Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04115/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/01/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IRC.
ERRADA QUANTIFICAÇÃO.
PROVA.
Sumário:Doutrina que dimana da decisão:
1. A fundada dúvida prevista na norma do art.º 100.º do CPPT, fundamento de anulação do acto de liquidação, não pode ter lugar no caso de quantificação da matéria tributável operada por métodos indirectos, caso em que cabe ao contribuinte fazer a prova do erro ou excesso dessa quantificação sob pena de a causa ser decidida contra si;
2. Não tendo a impugnante vindo fazer qualquer prova da desadequação do critério utilizado pela AT para a determinação da quantificação da matéria tributável alcançada e nem que esta possa padecer de qualquer erro ou excesso, não pode a mesma deixar de se manter.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa - 3.ª Unidade Orgânica - que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A...– Actividades Hoteleiras, Lda, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I - Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por A...- Actividades Hoteleiras, Lda. contra as liquidações de IRC nºs 8310000266 e 8310001269, dos anos de 2000 e 2001.
II - No âmbito do recurso interposto pela Impugnante da decisão de improcedência total da presente Impugnação proferida em 28-09-2007, decidiu o TCA Sul, no acórdão de 11-11-2008 que, "(:..) a contabilidade da recorrente padece de vícios organizativos que, para além de afectarem, necessariamente, a sua credibilidade, destruindo qualquer presunção de veracidade de que poderia por princípio, gozar à luz da sua organização formal, induzem uma natural incapacidade de apuramento da matéria tributável de forma directa e exacta(...)";
III - Assim, e como se refere na sentença ora recorrida, decidiu o TCA no acórdão de 11-11-2008 que se encontravam verificados os pressupostos para aplicação de métodos indirectos, não obstante entender o douto tribunal que apesar do ónus de prova que recai sobre a impugnante deveria ser-lhe dada possibilidade de contraditar a quantificação operada mediante a audição das testemunhas arroladas, bem como, deveria o tribunal ordenar outros meios de prova, no âmbito do princípio da livre investigação e do inquisitório.
IV - Ora, tal sugestão não foi seguida pela meritíssima juíza "a quo” a qual se limitou à produção de prova testemunhal, não tendo a mesma ordenado qualquer meio de prova complementar, sendo que, com o devido respeito, a prova testemunhal produzida não foi suficiente para contraditar a quantificação efectuada pela Administração Fiscal.
V - Discorda-se da fundamentação adoptada na douta sentença quando a mesma refere que "No relatório não vem explicado, nem é compreensível, porque razão a AT desvaloriza os dados declarados inicialmente pela Impugnante”, ou quando se afirma que (...). Por outro lado, não é aceitável, nem
compreensível, que a AT, apesar de afirmar que a contabilidade está regularmente organizada acabe por a desvalorizar para, sem explicação que o justifique, valorizar os dados que não sendo os constantes da contabilidade, foram disponibilizados (...) a uma entidade terceira (...)”, para concluir que a quantificação da matéria da matéria tributável foi excessiva e desajustada.
VI - Com efeito, tal como já decidido por esse douto TCA Sul no recurso interposto pela Impugnante, decisão, aliás, objecto de análise por parte da meritíssima juíza "a quo” a contabilidade da Impugnante padece de vícios que afectam a sua credibilidade e impedem o apuramento directo e exacto da matéria tributável, sendo por esta razão absolutamente necessária a adopção do método indirecto de tributação.
VII - Por outro lado, considerou a meritíssima juíza que os dados fornecidos não merecem qualquer credibilidade, fundamentando tal conclusão nos conflitos existentes entre os sócios e concluindo que os valores declarados em 2002 por B...ao Centro Comercial L...resultam de um comportamento de retaliação.
VIII - Ora, efectivamente resulta do depoimento das testemunhas que existam discussões entre os sócios, não obstante tal não é suficiente para se concluir que os montantes declarados pelo sócio B...não merecem qualquer credibilidade.
IX - É que mesmo admitindo a existência de retaliação, o que não se comprova autos de forma cabal, tanto mais que se trata de motivações pessoais e por isso de difícil prova, pode questionar-se se justificava tal atitude por parte do sócio B...tanto mais que as consequências do seu acto teriam reflexos ao nível dos resultados empresariais, designadamente, com o aumento de custos para a empresa da qual o mesmo era sócio e da qual esperaria, decerto, obter lucro.
­X - Errou a douta sentença quando dá por assente o facto de a renda aumentar com o aumento da facturação, baseada unicamente nos depoimento das testemunhas, sem que tal facto tenha sido comprovado, designadamente, com a junção dos contratos de arrendamento onde tal percentagem de aumento estivesse estipulada.
XI - E também não se pode concordar com o facto dado como provado no ponto 25 da douta sentença quando menciona que não resultam dos relatórios de auditoria efectuados pela L...a indicação de anomalias ou irregularidades, quando é expressamente referido num dos relatórios que só são entregues recibos aos clientes guando solicitados.
XII - Quanto à posição do perito independente, à qual aderiu a meritíssima juíza "a quo”, considerou este a existência de uma dúvida razoável sobre a veracidade dos principais documentos considerados para efeitos de revisão da matéria tributável.
XIII - Não obstante, mostrando-se verificados os pressupostos para recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabia à Impugnante a ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, nos termos do artigo 74º, nº 3 da LGT, e a existir dúvida a mesma não se pode dar como fundada pois resulta do incumprimento do dever de cooperação da impugnante para com a AF, sendo contra si decidida, nos termos do disposto no artigo 100º, nº 2 e 3 do CPPT, interpretação, aliás vertida no douto Acórdão desse TCA de 11-11-2008.
XIV - Errou a douta sentença ao considerar que a impugnante foi capaz de demonstrar o excesso na quantificação, quando esta se limita, quer na fundamentação da p.i. quer nas alegações escritas, a proferir considerações genéricas e inconclusivas, escudando-se na veracidade da contabilidade, a qual não merece credibilidade.
XV - Assim, os factos constantes do probatório da sentença recorrida, não são suficientes para pôr em causa a fixação da matéria tributável efectuada pela AT, sendo que, não logrando a impugnante provar tal factualidade, a decisão da impugnação terá que lhe ser desfavorável.
XVI - E no que respeita aos critérios de quantificação, designadamente na adopção dos valores declarados à Vasco da Gama, não se tendo provado que tais valores são falsos não está a AF impedida de a eles recorrer, atento o carácter exemplificativo do nº 1 do artigo 90° da LGT, mostrando-se o método escolhido fundamentado em factos concretos, designadamente os dados declarados pelo sócio-­gerente, actuando a AF dentro dos limites da lei que lhe permite a escolha do método que considera mais adequado à determinação da matéria tributável, pelo que errou a douta sentença ao considerar que os dados em que assenta a quantificação não são merecedores de qualquer credibilidade.
XVII - Sendo que cabia à impugnante, perante a impossibilidade de recurso à sua contabilidade, demonstrar cabalmente o montante exacto da matéria tributável, o que não logrou fazer.
XVIII - É que perante a existência de pressupostos para a aplicação de métodos indirectos, incumbe à impugnante um exigente ónus probatório para colocar em crise a quantificação efectuada, dado ter sido exclusivamente a impugnante a dar azo à aplicação de tal método indirecto.
XIX - Com efeito, a douta sentença incorre em errada apreciação e valoração dos factos, proferindo, consequentemente, errada decisão de direito, nomeadamente, violando o disposto nos artigos 100º do CPPT, e 74º, nº3 da LGT.
XX - Por tudo quanto supra se expôs, não pode considerar-se que existe, "in casu”, excesso na quantificação, devendo a douta sentença ser revogada e substituída por outra que considere legal a quantificação efectuada e julgue improcedente a impugnação judicial deduzida.
XXI - A manter-se na ordem jurídica, a douta sentença ora recorrida revela uma inadequada interpretação e aplicação do disposto no artigo 100°, nº2 e nº 3 do CPPT, e dos artigos 74º, nº3 e 90º da LGT.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser reconhecida a legalidade da quantificação efectuada e revogada a douta sentença que determinou a anulação dos actos tributários impugnados.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


Também a recorrida veio a apresentar as suas conclusões e nestas as respectivas conclusões, as quais igualmente na íntegra se reproduzem:


I - Assiste razão à ora Recorrida, conforme julgou a Douta Sentença Recorrida, pelo que:
II - Os termos em que a AF procedeu à quantificação da matéria colectável e à correspondente fixação do imposto devido, são amplamente censuráveis por ilegais.
III - Poderia a AF ter utilizado vários elementos para a determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos.
IV - No entanto, serviu-se, na vertente da determinação do valor da prestação de serviços presumida, exclusiva e integralmente dos valores que, a tal título, foram declarados pelo outro sócio da ora Recorrida, o Senhor H..., à administração do Centro Comercial Vasco da Gama.
V - Valores estes que, para além de não merecerem qualquer credibilidade, são totalmente desfasados da realidade que visam reconstruir.
VI - A atitude do Senhor B...mais não traduz do que uma situação de retaliação e portanto de ruptura das relações entre os sócios.
VII - Os valores, como resultou provado, foram falseados com o puro intuito de prejudicar a ora Recorrida.
VIII - A atitude do Senhor B...não pode pois sustentar uma credibilização de "olhos fechados" das declarações do seu autor,
IX - Motivo pelo qual, não poderia a AF delas fazer uso exclusivo.
X - Na realidade, face à dúvida fundada quanto à veracidade do conteúdo dos elementos fornecidos pela administração do Centro Comercial Vasco da Gama, a AF não deveria destes documentos ter feito uso exclusivo na determinação da matéria colectável e imposto fixado à ora Recorrida.
XI - No entanto, a AF apenas e tão-somente se socorreu do volume de vendas das pretensas prestações de serviços fornecidos pela administração do Centro Comercial L...para dai extrapolar a situação da ora Recorrida.
XII - Da aplicação dos critérios de quantificação da matéria tributável escolhidos pela AF, atingem-se os seguintes rácios de rentabilidade fiscal: para o exercício de 1999, de 5,95; para o exercício de 2000, de 18,02; E, para o exercício de 2001, de 12,97.
XIII - Para o Código de Actividades Económicas da ora Recorrida o rácio de rentabilidade fiscal foi fixado em 1,43.
XIV - Mesmo aceitando, por mera hipótese de raciocínio, que desde 1996 tenha havido um aumento desse rácio, jamais seriam atingidos os valores que, segundo os cálculos da AF, a Recorrida obteve como rentabilidade fiscal.
XV - A falsidade dos sobreditos valores declarados à administração do Centro Comercial L...pelo Senhor B...e a sua absoluta inaplicabilidade resulta sobejamente patente com o absurdo dos resultados alcançados pela AF que são manifestamente excessivos e desproporcionados.
XVI - A AF limita-se a elencar uma série de considerandos, muitos deles falsos, como resulta provado, e outros absolutamente irrelevantes, mas todos, isolada ou conjuntamente, insusceptíveis de justificar ou sequer constituir um início de fundamento para a forma como a AF determinou a matéria colectável e, por consequência, o lucro tributável da ora Recorrida.
XVII - Tendo sido pois cabalmente provada a manifesta falta de razoabilidade e ilegalidade do critério utilizado e da matéria colectável fixada.
XVIII - Entende pois a ora Recorrida que foi efectivamente feita prova positiva no Tribunal a quo sobre a de erro na quantificação da matéria tributável, tendo esta sido suficiente para contraditar a quantificação efectuada pela AF.
XIX - Excesso de quantificação que, como resulta igualmente de toda a prova produzida, consubstanciou a violação das disposições legais aplicáveis ao caso sub judice.
XX - A Douta Sentença Recorrida fez assim correcta aplicação do Direito ao caso sub judice, pelo que não merece reforma.

Termos em que, sempre com o Mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes do Tribunal Central Administrativo Sul, deverá o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência, ser mantida in totum a Douta Sentença Recorrida.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, com a procedência da matéria das conclusões da alegações da recorrente, com excepção da vertida na sua conclusão X, sendo que a matéria constante no ponto 24 do probatório não se encontra de acordo com a realidade donde promana, por nas auditorias efectuadas pelo L...não ter sido demonstrada qualquer irregularidade, quando o que delas consta é que elas foram detectadas, e a eventual dúvida da quantificação apurada pela AT não aproveitar à ora recorrida, já que esta, legalmente, se encontra onerada com o ónus probatório dessa prova.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir consiste em saber se ocorre excesso na quantificação apurada pelos métodos indirectos nos exercícios em causa, ou se o critério utilizado, em si, se revela errado ou inapto para esse fim.



3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
1 - A impugnante desenvolve a sua actividade na área da restauração, actividades hoteleiras e similares;
2 - A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva por parte da AT relativamente aos elementos contabilísticos respeitantes ao IRC dos anos de 2000 e 2001, no termo da qual foi produzido o relatório de fls. 15 a 35 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3 - A impugnante foi notificada do relatório de inspecção tributária com o projecto de conclusões da acção inspectiva para exercer o direito de audição prévia, optando por não o exercer;
4 - A impugnante requereu a revisão da matéria tributável em sede de Comissão de Revisão;
5 - A impugnante foi notificada pela AT das liquidações adicionais respeitantes ao IRC dos anos de 2000 e 2001, no montante de € 32.106,05 e de € 23. 433,09, respectivamente;

b) os fixados, por aditamento, no acórdão de 11/11/2008, ao abrigo do disposto no artigo 712°, n° 1 do CPC:
6 - No relatório da acção inspectiva diz-se, no ponto V., referente aos critérios de cálculo dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos, o seguinte: «4. Pelos factos expostos, estando em causa os valores declarados pelo sujeito passivo, nomeadamente os proveitos, e os custos, vamos apurar o resultado líquido, partindo dos seguintes pressupostos: a) Prestações de Serviços declaradas à C... Gest são exactamente iguais às Prestações de Serviços Presumidas; (...)»;
7 - No procedimento de revisão interveio, ainda e para além dos peritos da AF e do contribuinte, um outro independente;
8 - No que concerne à quantificação da matéria colectável aqui em questão, o laudo do perito da F. Pública é do seguinte teor: «5. Por outro lado, o Perito da Fazenda Pública entende que, para reconstituição da matéria tributável os Serviços de Inspecção consideraram, para cálculo das prestações de serviços presumidas, os dados obtidos através de controlo cruzado com uma entidade com quem o sujeito passivo tem relações económicas (C... Gest). Este indicador vem enumerado na alínea d) do n.º 1 do art. 90.º da L.G.T. Em face do exposto, e uma vez que o perito do sujeito passivo não apresentou, no decurso desta reunião, elementos que permitam legitimar a alteração dos valores propostos, nem demonstrou que os resultados efectivamente obtidos são inferiores aos fixados, serão de manter os mesmos valores com referência aos exercícios de 1999, 2000 e 2001 relativamente a IRC e IVA.» - cfr. fls. 43 dos autos;
9 - O perito da recorrente, por seu lado, sustentou, além do mais, a sua discordância com os critérios de quantificação da matéria tributável, considerando, ao que aqui importa, que as margens imputadas pela AT ao negócio da recorrente «(...) são manifesta e indelevelmente superiores àquelas que o sector tem», por serem «(...) perfeitamente desproporcionados, por exagerados, à realidade económica do sujeito passivo (...) mesmo quando comparada com aquela que se apura relativamente a todas as entidades inseridas no mesmo sector de actividade em que se encontra a contribuinte.» - cfr. fls. 45 e 46 dos autos;
10 - O perito independente, por seu turno, e com suporte no debate resultante da reunião entre peritos e nos documentos que consubstanciam o requerimento de pedido de revisão e relatório da acção inspectiva, lavrou, ao que aqui releva, laudo do seguinte teor: «(...) tendo em conta que: - considera existir uma dúvida razoável sobre a veracidade dos principais documentos considerados para efeitos da revisão e que determinaram o apuramento da matéria colectável de IRC e IVA corrigido, ou seja, sobre os talões de venda correspondentes à facturação do contribuinte e entregues por
um dos sócios ao Centro Comercial Vasco da Gama, uma vez que tais talões, os que foram exibidos, têm todos a mesma data embora respeitem a períodos diferentes; - não foram exibidos outros talões que pudessem ser confrontados com os exibidos na reunião; - tecnicamente parece ser muito discutível a aceitação dos talões como «bons» para efeitos de revisão; - parece que poderia ter sido aprofundada a análise para efeitos de revisão utilizando outros pressupostos (p. ex: confronto de facturas de fornecedores); - parece credível o argumento do contribuinte relativamente aos níveis de facturação que resultam da revisão e, como tal, da margem do negócio, sobretudo se se tiver em conta diversos parâmetros como a dimensão do estabelecimento, o mercado, o pessoal ao serviço e outros; - o facto de existirem processos interpostos pelo contribuinte contra o seu sócio que parecem indiciar alegadas atitudes por parte deste último no sentido de prejudicar o outro sócio com o qual entrou em conflito e que só com a resolução judicial serão completamente esclarecidos mas que, em todo o caso, contribuem para a existência de uma dúvida razoável sobre a realidade dos talões, conforme anteriormente referido; - ao perito independente parece que poderiam ter sido aplicados outros
parâmetros ou elementos, conforme previsto no Art. 90.º do CPT, que confrontados com os utilizados poderiam contribuir para um melhor e mais razoável valor da matéria colectável, sendo que, nestes termos, é de opinião desfavorável à revisão e, como tal, conforme ao perito do contribuinte.» - cfr. fl. 48 dos autos.

c) os que resultam da produção da prova adicional:
11 - A impugnante exerce a sua actividade através de estabelecimento sito no Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa (relatório de fiscalização junto aos autos a fls. 15
a 34, do qual fazem parte 20 anexos, juntos a fls. 84 a 222 do PAT);
12 - De acordo com o citado relatório de inspecção, foram efectuadas correcções com recurso a métodos indirectos, relativamente ao IRC de, além do mais, 2000 e 2001, nos montantes de € 66.306,52 e € 84.907,86, as quais resultaram no lucro tributável corrigido de € 70.702,20 e € 51.172,51, respectivamente (cfr. relatório de fiscalização citado);
13 - A impugnante foi constituída em 1999, com o capital de 5000 Euros, repartido em duas quotas iguais pertencentes a D...e E..., tendo a sua actividade sido iniciada em Abril de 1999 (relatório de fiscalização citado);
14- Em Outubro de 1999, foi efectuada a cessão de quotas a favor de F...e G..., que passaram a ser os únicos sócios e gerentes da sociedade (relatório de fiscalização citado);
15 - Em Agosto de 2001, foi efectuada a cessão de quotas de G...a favor de H..., nomeado gerente a partir daí (relatório de fiscalização citado);
16- A AF constatou, com respeito aos exercícios de 2000 e de 2001, uma divergência entre as prestações de serviços declaradas pela impugnante à Administração Fiscal e as que foram declaradas à administração do Centro Comercial Vasco da Gama, nos valores seguintes (cfr. relatório de inspecção citado, em concreto o anexo 15):
2000 2001
Prest. Serv. Decl. À AF € 263.936,27 € 265.303,56
Prest. Serv. Decl. ao CC. L...€ 392.405,91 € 394.389,74
Diferença € 128.469,64 € 129.086,18
17 - Os valores que a Administração Fiscal tomou em consideração para 2000 e 2001, disponibilizados pela C... Gest - € 392.405,91 e € 394.389,74 – foram fornecidos, em 2002, a esta sociedade, pelo, então, sócio-gerente H..., tendo estes elementos substituído os inicialmente entregues pela impugnante à referida L...(cfr. relatório de inspecção, concretamente a fls. 28 dos autos e depoimento da testemunha, I...);
18 - Os dados fornecidos pelo sócio B...à C... Gest não foram previamente validados pelo técnico oficial de contas da sociedade impugnante (cfr. depoimento do referido TOC, I...);
19 - Os sócios B...e J..., desde muito cedo, em relação à entrada do primeiro na sociedade impugnante, ficaram pessoalmente incompatibilizados, sendo frequentes discussões, insultos e ameaças entre ambos (cfr. depoimento das testemunhas e, bem assim, documento de fls. 235 a 243 dos autos);
20 - Quanto aos critérios de cálculo dos valores corrigidos, e no que respeita aos anos de 2000 e 2001, a inspecção tributária apurou o peso do custo das mercadorias vendidas, dos fornecimentos e serviços externos e das despesas com pessoal, no total dos custos declarados, o que resultou nos seguintes valores percentuais (cfr. relatório de
fiscalização citado):
2000 2001
margem lucro bruto 92% 63%
- % CMV no total dos custos 51,14% 53,40%
- % FSE no total dos custos 18,95% 21,45%
- % C c/pessoal no total dos custos 22,83% 18,23%
21 - De acordo com o relatório, foram, então, consideradas as prestações de serviços declaradas ao Centro Comercial L...(pelo gerente H..., em 2002), tendo sido apuradas novas margens de lucro bruto e o peso das mercadorias vendidas, dos fornecimentos e serviços externos e das despesas com pessoal no total dos proveitos, o que resultou, para os anos de 2000 e 2001, no seguinte (cfr. relatório de fiscalização citado):
2000 2001
- margem lucro bruto 186% 143%
- % CMV no total dos custos 35,01% 41,21%
- % FSE no total dos custos 12,97% 16,56%
- % C c/pessoal no total dos custos 15,63% 14,03%
22- Foi, então, apurado o resultado líquido de 2000 e 2001 partindo do pressuposto que as prestações de serviços declaradas à C... Gest (pelo sócio H...) são iguais às prestações de serviços presumidas - € 392.405,91 e € 394.389,74 -, que os custos com pessoal são iguais a 25,27% das prestações de serviços presumidas (aceitando a margem do exercício de 1999), ou seja, os custos presumidos com pessoal são de € 99.160,97 (2000) e de € 99.662,29 (2001), que o custo das mercadorias vendidas do exercício de 2001 vai ser igual a 41,21% das prestações de serviços presumidas, aceitando-se a margem de 2000, donde resultou o valor de € 161.710,48 (cfr. relatório de fiscalização citado);
22 - Com base nos cálculos e valores referidos no ponto precedente, o lucro tributável presumido para os exercícios de 2000 e de 2001 fixou-se em, respectivamente, € 70.702,30 e € 51.172,51 (cfr. relatório de fiscalização citado);
23 - De acordo com a acta n° 78/03, relativa ao procedimento de revisão, não foi possível obter um acordo entre os peritos, apesar de o perito da impugnante e o perito
independente estarem de acordo na contestação à actuação da AT (cfr. fls. 39 a 48);
24- Entre 10 e 16 de Janeiro de 2000 e entre 28 de Maio e 10 de Junho de 2001, a sociedade C... Gest levou a cabo auditorias à loja da impugnante, concretamente a análise quantitativa ao número de clientes da loja, às compras efectuadas, à facturação e ao valor médio das compras, não resultando dos relatórios a indicação de qualquer anomalia ou irregularidade (cfr. documentos de fls. 245 a 254 dos autos);
25 - A renda paga pela impugnante ao Centro Comercial Vasco da Gama, pelo arrendamento da loja onde a mesma funcionava, era variável em função da facturação obtida pela impugnante, aumentando a renda se aumentasse a facturação (cfr. depoimento das testemunhas ouvidas);
*
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos, não impugnados, que constam dos autos, bem como do depoimento das testemunhas ouvidas, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.
Refira-se que, qualquer das testemunhas ouvidas, mostrou total e directo conhecimento dos factos em relação aos quais foram ouvidas, mostrando-se o seu depoimento credível e esclarecedor na formação da convicção do Tribunal.


4. Na matéria das suas quatro primeiras conclusões do recurso, vem a ora recorrente a insurgir-se com a sentença recorrida, por não ter aceite a sugestão da produção de outras provas que no acórdão proferido por este Tribunal em 11-11-2008, constante de fls 202/212 dos autos, se teria imposto ao M. Juiz do Tribunal “a quo”, no âmbito da anulação da sentença anteriormente proferida, ainda que desse invocado desacatamento não tenha feito extrair quaisquer consequências nessa sentença proferida, desde logo de ordem formal, que como é sabido, a ocorrer, geraria a nulidade absoluta desta como constitui jurisprudência corrente.

Porém, lendo e analisando o citado acórdão proferido por este Tribunal, dele se pode colher que o recurso na parte em que tinha por pressupostos a utilização de metodologia indirecta no apuramento da matéria tributável dos dois exercícios em causa – 2000 e 2001 – “...era certeira a decisão quando considerou que, no caso a AT demonstrou a existência dos exigíveis pressupostos legais para poder (utilizar) o recurso à metodologia indiciária”, (fls 210), já o mesmo não acontecia quanto à invocada errada quantificação em que, além do mais, se escreveu: “(...) crê-se que, apesar do ónus que recai sobre a recorrente (de então, ora recorrida)...existe um conjunto de circunstâncias de factos alegados por ela que contraditam a quantificação operada pela AF, desde logo quanto aos critérios de que se serviu para o efeito, os quais, para além de poderem e deverem ser objecto da produção da prova testemunhal arrolada, não excluem, dentro do referido princípio da livre investigação e do inquisitório, que outra do mesmo tipo se possa produzir ... na medida em que se mostre relevante à indagação da resposta a dar quanto ao acerto da quantificação operada”, tendo a final decidido, “acorda-se em anular a decisão recorrida, baixando os autos ao tribunal recorrido para aí se proceder à produção da prova testemunhal, sem prejuízo de outra que, eventualmente, se revele pertinente...”, desta forma se não tendo fixado, em termos impositivos, a produção de quaisquer outras provas para além da testemunhal, e esta foi prestada, antes tendo em tal acórdão, sido decidido “delegar” no Juiz do Tribunal “a quo” o juízo da pertinência da produção de quaisquer outras tendentes ao mesmo fim, pelo que não pode ter ocorrido o invocado não acatamento do que em tal acórdão nesta matéria se dispunha, improcedendo a matéria das conclusões das citadas alíneas recursivas.


4.1. Na matéria das conclusões X e XI das suas alegações recursivas, vem também a ora recorrente invocar errado julgamento da matéria de facto quanto à contida nos pontos 24 e 25 do probatório fixada na sentença recorrida, pugnando que àquela primeira lhe deva ser dada a redacção conforme constam dos respectivos relatórios efectuados por tal entidade - C... Gest - e não a invocada ausência de anomalia ou irregularidade, e quanto à segunda, que só o depoimento das testemunhas não seria o suficiente meio de prova para aí dar como provada a variabilidade da renda paga ao Centro Comercial Vasco da Gama, errado julgamento sobre a matéria de facto a que a ora recorrente não deu cabal cumprimento ao disposto no art.º 690.º-A do CPC (norma de então e a aplicável), mas que, não obstante, dela se irá conhecer, quer porque dos autos constam todos os elementos de prova a tal atinentes [cfr. art.º 712.º, n.º1, alínea a) do CPC], quer porque, também este Tribunal se encontra vinculado aos princípios do inquisitório e da investigação em ordem a conhecer da verdade dos factos que deles possa conhecer, nos termos do disposto nos art.ºs 99.º da LGT e 13.º do CPPT.

Assim, quanto à matéria extraída das “auditorias” levadas a cabo pela C... Gest, cuja matéria consta no ponto 24 do probatório fixado na sentença recorrida e unicamente por referência às mesmas, a conclusão extraída, que deles não resultou qualquer anomalia ou irregularidade, como bem se pronuncia o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, desinteressam à resolução do presente pleito, enquanto aspectos puramente comerciais da loja, como sejam o atendimento ou a sua iluminação, mas sim os que se prendam com o volume de negócios e o efectivo controlo das vendas e que em tais documentos foram apurados, para ambos os exercícios.

Neste circunspecto é de alterar a redacção de tal ponto 24 do probatório, o qual ficará a ter a seguinte redacção:
24- Entre 10 e 16 de Janeiro de 2000 e entre 28 de Maio e 10 de Junho de 2001, a sociedade C... Gest levou a cabo auditorias à loja da impugnante, concretamente a análise quantitativa ao número de clientes da loja, às compras efectuadas, à facturação e ao valor médio das compras, sendo que no ano de 2000 apurou que só eram passados recibos das compras quando solicitados pelos clientes, e uma facturação média diária de 119.498$ de semana e de 136.837$ aos fins de semana, e no ano de 2001, que são entregues recibos aos clientes, e uma facturação média diária de 169.764$ de semana e de 203.682$ aos fins de semana (na primeira semana auditada) e de 175.081$ e 206.504$, respectivamente, para a segunda semana, tudo valores reportados sem IVA – cfr. documentos de fls 245/254.

Mas o mesmo não acontece quanto à matéria constante no ponto 25 do probatório(1) fixado na sentença recorrida que, como igualmente salienta o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, a variabilidade da renda paga de tal estabelecimento em função da sua facturação, resultava já do respectivo relatório da inspecção, que no seu anexo 15 o fazia constatar, o que de resto a Fazenda Pública aceitou na sua contestação, por remissão para tais elementos – cfr. contestação de fls 71 dos autos – mal se percebendo que agora, no presente recurso, a venha colocar em causa, desta forma improcedendo a pretendida alteração de tal matéria.


4.2. Para julgar procedente a impugnação judicial quanto ao vício de errada quantificação da matéria tributável fixada por métodos indirectos – único fundamento conhecido na sentença recorrida e que nela havia a conhecer – considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que os montantes corrigidos nos dois exercícios de 2000 e de 2001, se fundaram única e exclusivamente, nos montantes declarados por um dos sócios e gerente ao Centro Comercial Vasco da Gama, a que a AT fez deduzir os montantes declarados pela ora recorrida nas respectivas declarações de rendimentos entregues, desta forma, por esta diferença, tendo encontrado os valores das prestações de serviços presumidas, e que não se demonstram que tenham o mínimo de aderência com a realidade, por tal sócio e gerente se ter incompatibilizado com o outro sócio e, à revelia do seu contabilista, ter apresentado tais montantes ao referido Centro Comercial, que por sua vez, igualmente tinha interesse em aceitar tais montantes porque, quanto mais elevados fossem, maior seria a renda a pagar pela ora recorrida.

Para a recorrente Fazenda Pública de acordo com a restante matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra esta fundamentação que se vem a insurgir, por não se encontrar provado que os montantes de prestações de serviços indicados pelo referido sócio e gerente ao Centro Comercial L...não mereçam credibilidade, não se indiciando que a sua indicação o tenha sido por pura retaliação contra o outro sócio e a sociedade e que também, a dúvida no que a tal quantificação diz respeito, a que chegou o perito independente, não ser suficiente para desonerar a ora recorrida da prova do erro ou excesso de quantificação que legalmente lhe cabe.

Vejamos então.
No caso sub judicio, no presente recurso, está em causa apenas o critério ou os critérios com que a Administração Fiscal operou para determinar o lucro tributável tenham gerado um excesso de matéria tributável.
Não se questionam os pressupostos, que se têm por verificados, face ao acórdão já referido e que os julgou por verificados, já que a sentença recorrida, igualmente assim entendeu e decidiu, e nem a ora recorrida vem questionar tal entendimento, na matéria das suas contra-alegações, pelo que a existência dos mesmos se tem por definitivamente assente.

Consoante se deixou registado no probatório, designadamente do seu ponto 6 e segs do mesmo, fixado na sentença recorrida e melhor se colhe dos autos, a Administração Fiscal, para a determinação do lucro tributável dos dois exercícios em causa, operou com os montantes de prestações de serviços comunicados à C... Gest, de igual valor aos que em nome da ora recorrida posteriormente lhe haviam sido comunicados pelo sócio e gerente H..., cujos montantes considerou exactamente como tendo essa expressão numérica, os quais contudo, como se dá conta no mesmo relatório da fiscalização, foram aceites, não só porque os mesmos tenham sido fornecidos a essa entidade e a quem igualmente aproveitavam por com tais montantes mais elevados de prestações de serviços também a renda a pagar pelo locado seria de valor mais elevado – cfr. matéria fixada no ponto 25.º do probatório – mas porque tais valores declarados por esse sócio e gerente apareceram “...apresentados em diskete com a apresentação do talões de caixa da loja. A administração do centro comercial fez os testes necessários (soma dos talões) e aceitou como válidas as prestações de serviços declaradas pelo sócio e gerente Sr H..., reforçando os seus argumentos pelo facto de a partir de Fevereiro de 2002, as vendas declaradas aumentarem aproximando-se dos valores declarados (Sr. H...) e, confirmados pelas várias auditorias realizadas à loja”, sendo que também foi solicitado ao outro gerente Carlos Alberto F. L. Lino da Silva a fotocópia do resumo das vendas para apuramento da MLB, e que este as tendo fornecido à mesma fiscalização, donde foi possível constatar “...serem estas margens superiores às declaradas pelo sujeito passivo nos exercícios de 2000 e de 2001”, como se pode ler do respectivo relatório do exame à escrita, pelo que não se pode concluir como o parece ter sido na sentença recorrida, que a AT tenha utilizado como critério de mensuração do lucro tributável dos exercícios em causa, os montantes declarados puramente e simplesmente pelo sócio e gerente H..., por se encontrar em conflito com o outro sócio e como medida de retaliação contra este, e que a L...os aceitou porque tais valores também a beneficiavam pelo montante da renda mais alta a que teria direito, sem que contudo, os mesmos tivessem qualquer aderência com a realidade.

Pelo contrário, como também se pronuncia o Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, não se indicia que a apresentação de tais montantes de serviços prestados ao L...não mereça qualquer credibilidade e não tenha aderência com a realidade e tenha sido feita por mera retaliação, face à argumentação/fundamentação constante do referido relatório da fiscalização tributária e cuja factualidade não foi infirmada, quando o que se prova é apenas que os dois sócios se encontravam incompatibilizados, sendo que o argumento da retaliação em si, também é falacioso, já que as consequências desse seu acto teriam efeitos ao nível dos resultados empresariais, designadamente com o aumento dos custos para a empresa da qual o mesmo Pedro Soares era sócio e da qual naturalmente, esperaria obter mais lucros, quando com essa sua atitude, iria acontecer precisamente ao contrário.

Também o parecer do Exmo perito independente convocado ao abrigo do disposto no art.º 91.º, n.º4 da LGT, em que, na falta de acordo na comissão de revisão, a lei exige um especial dever de fundamentação da decisão do órgão competente na fixação da matéria tributável ao desconsiderar o seu parecer, já que a lei pretende que haja uma particular ponderação e reflexão sobre a posição assumida por esse perito(2) – cfr. n.ºs 6 e 7 do art.º 92.º da mesma LGT – deixou afixado, “...que considera existir uma dúvida razoável sobre a veracidade dos principais documentos considerados para efeitos de revisão e que determinaram o apuramento da matéria colectável de IRC e IVA corrigido ...”, desta forma parecendo querer referir-se mais à existência de pressupostos para o imposto ser apurado por métodos indirectos, matéria que neste recurso já se não encontra em causa como acima se viu, sendo que quanto à dúvida sobre a errada quantificação quando apurada por métodos indirectos como no caso aconteceu, a mesma não aproveita ao contribuinte, já que nestes casos a dúvida da quantificação é inerente ao próprio processo de apuramento do lucro tributável, sabido que se visa sempre apurar, o mais perto possível, o valor real dos rendimentos ou dos bens sujeitos a tributação, como é próprio da avaliação directa da qual aquela é subsidiária - art.ºs 83.º e 85.º da LGT – o mesmo tem por base quaisquer elementos em poder da AT, quer desse exercício quer de qualquer um outro, só podendo a mesma ter lugar por impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, “medida” através da escrita do contribuinte – cfr. art.ºs 87.º e segs da mesma LGT – antes nestes casos, cabe ao contribuinte o ónus da prova do erro ou excesso na respectiva quantificação, nos termos do disposto nos art.ºs 74.º, n.º3 da LGT e 100.º, n.º3 do CPPT, sob pena de a causa ter de ser decidida contra o mesmo por falta de cumprimento de tal ónus probatório.

Desta forma nada aponta para que o critério utilizado pela AT seja errado ou excessivo, acima referido, já que não se prova que os valores declarados pelo referido sócio e gerente não correspondessem aos montantes dos apuros das prestações dos serviços em causa nesses dois exercícios, desta forma não traduzindo o seu real volume de negócios, desta forma não chegando a colocar em causa sequer, que a quantificação assim operada seja de valor inferior ao considerado e com base na qual, entre outros itens, foi alterado o montante da matéria colectável dos exercícios e se operaram as correspondentes liquidações adicionais.

E, assim, a impugnante e ora recorrida, apesar de contestar o critério que serviu à quantificação administrativa da matéria tributável, não disponibilizou outro ou outros que fossem mais credíveis, por coerentes e adequados à quantificação exacta e justa, propiciando uma certeza (exigível) como meio de prova, revelando-se por isso incapaz de, justificadamente, desonerar-se do ónus da prova que nesta matéria do excesso de quantificação sobre si impendia, em ordem à anulação das liquidações em causa, nos termos do artigo 74.º, n.º3 da LGT e 100.º, n.º3 do CPPT.

Assim, as eventuais dúvidas sobre o lucro tributável no caso são apenas as co-naturais ao próprio método de apuramento de um valor por meio de métodos indiciários, onde o valor encontrado é sempre um valor probabilístico e não um valor absolutamente certo.
Aliás, a impugnante, ora recorrida, só de si pode queixar-se quanto à existência da falada falta de certeza, decorrente do emprego de métodos indirectos para apuramento do lucro tributável - pois que, por falta de credibilidade da sua escrita, é que não foi possível que a liquidação do imposto tivesse sido operada com base no lucro tributável real (declarado).

Quando se coloca o problema de apurar se existiu, ou não, determinado facto tributário, como no caso acontece, há que analisar em pormenor se a administração fiscal fez assentar os pressupostos da sua pretensão segundo juízos de probabilidade, necessariamente elevada, sem exigir uma certeza do facto tributário, resultando a legitimação do uso, pela administração fiscal, dessa mera probabilidade da violação pelo contribuinte de alguns dos seus deveres legais.
Não sendo possível, a maior parte das vezes, ter a certeza sobre a existência do facto tributário, daí não resulta que o contribuinte não seja tributado, pois, para que tal tributação não se verifique, necessário será que aquele alegue e prove factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela Administração para prova da existência do facto tributário ou da sua quantificação(3).
Por outro lado, só releva para a anulação da liquidação do imposto a dúvida legítima ou fundada sobre a existência e quantificação do facto tributário, ou seja, quando aquela dúvida não seja imputável ao impugnante(4).

No caso, face aos elementos antes referidos, carreou a Administração Fiscal para os autos, dados certos e objectivos, que conduzem com um elevado grau de probabilidade, segundo juízos de causalidade usuais e normais no comércio, que nos exercícios em causa obteve aqueles montantes relativos às prestações de serviços e suportou aqueles custos incorridos, extraídos da extrapolação dos montantes de tais prestações e outros elementos contabilizados pela impugnante, critério que, à partida se não vislumbra que esteja errado, afigurando-se-nos antes, como razoável e adequado para o fim em vista.

Na sua petição inicial de impugnação judicial, a ora recorrida, articula alguns factos com a virtualidade de pôr em dúvida aqueles pressupostos em que assentou a liquidação, como acima se disse - cfr. art.ºs 70.º e segs. da mesma petição de impugnação e ora mantém na matéria das suas conclusões XII e segs - designadamente no que aos ratio de rentabilidade diz respeito, pugnando que tendo em 1996 sido tal ratio de 1,43, de acordo com o documento que junta como n.º 7 (fls 58/61 dos autos), não poderia ter tido outros, tão elevados, nesses exercícios.

Ainda que o CAE a que a ora recorrida se subsume seja o 55301, que no ano de 1996 apresentou um ratio de rentabilidade de 1,43, como se pode ver do documento de fls 58/61 (Boletim do Contribuinte) e do relatório do exame à escrita, desde logo deve ser realçado, para além de se reportar a um período de tempo de cinco anos antes, o mesmo “tem por base os elementos declarados pelos contribuintes através da Declaração de Rendimentos mod/22”, desta forma constituindo um número médio de rentabilidade fiscal, que a actividade da ora recorrida passados esses anos, nestes exercícios, poderá superar ou não, para além de que em tal relatório da fiscalização jamais foi quantificado tal ratio com sendo dos apontados valores de 18,0176 e 12,975, para cada um desses exercícios, respectivamente, como a mesma invoca, sendo sempre a mesma a melhor colocada para explicitar e provar a forma como desenvolveu a sua actividade comercial nestes dois exercícios, como legalmente lhe cabia e que não fez, com os documentos juntos e a prova testemunhal arrolada e produzida, pelo que na sua falta a causa não pode deixar de ser decidida contra a mesma.


Improcede assim a impugnação judicial também por este fundamento articulado, sendo de conceder provimento ao recurso e de revogar a sentença recorrida que em sentido contrário decidiu, mantendo-se as liquidações impugnadas.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida, julgando-se a impugnação improcedente também por este fundamento.


Custas pela recorrida em ambas as instâncias.


Lisboa, 01/03/2011

EUGÉNIO SEQUEIRA
ANÍBAL FERRAZ
PEREIRA GAMEIRO




1- Certamente que a ora recorrente ao ver fixada tal matéria de facto apenas por referência aos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, como nele se fez consignar, mas indevidamente, veio desta forma a colocá-la em causa sem ter curado de reler o relatório produzido pela fiscalização tributária.
2- Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 30-11-2010, recurso n.º 512/10.
3- Cfr. neste sentido o acórdão do então Tribunal Tributário de 2.ª Instância de 5.12.95, recurso n.º 63 479.
4- Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão deste Tribunal de 21.12.1999, recurso n.º 2 417/99, de que fomos adjunto.