Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02972/09
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:07/15/2009
Relator:ROGÉRIO MARTINS
Descritores:ISENÇÃO DE IRS.
ART.º 42º DO ESTATUTO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS.
PRESSUPOSTOS DE APLICAÇÃO.
ART.º 42-A DO EBF, INTRODUZIDO PELA LEI 52-C/96, DE 27.12 (OE 1997).
Sumário:I - A atribuição do benefício fiscal constante do art. 42º do EBF implica que a isenção resulte da aplicação de uma norma ou tratado de direito internacional ou de um princípio de reciprocidade entre Estados.

II – O disposto no art.º 42-A do EBF, introduzido pela Lei 52-C/96, de 27.12 (OE 1997) traduz um preceito inovador para o qual não foi prevista a respectiva retroactividade, aplicando-se por isso apenas para o futuro, às situações criadas posteriormente ou criadas anteriormente mas que se tenham mantido à data da entrada em vigor, 01.01.1997.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

A....................... veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 22 de Outubro de 2008, a fls. 76-85, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial deduzida contra a Fazenda Pública do acto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação do IRS do ano de 1993.

Invocou para tanto que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada e inconstitucional interpretação da lei.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público neste emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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São estas as conclusões das alegações do recurso e que definem respectivo objecto:

a) No caso sub judice nem a Fazenda Pública nem a douta sentença se pronunciaram negativamente quanto à verificação da existência de Direito Internacional aplicável, enquanto requisito de verificação do artigo 42.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, pelo que o mesmo, alegado na p.i, deve ser tido por admitido.

b) A douta sentença recorrida conclui, indevidamente, que as normas de Direito Internacional Público directamente aplicáveis têm que prever as isenções tributárias, pois, por força do artigo 8.e da Constituição da República Portuguesa, as convenções internacionais aplicam-se automática e directamente, o que retiraria toda a utilidade ao previsto no artigo 42.Q do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

c) A douta sentença recorrida enferma ainda de erros de julgamento ao concluir que o artigo 42º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais não possui eficácia retroactiva e carácter interpretativo face ao art. 42° do mesmo Estatuto, pois o citado normativo possui tal carácter e natureza, conforme sempre resultaria do princípio da legalidade tributária, constitucionalmente consagrado (artigo 103.º da CRP).

d) Nestes termos, é claro que a douta sentença recorrida enferma de erros de julgamento, tendo violado, além do mais o disposto nos artigos 42° e 42°-A, ambos do Estatuto dos Benefícios Fiscais e no artigo 103.° da CRP, pelo que deverá ser dado provimento ao presente recurso, e em consequência:

• Ser reconhecida a verificação dos requisitos previstos no art. 42.º EBF, a saber: existência de Direito Internacional aplicável, o pessoal em causa estar ao serviço de uma organização estrangeira ou internacional e auferir remuneração na qualidade de servidor dessa organização;

• Ser reconhecida a natureza retroactiva e carácter interpretativo do art. 42º-A EBF face ao art. 42º do mesmo Estatuto, quanto às missões de carácter humanitário ou de salvaguarda e manutenção de paz.

• Ser reconhecido o direito à isenção de IRS, nos termos do artigo 42e EBF, ou 42º-A do mesmo Estatuto, com a consequente anulação da liquidação, e devolução aos contribuintes ora impugnantes dos montantes tributados em excesso.

I - Matéria de facto.

A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A) Por Portaria publicada no Diário da República II Série o impugnante foi nomeado com efeitos a partir de 01.21.1991, primeiro sargento M...........(014051-B), nomeado para o cargo GL-DHE002/SÉNIOR E-3 MAINTENANCE TECNICIAN, da NAEWF, em Grilenkirchen, Alemanha.

B) A Entidade pagadora imediata dos rendimentos auferidos no ano de 1993,foi o Estado Português, sendo o encargo respectivo totalmente suportado, a final pela NATO, que a reembolsa ao Estado Português nos termos prescritos no DL 442/83, de 26/12. ( Fls. 31 dos autos em apenso)

C) Em 10.03.1994, o impugnante entregou na RF a Declaração de Rendimentos Mod. 1 e indicou no anexo H - Benefícios Fiscais, rendimentos no montante de Esc. 1.424.600$00, provenientes de vencimentos auferidos no âmbito do exercício da função referida na al. A) do probatório. ( Fls. 175 dos autos em apenso)

D) A declaração de rendimentos referida na al. C) do probatório deu origem à liquidação n.° ................. de 09.06.94 a qual definiu a título e reembolso a quantia de Esc. 413.949$00. (F1s.18 dos autos em apenso)

E) Em 31.10.1998 a AT emitiu a liquidação n.°............. relativa ao exercício de 1993, na qual resultou apurada a quantia de Esc. 477.912$00 a pagar a título de imposto. (Fls. 19 dos autos em apenso)

F) Em 30.12.1998, o impugnante apresentou reclamação graciosa contra a liquidação referida na al. E) do probatório. (Fls. 2 a 8 dos autos em apenso)

G) O processo de reclamação graciosa mereceu, em 30.06.2000, despacho de indeferimento, conforme consta de fls. 395 e v° dos autos em apenso).

H) O impugnante foi notificado desta decisão através de ofício n°4881, de 05.07.2000. ( Fls. 96 e 97 dos autos em apenso)

I) A impugnação foi deduzida em 14.07.2000. (conforme carimbo aposto no canto superior direito da fls. 2 dos presentes autos).

II - Enquadramento jurídico.

Antes de mais importa referir que não se compreende o sentido e alcance da primeira conclusão das alegações de recurso.

O que pode ser admitido por acordo são factos e não as normas jurídicas aplicáveis ao caso – art.º 484º, n.º1, do Código de Processo Civil.

Quanto ao direito, o tribunal faz livremente a indagação das normas que são aplicáveis – art.º 664º do Código de Processo Civil.

E, evidentemente, o tribunal de recurso não está vinculado ao enquadramento jurídico efectuado pela 1º Instância, pois é precisamente sua função determinar se o julgado recorrido seleccionou e aplicou devidamente as normas aos factos assentes.

Dito isto vejamos.

A primeira questão a decidir, como bem resumiu o Tribunal a quo, consiste em determinar se o impugnante, ora recorrente, goza da isenção de IRS prevista no art.42° do Estatuto dos Benefícios Fiscais relativamente à remuneração de 1.424.600$00 auferida no ano de 1993 enquanto esteve colocado no programa AWACS da NAEWF (Nato Electronic Warfare Force) e que foi suportada em regime de adiantamento pelo Orçamente de Estado pago pelo EMGFA e ressarcida pela NATO.

Dispõe esta norma o seguinte (com sublinhado nosso):

1. Ficam isentos de IRS, nos termos do direito internacional aplicável ou desde que haja reciprocidade:
a) …
b) O pessoal ao serviço de organizações estrangeiras ou internacionais quanto às remunerações auferidas nessa qualidade.

É a própria norma que prevê que a isenção esteja prevista em instrumento de direito internacional ou por aplicação do princípio da reciprocidade.

Não se vê como ultrapassar esta expressa determinação da lei que terá o sentido útil e o alcance de dar à norma nacional, agora em análise, a natureza de norma de concretização da isenção estabelecida pelo direito internacional ou pelo princípio da reciprocidade.

De resto o Tribunal Central Administrativo Sul já se pronunciou sobre questão idêntica, designadamente no acórdão de 04.10.2005 no recurso 07298/02, citado na decisão recorrida e qual o qual se concorda no essencial.

Aí se cita Maria Teresa Veiga Faria (na obra Estatuto dos Benefícios Fiscais, Notas Explicativas), segundo a qual o beneficio fiscal constante do art. 42.º do EBF só é exequível se existir efectivamente direito internacional que preveja a isenção ali consignada ou por aplicação do princípio da reciprocidade acordado entre Estados e, nessa medida e porque a reciprocidade se coloca apenas ao nível de Estados, o pessoal das organizações estrangeiras ou internacionais apenas beneficiário da isenção se isso decorrer expressamente do direito internacional regularmente recebido na lei portuguesa.

Sucede que, como se decidiu, não existe qualquer norma de direito internacional a consagrar isenção de IRS relativamente ao pessoal da NATO, mesmo que aí se inclua o ora recorrente, quanto às remunerações auferidas nessa qualidade, pelo que não reúne todos os pressupostos exigidos para poder beneficiar da isenção pretendida relativamente ás remunerações auferidas no ano de 1994.

Em particular o “Memorandum” junto pelo ora Recorrente à sua petição inicial não contém qualquer norma que estabeleça um direito de isenção tributária ao pessoal na sua situação e que vincule o Estado Português.

Não se verifica, em suma e como se decidiu, um dos pressupostos de aplicação da norma contida no art.º 42º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, concretamente, a existência de direito internacional que estabeleça a isenção tributária em apreço.

Quanto ao n.º1 do art.º 42º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aditado pela Lei 52-C/96, de 27.12, que aprovou o Orçamento de Estado para 1997, aí se determina:

“Ficam isentos de IRS os militares e elementos das forças de segurança quanto às remunerações auferidas no desempenho de funções integradas em missões de carácter militar, efectuadas no estrangeiro, com objectivos humanitários ou destinadas ao estabelecimento, consolidação ou manutenção da paz, ao serviço das Nações Unidas ou de outras organizações internacionais, independentemente da entidade que suporta as respectivas importâncias”.

A questão que se coloca aqui é a de saber se esta norma é inovadora e não se aplica ao caso concreto que lhe é anterior, como se decidiu, ou meramente interpretativa, como pretende o Recorrente.

Isto porque o preceito em análise entrou em vigor em 01.01.1997, nos termos do disposto no art.º 84º da Lei 52-C/96.

Entendemos que este preceito é inovador e não interpretativo.

Uma norma só é interpretativa se a norma a interpretar tiver suscitado dúvidas na sua aplicação e aquela vier a consagrar expressamente uma das interpretações possíveis.

Ora, como refere o próprio Recorrente, o âmbito de aplicação do art.º 42º-A é muito mais restrito que o do art.º 42º, pois se refere apenas a militares em missões com fim humanitário, estabelecimento, manutenção e consolidação da paz.

E não exige o pressuposto da existência de norma de direito internacional ou princípio de reciprocidade para a concessão do benefício.

Trata-se portanto de uma previsão que não estava contida como solução possível na previsão do art.º 42º.

É, em suma, uma disposição inovadora.

Não há aqui, no entendimento sufragado pela sentença recorrida, qualquer violação do princípio da legalidade tributária, bem pelo contrário.

Em princípio, e por questões de certeza e segurança jurídicas, a lei só dispõe para o futuro – art.º 12º do Código Civil.

Naturalmente ao dispor para o futuro a norma acaba por criar uma desigualdade, inevitável, entre as situações pretéritas e as situações futuras. Mas essa é uma realidade que se impõe e terá de se aceitar, sob pena de não se poder legislar.

Nada impede, é certo, que o legislador estabeleça normas (e em particular a criar benefícios fiscais) com efeito retroactivo mas, precisamente porque a lei em princípio só dispõe para o futuro, é necessário que esse efeito esteja expressamente consignado – 2º parte do n.º1, do art.º 12º do Código Civil.

Sucede que a norma em análise, inovadora, como vimos, não prevê esse efeito retroactivo.

Para atenuar esta situação de “desigualdade” previu precisamente o legislador que a lei nova se aplique às “próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor” – art.º 12.º, n.º2, parte final do Código Civil.

No caso concreto o benefício fiscal da isenção do IRS abrange não só os militares que entraram ao serviço da NATO em missões de paz na Bósnia Herzegovina depois de 01.01.1997 mas também os que entraram antes e aí se mantinham nesta data.

É aceitável e objectivamente justificado, por outro lado, que não tenha sido atribuído efeito retroactivo ao preceito: os militares optaram por esse serviço antes de estar consagrado o benefício da isenção do IRS e por isso não podem dizer que estavam a contar com ele; o encargo para o Estado seria mais elevado se abrangesse as situações passadas e iria implicar um agravamento do Orçamento para o ano de 1997 com despesas de anos anteriores. Entre a possibilidade de não conceder benefício nenhum, pelo excessivo peso que poderia significar para o Orçamento de Estado, e concedê-lo apenas para o futuro, a segunda opção é não só aceitável como a mais acertada.

Conclui-se, como a sentença recorrida, que os rendimentos em causa não se encontram isentos de IRS, consequentemente não padece o acto tributário impugnado de vício de violação de lei por erro os pressupostos de facto e direito.
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Pelo exposto, os juízes da Secção Tributária do Tribunal Central Administrativo Sul, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a decisão da 1ª Instância e, com esta, o acto impugnado.

Custas pelo Recorrente.

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Lisboa, 15 de Julho de 2009

(Rogério Martins)

(Lucas Martins)

(Ascensão Lopes)