lei com a nulidade, cumpre aferir se a irregularidade cometida influi no exame da causa.

Para tal apreciação, cumpre ter em conta uma concreta circunstância fática que desde logo tornaria desnecessária tal diligência.

Com efeito, a devedora originária foi declarada insolvente ainda em momento anterior ao da citação da Recorrente (apesar de em momento ulterior à instauração do PEF contra a primitiva devedora). Aliás, essa declaração de insolvência é alegada justamente na petição inicial.

O processo de insolvência, tal como configurado no nosso ordenamento, assume-se como um processo de execução universal, como decorre desde logo do art.º 1.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), nos termos do qual:

“O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”.

Ora, como é informação pública e resulta da factualidade ora aditada [cfr. factos CC) e DD)], da declaração de insolvência da sociedade devedora originária decorre a conclusão pela insuficiência do seu património para solver os seus créditos. A este propósito, é de atentar no disposto no art.º 39.º, n.º 9, do CIRE, nos termos do qual se presume a insuficiência da massa quando o património do devedor seja inferior a 5.000,00 Eur.(5), sendo que a dívida exequenda ascende aos 193.795,14 Eur.

Assim, face à circunstância já mencionada, de a insolvência ter sido declarada mesmo antes de revertida a execução e de, da sentença da declaração de insolvência, decorrer verificar-se que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente, tornar-se-ia uma diligência inútil a que foi requerida pela oponente, dado que no processo de insolvência já ficou evidenciada tal insuficiência.

Aliás, a insolvência veio a ser encerrada por insuficiência da massa insolvente [cfr. facto DD)].

Como tal, considera-se que a irregularidade praticada não configura nulidade processual, em virtude de não ter influência na decisão da causa, não tendo havido, pois, violação do dever do inquisitório.

Refere ainda a Recorrente que não concebe como pode o Tribunal a quo afirmar que não foi produzida prova que permitisse a criação de uma dúvida sobre a existência de bens da devedora originária.

A este propósito, a Recorrente menciona o que decorreu da prova testemunhal, sem que, no entanto, tenha sido impugnada a decisão da matéria de facto, atento o disposto no art.º 640.º do CPC. Ademais, os factos que a Recorrente menciona terem decorrido da prova testemunhal foram dados como provados, a saber:

a) Existência de um camião: decorre do facto U), resultando igualmente do facto W) que o mesmo se encontrava penhorado;

b) Existência de material de escritório e computadores: decorre do facto U);

c) Existência de créditos, designadamente um de 2.000,00 Eur.: decorre do facto V).

Foi ainda, como referido, dada como provada a declaração de insolvência da devedora originária, nos termos já mencionados.

A este respeito sublinhe-se que é possível a reversão havendo insuficiência do património da devedora originária, não sendo, pois, exigida a inexistência de bens, ao contrário do que parece ser defendido pela Recorrente. Como tal, o Tribunal a quo não se poderia bastar com a criação de uma dúvida sobre a existência de bens da devedora originária, que, aliás, face à prova produzida não se verificava.

Assim, considerando a prova produzida, de onde, novamente, destacamos a declaração de insolvência da devedora originária, a par das diligências efetuadas pela AT, resulta que se verifica uma situação de fundada insuficiência do património da devedora originária.

Face ao exposto, não assiste razão à Recorrente.

III.C. Do erro de julgamento quanto aos efeitos da insolvência da devedora originária

Considera a Recorrente que, atendendo a que a insolvência ocorreu em data posterior à instauração dos autos de execução fiscal, a AT deveria reclamado tais créditos no âmbito do processo de insolvência, o que não fez, sendo que o processo de insolvência tem como efeito a suspensão de quaisquer diligências executivas.

Vejamos.

Nos termos do art.º 180.º do CPPT:

“1 - Proferido o despacho judicial de prosseguimento da ação de recuperação da empresa ou declarada falência, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração.

2 - O tribunal judicial competente avocará os processos de execução fiscal pendentes, os quais serão apensados ao processo de recuperação ou ao processo de falência, onde o Ministério Público reclamará o pagamento dos respetivos créditos pelos meios aí previstos, se não estiver constituído mandatário especial.

(…) 4 - Os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos no prazo de 8 dias, quando cesse o processo de recuperação ou logo que finde o de falência.

5 - Se a empresa, o falido ou os responsáveis subsidiários vierem a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal prossegue para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo das obrigações contraídas por esta no âmbito do processo de recuperação, bem como sem prejuízo da prescrição.

6 - O disposto neste artigo não se aplica aos créditos vencidos após a declaração de falência ou despacho de prosseguimento da ação de recuperação da empresa, que seguirão os termos normais até à extinção da execução”.

Esta disposição legal tem de ser lida de forma atualista, atendendo à entrada em vigor do CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de março, e que revogou o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (cfr. art.º 11.º do preâmbulo deste diploma).

Como tal, no que respeita ao n.º 1 do art.º 180.º do CPPT, há que ter, desde logo, em consideração a data da decisão em que é declarada a insolvência, momento que determina a suspensão dos PEF que corram contra empresa declarada insolvente.

O processo de insolvência, tal como já referimos supra, assume-se como um processo de execução universal (art.º 1.º, n.º 1, do CIRE).

É esta qualificação que está na base dos efeitos processuais previstos nos art.ºs 85.º e ss., do CIRE, designadamente em termos de ações executivas (cfr. art.º 88.º do CIRE), bem como do regime previsto no art.º 180.º do CPPT(6).

Sublinhe-se ainda que o mecanismo previsto no referido art.º 180.º do CPPT tem carateres próprios, face, v.g., ao art.º 88.º do CIRE, designadamente a possibilidade de prossecução dos autos de execução fiscal, findo o processo de insolvência.

De entre esses carateres destaca-se, de um lado, o facto de o art.º 180.º do CPPT, não distinguir entre PEF que corre apenas contra o devedor originário e PEF onde ocorreu reversão contra responsáveis subsidiários – sendo, pois, o seu âmbito mais abrangente que o art.º 88.º do CIRE.

Destaca-se, ainda, outra particularidade do art.º 180.º do CPPT, face ao regime constante do CIRE, espelhada no n.º 5 desta disposição legal, que permite o eventual prosseguimento dos autos de execução fiscal, após a devolução do PEF, prevista no n.º 4 do mesmo artigo.

Conclui-se, pois, que, havendo declaração de insolvência, a prevalência para a satisfação dos credores situa-se em tal processo.

Ora, no caso dos autos, como resulta da factualidade assente, a declaração de insolvência da devedora originária ocorreu em momento posterior ao da instauração do PEF (e não em momento anterior, como referido pela Recorrente) e anterior, em cerca de um mês, ao da reversão [cfr. factos C), M) e O) a R)].

Assim, analisando isoladamente o art.º 180.º, n.º 1, do CPPT, parece do mesmo resultar que o PEF deveria ter sido imediatamente suspenso.

No entanto, cumpre ter em consideração que a sentença foi proferida ao abrigo do art.º 39.º, n.º 1, do CIRE, dado tratar-se de decisão onde se verificou insuficiência da massa insolvente, sendo, pois, declaração de insolvência com caráter restrito ou limitado, na qual o juiz deve apenas mandar observar os requisitos das alíneas a) a d) e h) do n.º 1 do art.º 36.º do CIRE.

Ou seja, trata-se de situação na qual, à partida, não existirá reclamação e verificação de créditos nem a subsequente liquidação. Nestes casos, aliás, atento o disposto no art.º 234.º, n.º 4, do CIRE, no caso de encerramento por insuficiência da massa insolvente, a liquidação da sociedade prossegue nos termos do regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais.

Assim, dado o caráter restrito ou limitado do processo em causa, não havendo reclamação de créditos, não haveria por que suspender o PEF ou avocá-lo ao processo de insolvência(7). Aliás, como resulta do facto DD), o processo de insolvência foi encerrado, conforme resulta de anúncio de 17.08.2012, ou seja, cerca de dois meses após a reversão. Assim, ainda que tivesse sido avocado, seria o PEF devolvido, considerando o n.º 4 do art.º 180.º do CPPT.

Por outro lado, há que ter em conta a redação do art.º 23.º da LGT, que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, aditando-lhe um n.º 7 (de aplicação imediata, por se tratar de norma procedimental(8)), nos termos do qual:

“O dever de reversão previsto no n.º 3 deste artigo é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no n.º 2 do artigo 181.º do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal, sem prejuízo da adoção das medidas cautelares aplicáveis”.

Ou seja, da leitura conjunta do art.º 180.º do CPPT, com este n.º 7, do art.º 23.º da LGT, decorre que é possível que ocorra a reversão contra os responsáveis subsidiários, mesmo em momento ulterior ao da declaração de insolvência.

A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.07.2014 (Processo: 01200/13), onde se entendeu que:

“Pode-se retirar deste preceito legal, bem como do disposto nos nºs. 2 e 3 do mesmo artigo 23º, que o legislador quis, uma vez verificada a insuficiência dos bens do executado e ainda sem que tenham sido penhorados e vendidos todos os bens que lhe restem, que a AT profira obrigatoriamente o despacho de reversão. E tal despacho deve ser proferido mesmo que o quantum da responsabilidade do devedor subsidiário não esteja completamente determinado e que os autos de execução devam aguardar, quanto a si, que ocorra a completa excussão dos bens do executado e devedor principal, verificados que estejam, naturalmente, os restantes requisitos legalmente previstos para que possa ocorrer a reversão.

Daqui se pode concluir, assim, que o despacho de reversão não é ilegal por afrontar o disposto no artigo 180º do CPPT, uma vez que encontra acolhimento no disposto no artigo 23º da LGT. A leitura conjugada de ambos os preceitos legais, permite, portanto, salvaguardar a posição do devedor subsidiário, no sentido de dever ser excutido previamente o património do devedor principal, bem como o direito de crédito da AT, ou o seu remanescente não pago pelo produto da venda dos bens do devedor principal, que será oportunamente exercido sobre o mesmo devedor subsidiário (…).

Portanto, estando provado, nos presentes autos, que o despacho da reversão foi proferido na sequência do conhecimento de que havia sido declarada a insolvência da devedora originária e na sequência da remessa de certidões para efeitos de reclamação de créditos no processo de insolvência, não há dúvida que foi proferido ao abrigo do disposto naquele artigo 23º, n.º 7 da LGT…”.

Assim, considerando este contexto, adianta-se que não assiste razão à Recorrente.

Com efeito, e sendo certo que o PEF não chegou a ser avocado, há que ter em conta que, ainda que o tivesse sido, tal não obstaria à prossecução da reversão, sem prejuízo de os atos de execução ulteriores à reversão ficarem dependentes do encerramento do processo de insolvência (que, como se viu, ocorreu em agosto de 2012).

Daí que careça de pertinência aferir a quem cabia requerer a avocação dos processos ou comunicar a decisão ao OEF ou analisar as concretas responsabilidades do administrador de insolvência ou da secretaria, porquanto tais circunstâncias não são têm qualquer impacto na decisão a proferir.

Como tal, confirma-se a decisão recorrida, apesar de com a presente fundamentação, não assistindo, pois, razão à Recorrente.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida;

b) Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 25 de junho de 2019

(Tânia Meireles da Cunha)

(Anabela Russo)

(Vital Lopes)

________________________________________________
(1) Cfr. v.g. os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 12.07.2017 (Processo: 1305/14.9BELRA), de 25.05.2017 (Processo: 192/10.0BEALM), de 06.04.2017 (Processo: 456/13.1BELLE) e de 19.03.2015 (Processo: 06729/13).
(2) Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, p. 676.
(3) Isabel Marques da Silva, «A Responsabilidade Tributária dos Corpos Sociais», Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, Lisboa, 1999, p. 132.
(4) V. o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 15.09.2011 (Processo: 0505/10). V. igualmente os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 25.11.2015 (Processo: 0839/15), de 12.02.2015 (Processo: 0373/14), de 29.01.2015 (Processo: 01311/13), de 29.01.2014 (Processo: 0663/13), do Tribunal Central Administrativo Norte, de 28.09.2017 (Processos: 00203/14.0BEMDL e 00193/14.0BEMDL), de 12.07.2013 (Processo: 00127/07.8BEBRG) e de 30.11.2016 (Processo: 00109/14.3BEMDL) e o do Tribunal Central Administrativo Sul de 12.05.2016 (Processo: 09475/16).
(5) Cfr. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2013, p. 51.
(6) Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 17.04.2012 (Processo: 05191/11), “… [a] declaração de insolvência tem por efeitos suspender os processos de execução fiscal e os de remeter para apensação a tal processo de insolvência, tendo em vista os créditos exequendos serem pagos pelo produto da venda dos bens da massa insolvente, ao lado dos demais, enquanto execução universal”.
(7) V. neste sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22.01.2015 (Processo: 08064/14).
(8) Cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, cit., p. 224.