Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:442/17.2BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:IRS;
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO.
Sumário:I. Quando a liquidação inicial é anulada na sua totalidade e efectuada nova liquidação com elementos diferentes, então a segunda liquidação tem autonomia em relação à liquidação inicial, e por isso constitui um novo acto de liquidação, sujeita ao prazo de caducidade previsto no art. 45º da LGT.

II. O decurso do prazo de caducidade suspende-se nos casos previstos no art.º 46º da LGT, designadamente, quando o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão. (alínea d) do n.º 2 do art. 46º LGT).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a Fazenda Pública apresentar recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A.... e A.... contra a liquidação de IRS nº ....... referente ao ano de 2009 na qual invocaram a caducidade do direito à liquidação.

A Recorrente nas suas alegações formulou conclusões nos seguintes termos:
“A
Ao decidir no sentido em que decidiu, incorreu o douto Tribunal em erro de julgamento, razão pela qual não se conforma esta Representação, com o decidido;
B
Com efeito, labora a douta decisão em erro, ao concluir que a liquidação ora impugnada é uma liquidação “nova”, nomeadamente quando conclui que o “facto tributário subjacente à liquidação impugnada é distinto do facto tributário subjacente à liquidação n.º .......”,
C
Quando na realidade, o facto tributário é exatamente o mesmo, mais concretamente a alienação dos prédios inscritos sob os artigos …. (urbano) e .. e … da secção L (rústicos), em janeiro de 2009,
D
Sendo diferentes, isso sim, os elementos a considerar na determinação da matéria tributável da Categoria G (mais valias) e também os elementos a considerar no apuramento do rendimento colectável de IRS, do exercício de 2009,
E
De onde, indubitavelmente, a liquidação ora impugnada, mais não é que a correcção da liquidação inicial, em face da decisão proferida no processo 334/11.9BEBJA, que doutamente decidiu, que os relativamente aquele fato tributário, a matéria tributável da categoria de rendimentos em que o mesmo se inseria, deveria ser apurada de harmonia com os elementos fornecidos pelos autores e não por aqueles outros considerados pela AT;
F
E que também decidiu que no apuramento do rendimento colectável de IRS, deveria ser tido em conta, não só a constituição do agregado familiar invocado pelos autores, mas também a manifesta intenção de reinvestimento de parte do valor de realização, dos imóveis alienados;
G
Nem sequer podendo relevar para considerar a liquidação ora impugnada como uma liquidação nova, o fato de esta conter uma nova identificação, quando esta resulta apenas dos procedimentos instituídos e da necessidade de proceder à eliminação total das declarações de rendimentos, quando está em causa a alteração do agregado familiar, quando respeitante aos sujeitos passivos do mesmo.

H
Mais, incorre a douta sentença sob recurso em erro de julgamento, quando decide no sentido da verificação do decurso do prazo de caducidade, nomeadamente quando pretende a não aplicação da suspensão do prazo de caducidade, pretendendo além do mais, analisar a situação, à luz da aplicação, ou não, do disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 46º da Lei Geral Tributária;
I
É que, sem colocar em causa o direito à segurança jurídica dos tributados que o instituto da caducidade visa instituir, tal instituto não pode em caso algum, ser pleno de efeitos, potenciando por aí, para os mais astutos, uma forma legal de evasão fiscal,
J
Por isso mesmo, o legislador entendeu “criar” normas suspensivas desse instituto, de forma a também acautelar os superiores interesses do, no caso das normas tributárias, erário público.
L
Assim, o alcance das normas do nº 2 do artigo 46º da LGT, é o de assegurar o direito à liquidação dos tributos, por parte da Fazenda, quando, por razões que lhe são estranhas, se encontra impedida de o fazer, no prazo geral dos 4 anos;
O que foi seguramente o caso.
M
A AT, no estrito limite da legalidade a que se encontra sujeita e no cumprimento do seu fim último, procedeu à liquidação oficiosa de rendimentos a um contribuinte, omisso no cumprimento dos seus deveres declarativos,
N
Contribuinte que no exercício de todos os seus direitos, não se conformando com a liquidação efectuada relativamente ao concreto facto tributário, entendeu discutir judicialmente os fatos constitutivos do mesmo,
O
De molde a que, só após a estabilização jurídica da questão, se propiciou à AT, a liquidação definitiva do imposto respeitante a tal fato tributário,


Termos em que, como é de inteira justiça, peticiona esta Representação da Fazenda Pública douta decisão que, revogando a sentença ora sob recurso, determine a manutenção na ordem jurídica, da liquidação impugnada.”
* *
Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer tendo suscitado a questão da incompetência em razão da hierarquia dado que, em seu entender quer da leitura das conclusões, quer das próprias alegações não resulta que seja posto em causa quaisquer dos factos constantes do probatório da sentença recorrida estando em causa apenas matéria de direito, designadamente o disposto na alínea d) do nº 2 do art. 46º da LGT.
* *
Notificadas as partes da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, nada disseram.
* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter considerado que ocorreu a caducidade do direito à liquidação relativamente à liquidação nº ....... referente a IRS de 2009.

Importa no entanto decidir em primeiro lugar a questão prévia suscitada pelo Ministério Público relativamente à incompetência deste Tribunal em razão a hierarquia.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1) O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão da causa, e com base na prova produzida, dão-se como provados os seguintes factos:

a) Em 31.01.2011, a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) emitiu a liquidação de IRS n.º ......., com o teor que consta do documento 1 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido, respeitante aos rendimentos do ano de 2009 do Impugnante A...., da qual resultou um imposto a pagar no valor de € 93 691,04; Cfr doc 1 junto com a petição inicial

b) Em 09.03.2011, o ora Impugnante A...., reclamou graciosamente daquela liquidação; cfr doc 2 junto com a petição inicial

c) Em 16.06.2011, essa reclamação graciosa foi parcialmente deferida pelo Director de Finanças de Beja; cfr doc 2 junto com a petição inicial

d) Em 05.09.2011, a ATA emitiu a liquidação de IRS n.º ......., com o teor que consta do documento 3 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido, respeitante aos rendimentos do ano de 2009 do Impugnante A...., da qual resultou um imposto a pagar no valor de € 59 556,12; Cfr doc 3 junto com a petição inicial

e) Em 23.09.2011, o Impugnante A...., impugnou judicialmente essa liquidação junto do tribunal administrativo e fiscal de Beja, pedindo a sua anulação, o que deu origem ao processo de impugnação judicial n.º 334/11.9BEBJA; Cfr doc 4 junto com a petição inicial, conjugado com a consulta ao próprio sitaf, ao abrigo do art.º 412.º n.º 2 do CPC

f) Em 09.04.2019, foi proferida sentença nesse processo de impugnação judicial, julgando procedente o pedido formulado pelo Autor; Cfr doc 4 junto com a petição inicial, conjugado com a consulta ao próprio sitaf, ao abrigo do art.º 412.º n.º 2 do CPC

g) Em 22.03.2016, a ATA emitiu a liquidação de IRS n.º ......., com o teor que consta do documento 10 junto com a petição inicial, e que aqui se dá por integralmente reproduzido, respeitante aos rendimentos do ano de 2009 dos Impugnantes A...... e A...., na qual foi apurado um imposto a pagar no valor de € 13 995,26; Cfr doc 10 junto com a petição inicial

h) Em 24.05.2016, deu entrada no serviço de finanças de Ourique reclamação graciosa dos ora Impugnantes contra aquela liquidação de IRS, na qual foi pedida a sua anulação; Cfr doc 12 junto com a petição inicial

i) Em 03.01.2017, deu entrada no serviço de finanças de Ourique, recurso hierárquico daquela decisão de indeferimento da reclamação graciosa; Cfr doc 14 junto com a petição inicial

j) Em 08.08.2017, aquele recurso hierárquico foi indeferido pela chefe da Divisão Central da Direcção de Serviços do IRS; Cfr doc 15 junto com a petição inicial
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Motivação
A convicção do Tribunal sobre toda a matéria de facto resultou da análise crítica aos documentos juntos aos autos pelos Impugnantes, conjugados com os que constam do processo administrativo, tal como se fez referência em cada uma das alíneas da matéria de facto provada.”.
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Por ter sido detectado um lapso material na alínea f) do probatório, confirmado pela consulta ao SITAF, procede-se à sua correcção nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC aplicável ex vi do art. 281º do CPPT passando a ter a seguinte redacção:

f) Em 09.04.2014, foi proferida sentença nesse processo de impugnação judicial, julgando procedente o pedido formulado pelo Autor; Cfr doc 4 junto com a petição inicial, conjugado com a consulta ao próprio sitaf, ao abrigo do art.º 412.º n.º 2 do CPC


IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre, antes de mais, aferir da competência deste Tribunal Central Administrativo Sul em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, pois a infracção às regras de competência em razão da hierarquia determina, nos termos do disposto no art. 16.°, n.° 1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal.

As questões de competência absoluta são de conhecimento oficioso, precedendo o seu conhecimento o de qualquer outra questão, e pode ser arguida por qualquer interessado, Fazenda Pública e suscitada pelo Ministério Público (cfr. art.° 16.°, n.° 2, do CPPT).

No caso em apreço a questão foi suscitada pelo Ministério Público, e tendo sido notificadas as partes para, querendo se pronunciarem, nada disseram.

Por conseguinte, a competência do Tribunal em razão da hierarquia constitui questão que o tribunal deve conhecer oficiosamente ou mediante arguição, com prioridade sobre qualquer outra, até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. Ac. do STA de 09/04/2014, proc. n.° 0161/14).

É competente para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando o recurso tem por fundamento exclusivo matéria de direito (art. 26°, al. b), do ETAF), sendo competente a Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo se o fundamento não for exclusivamente de direito (art. 38.°, al. a), do ETAF).

Em consonância com aquelas regras de competência, dispõe o art. 280.°, n.° 1 do CPPT que das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância cabe recurso, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando a matéria for exclusivamente de direito. Para aferir da competência do tribunal em razão da hierarquia há que atender aos fundamentos do recurso, que devem constar das conclusões, uma vez que estas fixam o objeto do recurso nos termos do disposto no art. 635.°, n.° 4, do CPC.

Se perante as conclusões de recurso se constata que as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, então será competente o STA, pelo contrário, será competente do TCA, se aquelas questões implicam a necessidade de dirimir questões de facto "seja por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos” (Ac. do STA de 09/04/2014, proc. n.° 0161/14).

Vejamos então o caso concreto.

Das conclusões das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, que delimitam o seu objeto, resulta que as questões a decidir no presente recurso dizem respeito à caducidade do direito à liquidação quanto à liquidação de IRS do ano de 2009 com o nº ....... efectuada pela Administração Tributária na sequência da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja no processo nº 334/11.9BEBJA, e como resulta das conclusões B) a G), a Recorrente não concorda com as ilações retiradas pelo tribunal a quo quanto à prova produzida, que conduziram à decisão ora recorrida.

Efetivamente a Recorrente alega que a sentença considerou tratar-se de “uma liquidação nova” quando na realidade se trata de uma liquidação oficiosa em cumprimento do julgado.

Entendemos assim que, no presente recurso discute-se não só, a questão de direito relacionada com a aplicação do nº 2 do art. 46º da LGT, mas também a matéria de facto, mais propriamente, a caracterização da liquidação impugnada bem como os factos que a originaram, razão pela qual declaramos este Tribunal competente para a apreciação do recurso.

Improcede assim a questão da incompetência em razão da hierarquia suscitada pelo Ministério Público.

Apreciando agora o mérito do recurso.

No caso em apreço decorre da factualidade supra que, em 31.01.2011 foi emitida a liquidação de IRS n.º ......., referente aos rendimentos do ano de 2009 do ora Recorrido A...., de que resultou imposto a pagar no valor de € 93 691,04 (cfr. alínea a) do probatório).

Discordando de tal liquidação, foi apresentada reclamação graciosa, a qual veio a ser parcialmente deferida por despacho de 16.06.2011 do Director de Finanças de Beja (cfr. alíneas b) e c) do probatório).

E na sequência desse deferimento, em 05.09.2011 a administração tributária efectuou a liquidação de IRS n.º ......., referente aos rendimentos do ano de 2009 do ora Recorrido A...., de que resultou imposto a pagar no valor de € 59 556,12, liquidação que foi impugnada e deu origem ao processo de impugnação judicial nº 334/11.9BEBJA (cfr. alíneas d) e e) do probatório).

Por sentença de 09.04.2014 (cfr. alínea f) corrigida), o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja julgou procedente a impugnação judicial.

E na sequência dessa decisão, em 22.03.2016, a administração tributária emitiu a liquidação de IRS n.º ......., relativa aos rendimentos do ano de 2009 dos ora Recorridos A.... e A...., tendo sido apurado imposto a pagar no valor de € 13 995,26 (cfr. alínea g) do probatório).

Discordando com a mencionada liquidação, os ora Recorridos apresentaram reclamação graciosa em 24.05.2016, a qual veio a ser indeferida, tendo apresentado recurso hierárquico dessa decisão e, impugnação judicial da decisão de indeferimento do recurso hierárquico dando origem aos presentes autos (cfr. alíneas h) a j) do probatório).

Na impugnação judicial os impugnantes peticionavam a anulação da liquidação de IRS de 2009 com o nº ....... invocando a caducidade do direito à liquidação que teria ocorrido em 31.12.2013 e que a impugnante não teria sido notificada para exercer o seu direito de audição nos termos do art. 60º, nº 1 alínea a) da LGT.

Por sentença proferida em 19/10/2019 foi julgada procedente a impugnação judicial por verificada a caducidade do direito à liquidação nos termos do art. 45º da LGT.

Para o efeito transcrevemos parte do discurso fundamentador de tal decisão:
A liquidação impugnada na presente acção foi realizada mais de quatro anos após o facto tributário, na medida em que este respeita ao exercício de 2009, e aquela data de 2016. (Cfr alínea g) da matéria de facto provada)
Face aquilo que são as posições das partes, do que se trata é de apreciar se em causa está uma nova liquidação, e nessa medida, feita quando o respectivo direito já se encontrava extinto, ou de uma mera correcção de uma primeira liquidação efectuada dentro do prazo de caducidade, que entretanto veio a ser judicialmente anulada, e cuja anulação constituiu a Administração no dever de execução desse julgado anulatório, praticando de novo mesmo acto anulado, sem os vícios que determinaram a sua anulação.
Neste caso, tratando-se de uma correcção à primeira liquidação, emanada no cumprimento do dever de execução espontânea de um julgado anulatório, o acto tributário resultante dessa segunda liquidação de correcção não estará sujeito ao prazo de caducidade do direito à liquidação, desde que seja praticado dentro do prazo legal estabelecido para aquela execução espontânea de julgados.
Está provado que em 2011, os serviços da Administração Tributária efectuaram uma primeira liquidação de IRS respeitante aos rendimentos do Impugnante A.... do ano de 2009, concretamente, a liquidação n.º ....... de 31.01.2011. (cfr alínea a) da matéria de facto provada)
Essa liquidação viria, contudo, a ser eliminada da ordem jurídica na sequência de uma reclamação graciosa apresentada pelo próprio contribuinte, e substituída por outra efectuada ainda em 2011. Concretamente a liquidação n.º ....... de 05.09.2011. (Cfr alíneas b), c), e d) da matéria de facto provada)
Sucede que também esta viria a ser eliminada da ordem jurídica, na sequência da sua anulação pela sentença proferida na impugnação judicial n.º 334/11.9BEBJA. (Cfr alíneas e) e f) da matéria de facto provada)
Na sequência de uma decisão judicial de anulação de um acto tributário, a Administração Tributária fica obrigada a reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, como estabelecem os art.ºs 100.º da LGT e 173.º do CPTA.
Decorre em especial deste artigo 173.º do CPTA que a Administração Tributária não está impedida de praticar outro acto, desde que não ofenda o caso julgado da decisão anulatória, ou até o mesmo acto, isto é, um acto de conteúdo idêntico ao acto anulado, desde que expurgado dos vícios que tenham determinado a anulação deste. É o que pode acontecer, por exemplo, quando, ele foi anulado com base na verificação de um vício de forma.
Desde que no segundo procedimento a Administração não reincida nos vícios de forma que determinaram a anulação do primeiro acto, nada obsta a que a Administração emita novamente um acto de conteúdo idêntico ao primeiro, o que, na prática, é o mesmo que dizer que a nada obsta a que a Administração volte a praticar o mesmo acto.
Porém, se o primeiro acto foi totalmente eliminado da ordem jurídica, este novo acto de conteúdo idêntico, porque o primeiro foi totalmente anulado, não deixa de ser um novo acto e nessa medida terá que respeitar o prazo de caducidade.
Distinta é a situação das anulações parciais dos actos tributários, quando esses actos são actos divisíveis.
Nesta situação é possível que a anulação atinja apenas uma parte do acto tributário, justamente porque a sua invalidade está apenas na parte do acto que é anulado, e por isso, apenas são eliminados da ordem jurídica por efeito da sentença anulatória uma parte dos seus efeitos.
É nestas situações que assumem relevância as chamadas liquidações correctivas.
“Nesta situação, a liquidação correctiva efectuada pela Administração Tributária na sequência da decisão judicial, opera a sanação dos vícios da liquidação inicial por via do citado princípio da reconstituição da situação actual hipotética, retroagindo os seus efeitos à data do acto tributário inicial que foi reformado. Por outras palavras, em vez de se revogar o acto que está parcialmente ferido de ilegalidade, ele é depurado das suas imperfeições iniciais e mantido na ordem jurídica assim dando cumprimento ao julgado, técnica que deve ser considerada como manifestação do princípio do aproveitamento do acto administrativo.” (Joaquim Manuel Charneca Condesso, “Discricionariedade da Administração Fiscal”, artigo publicado na revista julgar n.º 15, página 169).
E por isso, porque não revestem a natureza de um novo acto tributário, o limite da caducidade do direito à liquidação não se aplica a estas liquidações correctivas.
Ora, contrariamente ao que defende a Fazenda Pública, a liquidação impugnada não revesta a natureza de liquidação correctiva, mas antes de uma nova liquidação.
Em primeiro lugar, a liquidação supostamente corrigida, isto é, a liquidação n.º ......., foi totalmente eliminada da ordem jurídica por via da sua anulação, e não apenas parcialmente, e não se fundou em quaisquer vícios de natureza formal.
Com essa anulação judicial, os seus efeitos, todos eles, deixaram de existir na ordem jurídica desde o seu início, tanto mais que o dever de execução do respectivo julgado anulatório constituiu a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se aquela liquidação nunca tivesse existido.
Anulada, totalmente, aquela liquidação, não era passível de correcção, pelo que a liquidação impugnada, não podendo corrigir um acto que já não existia, apenas poderia configurar uma nova definição da situação jurídica dos contribuintes.
De resto, o facto tributário subjacente à liquidação impugnada é distinto do facto tributário subjacente à liquidação n.º ......., tanto nos seus elementos objectivos, como nos seus elementos subjectivos.
Como se pode constatar da comparação entre ambas as liquidações, é distinta a matéria colectável, o que por si só não constituía obstáculo a que a liquidação impugnada pudesse ser ainda considerada uma liquidação correctiva, mas, sobretudo, são distintos os sujeitos passivos de qualquer delas.
Enquanto que primeira das liquidações em causa tem como sujeito passivo, apenas, o ora Impugnante, A...., NIF……….. , a liquidação impugnada tem como sujeitos passivos, este, mas também a ora Impugnante, A......, NIF ......... (cfr alíneas d) e g) da matéria de facto provada)
Nos termos do art.º 36.º n.º 1 da LGT, é a verificação de um determinado facto tributário, de um acontecimento da vida real previsto nas normas de incidência subjectiva e objectiva de um determinado tributo, que faz nascer a relação jurídica tributária
O acto de liquidação, por sua vez, determina o montante da prestação tributária e define a situação jurídica do contribuinte perante o credor desse tributo, mas tem sempre por base um determinado facto tributário, que é a verdadeira fonte da relação tributária e de todas as obrigações que a constituem.
Como se disse, o facto tributário sobre que incidiu a liquidação impugnada é distinto do facto tributário sobre o qual incidiu a liquidação n.º ........
Designadamente, como também se disse, quanto aos seus elementos subjectivos. Na verdade, e além de tudo o mais, a liquidação impugnada foi, quanto à Impugnante A......, NIF ........, inevitavelmente uma nova liquidação, desde logo porque foi a única.
Ora, o facto tributário respeita a IRS e ao ano de 2009, sendo que, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 45.º da LGT, o termo inicial do respectivo prazo de caducidade, ocorreu no início do ano de 2010, dado estar em causa um imposto periódico.
De modo, que correndo sem a interferência de qualquer facto interruptivo ou suspensivo, esse prazo de caducidade, de quatro anos terminou no dia 31.12.2013, isto é, no final do quarto ano seguinte.
É certo que, nos termos do art.º 46.º n.º 2, d) da LGT o prazo de caducidade do direito à liquidação se suspende no caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, desde a sua apresentação, até á sua decisão.
Todavia, a situação de facto em apreciação na presente acção, não tem cabimento na previsão dessa norma, nem, aliás, em qualquer outras daquelas que naquele artigo 46.º preveem causas de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação.
O direito à liquidação, e o correspondente dever de sujeição, integram a relação jurídica tributária, como decorre do disposto no art.º 30.º n.º 1 b) da LGT, e esta, como já se disse, constitui-se com a verificação do facto tributário.
Assim, o direito à liquidação pressupõe antes de mais um facto tributário que faça nascer uma relação jurídica tributária.
Não pode, por isso, fazer-se uma interpretação literal do art.º 46.º n.º 2 d), pois em caso algum uma reclamação ou uma impugnação judicial, que são precisamente meios de defesa dos contribuintes contra actos de liquidação ilegais, podem ser a causa de uma relação jurídica tributária e do direito da Administração Tributária à liquidação de qualquer tributo.
O que é tratado naquela norma são situações em que o processo de reclamação ou de impugnação permitem apurar outros factos tributários, dos quais emergem outras relações jurídicas tributárias com o mesmo contribuinte ou com outros, e o correspondente direito à liquidação ainda pode ser exercido. O que estará em causa é pois um novo acto tributário e não qualquer renovação do acto tributário objecto desses meios impugnatórios.
Vale a pena, atentar no que escreve António Lima Guerreiro a propósito desta norma.
“A alínea d) compreende os casos em que o direito à liquidação resulte de circunstâncias apuradas em processo de reclamação ou de impugnação, por assentarem, não necessariamente na possibilidade legal de ratificação-sanação do acto, já prevista, em virtude do vencimento de impugnação judicial, na alínea a) – como também em o fundamento do vencimento consistir em o facto tributário se reportar a período de tributação diferente daquele que foi considerado na liquidação do tributo. Nesse caso, quando a administração tributária sai vencida, mantém ainda a possibilidade de liquidar o imposto no período de tributação em que efectivamente o facto tributário ocorreu, se esse for o sentido da decisão administrativa ou judicial.”
Mais recentemente, também a propósito da mesma norma, escreveram Diogo Leite Campos Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que “Embora esta fórmula pareça não ser a mais adequada, a referência ao direito de liquidação resultante de reclamação graciosa ou impugnação judicial parece ter de reportar-se aos casos em que é apresentada uma destas formas de impugnação e, na sequência de anulação administrativa ou judicial, há possibilidade de praticar um novo acto de liquidação sem incompatibilidade com o decidido.
Na verdade, em rigor, o direito de liquidação nunca resulta de uma anulação de uma reclamação graciosa ou de uma impugnação judicial, pois são meios de anulação de actos e não declarativos de direitos, designadamente para a administração tributária, que neles ocupa o lado passivo. Por outro lado, a reclamação graciosa e a impugnação judicial são meios de impugnação de actos de liquidação, pelo que a alínea d) se reporta a situações em que o direito de liquidação já foi exercido e houve impugnação administrativa ou judicial.
Por isso, aquela expressão parece só poder reportar-se aos casos em que há um direito de liquidação renovado na sequência de uma reclamação graciosa ou impugnação judicial.”
O que significa que, no caso em apreço, não houve qualquer suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação do imposto sobre os rendimentos dos impugnantes do ano de 2009.
E assim, tendo esse prazo iniciado o seu curso em 2010, em 22.03.2016. quando a Administração Tributária emitiu a liquidação n.º ......., já não o podia fazer porque o respectivo direito já se havia extinguido por via da sua caducidade.
Por isso, a mesma é inválida, por vício de violação de lei, designadamente daquele art.º 45.º da LGT, e como tal, não pode manter-se na ordem jurídica.
A sua anulação com base neste vício, obsta à sua renovação pelo que, contrariamente a uma eventual anulação por preterição do direito de audição prévia da Impugnante, promove uma maior estabilização e uma mais eficaz tutela dos interesses ofendidos, pelo que, nos termos do art.º 124.º do CPPT, a apreciação desta questão ou de quaisquer outras fica prejudicada pela procedência daquele vício de violação de lei.”.

Discordando com o assim decidido, veio a Recorrente alegar erro de julgamento na medida em foi considerada como “nova” a liquidação e se considera que o “facto tributário subjacente à liquidação impugnada é distinto do facto tributário subjacente à liquidação n.º .......”. Defende que o facto tributário é o mesmo – a alienação dos prédios inscritos sob os artigos 783 (urbano) e 72 e 73 da secção L (rústicos), em janeiro de 2009 – sendo diferentes os elementos a considerar na determinação da matéria tributável da Categoria G (mais valias) e também os elementos a considerar no apuramento do rendimento colectável de IRS, do exercício de 2009.

Reitera que a liquidação ora impugnada é uma correcção da liquidação inicial, em face da decisão proferida no processo 334/11.9BEBJA, que decidiu, que a matéria tributável, deveria ser apurada de harmonia com os elementos fornecidos pelos autores e não por aqueles outros considerados pela AT, devendo ainda ser tido em consideração não só a constituição do agregado familiar invocado pelos autores, mas também a intenção de reinvestimento de parte do valor de realização, dos imóveis alienados.

Mais alega erro de julgamento quanto à aplicação ou não, do disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 46º da Lei Geral Tributária, defendendo que o alcance das normas do nº 2 do artigo 46º da LGT, é o de assegurar o direito à liquidação dos tributos, por parte da Fazenda, quando, por razões que lhe são estranhas, se encontra impedida de o fazer, no prazo geral dos 4 anos.

Finalmente alega que só após a estabilização da situação, a AT procedeu à liquidação definitiva do imposto respeitante a tal fato tributário.

Decidindo.

A caducidade é um instituto por via do qual todos os direitos se extinguem, se não forem exercidos durante certo período de tempo. Constitui uma garantia dos contribuintes e por isso sujeita ao princípio da legalidade tributária e da reserva de lei formal, decorrente do art.º 103º da CRP, porque estabiliza as situações jurídicas que ao fim de certo lapso de tempo se tornam certas e inatacáveis.

“No âmbito do Direito Tributário a caducidade do direito à liquidação prende-se, com a validade substancial do acto tributário, contendendo com a sua validade e, por consequência, constitui fundamento da impugnação judicial. Como refere JOAQUIM GONÇALVES «a obrigatoriedade da notificação da liquidação no prazo de caducidade não retira ao próprio acto da notificação a natureza do requisito de eficácia, embora para efeitos de caducidade tal notificação tenha, por força da lei, definido um regime especial, pois que releva, agora, também como pressuposto da caducidade do direito à liquidação por parte do Estado, esta, sim, uma ilegalidade concreta que afecta a validade do acto de liquidação e que, como tal, é susceptível de fundamentar a respectiva impugnação». (“A caducidade face ao direito tributário”, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, pág. 237).(cfr. Ac. TCA Sul de 21.05.2020 – proc. 616/08.7BESNT).

Como tem sido afirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo, “(…) as razões de certeza e segurança jurídicas que subjazem ao instituto da caducidade impedem que a AT possa legalmente proceder a correções ao lucro tributável de exercício em relação ao qual já se mostre verificada a caducidade do direito de liquidação, ainda que se abstenha de liquidar tributo referente a esse período, para delas extrair consequências tributárias em exercícios posteriores (…) pois que, por essa via, se lhe permitiria extrair consequências jurídico tributárias novas de situações que a lei, por razões de paz social, pretende definitivamente consolidadas no domínio tributário.” (Acórdão de 10.05.2017, proferido no processo n.º 699/16).

E quanto à caducidade do direito de liquidar tributos, estabelece o artigo 45.º, n.º1 da Lei Geral Tributária (LGT) que “o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”.

No caso concreto, estamos perante um imposto periódico (IRS) pelo que o prazo de caducidade conta-se, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (cfr. nº 4 do artigo 45.º da LGT).

Assim, a caducidade do direito à liquidação de IRS do ano de 2009, que se iniciou em 1 de Janeiro de 2010 só ocorreria, se a liquidação não fosse validamente efectuada e notificada aos ora Recorridos até 31.12.2013.

Mas importa referir que o decurso do prazo de caducidade suspende-se nos casos previstos no art.º 46º da LGT, em especial no que para aqui interessa, em caso de o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão (alínea d) do n.º 2 do art. 46º LGT).

Na sequência da decisão proferida no processo de impugnação judicial nº 334/11.9BEBJA que ditou a anulação do IRS de 2009, foi emitida em 22.03.2016 a liquidação n.º ........ É desta liquidação que os recorridos deduziram impugnação judicial com o fundamento da caducidade do direito à liquidação. É, pois, neste contexto e perante o quadro factual provado, que importa, apurar se a liquidação impugnada é, de facto, ou não, uma nova liquidação, autónoma e distinta da anterior, logo susceptível de ter sido praticada para além do prazo de caducidade do direito à liquidação.

Destacamos sobre esta matéria o que foi referido no Acórdão deste Tribunal Central Administrativo em 18.04.2018 no processo nº 410/17.4BESNT “Releva, nesta matéria, de forma nuclear como de seguida se compreenderá, a delimitação dos conceitos de acto de anulação, de liquidação adicional e de reforma de tal tipo de actos tributários. Ora, como doutamente doutrina o Prof. Alberto Xavier a anulação é o acto pelo qual a Administração Fiscal revoga, total ou parcialmente, o acto tributário que, em virtude de erro de facto, erro de direito ou omissão, tenha definido uma prestação tributária superior à que decorre directamente da lei. A liquidação definitiva excessiva (ou infundada) padece de um vício em sentido próprio. Os seus efeitos cessam de se produzir mercê de um acto jurídico que os constata e que, consequentemente, os destrói retroactivamente. Por sua vez, o acto tributário adicional é aquele através do qual a Administração Fiscal, verificando que mercê de uma omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. Ao invés do que sucede com a anulação, o acto adicional não revoga o acto tributário viciado. Porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos do acto primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a Administração, pela prática de um novo acto, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objecto de declaração. Longe de o destruir, o novo acto “adiciona-se” ao primeiro concorrendo ambos para a clarificação da prestação legalmente devida. Por último, a reforma do acto tributário verifica-se quando, por posterior variação da matéria colectável, a lei manda substituir a liquidação praticada, ainda que correctamente, com base na expressão daquela matéria ao tempo em que a Administração Fiscal a realizou. Ao contrário do que se passa na anulação e no acto tributário adicional não se verifica aqui um vício originário mas uma modificação superveniente do seu objecto (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/3/2006, rec. 1284/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/5/2007, rec.133/07; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/11/2009, proc. 2981/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4076/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.5908/12; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, Coimbra, 1972, pág.127 e seg.; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª. edição, 2012, pág.365 e seg.).”

E acrescenta-se ainda que “havendo decisão judicial, transitada em julgado, a declarar a anulação total do acto de liquidação adicional, tal anulação tem como efeito a eliminação do mesmo acto tributário da ordem jurídica”.

Aplicando este entendimento ao caso em apreço, constatamos que o acto de liquidação sindicado incorpora uma nova liquidação, autónoma e diferente da anterior liquidação.

Na verdade a liquidação objecto da presente impugnação assenta em elementos diferentes, designadamente o agregado familiar, abrangendo agora ambos os recorridos, sendo ainda diferentes os elementos referentes à determinação da matéria colectável das mais valias, incluindo os valores de reinvestimento de parte do valor de realização dos imóveis alienados (como reconhece a Recorrente nas conclusões D), E) e F) das alegações de recurso).

Vejamos agora a questão da aplicação do normativo constante na alínea d) do n.º 2 do artigo 46.º da LGT, nos termos da qual, o decurso do prazo de caducidade suspende-se, caso o direito à liquidação resultar de reclamação ou impugnação, a partir da sua apresentação até à decisão.

Segundo Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in LGT Anotada, esta norma “...parece ter de reportar-se aos casos em que é apresentada uma dessas formas de impugnação e, na sequência de anulação administrativa ou judicial há possibilidade de praticar um novo acto de liquidação sem incompatibilidade com o decidido.
Na verdade, em rigor, o direito de liquidação nunca resulta de uma anulação de uma reclamação graciosa ou de uma impugnação judicial, pois são meios de anulação de actos tributários e não declarativos de direitos, designadamente para a administração tributária, que neles ocupa o lado passivo. Por outro lado, a reclamação graciosa e a impugnação judicial são meios de impugnação de actos de liquidação, pelo que aquela alínea d) se reporta a situações em que o direito de liquidação já foi exercido e houve impugnação administrativa ou judicial.
Por isso, aquela expressão parece só poder reportar-se aos casos em que há um direito de liquidação renovado na sequência de uma reclamação graciosa ou impugnação judicial”. E esse direito de liquidação deve entender-se como reportado “...aos casos em que é apresentada uma dessas formas de impugnação e, na sequência de anulação administrativa ou judicial, há possibilidade de praticar um novo acto de liquidação sem incompatibilidade com o decidido”

De acordo com este entendimento, se a decisão judicial determinar a anulação do acto tributário, a lei reconhece a possibilidade de praticar novo acto de liquidação que não seja incompatível com o decidido.

Ora é essa a situação dos presentes autos em que a nova liquidação decorreu da decisão de impugnação judicial não havendo incompatibilidade com o decidido, e assim sendo, ocorreu a suspensão do prazo de caducidade nos termos da alínea d) do nº 2 do art. 46º da LGT, entre 23.09.2011 (data da apresentação da impugnação judicial– cfr. alínea e) do probatório) e 09.04.2014 (data da prolação da decisão cfr. alínea f) do probatório).

Considerando que a liquidação foi efectuada em 22.03.2006 (cfr. alínea g) do probatório) e pese embora não exista prova da data concreta da notificação da liquidação, pode assumir-se que os recorridos tiveram conhecimento dessa liquidação em data anterior a 24.05.2016 (data da entrega da reclamação graciosa mencionada na alínea h) do probatório).

Atendendo que o prazo de caducidade do IRS de 2009 se iniciou em 01.01.2010 e tendo esse prazo sido suspenso desde 23.09.2011 a 09.04.2014, quando os recorridos tomaram conhecimento da liquidação (assumindo-se no limite a data de 24.05.2016 – de apresentação da reclamação graciosa), ainda não tinha decorrido o prazo de 4 anos da caducidade do direito à liquidação.

Desta forma se conclui que o presente recurso merece provimento dado que o direito à liquidação do IRS do ano de 2009 não estava caducado, sendo de anular a sentença recorrida.

Importa agora conhecer em substituição a questão da falta de notificação da impugnante para o exercício do direito de audição prévia antes da liquidação.

O princípio da participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes digam respeito encontra-se consagrado no nº 5 do art. 267º da Constituição da República Portuguesa.

No âmbito do direito tributário este princípio foi igualmente acolhido no art. 60º da LGT e no artigo 45.º do CPPT.

Consagra o art. 60º da LGT sob a epígrafe “Princípio da participação” que:
“1- A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 - É dispensada a audição:
a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;
b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.
4 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
5 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
6 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.
7 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.”.

Com efeito, o direito de audiência prévia de que goza o administrado incide sobre o objecto do procedimento, após a instrução e antes da decisão. Daí que, estando em preparação uma decisão, a comunicação feita ao interessado para o exercício do direito de audiência deve dar-lhe conhecimento do projecto da mesma, a sua fundamentação, o prazo em que pode reagir contra ela.

Razão pela qual, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário susceptível de conduzir à anulação da decisão que vier a ser tomada podendo, todavia, degradar-se em formalidade não essencial ou em mera irregularidade, se independentemente do exercício de tal direito, aquele acto sempre tivesse de ser da mesma natureza e medida.

Nos termos do n.º 2 do citado artigo 60.º da LGT, é dispensada, porém, a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.

Ora, no caso em apreço, não há dúvida que a Recorrida enquanto sujeito passivo da liquidação impugnada não foi ouvida antes desta. Contudo importa ter presente a sua situação fáctico-jurídica. A liquidação que foi anulada no âmbito do processo nº 334/11.9BEBJA era referente apenas ao Recorrido, sendo que no âmbito daquele processo de impugnação foi invocado erro na liquidação não só decorrente da tributação das mais-valias mas também foi invocada a situação de união de facto com a ora Recorrida, bem como o direito de opção pela tributação segundo o regime dos sujeitos passivos casados, e que veio a obter procedência. E é na sequência desse julgado que, foi efectuada a nova liquidação, agora em nome de ambos os Recorridos.

Ora à data, o IRS incidia necessariamente sobre o conjunto dos rendimentos das pessoas que constituíssem o agregado familiar (regra de incidência objectiva), considerando-se como sujeitos passivos ambos os cônjuges (regra de incidência subjectiva), os quais não podiam ser considerados sujeitos passivos autónomos (art. 13º, nº 2 do CIRS “Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção.” e nº 6 da mesma disposição legal). Nessa tributação conjunta ou cumulada do agregado familiar, os rendimentos não careciam de serem determinados por referência individual a cada um dos sujeitos passivos que compunham o agregado, devendo, antes, ser aferidos relativamente ao agregado familiar no seu conjunto, isto é, sobre a unidade fiscal ou unidade económica relativamente a qual se afere a tributação.

E sendo assim, decorrente do julgado no processo nº 334/11.9BEBJA foi efectuada a anulação da liquidação anterior e concretizada a pretensão através de nova liquidação, abrangendo assim o agregado familiar na situação de unidos de facto. Ora com base no acima exposto e atendendo que a decisão da impugnação lhe foi favorável, encontra-se dispensada a audição prévia da Recorrida nos termos do art. 60º, nº 2 da LGT.

Em face do exposto concede-se provimento ao recurso e em consequência julga-se improcedente o recurso.


V- DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e em consequência, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação judicial.

Custas a cargo dos Recorridos apenas na 1ª instância dado não terem apresentado contra-alegações na presente instância.

Lisboa, 13 de Maio de 2021
[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Cristina Flora e Tânia Meireles da Cunha].
Luisa Soares