Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:847/07.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:DESPESAS NÃO DOCUMENTADAS;
FUNDAMENTAÇÃO;
PODERES DO TRIBUNAL.
Sumário:I. Apenas a ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais.

II. «Despesas não documentadas» são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico.
III. Está vedado ao Tribunal valorar razões de facto e de direito que não constam da fundamentação do acto sindicado.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO
S............., S.A. com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra o acto de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º ............., referente ao exercício de 1996.

A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª O presente recurso é deduzido contra a sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º ............., de 16.06.2001, referente ao exercício de 1996;
2.ª No que respeita à correção referente a encargos não documentados, o Tribunal considerou que não foi demonstrado nos autos “(…) como foi determinada a redução da conta de proveitos e correspondente justificativo documental e contabilístico da efectivação da receita realizada no exercício (…)” (cf. página 4 da sentença recorrida), sendo que “(…) a anulação de proveitos e o registo de acréscimos no exercício pressupunham a apresentação dos contratos celebrados, da facturação emitida por obras de carácter plurianual durante o período de vigência do mesmo, do seu reflexo contabilístico nas contas de terceiros e de existências o que não foi demonstrado” (cf. página 5 da sentença recorrida);
3.ª Não obstante, o Tribunal não apresenta qualquer base factual de apoio ao seu entendimento ou justificação para a falta de apreciação e valoração da prova documental apresentada pela Impugnante, ora Recorrente, designadamente a que consta dos Anexos 1, 2, 3 e 4 da resposta apresentada ao abrigo do direito de audição prévia ao projeto de relatório de inspeção tributária, que integra o relatório de inspeção tributária junto como doc. n.º 3 da p.i.;
4.ª Ora, entende a Recorrente que a falta de apreciação crítica da prova, nos termos acima mencionados, inquina a sentença recorrida de nulidade por falta de fundamentação de facto, nos termos do disposto nos artigos 123.º, n.º 2 e 125.º, ambos do CPPT e dos artigos 154.º e 607.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT;
5.ª No caso vertente, como resulta da sentença recorrida, o Tribunal a quo não faz qualquer menção aos documentos que foram apresentados pela Recorrente para a prova daqueles factos;
6.ª Ora, conclui a Recorrente que não é possível aferir se o Tribunal pura e simplesmente considerou que os factos alegados não foram provados ou se nem sequer chegou a formular um juízo probatório sobre os mesmos, o que viola o dever de fundamentação das decisões judiciais;
7.ª Assim, a sentença recorrida padece de manifesta nulidade por falta de fundamentação de facto decorrente da falta de apreciação crítica das provas, pelo que, com este fundamento, deve ser anulada;
8.ª Nestes termos, mesmo que seja declarada a nulidade da sentença recorrida, assiste ao Tribunal de recurso a faculdade de se substituir ao Tribunal recorrido, em harmonia com o artigo 665.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT;
9.ª Caso assim não se entenda, sendo declarada a nulidade da sentença, nos termos e condições acima mencionados, e revogando-se a decisão recorrida, sempre se impõe, no caso sub judice, que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto;
10.ª Sem prejuízo do exposto, e admitindo-se que tal nulidade não seria procedente, o que apenas por dever de patrocínio se concebe, ainda assim sempre seria de anular a sentença recorrida com fundamento em erro de julgamento decorrente da insuficiência da matéria de facto;

11.ª Efetivamente, outros factos deveriam ter sido dados como provados em face de toda a prova produzida nos próprios autos, a qual não foi integralmente valorada pelo Tribunal a quo;
12.ª Deste modo, e para os devidos efeitos, não pode a Recorrente deixar de impugnar os pontos do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que, concomitantemente com os factos ali descritos, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
a. A Impugnante é uma sociedade que se dedica à atividade de construção, no âmbito da qual realiza essencialmente obras de caráter plurianual nos termos previstos no artigo 19.º do Código do IRC, procedendo ao apuramento dos resultados contabilísticos e fiscais das referidas obras nos termos previstos pela Circular n.º 5/90, da DGCI, e da Diretriz Contabilística n.º 3/91, da CNC (cf. ponto 8.1. do doc. n.º 3 da p.i.);
b. Com o objetivo de concretizar as mencionadas orientações fiscais e contabilísticas, no que respeita aos resultados imputáveis à empreitada de construção da linha D do Metropolitano de Lisboa (Linha Colégio Militar/ Luz-Pontinha), a Impugnante procedeu, no final do exercício de 1995, ao apuramento dos trabalhos já realizados na referida obra e não faturados ao respetivo dono até à data do fecho das contas, tendo determinado um acréscimo de proveitos a refletir na Conta 27.1 no montante de € 34.341,77 (cf. Anexos n.ºs 1, 2 e 3 juntos como doc. n.º 3 com o direito de audição prévia que integra o relatório final de inspeção junto como doc. n.º 3 da p.i.);
c. Ao proceder, no exercício de 1996, ao apuramento do valor a faturar ao dono da obra, com referência àqueles trabalhos, constatou a Impugnante que os valores apurados na estimativa efetuada a 31.12.1995 não se vieram a concretizar, em virtude de revisões de preços e de alguns acertos na determinação da percentagem de acabamento da obra anteriormente efetuada;
d. Assim, ao invés de saldar a conta de acréscimos e diferimentos por contrapartida das respetivas rubricas de clientes, optou por anular os registos efetuados no exercício anterior, com vista à especialização (débito da conta 72 por contrapartida do crédito da conta 27), reconhecendo, de seguida, o proveito da faturação pelo valor efetivo (cf. Anexo 4 junto como doc. n.º 3 com o direito de audição prévia que integra o relatório final de inspeção junto como doc. n.º 3 da p.i.).
13.ª De igual modo, e para os devidos efeitos, dá-se como impugnada a matéria de facto não provada na parte em que se consideraram implicitamente como não provados os factos acima indicados;
14.ª Pelo que, em suma, deverão ser relevados como factos provados todos os supra evidenciados e, em conformidade com o exposto, ser proferida uma nova decisão que julgue a impugnação judicial deduzida pela Recorrente integralmente procedente;
15.ª Acresce que, admitindo-se que de acordo com o entendimento desse Ilustre Tribunal não constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão proferida e que permitam a esse Ilustre Tribunal a reapreciação da matéria de facto, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto;
16.ª Sem prejuízo de todo o acima exposto, e entendendo-se que, contrariamente ao que a Recorrente supra invocou, dos documentos acima mencionados não resultam provados todos os factos acima indicados, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder, ainda assim deve anular-se a sentença recorrida, por violação do princípio do inquisitório, ao abrigo do disposto no artigo 411.º do CPC e no artigo 114.º do CPPT;
17.ª Com efeito, sendo certo que sobre as partes recai o ónus da prova quanto aos factos necessários para fazer valer a sua pretensão, é igualmente certo que o Tribunal detém um papel ativo na descoberta da verdade material, sendo-lhe imputável a não realização de diligências necessárias e disponíveis para alcançar esse objetivo;
18.ª Num contexto em que a Recorrente juntou os documentos que entendeu necessários para a prova dos factos alegados e que o Tribunal os julgou insuficientes e considerou necessária a apresentação de outros documentos, o princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material impõe ao Tribunal, sempre que entenda que aquela documentação não era suficiente ou que existem factos não provados, que diligencie pela descoberta da verdade material, notificando a Impugnante para juntar essa documentação que reputa como necessária;
19.ª Deste modo, estando na disponibilidade do juiz do processo a requisição de documentos, só lhe é lícito concluir pela falta de prova de um determinado facto se da requisição dos documentos não decorrer a prova desse facto;
20.ª Já não lhe será possível, pois, concluir a priori pela falta de prova de um determinado facto sem desencadear, primeiro, a devida investigação;
21.ª Assim, se o Tribunal reputava essencial a junção daqueles documentos, impunha-se-lhe requerer à parte que os juntasse, sob pena de violação do princípio do inquisitório e da verdade material;
22.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, se impõe a anulação da sentença recorrida, por violação do princípio do inquisitório;
23.ª Sem prejuízo do acima exposto, e sem conceder, sempre incorre ainda a sentença recorrida em erro de julgamento de Direito, porquanto o entendimento em que a mesma se suporta é erróneo;
24.ª Conforme decorre da factualidade supra aduzida [cf. alíneas a) a d) da conclusão 12.ª supra], a Impugnante efetuou uma anulação de proveitos contabilizados no exercício anterior, em virtude de ter constatado, aquando do apuramento do valor a faturar ao “Dono da obra” com referência àqueles trabalhos, que, em resultado de revisões de preços e de alguns acertos na determinação da percentagem da obra anteriormente efetuada, esta era, afinal, substancialmente diferente da estimativa efetuada em 31.12.1995;
25.ª Efetivamente, é certo, que os movimentos de anulação de proveitos ou quaisquer outros movimentos com reflexo no resultado líquido do exercício deverão encontrar-se devidamente documentados e justificados, por forma a aferir-se da respetiva conformidade com as regras fiscais previstas para a determinação do lucro tributável;
26.ª Não obstante, é igualmente certo que as exigências de documentação de determinado lançamento deverão ser diversas consoante se trate de operações realizadas com terceiros ou, como no caso vertente, de meras regularizações contabilísticas;
27.ª Neste último caso, deverá relevar-se, face à inexistência de quaisquer documentos externos, o conjunto de elementos de prova que permitam sustentar a razão de ser do movimento contabilístico e a sua legitimidade;
28.ª Ora, nos presentes autos, verifica-se que a prova para a demonstração do movimento contabilístico e a sua respetiva legitimidade encontram-se já plenamente assegurada, quer através dos esclarecimentos já prestados nos autos, quer através da resposta apresentada ao abrigo do exercício do direito de audição ao projeto de correções e dos respetivos documentos que foram juntos com a mesma;
29.ª Também no que se refere ao argumento de que a referida redução de proveitos também não pode ser aceite para efeitos fiscais em virtude de: “1) Contabilisticamente a conta 27 Acréscimos e deferimentos deveria ter sido saldada por contrapartida duma conta de terceiros e não da 72 Prestações de Serviços; 2) Segundo o POC, Cap. 12, Notas explicativas, Conta 271 Acréscimos e deferimentos, esta serve de contrapartida aos proveitos a reconhecer no exercício, pelo que não se trata de qualquer estimativa, mas de valores bem definidos e determinados” (cf. ponto 8.1. do relatório de inspeção tributária que constitui o doc. n.º 3 da p.i.), não assiste qualquer razão aos serviços de inspeção tributária e ao Tribunal recorrido, com o devido respeito;
30.ª De facto, se é certo que os valores de proveitos especializados através da conta 27 não traduzem meras estimativas, não deixa de ser verdade que os mesmos, especialmente no que concerne a trabalhos plurianuais de construção, não assumem a definitividade associada aos valores contabilizados apenas aquando da emissão da fatura, dadas as inúmeras vicissitudes (a maioria das quais associadas à fiscalização pelo “dono da obra” e às revisões de preços) que poderão, posteriormente, afetar o valor a faturar;
31.ª Não nega a Impugnante que, ao invés de regularizar por completo a operação realizada para efeitos da especialização do exercício, poderia ter optado por saldar a conta de acréscimos e diferimentos por contrapartida da conta do cliente, apenas refletindo na conta de proveitos o valor faturado que excedesse o valor estimado/especializado;
32.ª Todavia, de tal constatação somente se pode retirar, mais uma vez, a simplicidade do procedimento em análise: é que ainda que a Impugnante tivesse adotado o procedimento defendido pela administração tributária, ainda assim o saldo contabilístico e fiscal da operação em apreço seria rigorosamente o mesmo;
33.ª Atento todo o exposto, verifica-se que, ao negar-lhe os correspondentes efeitos fiscais, não só estará a administração tributária a aplicar incorretamente a lei, como a contribuir para a dupla lesão da Impugnante, não questionando o valor dos proveitos reconhecidos e tributados no exercício de 1995, tributando-os novamente por inteiro, em duplicação de coleta, no exercício de 1996;
34.ª Em face do exposto, resulta evidente o erro em que incorreu a sentença recorrida;
35.ª Não só a prova apresentada pela Recorrente é suficiente para a demonstração da referida redução de proveitos, como se impõe a anulação da correção uma vez constatada a necessidade de reconhecer a esta anulação de proveitos, sob pena de duplicação de coleta, os correspondentes efeitos fiscais;
36.ª Com efeito, não tendo sido colocada em causa pelos serviços de inspeção tributária, nem pelo Tribunal, a veracidade da contabilidade da Impugnante, ora Recorrente, e reconhecendo-se a validade do princípio da prevalência da substância sobre a forma, impunha-se ao Tribunal que houvesse determinado, uma vez evidenciada em que consistiu aquela redução de proveitos e que a movimentação de contas efetuada mais não visou do que servir de contrapartida ao reconhecimento de dois proveitos fiscais concorrentes para a determinação do resultado tributável, a anulação da correção controvertida;
37.ª Não o tendo feito, incorre a sentença, assim, em manifesto erro de julgamento de direito, impondo-se a sua anulação;
38.ª No que se refere às amortizações não aceites como custo, o Tribunal julgou a impugnação judicial improcedente, nesta parte, por considerar que, por um lado, não foi efetuada a “(…) demonstração da compensação por si efectuada em razão da redução da participação da sociedade «S...........» no ACE «M...........» e inerente redistribuição da participação a seu favor” (cf. página 4 da sentença recorrida) e, por outro, que “Não se descortina aliás como poderia aquela transferência de um investimento financeiro para a esfera da Impugnante pode determinar o apuramento de um custo” (cf. página 5 da sentença recorrida);
39.ª Também aqui a sentença incorre em erro de julgamento, impondo-se a sua anulação;
40.ª Com efeito, e desde logo, importa notar que não estava em causa nos presentes autos, contrariamente ao que se entende na sentença recorrida, a questão de saber se se efetivou a redução da participação da sociedade S..........., nem os termos em que a mesma se realizou;
41.ª Efetivamente, a correção em causa foi efetuada pelos serviços de inspeção tributária com fundamento no facto de, de acordo com aqueles serviços, a contabilização do montante em causa dever ser efetuado na esfera da “M...........” e não da Impugnante e de não estar em causa um ativo imobilizado incorpóreo suscetível de amortização (cf. ponto 3.2.1.2. do relatório de inspeção tributária que constitui o doc. n.º 3 da p.i.);
42.ª Assim, a sentença recorrida incorre em ilegalidade quando suporta a manutenção da correção em factos alegadamente não provados que não estiveram na base da correção sindicada;
43.ª Com efeito, no entendimento da Recorrente, aqueles factos relacionados com a redução da participação da S........... deveriam, para todos os efeitos, ter sido relevados como factos provados na decisão sub judice, atenta a manifesta relevância dos mesmos para a boa decisão da causa;
44.ª Não o tendo sido, incorre a sentença recorrida em erro de julgamento por insuficiência da matéria de facto, devendo, por conseguinte, ser anulada;
45.ª Deste modo, e para os devidos efeitos, não pode a Recorrente deixar de impugnar os pontos do probatório da sentença recorrida, por manifesta insuficiência, na medida em que, concomitantemente com os factos ali descritos, deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
a. A Impugnante constituiu, em 1995, conjuntamente com outras quatro empresas da área da construção civil, um Agrupamento Complementar de Empresas (ACE) denominado M........... – C................, A.C.E., com vista à realização conjunta dos trabalhos de conceção, projeto e construção relativos à empreitada de construção da Linha D do Metropolitano de Lisboa, e, acessoriamente, à realização e partilha dos lucros decorrentes dessa atividade (cf. Estatutos juntos como Anexo 7 ao doc. n.º 3 da p.i.);

b.Sensivelmente desde agosto de 1995, a sociedade membro S........... - S................, S.A. (S...........) incorreu sistematicamente em incumprimento das contribuições financeiras para o ACE a que se tinha obrigado nos termos do Estatuto, provocando, com tal incumprimento, elevados prejuízos financeiros ao mesmo, com consequências diretas na evolução da empreitada;
c.Para além do referido incumprimento, viriam a verificar-se ainda outros comportamentos faltosos relevantes por parte da S..........., como sejam, nomeadamente, a omissão do pagamento de salários ao pessoal – de que resultou a demissão de trabalhadores com altos níveis de responsabilidade –, bem como uma manifesta incapacidade de proceder à manutenção dos equipamentos por si cedidos ao ACE;
d.Perante tal cenário, acordaram por consenso os membros do ACE, em reunião realizada a 27.06.1996, a redução “amigável” da participação da S..........., nos termos do disposto no artigo 22.º do Estatuto;
e.No âmbito da referida reunião decidiu-se a redução de 29,9% para 0,1% da participação da S..........., adquirindo a Impugnante e a C................ – S................, S.A. o remanescente, em contrapartida do pagamento de compensação que ponderasse o valor do direito ao quinhão nos lucros futuros associados à detenção das mesmas e o valor dos créditos do ACE decorrentes das contribuições financeiras em falta;
f.O valor da compensação paga pela Impugnante em contrapartida do aumento da sua participação de 39% para 54,9% ascendeu a € 261.719,25, tendo tal montante sido afeto ao respetivo ativo imobilizado incorpóreo, amortizável em função do apuramento do valor residual da obra;
g.O valor da amortização reconhecida no exercício de 1996 ascendeu a € 58.183,86.
46.ªEm face desta matéria de facto, resulta evidente o erro em que incorreram os serviços da administração tributária e, por conseguinte, a sentença recorrida;
47.ª Contrariamente ao que decorre da motivação expendida pelos serviços de inspeção tributária, o acordo celebrado entre os membros do ACE e a S........... insere-se no quadro jurídico de uma redução de participação e não, como sugere o relatório final de inspeção (cf. doc. n.º 3 da p.i.), ao abrigo das regras de exclusão de um membro previstas no artigo 23.º do Estatuto, pelo que não poderá proceder o entendimento pugnado pela administração tributária, de acordo com o qual cabia ao Agrupamento o pagamento dos valores em causa, uma vez que tais valores foram fixados por acordo entre os membros e não por aplicação estrita dos estatutos do ACE;
48.ª Acresce que, certo é que, atentando-se na natureza da operação subjacente, é possível verificar que a figura jurídica que melhor espelha o negócio celebrado entre a Impugnante e a S........... é o instituto da cessão da posição contratual, pelo que a compensação em causa não mais traduz, juridicamente, que um preço;
49.ª Preço esse cujo pagamento incumbe, como não poderia deixar de ser, ao cessionário enquanto adquirente da participação social, que não o ACE;
50.ª E nem sequer se invoque, como fazem os serviços da inspeção tributária, em resposta aos argumentos invocados pela ora Impugnante em sede de exercício do direito de audição (cf. ponto 8.2 do mencionado doc. n.º 3 da p.i.), que o artigo 22.º impunha que fosse o ACE a negociar e pagar diretamente a redução da participação;
51.ª De facto, de acordo com a redação do mencionado preceito dos Estatutos é possível verificar que tal obrigação não se encontra consagrada, dispondo-se apenas que a redução seja deliberada em assembleia geral e que o valor da participação seja determinado nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 23.º, o que se verificou;
52.ª Acresce que tal obrigação nunca poderia estar consagrada na lei, designadamente porque um e outro preceito regulam situações bem distintas: num caso, uma mera substituição de membros na titularidade das participações; noutro caso, a liquidação dessas mesmas participações;
53.ª O tratamento contabilístico a conferir ao negócio em questão não impedia o reconhecimento do efeito fiscal aproveitado pela Impugnante e ora desconsiderado;
54.ª É certo que o encargo em questão não consubstancia, efetivamente, um imobilizado sujeito a depreciação, mas nem por isso a Impugnante devia ter adotado a contabilização propugnada pelos serviços de inspeção tributária;
55.ª Em primeiro lugar, verifica-se que, à data da relevação fiscal da verba em causa, ainda não tinha sido publicada a citada Directriz Contabilística n.º 24, datada de 16.12.1998;
56.ª Em segundo lugar, porque, conforme decorre da referida Directriz, as realidades que devem ser objeto de contabilização na rubrica de investimentos financeiros são as contribuições das agrupadas para o ACE e o custo incorrido pela Impugnante não se destinou ao ressarcimento das contribuições financeiras realizadas pela S..........., uma vez que estas se encontravam em mora, mas configurou, isso sim, uma aquisição do direito à perceção de lucros futuros, deduzido do valor das contribuições não pagas que, uma vez assumida a posição contratual daquela entidade, teria de suportar;
57.ª Assim, o valor da compensação paga à S........... deverá consubstanciar um custo diferido, a ser imputado à medida que forem reconhecidos os proveitos associados, nos termos gerais previstos no artigo 18.º do Código do IRC em vigor à data dos factos;
58.ª Pelo que, atendendo ao ritmo do apuramento do resultado das obras estimado no termo do exercício, ainda que tivesse sido esta a contabilização adotada pela Impugnante, sempre determinaria um idêntico resultado fiscal ao que resultou da sua amortização a título de imobilizado incorpóreo;
59.ª Nestes termos, deverá concluir-se que bem andou a Impugnante, em termos fiscais, ao imputar em cada exercício a proporção do encargo correspondente aos proveitos nele realizados em função daquela operação;
60.ª Por fim, ainda que não se considere procedente a argumentação supra – o que apenas por mera cautela de patrocínio se expõe, sem, contudo, conceder –, e se entenda, em concordância com a posição dos serviços de inspeção tributária, que o encargo em causa deveria ter sido relevado contabilisticamente na conta 416 (“Investimentos Financeiros”), nos moldes preconizados pela Directriz Contabilística nº 24/98, cumpre, ainda assim, referir que tal deveria forçosamente conduzir à correção do resultado fiscal da Impugnante no exercício da liquidação do ACE na proporção da perda contabilística que esta deixou de reconhecer em virtude de não ter refletido no seu ativo o valor correspondente ao aumento da sua participação no agrupamento;
61.ª Razão pela qual, em face de todo o exposto, deve julgar-se procedente o recurso e determinar-se a revogação da sentença recorrida e a procedência da impugnação judicial apresentada.


Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, na parte ora objeto de recurso e, nessa medida, a anulação do ato em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!»

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Não foram apresentadas contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da procedência do recurso quanto à suscitada insuficiência da matéria de facto levada ao probatório.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
As questões a decidir, nesta sede recursória, são as seguintes:
(i) nulidade da sentença por falta fundamentação de facto e ausência de exame crítico da prova;
(ii) ampliação da matéria de facto;
(iii) erro de julgamento por errada interpretação e aplicação do direito.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«1 - Em 16.06.2001, a Adm. Fiscal procedeu á liquidação adicional de IRC do exercício de 1996 do impugnante, com o nº ............., na sequência de uma acção inspectiva, do qual resultou determinadas correcções ao lucro tributável por si declarado na respectiva D.P. Modelo 22, tendo-se determinado um apuramento de um prejuízo fiscal no montante de € 3 778.670,67.- cfr Doc. Cobrança de IRC, de fls 26, D.P M.22, de fls 28 a 30, e Oficio e Despacho aposto sobre o Relatório da I.T. de fls 32 a 34, dos autos.
2 - O valor de € 719.056,49 de correcções técnicas efectuadas pela I.T. dizem respeito, entre outras, ao acréscimo de € 342.592,07 respeitante a encargos não documentados relativo a uma anulação de proveitos por contrapartida de uma conta de acréscimo de proveitos, assim como a não aceitação de amortização de imobilizações incorpóreas no valor de € 58.183,86, relativa á compensação da empresa “S...........”, enquanto participante no Agrupamento Complementar de Empresas designada por “M...........”, por efeito da redução da respectiva participação e sua assunção pela “S..............., S.A.”, por se entender que a mesma resultaria numa obrigação directa do agrupamento e não da participante e em razão da falta de comprovação do custo do exercício. – cfr relatório da I.T. de fls 34 a 209, dos autos.
3 - Do acto de liquidação do imposto referido em 1) supra, foi apresentada reclamação graciosa em 26.10.2001, a qual mereceu decisão de indeferimento quanto ás correcções referidas em 2), conforme despacho proferido pelo D.F.Adjunto da D.J.A. da D.D.F. de Lisboa, de 03.07.2007. – cfr requerimento de fls 211 e segs, e Oficio e Despacho paosto sobre Parecer e Informação dos serviços, de fls 233 a 236, dos autos.
X

Factos Não Provados
Dos factos com interesse para a decisão da causa e constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita, designadamente como foi determinada a redução da conta de proveitos e correspondente justificativo documental e contabilístico da efectivação da receita realizada no exercício, assim como a demonstração da compensação por si efectuada em razão da redução da participação da sociedade “S...........” no ACE “M...........” e inerente redistribuição da participação a seu favor.

X
Motivação da decisão de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sendo que, por um lado, a anulação de proveitos e o registo de acréscimos no exercício pressupunham a apresentação dos contratos celebrados, da facturação emitida por obra de carácter plurianual durante o período de vigência do mesmo, do seu reflexo contabilístico nas contas de terceiros e de existências o que não foi demonstrado e, por outro, não se apurou que a dita compensação pela redução da participação se efectivou e em que termos e qual o seu resultado na respectiva participação da Impte no agrupamento.».

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B. DO DIREITO

Da nulidade da sentença

No seu recurso a recorrente invoca a existência da nulidade da sentença sob recurso por falta de fundamentação de facto decorrente da ausência de apreciação crítica das provas, isto porque « (…) o Tribunal a quo não faz qualquer menção aos documentos que foram apresentados pela Recorrente para a prova daqueles factos» [Conclusão 5.ª], concluindo que « que não é possível aferir se o Tribunal pura e simplesmente considerou que os factos alegados não foram provados ou se nem sequer chegou a formular um juízo probatório sobre os mesmos, o que viola o dever de fundamentação das decisões judiciais;» [Conclusão 6.ª].

Como sabemos, o artigo 607.º, nº 4, do CPC estabelece que: «Na fundamentação da sentença. O juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando o demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção».

No processo judicial tributário, o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT.

De harmonia com o disposto no artigo 615.º do nº1 alínea b) do CPC, « É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direitos que justifiquem a decisão».

Esta exigência legal de fundamentação da matéria de facto provada e não provada respeita à possibilidade de controlo da decisão do julgador, a viabilizar a exigível sindicabilidade da decisão e a reforçar a sua compreensibilidade pelos destinatários directos e da comunidade em geral, como elemento de relevo para a sua aceitação e legitimação. No fundo, na necessidade de pormenorizar o processo lógico, racional e esclarecedor, por parte do julgador, que o levou a determinada solução, por forma a tornar a sua decisão controlável.

Mais detidamente sobre o “exame crítico” das provas, disse o Supremo Tribunal de Justiça: «O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos de credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pela ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção». (Acórdão de 16.02.2005, proferido no processo n.º 05P662, disponível no endereço http://www.dgsi.pt/).

Todavia, constitui jurisprudência reiterada e constante do Supremo Tribunal Administrativo que apenas a “absoluta” falta de fundamentação, e não também a fundamentação medíocre, insuficiente, incongruente ou contraditória é geradora de nulidade da decisão, sendo que aqueles outros vícios poderão afectar o seu valor doutrinal, sujeitando-a ao risco de ser revogada no recurso, mas não determinando a respectiva nulidade. (Acórdão de 15.06.2016, proferido no processo n.º 0256/16, e demais jurisprudência nele citada, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que a decisão da matéria de facto compreendida na sentença recorrida, para além de elencar os factos não provados (como foi determinada a redução da conta de proveitos e correspondente justificativo documental e contabilístico da efectivação da receita realizada no exercício, assim como a demonstração da compensação por si efectuada em razão da redução da participação da sociedade “S...........” no ACE “M...........” e inerente redistribuição da participação a seu favor», consignou que « A decisão da matéria de facto efectuou-se com base exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam».

Afigura-se-nos, assim, que tal fundamentação ou motivação, muito embora possa não ser um exemplo de boa técnica jurídica, todavia, cumpre, a nosso ver, o dever de explicar as razões que levaram a tomar a decisão proferida e serviram de suporte à formação da convicção do Tribunal « a quo».

A recorrente pode, naturalmente, discordar do sentido decisório acolhido na sentença ou até considerar a fundamentação do mesmo insuficiente ou errónea, designadamente no que se refere à fundamentação ou motivação da decisão da matéria de facto, mas não pode sustentar, que a sentença é nula por falta de fundamentação, sendo que, conforme já se salientou, a jurisprudência uniformemente entende que para que exista uma nulidade por falta de fundamentação, é necessário que a mesma seja absoluta, o que não ocorre no caso.

Assim, arredada fica a invocada nulidade.

Da alteração da matéria de facto fixada na 1ª instância

A segunda questão que se coloca a este Tribunal de recurso é a de saber se, como sustenta a recorrente, a sentença padece de insuficiência factual por, desde logo, não ter dado como provado a matéria que indica sob os pontos a., b., c. e d. na Conclusão 12.ª, impondo-se a respectiva ampliação.

No caso, a recorrente cumpriu o ónus consagrado no artigo 640.º, do CPC, no tocante à pretendida ampliação identificada sob os pontos a., b. e c.. E isto porque, identificou os concretos pontos de facto que pretende ver aditados à matéria assente pela 1ª instância referindo os respectivos meios probatórios.

Por isso, e por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, impõe-se o pretendido aditamento, nos seguintes termos:

4 - A Impugnante é uma sociedade que se dedica à atividade de construção, no âmbito da qual realiza essencialmente obras de caráter plurianual nos termos previstos no artigo 19.º do Código do IRC, procedendo ao apuramento dos resultados contabilísticos e fiscais das referidas obras nos termos previstos pela Circular n.º 5/90, da DGCI, e da Diretriz Contabilística n.º 3/91, da CNC (cf. ponto 8.1. do doc. n.º 3 da p.i.);

5 - Com o objetivo de concretizar as mencionadas orientações fiscais e contabilísticas, no que respeita aos resultados imputáveis à empreitada de construção da linha D do Metropolitano de Lisboa (Linha Colégio Militar/ Luz-Pontinha), a Impugnante procedeu, no final do exercício de 1995, ao apuramento dos trabalhos já realizados na referida obra e não faturados ao respetivo dono até à data do fecho das contas, tendo determinado um acréscimo de proveitos a refletir na Conta 27.1 no montante de € 34.341,77 (cf. Anexos n.ºs 1, 2 e 3 juntos como doc. n.º 3 com o direito de audição prévia que integra o relatório final de inspeção junto como doc. n.º 3 da p.i.);

6 - Assim, ao invés de saldar a conta de acréscimos e diferimentos por contrapartida das respetivas rubricas de clientes, optou por anular os registos efetuados no exercício anterior, com vista à especialização (débito da conta 72 por contrapartida do crédito da conta 27), reconhecendo, de seguida, o proveito da faturação pelo valor efetivo (cf. Anexo 4 junto como doc. n.º 3 com o direito de audição prévia que integra o relatório final de inspeção junto como doc. n.º 3 da p.i.).

Relativamente à matéria enunciada no ponto c. não indica a recorrente o meio probatório que o suporta, e, ainda assim não vislumbra este Tribunal a relevância doa pretendida ampliação para a decisão de direito a proferir, por isso, revelando-se a ampliação dispensável à mesma se não procederá.

Termos em que procede parcialmente este fundamento do recurso, justificando-se, por isso, a ampliação da matéria de facto, apenas, nos termos supra referidos.

Do mérito do recurso

Os Serviços de Inspecção consideraram como despesa não documentada para efeitos do artigo 4.º do DL n.º 192/90, de 9 de Junho, a verba que a recorrente havia contabilizado a débito da conta 72 Prestações de Serviços e a crédito da 271- Acréscimos de proveitos no montante de 68.683.544$00.

A sentença sob recurso manteve a correcção por considerar não estar demonstrado que o conhecimento ou quantificação só se tornou possível determinar no exercício posterior.

Adiantando razões, dir-se-á que assiste razão à recorrente.

Senão vejamos.

No âmbito do procedimento de inspecção a recorrente apresentou, como aliás, se extrai do Relatório de Inspecção, o extracto contabilístico e os documentos elaborados com vista à determinação dos valores a especializar em 31.12.1995 (Anexso n.º 1, 2 e 3).

Ora, tais elementos ainda que possam ser considerados insuficientes, não permitem a conclusão de que estamos em presença de encargos, contabilizados como custos, sem suporte documental, e como tal sujeitos a tributação autónoma.

Com efeito, « (…) a circunstância de havermos assentado que estas despesas se devem qualificar como indevidamente e não como totalmente não documentadas, somente podendo cair no âmbito de aplicação do art. 4.º do DL. 192/90 de 9.6. as “despesas confidenciais ou não documentadas”, na medida em que, aqui, estamos na presença de despesas suportadas por documentação insuficiente, não ocorre fundamento (“despesas não documentadas”) para as sujeitar, além da não relevação como custos fiscais, a tributação autónoma”.» (Tribunal Central Administrativo Norte de 12.04.2007, proferido no processo n.º 00297/04, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

De resto, como bem adiantou a recorrente, nem se vislumbra, « (…) que outros elementos poderiam ter sido disponibilizados de modo a comprovar o movimento contabilístico em apreço. Efetivamente, o que os serviços de inspeção tributária eventualmente pretenderiam era que tivessem sido apresentados documentos externos, mas não é esta a regra para o encargo se considerar documentado para efeitos fiscais, nem tal seria possível à luz da operação que foi efetivamente realizada.».

Acresce que, ainda que a recorrente tivesse adoptado o procedimento definido pela Administração Tributária e seguindo pelo Tribunal «a quo» o saldo contabilístico e financeiro seria o mesmo, já que a anulação de proveitos traduz-se na contrapartida do reconhecimento de dois proveitos concorrentes para a formação do lucro tributável.

A Administração Tributária desconsiderou, ainda, a verba inscrita na factura n.º FF066002, emitida em 27.07.96, pela S........... à recorrente por entender que « Nos termos da alínea d) do artigo 23.º dos estatutos da ACE, quando um membro é exonerado e o valor da sua participação for positivo, o pagamento apenas terá lugar quando a tesourara de agrupamento apresentar excedentes, ou em último caso na data da liquidação do Agrupamento. Daqui se conclui a liquidação à S........... é uma obrigação directa do agrupamento e não das agrupadas (…) pelo que a sua contabilização não deveria ter sido feita na S…… mas no M............ A factura deveria ter sido emitida pela S........... ao M……….., como está definido nos estatutos.».

Importa, desde já, deixar claro que na sequência da pronúncia proferida pela recorrente em sede do exercício do direito de audição, sobre o projecto de Relatório de Inspecção, a Administração Tributária, e apesar de ter mencionado o artigo 22.º do Estatuto da ACE, veio a decidir: «Atendendo ao referido no projecto de conclusões do relatório e à resposta do contribuinte mantêm-se todos os factos que levaram à presente correcção, pelo que a mesma será de manter.».

Ora, aquela referência levou o Tribunal «a quo» a produzir toda uma fundamentação em torno da aplicabilidade do artigo 22.º do Estatuto da ACE, que tal como consta do Relatório de Inspecção não serviu de suporte à correcção sindicada.

Nesta conformidade a qualificação mais correta é a de considerar que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento visto que apreciou a correcção como se a mesma se mostrasse ancorada no citado argo 22.º do Estatuto da ACE.

E, não se diga que ambos os normativos regulam a mesma idêntica realidade jurídica, porque não regulam.

Na verdade, o artigo 23.º do Estatuto da ACE, sob a epígrafe «Exoneração e exclusão de membros» regulamenta a forma como deve ser apurado e pago o valor da participação do membro exonerado ou excluído, enquanto que o artigo 22.º, do mesmo diploma, regula a forma da efetivação da redução de participações dos membros.

Posto isto, e se atendermos ao descritivo da factura questionada, onde se lê: «Parte (55%) DA COMPENSAÇÃO POR V.EXAS ASSUMIDA REFERENTE A REDUÇAO DA PARTICIPAÇAO DA S........... NA M........... - C................, ACE, CONFORME ACORDO ESTABELECIDO NA REUNIÃO DE AGRUPAMENTO REALIZADA EM 27.06.1996.», está bem de ver, que estamos perante uma compensação paga pela recorrente à S........... pela redução da participação desta última no ACE M............

Sendo assim, a operação realizada insere-se num quadro de uma redução de participação prevista no artigo 22.º do Estatuto do ACE e não no quadro de uma exoneração ou exclusão de membros, como entendeu a Administração Tributária.

Depois, como bem refere a recorrente à data da relevação fiscal da verba em causa, ainda não tinha sido publicada a Directriz Contabilística n.º 24, datada de 16.12.1998, donde não poderia ser invocada pela Administração Tributária para sustentar a legalidade da sua actuação.

Consequentemente, procedem todas as conclusões de recurso, sendo de revogar a sentença recorrida.

IV. CONCLUSÕES

I.Apenas a ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais.
II.«Despesas não documentadas» são aquelas que não têm qualquer suporte documental a nível contabilístico.
III.Está vedado ao Tribunal valorar razões de facto e de direito que não constam da fundamentação do acto sindicado.


V.DECISÃO
Termos em que acordam os juízes da 1.ª Subsecção deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso e, em consequência revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial.

Custas a cargo da Recorrida.


Lisboa, 4 de Junho de 2020.

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]