Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2798/16.5BELSB-S1
Secção:CA
Data do Acordão:01/24/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:INCOMPETÊNCIA MATERIAL
ERRO JUDICIÁRIO COMETIDO POR TRIBUNAIS NÃO INTEGRADOS NA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E FISCAL
ABSOLVIÇÃO PARCIAL DA INSTÂNCIA
Sumário:I - A jurisdição administrativa e fiscal é materialmente incompetente para conhecer de um pedido de indemnização por erro judiciário cometido pelos Tribunais de Loures, da Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça;
II – Se a PI ostenta duas diferentes causas de pedir, uma fundada em erro judiciário cometido por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal e outra por atraso na administração da justiça, deve ser julgada a incompetência material da jurisdição administrativa para conhecer do pedido indemnizatório relativo ao invocado erro judiciário e determinada a absolvição parcial da instância.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO
M.... interpôs recurso da decisão do TAC de Lisboa, que julgou verificada a excepção de incompetência material do TAC para conhecer do pedido formulado na PI e relativo a um erro judiciário e absolveu o R. Estado Português (EP) da instância, nessa parte.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:” 1- o Tribunal a quo tem competência para apreciar dos dois pedidos;
2- quem pode o mais pode o menos e sob o principio da economia processual pode e deve o Tribunal a quo julgar o pedido formulado in totum: Manuel Andrade, Noções, Proc. Civil, 2a ed- p 359- 1979.
3- a morosidade do caso e o erro de julgamento cabem na competência do Tribunal a quo.“

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “ 1 - A competência em razão da matéria (ou jurisdição) de um tribunal determina-se pela forma como o Autor configura a acção, definida pelo pedido e seus fundamentos, ou seja pela causa de pedir.
2 - O que resulta da sua p.i. é que, atento o modo como estrutura o peticionado, a pretensão do autor, ora recorrente, passaria também pela sindicância das actuações dos Juízes do Tribunal Judicial da Comarca de Loures e nos Tribunais da Relação de Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça
3- Pois “não aplicaram o art. 892° do Código Civil que determina a nulidade do negocio de venda de bem alheio” e deveriam ter condenado em conformidade, isto é, obrigado o referido J… a restituir ao A. os 149.639,37 € e juros vencidos.
4 - Magistrados Judiciais, titulares do aludido processo - acção ordinária n° 5545/06.6TCLRS - que, ao prolatarem as decisões em causa, o fizeram, “sem que aplicassem em conformidade o estatuído no instituto da venda de bem alheio, cometendo erro na Justiça, face às provas juntas aos autos e erro de julgamento; não julg[ando] o caso de forma equitativa ”
5 - Assim sendo, não deixa de impugnar as decisões proferidas nos autos, designadamente: a douta sentença do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures, 2a Vara de Competência Mista, datada de 11.04.2014 que julgou a acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu o R. do pedido e absolveu o A. do pedido de condenação como litigante de má-fé; o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-04-15 que julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida; e as decisões do STJ, datadas de 8-6-15 e 10-12-15 que, respectivamente, por falta de alegações, julgou deserto o recurso interposto pelo autor e concluiu pela extemporaneidade do recurso, indeferindo a reclamação.
6 - Vindo peticionar o ressarcimento por danos decorrentes de uma alegada responsabilidade civil extracontratual do Estado decorrente da função jurisdicional por actos substancialmente jurisdicionais, cometidos por magistrados, fundando a causa de pedir em factos alegadamente ilícitos imputados a magistrados judiciais no exercício da sua função jurisdicional (na sua função de julgar).
7 - Além de que, a actuação e omissões em questão, que o autor põe em causa, constituem actuação e ocorrências jurisdicionais fundadas em erro judiciário, alegadamente cometido em processo que correu os seus termos nos tribunais comuns, que as alíneas b) do n.° 3 e a) do n° 4 do artigo 4.° do ETAF claramente excluem do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal.
8 - Em suma, conclui-se pela manifesta incompetência absoluta, em razão da matéria, para este Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa conhecer de tal pedido, sendo competente a jurisdição comum.
9- Pelo que, bem andou a Mm° Juiz ao julgar a excepção dilatória de incompetência absoluta, por incompetência material, parcialmente procedente, nos termos conjugados do artigo 4.°, n.° 4, alínea a), do ETAF, do artigo 13.° do RRCEE.
10- E, decidindo como decidiu, o Tribunal, subsumiu correctamente os factos ao direito e não violou qualquer preceito legal.
11- Destarte, salvo melhor entendimento, improcedem as conclusões da alegação do recorrente.”

II – FUNDAMENTAÇÃO
O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir do erro decisório por o princípio da economia processual exigir que os tribunais administrativos sejam também competentes para apreciar do erro judiciário, a par com o pedido de responsabilidade do EP por morosidade na administração da justiça.
Conforme decorre da PI, através desta acção o A., ora Recorrente, pretende efectivar um pedido de responsabilidade civil do EP por atraso na administração da justiça e por erro judiciário, ambos fundados na acção ordinária n.º 4445/06.6TCLRS, que correu termos no Tribunal de Loures (TL), no Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) e no Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Diz o A. e ora Recorrente que a demora na tramitação de tal acção, por 10 anos, lhe trouxe danos, que computa em €10.000,00.
Na PI, diz também o A. e Recorrente, que o TL, o TRL e o STJ julgaram erradamente, porque não obrigaram J…. a restituir-lhe em dobro o dinheiro que entregou àquele e porque não julgaram a supra indicada acção em cumprimento da equidade. O A. e Recorrente computa os danos destes erros judiciários em €149.639,387.
A final da PI, o A. e Recorrente pede uma indemnização total de €216.750,50, acrescida de juros de mora.
A PI apresentada ostenta, portanto, duas diferentes causas de pedir, a que se fazem corresponder um pedido indemnizatório. Os factos que fundam a causa de pedir da acção são, por um lado, os relativos à existência de um erro cometido pelas decisões dos TL, TRL e do STJ, de um erro judiciário, que vem previsto no art.º 13.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12 e que dá origem à responsabilidade civil extracontratual do Estado pelo exercício da função jurisdicional. Por outro lado, tais factos são os relativos a um atraso na prolação da decisão tomada naquele processo, a uma demora na prolação da decisão judicial, que vem prevista no art.º 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31-12, e que dá mote à responsabilidade civil extracontratual do Estado pela administração da justiça.
Os tribunais administrativos são os tribunais competentes para o conhecimento de litígios emergentes de relações jurídico-administrativas e fiscais, nomeadamente para o conhecimento dos litígios elencados no art.º 4.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF (cf. art.ºs. 212.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 1.º do ETAF).
Mas a competência dos tribunais administrativos está também delimitada pelas exclusões previstas nos nº 3 e 4 daquele art.º 4.º do ETAF.
Assim, no art.º 4.º, n.º 3, al. b), do ETAF, determina-se que está excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto decisões jurisdicionais proferidas por tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal.
Consequentemente, por força da indicada exclusão, esta jurisdição é materialmente incompetente para conhecer de um pedido de indemnização por erro judiciário cometido pelos TL, TRL e STJ.
No que se refere ao invocado princípio da economia processual não é aplicável ao caso, nem pode servir como fundamento para justificar o afastamento das regras – imperativas – e que se relacionam com a delimitação de competência da jurisdição administrativa e fiscal.
Em suma, a decisão recorrida está totalmente certa pelo que se acompanha a mesma quer na sua fundamentação, quer no seu sentido decisório e designadamente quando ali se refere o seguinte: ”Para saber se uma ação fundada em erro judiciário está, ou não, na esfera da competência material dos tribunais administrativos o que é determinante é aferir se a concreta ação judicial, à qual é imputada o erro judiciário, se insere no âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, único caso em que será da competência dos tribunais administrativos. Caso contrário, e tendo a ação judicial em causa sido julgada nos tribunais comuns, a competência do tribunal para apreciar a responsabilidade civil extracontratual do Estado por erro judiciário, no exercício da função jurisdicional, também será desses tribunais comuns e não dos tribunais administrativos, atenta a norma de exclusão supra referida e a competência residual da jurisdição administrativa prevista no n.º 1 do art.º 40º da Lei nº 62/2013, de 26/8 – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ).
Esta posição está sufragada pela nossa jurisprudência, de modo pacífico (Vd., entre outros, Ac. TCAS de 24/10/2013, proc. n.º 09574/12, Ac. TCAN de 04/03/2016, proc. n.º 01379/14.2BEBRG).
Assim, conclui-se que, no caso vertente, estamos, em parte, perante ação de responsabilidade civil fundada em erro judiciário, alegadamente cometido em processo que correu os seus termos nos tribunais comuns, e não num tribunal administrativo. Em consequência, verifica-se a previsão contida no artigo 4º, n.º 4, al. a) do ETAF, razão pela qual se conclui pela incompetência material do tribunal administrativo para conhecer e decidir parte do presente litígio, apenas quanto ao erro judiciário (e não no que respeita ao atraso na justiça, o qual é da competência deste Tribunal).
A incompetência absoluta em razão da matéria configura uma excepção dilatória insuprível que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância (cfr. artigos 89º, nº 2 e nº 4, al. a) do CPTA).
Contudo, “no caso sub judice”, a citada incompetência material é parcial, apenas quanto ao erro judiciário, prosseguindo os autos relativamente ao atraso na justiça (correspondente ao pedido e causa de pedir referido supra em 2.). Por esta razão e porque os presentes autos não são cindíveis, não se mostra possível a remessa ao tribunal competente, a que alude o artigo 14.º, n.º 2 do CPTA, sendo certo que o Autor tem o benefício da concessão do prazo, conforme expressamente previsto no artigo 14.º, n.º 3 do CPTA, o que significa que, para efeitos da propositura da nova ação nos tribunais comuns, “a petição considera-se apresentada na data do primeiro registo de entrada, para efeitos da tempestividade da sua apresentação”.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.
- custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que goze (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 24 de Janeiro de 2019.

(Sofia David)
(Helena Telo Afonso)
(José Gomes Correia)