Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:396/18.8BEALM
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:09/20/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FUMUS BONI JURIS
FUNCIONÁRIO JUDICIAL
PERÍODO PROBATÓRIO
Sumário:I – No regime do CPTA (revisto pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro) a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma.

II – Interpretando conjuntamente o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do Estatuto dos Funcionários Judiciais (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2016, de 8 de Novembro), resulta que a nomeação definitiva não terá lugar caso o funcionário tenha sido declarado inapto para o efeito, ainda que já tenha decorrido, na íntegra, o período probatório.

III – E a passagem à situação de nomeação definitiva, com todas as consequências que lhe são próprias, não resulta automaticamente do fim temporal do período probatório, antes pressupondo a emissão de uma decisão de nomeação definitiva.

IV- O art. 128.º, n.º 6, do CPA, que sanciona a ausência de decisão do procedimento no prazo de 180 dias com a caducidade do mesmo, aplicar-se-á aos procedimentos de iniciativa oficiosa, em que não há dever de decidir, mas em que poderá ser praticado um acto desfavorável para o particular visado.

IV – Não se mostrando preenchido o pressuposto do fumus boni juris por referência ao acto suspendendo que determinou a exoneração por inaptidão da ora Recorrente, tem a providência cautelar que ser indeferida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A........................................ (Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Almada que julgou improcedente o pedido cautelar por si formulado contra o Ministério da Justiça, de suspensão do acto administrativo de exoneração proferido em 16.04.2018 pelo Subdirector-Geral da Direcção-Geral da Administração da Justiça.

Em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:

1. O período probatório da Recorrente terminou em 17 de Junho de 2017 (1 ano + 6 meses).

2. Nos termos do disposto no art. 45 n.º 1 do EFJ, após o termo do período probatório (1 ano, prorrogável por 6 meses), os trabalhadores que revelem aptidão para os lugares, são nomeados definitivamente; e

3. Nos termos do n.º 2 do art. 45º do EFJ, os funcionários que durante o período probatório não revelem aptidão para o desempenho de funções podem ser exonerados a todo o tempo.

4. A DGAJ teve 1 ano e 6 meses para exonerar a Recorrente, oficial de justiça provisória, por motivo de não ter revelado aptidão para o exercício do cargo.

5. O entendimento do Tribunal recorrido violou o disposto nos art 45.0 n.ºs 1e n.º 2 do EFJ, atendendo ao tempo decorrido desde o termo da prorrogação do período probatório e a data em que o despacho de exoneração foi notificado à Recorrente (19.4.2018);

6. A sentença recorrida também violou também o art. 53° da CRP porque restringe Direitos, Liberdades e Garantias da Recorrente, uma vez que quanto mais dilatado for o período probatório, maior a precariedade da relação jurídico- laboral e mais frágil a garantia na segurança do emprego.

7. Atendendo à natureza do Direito à Segurança no Emprego e à natureza restritiva do art. 45º n.º 2 do EFJ, o acto de exoneração, violou também o Princípio · da Proporcionalidade, previsto no n.º 2 do art. 18º da CRP, no contexto dos seus subprincípios da Adequação, Necessidade e, complementarmente, da Razoabilidade, por ter sido proferido 10 meses após o termo da prorrogação do período probatório, com o fundamento que a Recorrente não revelou aptidão durante o período probatório que tinha terminado em 16.6.2017.

8. Por outro lado, mesmo que se entenda que a exoneração pode ocorrer quase 1 ano após o termo da prorrogação do período probatório, o procedimento administrativo caducou, nos termos do disposto no art. 128º n.º 6 do CPA.

9. O n.º 6 do art 128º do CPA consagrou a regra da caducidade do procedimento oficioso passível de levar à emissão de um acto desfavorável aos interessados ao fim de 180 dias sem decisão.

10. Passado aquele prazo de 180 dias, a DGAJ deixa de poder tomar a decisão final desfavorável à Recorrente.

11. Pelo que, ao contrário do que entendeu o Tribunal recorrido, está preenchido o requisito do fumus bani iuris, uma vez que o despacho de exoneração está inquinado de vício de violação de lei, por violação do disposto no art. 45º n.º 2 do EFJ, violação dos Princípios previstos nos art.s 2°, 18º e 53° da CRP, e violação do art. 128° n.º 6 do CPA.

12. O n.º 1 do art. 120° do CPTA prevê que as providências cautelares são adaptadas quando, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que se querem ver reconhecidos no processo principal.

13. Uma vez que a Requerente não dispõe outros rendimentos que lhe permitam satisfazer necessidades básicas, a sua exoneração traduzir-se-á no agravamento da sua situação económica e, por via disso, de reparação difícil, pelo que, está também verificado o requisito do periculum in mora.

14. O decretamento da providência cautelar visa evitar o prosseguimento dos efeitos do despacho de exoneração da Recorrente, nomeadamente o ficar privada do salário que recebe enquanto escrivã auxiliar;

15. Esse facto que justifica que a providência cautelar de suspensão da eficácia do despacho de exoneração seja julgada procedente, feita a necessária ponderação de interesses públicos em causa, até porque a suspensão do despacho de exoneração não irá provocar quaisquer prejuízos ao Recorrido, atendendo que a Recorrente tem sido apta para trabalhar no Núcleo de ..............., desde o termo da prorrogação do período probatório, que ocorreu há mais de um ano.

16. Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 120º do CPTA, a providência deverá ser decretada, por estarem preenchidos os requisitos do periculum in mora, do fumus boni iuris, e porque é a única forma de assegurar a utilidade da decisão que vier a ser proferida no processo principal, do qual a providência depende, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a providência cautelar procedente.

O Recorrido apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida e formulando as seguintes conclusões:

1 – Andou bem o Tribunal a quo quando decidiu que não se encontra reunido o requisito do fumus boni iuris, já que não se verifica a alegada violação do artigo 45.ºdo EFJ, nem tão pouco dos princípios constitucionais invocados pela Recorrente.

2 – Com efeito, a nomeação definitiva depende da aptidão do funcionário para o exercício das funções e uma vez que não se encontra legalmente prevista a conversão automática da nomeação provisória para definitiva, será sempre necessária uma decisão de nomeação.

3 – Acresce que o n.º 2 do artigo 45.º do EFJ, prescreve que “[os] funcionários que durante o período probatório não revelem aptidão para o desempenho de funções podem ser exonerados a todo o tempo”, o que implica que poderá ser durante e após o terminus do prazo do período probatório (não há prazo estabelecido).

4- De realçar, ainda, que as circunstâncias que originam uma exoneração devem ser sempre bem ponderadas e que embora se admita que no caso em concreto se prolongou no tempo, tal circunstância encontra-se justificada uma vez que a preocupação da Recorrida foi sempre no sentido de dar cabal cumprimento à tramitação prevista nos artigos 45.º e 29.º do EFJ e, como tal, garantir os direitos e interesses da Recorrente.

5- Assim, é convicção da Recorrida que a exoneração após o terminus do período probatório não viola o disposto no n.º 2 do artigo 45.º do EFJ, nem tão pouco os princípios constitucionais invocados atento o cumprimento dos direitos e garantias da Recorrente.

6- Alega ainda, a Recorrente uma questão “nova” invocando a caducidade do procedimento administrativo, ao abrigo do n.º 6 do artigo 128.º do CPA.

7- Tal arguição deverá ser considerada extemporânea e consequentemente não apreciada pelo douto Tribunal de recurso, porque, conforme jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova.

8- Ademais, a alegada caducidade não se aplica ao caso em concreto porque:

I. o próprio procedimento inerente ao concurso (especial) que viabiliza o ingresso (que inclui o período probatório) encerra um limite temporal superior ao prazo previsto no n.º 6 do artigo 128.º;

II. o prazo de caducidade do procedimento encontra-se previsto para procedimentos de iniciativa oficiosa, em que não existe a obrigação legal de decisão, o que não é o seguramente o caso em apreço, já que a Recorrida está vinculada a proferir uma decisão.

9- Acresce que também não se acompanha a interpretação da Recorrente, quanto aos efeitos da anulabilidade do despacho, ao abrigo do artigo 163.º n.º 1 do CPA, que culmina com a integração da funcionária na carreira de oficial de justiça, quando a mesma foi avaliada como “não apta”.

10- Com efeito, ir ao encontro da interpretação da Recorrente, que considera que a anulação do ato teria como efeito a integração da Recorrente da carreira de oficial de justiça, é socorrer-se da figura do deferimento tácito, enquadramento legal que se encontra afastado no presente caso, pois resulta da lei que a nomeação definitiva depende da aptidão do funcionário para o exercício das funções, não se encontrando prevista a conversão automática da nomeação provisória para definitiva.

11- Tal como afirma doutamente o Tribunal a quo, “concatenando os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do EFJ tem que se admitir que a nomeação definitiva não terá lugar caso o funcionário tenha sido declarado inapto para o efeito, ainda que já tenha decorrido, na íntegra, o período probatório.”

12- Assim, mesmo que se considerasse que o ato in casu estaria ferido de vício gerador de anulabilidade, o que não se concebe, o mesmo seria afastado ao abrigo da alínea a) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA, uma vez que a apreciação do caso em concreto permite identificar apenas uma solução como legalmente possível.

13- Por fim, do alegado periculum in mora, tal requisito não se encontra verificado, desde logo porque recai sobre a Requerente o ónus de fazer prova dos prejuízos de dificil reparação que manifestamente não se encontram demonstrados, conforme se constata pelos factos dados como não provados na decisão proferida.

14- Pelo exposto, não ficando demonstrados os requisitos fumus boni iuris e periculum in mora, deverá ser de manter a decisão recorrida.



Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Com dispensa de vistos, importa apreciar e decidir.




I. 1. Questões a apreciar e decidir:

A questão suscitada pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduz-se em saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao concluir pela não verificação do necessário fumus boni juris e assim ter indeferido a providência requerida.


II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como indiciariamente assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:

a) Em 23/01/2015, foi publicado, no Diário da República n.º 16/2015, II.ª Série, o aviso n.º 793/2015, do procedimento concursal de admissão para o ingresso nas carreiras do grupo de pessoal oficial de justiça;

b) Em 03/09/2015, o Diretor-Geral da Administração da Justiça proferiu despacho através do qual nomeou a Requerente, com o número mecanográfico .........., no movimento extraordinário dos oficiais de justiça de Julho de 2015, na categoria de escrivã auxiliar provisória, no Núcleo de ............... do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (cfr. fls. 216 a 363 [147] dos autos);

c) Em 14/09/2015, a Requerente iniciou funções no Núcleo de ............... (cfr. fls. 216 a 363 [147] dos autos);

d) Em 20/09/2016, as escrivãs adjuntas do Núcleo de ............... elaboraram relatório no qual propuseram a prorrogação do prazo por seis meses (cfr. fls. 216 a 363 [147] dos autos);

e) Em 06/10/2016, a secretária de Justiça proferiu parecer, no qual propôs que fosse declarada a Requerente como “Não Apta” (cfr. fls. 216 a 363 [131] dos autos);

f) Em 16/10/2016, a Requerente requereu a prorrogação do período probatório por mais seis meses (cfr. fls. 216 a 363 [111 a 127] dos autos);

g) Em 09/06/2017, o Subdiretor-Geral da Administração da Justiça proferiu despacho através do qual prorrogou o período probatório da Requerente por mais seis meses (cfr. fls. 216 a 363 [75 a 78] dos autos);

h) Em 17/07/2017, as Escrivãs Adjuntas do Juízo ...................., na ausência da Escrivã de Direito por motivo de doença, emitiram relatório no qual concluem pela declaração da Requerente como “não apta” para o exercício das funções de oficial de justiça (cfr. fls. 216 a 363 [70 e 71] dos autos);

i) Em 21/07/2017, a Requerente tomou conhecimento do teor do relatório melhor identificado na alínea anterior (cfr. fls. 216 a 363 [69] dos autos);

j) Em 20/09/2017, a Secretária de Justiça elaborou parecer, no qual concluiu pela não aptidão da Requerente para a carreira de oficial de justiça (cfr. fls. 216 a 363 dos autos);

k) Em 02/10/2017, foi elaborada a informação n.º …../2017, na qual se propõe a exoneração de funções de escrivão auxiliar provisório do Núcleo de ............... (cfr. fls. 216 a 363 [61 a 66] dos autos);

l) Em 11/01/2018, a Requerente remeteu à Requerente o ofício n.º ….., pelo qual comunica o teor da informação n.º …../2017 e parecer da Secretária de Justiça, de 20/09/2017, bem como o prazo de 10 dias para se pronunciar sobre o projeto de decisão de exoneração das funções de escrivã auxiliar provisória do Núcleo de ..............., do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (cfr. fls. 216 a 363 dos autos);

m) Em 25/01/2018, a Requerente apresentou resposta em sede de audiência prévia (cfr. fls. 216 a 363 [36 a 55] dos autos);

n) Em 28/03/2018, os serviços da Entidade Requerida elaboraram a informação n.º …../2018, de cujo teor se extrai o seguinte:

«(…)

II – Apreciação

Importa assim apreciar os elementos relativos à avaliação do aproveitamento da interessada no período probatório inicial e prorrogação, bem como os “vícios” que lhe são imputados na Pronúncia.

Questão prévia:

Das comunicações eletrónicas da Senhora Administradora Judiciária da Comarca de Setúbal de 12 e 19 de março de 2018 resulta que R.................... e D.................... (subscritoras do Relatório de 17.7.2017), atenta a situação de baixa médica prolongada da Senhora escrivã de direito M.............................., eram quem planificava, controlava e distribuía e avaliava o serviço da interessada, detendo assim, em nosso entender, a qualidade de “funcionário orientador”.

Vício de forma por falta de fundamentação dos Relatórios e Pareceres

Vejamos:

O Relatório de 6.1.2017, relativo ao período probatório inicial entre fevereiro e setembro de 2016, que aqui se dá por integralmente foi analisado nas informações n.ºs …../2017 e …../2017-DSRH/DRGRH, (…), propõe a prorrogação por seis meses do período probatório. Neste, ainda que de forma genérica, entendemos que o âmbito e avaliação dos parâmetros em que a interessada demonstrou “aptidão”, em que teve “dificuldades” ou que apenas “às vezes” cumpriu/preencheu mostram-se claros e percetíveis.

Por sua vez, o Relatório de 17.7.2017, (…), relativo ao período de prorrogação desde 18.9.2016, considera “[…] que as dificuldades apontadas no último relatório mantêm-se, não tendo […] evoluído, como era suposto”, já que:

- A interessada continua insegura no apoio aos Magistrados nas audiências de julgamento;

- Não cumpre despachos, por não ser capaz de o fazer autonomamente, limitando-se a procurar e juntar papéis e realizar julgamentos;

- Persistem os problemas na elaboração de atas de julgamento, não conseguindo, grande parte das vezes, fazê-las sem a ajuda da Magistrada respetiva (…);

- Persistem as ausências regulares da sala de audiência, tendo a Senhora Magistrada que interromper as diligências e deslocar-se à seção à sua procura ou de outro funcionário para realizar a diligência em curso, uma vez que nada informa quando se ausenta;

- Continua a solicitar a colaboração de outros colegas antes de iniciar e durante as audiências de julgamento, nunca tendo autonomia para resolver qualquer situação sem auxilio;

- Continua a procurar sempre a ajuda dos colegas para resolver qualquer problema ou dívida decorrente da normal tramitação processual, sem consultar/pesquisar/procurar/estudar previamente os manuais ou códigos disponíveis;

Assim, conclui que “[…] A.............................. não reúne as condições para o exercício das funções de oficial de justiça propondo que […] seja declarada como: não apta”. Também este, com exceção da referência à “ata do processo n.º …../15………..”, efetua uma apreciação genérica, entendendo-se também neste caso, que o âmbito e consequente proposta de avaliação é clara e percetível.

Por sua vez, a Senhora secretária de justiça do Núcleo de ..............., por Parecer de 6.3.2017 e documentos anexos, (…), refere, em súmula, que “[…] Logo de inicio verificou-se que a mesma apresentou grandes dificuldades de adaptação a todos os níveis (serviço, comportamento, preparação, relacionamentos, etc). […] Cumpre ainda referir que, por várias vezes conversei demoradamente com a funcionária, dando-lhe conta que o seu desempenho se encontrava muito abaixo do pretendido, bem como do prestado pelos seus colegas provisórios, alertando-a para a necessidade de se esforçar mais para atingir um nível mínimo […]”, fazendo ainda referência a factos ocorridos em audiência de julgamento, à não correção ortográfica das atas e aoincorreto cumprimento do processo n.º …../16……. conclui, referindo que a interessada deverá ser declarada “NÃO APTA”.

Já no Parecer de 20.9.2017 (…) a Senhora secretária de justiça, além de manter o parecer anterior, refere em súmula, que “[…] a funcionária não possui as condições de exercer as funções de oficial de justiça, facto confirmado pelas Sras. Escrivãs Adjuntas, bem como pela Sra. Magistrada com a qual trabalha diariamente, Dra. C.............................. […] mantendo-se as situações anteriormente reportadas.

Assim […] sou de parecer que […] A.............................., não reúne as condições necessárias ao desempenho da carreira de oficial de justiça, pelo que […] deverá ser declarada como: NÃO APTA”.

(…)

Em conclusão, mesmo não elencando situações específicas, à exceção das respeitantes aos processos n.ºs ...../15........... e ...../16..........., mas referenciando profusamente “dificuldades” da interessada, compreensíveis e naturais de inicio, atenta a integração e adaptação a novas funções, mas já não decorridos quase 22 meses (setembro de 2015 a julho de 2017) de exercício de funções, que possui diminuta autonomia funcional na resolução de problemas decorrentes da normal tramitação processual e que não demonstrou “aptidão” na assistência a Magistrados, realização de audiências de julgamento e elaboração das respetivas atas, cumprimento de despachos, entre outras;

Permite referir que os elementos respeitantes à avaliação do aproveitamento da interessada no período probatório inicial e prorrogação (entre 14.9.2015 e 17.7.2017), não padecem de “falta de fundamentação absoluta”, já que o teor e âmbito dos parâmetros avaliados como “aptos/não aptos” mostram-se claros e percetíveis, mas tão só um caso de “fundamentação genérica”, em nosso entender suficiente para justificar as propostas de “não aptidão” formuladas no Relatório e Pareceres.

Vício de violação de lei

(…)

De acordo com o n.º 1 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa “[a] Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” (…).

Por sua vez, nos termos do n.º 1 do artigo 45.º do EFJ “[…] findo o período inicial ou a sua prorrogação, os funcionários são nomeados definitivamente se tiverem revelado aptidão para o lugar”, enquanto o seu n.º 2 dispõe que “[o]s funcionários que durante o período probatório não revelem aptidão para o desempenho de funções podem ser exonerados a todo o tempo”.

Em nosso entender, resulta claro que a previsão legal permite exonerar oficiais de justiça, em primeira colocação provisória (como a interessada), quer no decurso (n.º 2), quer findo (n.º 1) o período probatório inicial ou a prorrogação. Ora, existindo “dificuldades” ou parâmetros não positivos, parece-nos que se coloca, ainda com mais acuidade, efetuar a avaliação (apenas) após o término daqueles períodos, por forma a não cercear qualquer possibilidade do avaliado comprovar a aptidão, foi o que sucedeu no caso da interessada – a título de exemplo, independentemente da conclusão de “aptos/não aptos”, todos os Relatórios/Pareceres dos candidatos colocados (nos vários movimentos) no âmbito de admissão da interessada (Aviso n.º 793/2015, de 23 de janeiro) foram elaborados após decorrido o período probatório inicial ou a prorrogação.

Por outro lado, não podemos deixar de referir as vicissitudes que impenderam sobre o procedimento, como o facto da Senhora secretária de justiça ter emitido Parecer em momento anterior à Pronúncia da interessada (de 19.10.2016) e da alegação desta que não foi notificada do Parecer da secretária de justiça de 20.9.2017, obrigando à repetição destes atos, e, por último, a divergência entre Relatório (propondo a prorrogação) e Parecer (propondo a não aptidão) relativos ao período probatório inicial entre fevereiro a setembro de 2016, tendo-se entendido solicitar Parecer à Senhora Administradora Judiciária da Comarca de Setúbal, que foi emitido em 17.4.2017;

Ora, mesmo reconhecendo que poderiam ter sido evitadas e prolongaram o procedimento, visaram dar cabal cumprimento à tramitação prevista nos artigos 45.º e 29.º do EFJ e, como tal, garante dos direitos e interesses da interessada, sem que, em nossa opinião, desta dilação tenha advindo qualquer prejuízo para a mesma.

Assim, o facto da interessada continuar em funções após o término da prorrogação do período probatório não viola o disposto no artigo 45.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça ou qualquer preceito Constitucional, nem se mostra lesivo de nenhum direito ou interesse legalmente protegido.

(…)

Ao ato de exoneração não pode ser atribuída eficácia retroativa, no caso, data de término da prorrogação do período probatório, porque fazê-lo constituiria violação de lei, mormente o disposto no artigo 156.º do Código do Procedimento Administrativo.

Assim, ato dessa natureza apenas produz efeitos após decisão, devidamente notificada aos interessados e publicada em Diário da República, 2.ª Série, conforme dispõe a alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.

(…)

Em conclusão, considerando o período de aproveitamento avaliado – entre 14 de setembro de 2015 e 17 de julho de 2017, entende-se que a fundamentação e conclusões expendidas:

- Nos Relatórios de 19.11.2015 (relativo ao período entre 16.92015 e 19.11.2015) e de 6.1.2017 e 17.7.2017 (abrangendo o período entre fevereiro de 2016 e julho de 2017);

- Nos Pareceres da Senhora secretária de justiça do Núcleo de ............... de 6.3.2017 e 20.9.2017;

- No Parecer da Senhora Administradora Judiciária da Comarca de Setúbal de 17.4.2017;

- Na “Informação” da Senhora Magistrada M…….............................., do atual Juízo .................... do Núcleo de ............... (junta ao Parecer de 6.3.2017);

Mostram-se consentâneas a fundamentam, em nosso entender suficientemente, a proposta de avaliação de “não aptidão” da interessada para o desempenho das funções de oficial de justiça, que o exposto na Pronúncia de 25.1.2018 não permite infirmar.

III – Proposta

Face ao exposto, nada mais havendo a acrescentar de facto ou de direito, propõe-se a V. Exa. que nos termos e com os fundamentos constantes nas Informações n.ºs …../2017, …../2017 e …../2017-DSRH/DRGRH, já do conhecimento da interessada, seja proferida decisão final do presente procedimento, e, em conformidade, determine a exoneração de funções de A.............................., ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 45.º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, com efeitos reportados à data da publicação em Diário da República» (cfr. fls. 216 a 363 [17 a 26] dos autos);

o) Em 16/04/2018, o Subdiretor-Geral da Administração da Justiça, por delegação, exarou despacho de concordância sob a informação n.º …../2018 (cfr. fls. 216 a 363 [8] dos autos);

p) Em 18/04/2018, a Entidade Requerida dirigiu à Requerente, por carta registada com aviso de receção, o ofício n.º ….., com o assunto «Avaliação do período probatório, artigos 45.º e 29.º do Estatudo dos Funcionários da Justiça – Exoneração por inaptidão», pelo qual se comunica a decisão de exoneração de funções por inaptidão (cfr. fls. 216 a 363 [3] dos autos);

q) Em 03/04/2018, a Requerente assinou o aviso de receção referente ao ofício melhor identificado na alínea anterior (cfr. fls. 216 a 363 [5] dos autos);

r) Em 08/05/2018, a Requerente apresentou, por correio eletrónico, o requerimento inicial do processo cautelar (cfr. fls. 1 dos autos).

s) No ano de 2017, a Requerente auferiu rendimentos de trabalho por conta de outrem no montante global de € 10.980,96 (cfr. fls. 23 a 50 dos autos);

Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente não se provou que:

1. A Requerente não tem apoio de ninguém a nível familiar, porque a sua família mais próxima reside em Coimbra;

2. A Requerente reside na Avenida ………., em ..............., num quarto arrendado, pelo qual paga a quantia mensal de € 200,00.



II.2. De direito

Estabelecida que se encontra matéria de facto, uma vez que não é sujeita a impugnação, vejamos então o direito.

Vem o presente recurso interposto da sentença proferida no âmbito do processo cautelar intentado pela ora Recorrente, o qual tinha como objecto o despacho de exoneração da requerente e ora recorrente proferido em 16.04.2018 pelo Subdirector-Geral da Direcção-Geral da Administração da Justiça.

O pedido cautelar foi indeferido pela Mma. Juiz a quo com fundamento na não verificação do necessário fumus boni juris, tendo sido considerado que:

“(…) a nomeação definitiva depende da aptidão do funcionário para o exercício de funções e, ainda, que não se encontra legalmente prevista a conversão automática da nomeação provisória para definitiva, afigura-se que não procede a alegada violação do artigo 45.º do EFJ.

Com efeito, não se pode aplicar nesta sede a jurisprudência que entendia, ao abrigo do já referido Decreto-Lei n.º 427/89, de 07/12, que tal ato de exoneração tinha que ser praticada até ao termo do período probatório, posto que a nomeação provisória se convertia em definitiva, o que, como sobredito, não sucede no caso dos autos. Posto isto, concatenando os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do EFJ tem que se admitir que a nomeação definitiva não terá lugar caso o funcionário tenha sido declarado inapto para o efeito, ainda que já tenha decorrido, na íntegra, o período probatório. E, na interpretação da lei, tem que se presumir que o legislador «consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil).

Do mesmo modo, também não se vislumbra aqui qualquer violação dos princípios da segurança no emprego e proibição do despedimento sem justa causa, nem bem assim a violação do princípio da proporcionalidade.

(…)

In casu, não houve lugar a qualquer despedimento sem justa causa, mas antes à aplicação do regime legal relativo à avaliação do período probatório, nos termos previstos no artigo 45.º do EFJ. Tal avaliação ocorreu no termo do período probatório e por referência ao mesmo, após o que se seguiram os trâmites de audiência dos interessados e decisão final (alíneas H) a P) do probatório).

Também não se considera resultar violado o princípio da proporcionalidade, nas vertentes de adequação, razoabilidade e necessidade. É certo que foi longo o tempo que mediou entre o termo do período probatório e o ato de exoneração, porém, tal decorreu após a tramitação do respetivo procedimento, tendente a assegurar o exercício do contraditório e a emissão dos pareceres legalmente previstos.

É contra esta posição que a Recorrente se insurge, avançando que o entendimento do Tribunal recorrido violou o disposto nos art 45.º n.ºs 1 e n.º 2 do EFJ, atendendo ao tempo decorrido desde o termo da prorrogação do período probatório e a data em que o despacho de exoneração lhe foi notificado; que também violou o art. 53° da CRP porque restringe um direito fundamental, uma vez que quanto mais dilatado for o período probatório, maior a precariedade da relação jurídico- laboral e mais frágil a garantia na segurança do emprego; também ocorreu violação do princípio da proporcionalidade, por ter sido proferido 10 meses após o termo da prorrogação do período probatório; e que, por outro lado, mesmo que se entenda que a exoneração pode ocorrer quase 1 ano após o termo da prorrogação do período probatório, o procedimento administrativo caducou, nos termos do disposto no art. 128.º, n.º 6 do CPA. Vejamos se lhe assiste razão.

Apreciando, dispõe o artigo 120.º do CPTA (versão que resulta do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro), o seguinte:


Artigo 120.º

Critérios de decisão



1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

2 - Nas situações previstas no número anterior, a adopção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

3 - As providências cautelares a adoptar devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses defendidos pelo requerente, devendo o tribunal, ouvidas as partes, adoptar outra ou outras providências, em cumulação ou em substituição daquela ou daquelas que tenham sido concretamente requeridas, quando tal se revele adequado a evitar a lesão desses interesses e seja menos gravoso para os demais interesses públicos ou privados, em presença.

4 - Se os potenciais prejuízos para os interesses, públicos ou privados, em conflito com os do requerente forem integralmente reparáveis mediante indemnização pecuniária, o tribunal pode, para efeitos do disposto no número anterior, impor ao requerente a prestação de garantia por uma das formas previstas na lei tributária.”

Não estando em causa o preenchimento do requisito relativo ao periculum in mora, o qual não foi conhecido pelo tribunal a quo nem a Recorrente crítica agora no recurso interposto (pelo menos validamente, o que passaria pela impugnação da matéria de facto ou pelo imputação de erro de julgamento de facto à sentença), importa atentar no critério do fumus boni iuris que o tribunal considerou não verificado e que levou ao indeferimento da providência.

Do disposto neste artigo 120.º, n.ºs 1 e 2, infere-se que constituem condições de procedência das providências cautelares:

1) “Periculum in mora”- receio de constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (art. 120º n.º 1, 1ª parte, do CPTA revisto);

2) “Fumus boni iuris” (aparência de bom direito) – ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (art. 120º n.º 1, 2ª parte, do CPTA revisto), e

3) Ponderação de todos os interesses em presença segundo critérios de proporcionalidade (art. 120º n.º 2, do CPTA revisto).

Como ensina Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., 2016, pp. 449 e 450:

Se não falharem os demais critérios de que depende a concessão da providência, ela deve ser, pois, concedida desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade. É este o único sentido a atribuir à expressão “facto consumado”. Nestas situações, em que a providência é necessária para evitar o risco da infrutuosidade da sentença a proferir no processo principal, o critério não pode ser, portanto, o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas tem ser o da viabilidade do restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar: pense-se no risco da demolição de um edifício ou da liquidação de uma empresa.

Do ponto de vista do periculum in mora, a providência também deve ser, entretanto, concedida quando, mesmo que não seja de prever que a reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade se tornará impossível pela mora do processo, os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de “prejuízos de difícil reparação” no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente. Ainda neste último caso, justifica-se a adopção da providência para evitar o risco do retardamento da tutela que deverá ser assegurada pela sentença a proferir no processo principal: pense-se no risco da interrupção do pagamento de vencimentos ou pensões, que podem ser a principal ou mesmo a única fonte de rendimento do interessado.

Do exposto resulta que as providências cautelares visam impedir que, durante a pendência de qualquer acção principal, a situação de facto se altere de modo a que a decisão nela proferida, sendo favorável ao requerente, perca toda a sua eficácia ou parte dela (cfr., i.a., o ac. de 22.09.2016 deste TCAS, proc. n.º 13468/16; idem o ac. de 20.04.2017, proc. n.º 1197/16.3BESNT, por nós relatado).

Quanto ao requisito do fumus boni juris cumpre destacar que a revisão do CPTA de 2015, operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, modificou a sua relevância, quer no que se refere à sua suficiência para o decretamento da providência (situação que o anterior art. 120.º, n.º 1, al. a), previa), quer por via da uniformização do regime no que se refere à comprovação da probabilidade de procedência da acção principal (existente no regime anterior, em que se distinguia, com exigência variável, conforme estivesse em causa uma providência conservatória ou uma providência antecipatória).

Neste particular, refere Vieira de Almeida, in A Justiça Administrativa (Lições), 15.ª ed., 2016, pp. 320 e s.:

“(…)

Antes de 2015, nas situações intermédias, que correspondem à grande maioria dos casos, em que há uma incerteza prima facie relativamente à existência da ilegalidade ou do direito do particular, a lei optava por uma graduação, em função do tipo de providência requerida: a) se a probabilidade fosse maior, isto é, “se fosse provável que a pretensão principal viesse a ser julgada procedente nos termos da lei", podia ser decretada a providência, mesmo que fosse antecipatória; b) se a providência pedida fosse apenas uma providência conservatória, já não era preciso que se provasse ou que o juiz ficasse com a convicção da probabilidade de que a pretensão fosse procedente, bastando que não fosse manifesta a falta de fundamento da pretensão principal ou a existência de circunstâncias que obstassem ao seu conhecimento do mérito. Por outras palavras, a lei bastava-se com um juízo negativo de não-improbabilidade (non fumus malus) da procedência da acção principal para fundar a concessão de uma providência conservatória, mas obrigava a que se pudesse formular um juízo positivo de probabilidade para justificar a concessão de uma providência antecipatória.

A eliminação desta diferenciação, em 2015, pode justificar-se pela dificuldade e eventual inadequação, em alguns casos, da distinção conceitual entre as providências, mas significa objectivamente uma maior exigência de prova feita ao requerente para a obtenção de medidas cautelares conservatórias - e, portanto, um maior relevo negativo da juridicidade material. [sublinhado nosso]

Seja como for, o fumus boni iuris não é decisivo, tendo de verificar-se os outros requisitos necessários para a concessão, designadamente, o receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente, bem como, conforme veremos a seguir, a proporcionalidade dos efeitos.

Há, portanto, aqui, um tributo à justiça material (à legalidade e aos direitos dos particulares), que deixa de ser, como era antes de 2002, a pretexto da sumaridade do conhecimento do juiz, sacrificada ou menosprezada por respeito, por vezes absolutamente indevido, ao poder administrativo e à pretensão de validade dos seus actos - embora o Código, com alguma prudência, não confira à "aparência do direito” uma prevalência absoluta, precisamente por estarem em jogo interesses contrapostos e conflituantes, que necessitam, como veremos melhor, de uma ponderação.

Na realidade, a relevância da juridicidade material, sobretudo nos casos de incerteza à primeira vista, não pode ser pretexto para alongar e desvirtuar o processo cautelar - que, visando uma decisão provisória ou interina, se caracteriza justamente por uma cognição sumária sobrecarregando-o com uma argumentação e uma instrução aprofundadas sobre o mérito da causa, como se fosse um processo principal. A referência ao “fumus”, ou seja, à "aparência” do direito visa justamente exprimir que a convicção prima facie do fundamento substancial da pretensão é bastante e é adequada à decisão cautelar, ao contrário do que se exige na decisão dos processos principais.

Também explica Mário Aroso de Almeida, a este propósito, in Manual de Processo Administrativo, 2ª ed., 2016, p. 451, o seguinte: “A atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo [sublinhado nosso]. Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá formular no processo principal.”.

Significa isto que no actual regime do CPTA a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma.

Do exposto resulta que, caracterizando-se o processo cautelar pela provisoriedade e urgência, o requisito relativo à aparência do bom direito implica um juízo sumário e perfunctório de probabilidade de procedência da acção principal.

Ora, verificado o art. 45.º do EFJ, temos que a nomeação definitiva depende da aptidão do funcionário para o exercício das funções e uma vez que não se encontra legalmente prevista a conversão automática da nomeação provisória para definitiva, será sempre necessária uma decisão de nomeação.

Com efeito, dispõe o n.º 1 do artigo 45.º do EFJ que “(…) findo o período inicial ou a sua prorrogação, os funcionários são nomeados definitivamente se tiverem aptidão para o lugar”. E o n.º 2 do mesmo artigo 45.º do EFJ, que: “[os] funcionários que durante o período probatório não revelem aptidão para o desempenho de funções podem ser exonerados a todo o tempo.” Resulta, pois, da conjugação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º, a possibilidade de a exoneração ser decidida quer durante, quer após o terminus do prazo do período probatório, tal como alegado pelo Recorrido.

Neste capítulo, a análise do regime legal aplicável levada a cabo pelo tribunal a quo dá resposta à questão colocada pela Recorrente quando pugna pela sua nomeação definitiva, pelo que se passa a transcrever o seu discurso fundamentador:

O provimento nas categorias de ingresso das carreiras do grupo do pessoal oficial de justiça efetua-se nos termos dos artigos 42.º e 45.º, do EFJ.

Em particular, pode ler-se no artigo 45.º do EFJ o seguinte:

1 - O período probatório em lugares de ingresso das carreiras de oficial de justiça tem a duração de um ano, prorrogável por seis meses; findo o período inicial ou a sua prorrogação, os funcionários são nomeados definitivamente se tiverem revelado aptidão para o lugar.

2 - Os funcionários que durante o período probatório não revelem aptidão para o desempenho de funções podem ser exonerados a todo o tempo.

3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, é aplicável, com as necessárias adaptações, o preceituado no artigo 29.º, competindo ao imediato superior hierárquico a elaboração do relatório sobre o aproveitamento do funcionário e ao secretário de justiça a emissão de parecer.

4 - Os funcionários que tenham sido exonerados por inaptidão só poderão reingressar nas carreiras de oficial de justiça em novo procedimento de admissão e nunca antes de dois anos após a exoneração.

É, pois, quanto à interpretação e aplicação do n.º 2 deste artigo 45.º do EFJ que as partes dissentem.

Com efeito, a Requerente considera que não pode ser exonerada por inaptidão uma vez findo o período probatório, dado que a sua nomeação provisória se converteu em definitiva. Diferentemente, a Entidade Requerida defende que tal exoneração pode suceder por reporte ao período probatório, mesmo que após o seu termo.

Vejamos.

Atento o teor do n.º 1 do referido preceito legal, constata-se, desde logo, que a passagem à situação de nomeação definitiva não resulta automaticamente do fim temporal do período probatório, pressupondo a emissão de uma decisão de nomeação definitiva, que avalie os respetivos pressupostos, não se confundindo, nem se limitando a confirmar a nomeação provisória (neste sentido, veja-se o acórdão o Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 0210/16, de 13/10/2016).

No n.º 2, por seu turno, prevê-se que os funcionários que durante o período probatório não revelem aptidão, podem ser exonerados a todo o tempo. Assim, a falta de aptidão para o exercício de funções tem que ser apreciada quanto ao período probatório e respetiva prorrogação. E tal exoneração pode ocorrer em momento posterior ao termo do período probatório?

O diploma legal em apreço, contrariamente ao que sucedia, por exemplo, no Decreto-Lei n.º 427/89, de 07/12 (diploma que definia o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, posteriormente revogado pelo artigo 116.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro), não prevê a conversão automática da nomeação provisória em definitiva, carecendo de ato expresso do órgão competente para o efeito. Ademais, a lei também prevê que tal nomeação apenas ocorrerá se o funcionário tiver revelado aptidão para o lugar (artigo 45.º, n.º 1 do EFJ).

Considerando, assim, que a nomeação definitiva depende da aptidão do funcionário para o exercício de funções e, ainda, que não se encontra legalmente prevista a conversão automática da nomeação provisória para definitiva, afigura-se que não procede a alegada violação do artigo 45.º do EFJ.

Com efeito, não se pode aplicar nesta sede a jurisprudência que entendia, ao abrigo do já referido Decreto-Lei n.º 427/89, de 07/12, que tal ato de exoneração tinha que ser praticada até ao termo do período probatório, posto que a nomeação provisória se convertia em definitiva, o que, como sobredito, não sucede no caso dos autos. Posto isto, concatenando os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do EFJ tem que se admitir que a nomeação definitiva não terá lugar caso o funcionário tenha sido declarado inapto para o efeito, ainda que já tenha decorrido, na íntegra, o período probatório. E, na interpretação da lei, tem que se presumir que o legislador «consagrou as soluções mais adequadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil).

Tal como se concluiu no acórdão do STA citado na sentença recorrida: “[a] passagem à situação de nomeação definitiva, com todas as consequências que lhe são próprias, designadamente de natureza salarial, não resulta automaticamente do fim temporal do período probatório, antes pressupondo a emissão de uma decisão de nomeação definitiva, que avalie os respectivos pressupostos, não se confundindo, nem se limitando a confirmar a nomeação provisória. // Enquanto não foram nomeados e investidos definitivamente, os oficiais de justiça em período probatório estavam em situação jurídica diferente dos funcionários já providos definitivamente”.

Por aqui se vê que, numa apreciação sumária que é aquela que neste sede se impõe, não se verifica o erro de direito imputado neste ponto à sentença recorrida.

Continua a Recorrente a pretender a censura da sentença recorrida, alegando que esta violou o art. 53° da CRP porque restringiu um direito fundamental, uma vez que quanto mais dilatado for o período probatório, maior a precariedade da relação jurídico- laboral e mais frágil a garantia na segurança do emprego. De igual modo, também no plano constitucional, alega que ocorreu violação do princípio da proporcionalidade, por o acto suspendendo ter sido proferido 10 meses após o termo da prorrogação do período probatório. Mas sem razão.

Desde logo não houve lugar a qualquer despedimento sem justa causa, mas antes à aplicação do regime legal relativo à avaliação do período probatório, nos termos previstos no artigo 45.º do EFJ, tal como explicitado supra. Tal avaliação ocorreu no termo do período probatório e por referência ao mesmo, após o que se seguiram os trâmites de audiência dos interessados e decisão final (cfr. alíneas H) a P) do probatório).

E também como referido na sentença recorrida, não se considera resultar violado o princípio da proporcionalidade, nas vertentes de adequação, razoabilidade e necessidade. Como naquela se afirmou: “É certo que foi longo o tempo que mediou entre o termo do período probatório e o ato de exoneração, porém, tal decorreu após a tramitação do respetivo procedimento, tendente a assegurar o exercício do contraditório e a emissão dos pareceres legalmente previstos.

No caso em apreço, o facto de a ora Recorrente ter continuado em funções para além do término da prorrogação do período probatório, não ofende o núcleo essencial do direito à segurança no emprego (art. 53.º da CRP), nem é violador do princípio da proporcionalidade. Veja-se que logo “em 06.10.2016, a Secretária de Justiça proferiu parecer, no qual propôs que fosse declarada a ora Recorrente como “Não Apta” (cfr. E) supra), e, deferido que foi o pedido de prorrogação do período probatório por mais seis meses, em 17.07.2017 “as Escrivãs Adjuntas do Juízo ...................., na ausência da Escrivã de Direito por motivo de doença, emitiram relatório no qual concluem pela declaração da Requerente como “não apta” para o exercício das funções de oficial de justiça (cfr. H) supra), do que a Recorrente tomou conhecimento em 21.07.2017 (idem I). Posteriormente, em 20.09.2017, novamente a Secretária de Justiça elaborou parecer, no qual concluiu pela não aptidão da Recorrente para a carreira de oficial de justiça (cfr. J) supra), seguindo-se a tramitação procedimental que se impunha e onde se asseguram os direitos de participação e defesa da mesma, tudo como decorre do provado em K), L), M), N), O) e P), evidenciando-se aí as vicissitudes próprias da tramitação do procedimento administrativo em causa.

Não procede o recurso, assim, por esta via.

E também não pode proceder considerando a arguição agora efectuada no presente recurso jurisdicional a propósito da alegada caducidade do procedimento administrativo por aplicação do disposto no art. 128.º, n.º 6, do CPA.

Neste ponto suscita o Recorrido estarmos perante questão nova, a qual não pode ser conhecida em sede de recurso.

Em causa esta a alegação introduzida no recurso a propósito da aplicação do art. 128.º, n.º, 6, do CPA, que dispõe que “[os] procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados caducam, na ausência de decisão, no prazo de 180 dias. Compulsada a causa de pedir constante da p.i., verifica-se que nela se invocava a violação do artigo 45.º, n.º 2 do EFJ, por o acto suspendendo ter sido praticado após o termo do período probatório (art. 14.º e s. da p.i.), a violação do princípio da proporcionalidade e o direito à segurança no emprego e proibição dos despedimentos sem justa causa, ínsitos nos artigos 18.º e 53.º, n.º 1 da CRP (art. 33.º a 43.º da p.i.).

Ora a matéria relativa à caducidade do procedimento enquanto causa invalidante do acto suspendendo, insere-se ainda no âmbito da discussão atinente ao invocado vício de violação de lei. Na verdade, trata-se de alegação que continua a ter por referência a aplicação do art. 45.º do EFJ que versa sobre o período probatório. Não estamos, assim, perante questão nova que seja insusceptível de ser conhecida por este tribunal superior: a questão permanece a mesma e consubstancia-se em apurar da (in)validade do acto de exoneração praticado decorrido o período probatório.

Porém, estamos em crer que o art. 128.º, n.º 6, do CPA não se mostrará aplicável ao caso em presença.

Dispõe a referida norma que “[o]s procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados caducam, na ausência de decisão, no prazo de 180 dias”. E estamos perante um procedimento de admissão para ingresso nas carreiras do grupo de pessoal oficial de justiça, previsto no Estatuto dos Funcionários Judiciais (Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de agosto, com a última redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2016, de 8 de Novembro).

Ora, dispõe o já citado artigo 45.º, n.º 1, que “[o] período probatório em lugares de ingresso das carreiras de oficial de justiça tem a duração de um ano, prorrogável por seis meses (…). Significa isto que nos termos do Estatuto dos Funcionários de Justiça, esta fase terá sempre mais de seis meses, já que o período probatório ultrapassa per si este prazo, impondo, posteriormente ainda uma decisão quanto à respectiva nomeação demonstrada a sua aptidão para a função. Ou seja, a realidade procedimental sobre a qual o art. 128.º, n.º 6, do CPA versa não é aquela objecto dos autos.

A este respeito refere Tiago Antunes (cfr. Comentários ao Novo Código do Procedimento Administrativo, 2016, vol II, 3.ª Edição, p. 175), que o prazo de caducidade de 180 dias previsto naquele n.º 6 do artigo 128.º “(…) diz respeito a procedimentos de iniciativa oficiosa (passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados), isto é, a situações em que não existe um dever de decisão e, portanto, não se trata de apurar um prazo para o respetivo cumprimento, mas de outra realidade distinta.” Como refere o Autor citado, “embora não exista uma obrigação jurídica de decidir em 90 dias sobre um pedido apresentado à Administração, entendeu-se que o procedimento administrativo não deve estar aberto ad aeternum sem qualquer desfecho”, mais adiantando que passado esse prazo, “tais particulares podem descontrair, com a certeza de que já não serão confrontados com a prática de um acto lesivo no âmbito do procedimento que caducou (idem, pp. 179 e 180).

A verdade é que da interpretação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do EFJ a nomeação definitiva não terá lugar caso o funcionário tenha sido declarado inapto para o efeito. E essa decisão não está abrangida - pela sua própria natureza, especialidade e pelo procedimento em causa – pela previsão normativa do art. 128.º, n.º 6, do CPA (o art. 128.º, nº 6, aplicar-se-á aos procedimentos de iniciativa oficiosa, em que não há dever de decidir, mas em que poderá ser praticado um acto desfavorável para o particular visado).

Improcede igualmente por esta via o recurso.

Assim, nada mais cumprindo apreciar, tem que negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a sentença recorrida, a qual aplicou correctamente o direito.



III. Conclusões

Sumariando:

I – No regime do CPTA (revisto pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro) a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma.

II – Interpretando conjuntamente o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do Estatuto dos Funcionários Judiciais (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 73/2016, de 8 de Novembro), resulta que a nomeação definitiva não terá lugar caso o funcionário tenha sido declarado inapto para o efeito, ainda que já tenha decorrido, na íntegra, o período probatório.

III – E a passagem à situação de nomeação definitiva, com todas as consequências que lhe são próprias, não resulta automaticamente do fim temporal do período probatório, antes pressupondo a emissão de uma decisão de nomeação definitiva.

IV- O art. 128.º, n.º 6, do CPA, que sanciona a ausência de decisão do procedimento no prazo de 180 dias com a caducidade do mesmo, aplicar-se-á aos procedimentos de iniciativa oficiosa, em que não há dever de decidir, mas em que poderá ser praticado um acto desfavorável para o particular visado.

IV – Não se mostrando preenchido o pressuposto do fumus boni juris por referência ao acto suspendendo que determinou a exoneração por inaptidão da ora Recorrente, tem a providência cautelar que ser indeferida.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.

Notifique.

Lisboa, 20 de Setembro de 2018


Pedro Marchão Marques
Nuno Coutinho
Cristina Santos