Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2838/10.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:12/10/2019
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR;
PRESCRIÇÃO DA INSTAURAÇÃO DO PROCESSO DISCIPLINAR;
PROCESSO DE INQUÉRITO;
FALTA DOS PRESSUPOSTOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO DE INQUÉRITO.
Sumário:I. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, é necessário que os fundamentos da decisão se encontrem em oposição com a decisão, no sentido de que entre os fundamentos e a decisão não pode existir contradição lógica.

II. Constituindo finalidade do processo de inquérito o apuramento de factos, não se vislumbra que fosse necessário o prévio esclarecimento das circunstâncias relativas à prática da infração, por as mesmas, nos seus aspectos essenciais, serem conhecidas antes mesmo da instauração do processo de inquérito.

III. Embora o disposto no n.º 1 do artigo 81.º do ECTOC preveja o processo de inquérito “sempre que não esteja concretizada a infracção ou não seja conhecido o seu autor e quando seja necessário proceder a averiguações destinadas ao esclarecimento dos factos”, podendo ser configurado como um momento instrutório anterior ao processo disciplinar, aquando da sua instauração já era conhecida, encontrando-se suficientemente concretizada, quer a infração disciplinar, enquadrada no artigo 53.º do ECTOC, quer o seu autor, não se vislumbrando que fossem necessárias realizar outras averiguações ou sequer que os factos a esclarecer não pudessem sê-lo no âmbito do próprio processo disciplinar.

IV. No caso em apreço não se encontravam preenchidos os pressupostos para a abertura do processo de inquérito, por serem já conhecidos os elementos essenciais relativos à prática da infração disciplinar por parte do sujeito, ora Autor.

V. Admite-se uma margem de liberdade de decisão da entidade com competência disciplinar para abrir ou não o processo de inquérito, optando ou não pela imediata abertura do processo disciplinar, tanto mais, no caso concreto, considerando a amplitude conferida pelo disposto no n.º 1 do artigo 81.º do ECTOC, mas no caso não se encontravam preenchidos os pressupostos previstos no âmbito da norma, sendo estes de controlo vinculado.

VI. A decisão de abertura de processo de inquérito ou de processo disciplinar não é inteira ou totalmente livre, antes obedecendo a pressupostos legais, em cuja génese radica o interesse na averiguação dos factos ou ocorrências, ou mesmo da sua autoria material, mas simultaneamente interesses do serviço e do próprio arguido, que não se compadecem com o arrastar no tempo do processo.

VII. Sempre que esteja concretizada a infração, o seu autor seja conhecido e não seja necessário proceder a averiguações destinadas ao esclarecimento dos factos, a entidade com competência disciplinar não tem a liberdade de decidir pela abertura de procedimento de inquérito previamente à abertura de processo disciplinar.

VIII. Por o ato de abertura do processo de inquérito não se inserir na previsão do disposto no n.º 1 do artigo 81.º do ECTOC, não se justifica a suspensão dos prazos de prescrição que decorrem da instauração do processo disciplinar, nos termos do n.º 1 do artigo 62.º do ECTOC.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A Ordem dos Contabilistas Certificados, devidamente identificada nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, datada de 26/11/2016, que no âmbito da ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, instaurada por Norberto .........., julgou a ação procedente e declarou nula a deliberação disciplinar punitiva da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, de 16/11/2010, que determinou a aplicação da pena disciplinar de advertência.


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Formula a aqui Recorrente, Ordem dos Contabilistas Certificados nas respetivas alegações, as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem:

“A- O Tribunal a quo considerou procedente a acção aí julgada, declarando nulo o acto do Conselho Disciplinar da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas praticado por deliberação de 16.11.2010 e constante do Acórdão n.º 2027/10, de 16.11.2010, através do qual se aplicou ao Autor, ora Recorrido, uma pena de advertência.

B- O Tribunal a quo alicerçou o seu entendimento na ilegalidade do procedimento disciplinar, por verificados os (dois) prazos de prescrição aquando da sua instauração, quer o de 3 meses do conhecimento da infracção, quer dos 3 anos a contar da data da prática do facto.

C- No plano das normais legais aplicáveis, é de notar que o n.º 1 do artigo 62° do ECTOC prescrevia e prescreve o seguinte: “O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passado três anos sobre a data em que o facto tiver sido cometido ou se, conhecido o facto, a entidade competente, nos três meses seguintes à data do conhecimento, não instaurar o procedimento disciplinar”.

D- Por sua vez, o artigo 81.º do ECTOC, permitia e permite ao Conselho Disciplinar iniciar o procedimento disciplinar contra um TOC através da abertura de um processo de inquérito, "Sempre que não esteja concretizada a infracção ou não esteja conhecido o seu autor, e quando seja necessário proceder a averiguações destinadas ao esclarecimento dos factos".

E- Porém, ao contrário do entendimento perfilhado pela decisão recorrida, o processo de inquérito, nos termos regulados no ECTOC, não é autónomo do processo disciplinar, integrando-se neste, a não ser quando conduza ao arquivamento. O processo de inquérito é, antes, a instrução do processo disciplinar, sem prejuízo de neste poderem ainda ser realizadas diligências complementares de prova."

F- É clara a jurisprudência que aponta neste sentido. Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, processo 07068/10, de 23-03-201 1, Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 25-05-2012 proc. 01687/09.4BEPRT, Acórdão do TCAN, de 16.11.2006, Rec. 817/04.7BEBRG, a título exemplificativo.

G- O Tribunal errou claramente ao considerar, para efeitos de prescrição, a data de 12.04.2010, data em que ocorre a deliberação da convolação do processo de inquérito em procedimento disciplinar.

H- Com efeito, a data validamente a considerar seria a de 05/03/2007, data em que a entidade competente (Conselho Disciplinar), reunida em sessão, deliberou a abertura do respectivo processo de inquérito n.º …/07.

I- Sendo de reiterar que a entidade competente- Conselho Disciplinar da Ordem apenas tomou conhecimento do facto em 21/12/2006 antes, pois, de decorridos quaisquer dos prazos de prescrição (3 anos ou 3 meses, respectivamente), estatuídos nas normas legais à data aplicáveis (Decreto- Lei 452/99, de 5/11).

J- O processo de inquérito foi, pois, instaurado logo após 2 meses e 46 dias (ou, dito de outro modo, passados apenas 75 dias) depois do seu conhecimento pela entidade competente- Conselho Disciplinar.

K- Não foi, pois, sequer atingido o prazo de 3 meses que o Conselho Disciplinar tinha ao seu alcance para a abertura do processo.

L- Também tendo ocorrido a infracção em 01 de Dezembro de 2006 e o Conselho Disciplinar tido conhecimento dos factos em 21 de Dezembro de 2006 (registo do carimbo a fls. 1 dos autos disciplinares), como é absolutamente claro, nem tão pouco haviam decorrido o prazo de prescrição de 3 anos...

M- O Tribunal a quo, de resto, ao dar nota da existência do inquérito prévio, acabou por aí incluir fundamentos que estão em oposição ou contradição com a própria decisão, facto que gera a nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º 668.º n.º 1 al.ª c) do Código do Processo Civil ex vi arts. 1 e 140.º do CPTA.

N- A sentença de que ora se recorre violou, desta forma, o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, na versão então em vigor, Decreto- Lei 452/99, de 5 de Novembro, ao não interpretar e aplicar correctamente as normas jurídicas ao caso aplicáveis concretamente, os artigos 60.º, 61.º, 62.º n.º 1 e 81.º, respectivamente.

O- O Tribunal não teve em consideração toda a prova documental constante nos autos, nomeadamente, as diligências instrutórias e os factos, bem como as normas ao caso aplicáveis, assim violando as já apontadas normas constantes do Estatuto da CTOC e o disposto nos arts.º 615.º n.º 1 al e 616.º n.º 2 al.ª a) e b) do Código de Processo Civil ex vi arts. 1 e 140.º do CPTA.

P- De resto, a dado momento, os fundamentos constantes na decisão que ora se recorre, estão em oposição com a própria decisão, facto que gera a nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.0 615.º n.º 1 al.ª c) do Código do Processo Civil ex vi art.º 140.º n.º 3 do CPTA.

Q- Em conclusão, a decisão jurisdicional padece do vício de violação de lei, devendo, em consequência, o Tribunal declarar a sua nulidade na parte que julgou procedente a violação do vício de lei do acto impugnado, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito e em consequência anulou o Acórdão 2027/10, de 16/11, proferido pelo Conselho Disciplinar da então designada Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.”.

Pede que a sentença seja declarada nula na parte em que julgou procedente o vício de violação de lei e a Ré absolvida do pedido, mantendo-se a decisão disciplinar.


*

O ora Recorrido, notificado da admissão do recursão, não apresentou contra-alegações, nada tendo dito ou requerido.

*

Notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não foi emitido parecer.

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O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

Segundo as conclusões do recurso, as questões suscitadas pela Recorrente, resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de:

1. Nulidade decisória, por os fundamentos estarem em oposição ou contradição com a decisão, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC;

2. Erro de julgamento ao dar por verificados os dois prazos de prescrição, de 3 meses a contar do conhecimento da infração e de 3 anos a contar da data da prática do facto, por o processo de inquérito não ser autónomo em relação ao processo disciplinar, mas integrar-se neste, em violação dos artigos 60.º, 61.º, 62.º n.º 1 e 81.º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, na versão do D.L. n.º 452/99, de 05/11 e ao não considerar toda a prova documental, em violação dos artigos 615.º n.º 1 e 616.º, n.º 2, alínea a) e b) do CPC.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

a) Com data de 07.12.2006, foi endereçada à Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, carta com o seguinte teor:


"Texto integral no original; imagem"

Cfr doc de fls 4 do PA

b) À carta descrita em a) foi anexo documento datado de 01.12.2006 e com o seguinte teor:


"Texto integral no original; imagem"

Cfr doc. de fls. 5 do PA

c) Com data de 19.12.2006, o Presidente da Direcção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, remeteu a Luís .........., carta com o seguinte teor:

Cfr doc de fls 6 do PA

d) Com data de 19.12.2006, o departamento jurídico da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, remeteu ao Presidente da Direcção proposta com o teor que consta de fls 1 e 2 do PA, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, e de que consta, além do mais, o seguinte:


"Texto integral no original; imagem"

(…)

Cfr doc de fls 1 e 2 do PA

e) Em 20.12.2006, o Presidente da Direcção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas proferiu despacho sobre aquela informação com o seguinte teor: “Concordo. Remeta-se ao Conselho Disciplinar”; Cfr fls 1 do PA

f) Em 21.12.2006 aquela proposta deu entrada no Conselho Disciplinar da Câmara dos Técnicos Oficiais de contas; Cfr fls 1 do PA

g) Na sessão do Conselho Disciplinar da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas de 05.03.2007, foi deliberado abrir o PI …/07, e designar instrutor o Dr Nuno ..........; Cfr fls 1 e 7 do PA

h) Com data de 07.03.07, o Presidente do Conselho Disciplinar da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, remeteu a Luís .........., carta com o seguinte teor:


"Texto integral no original; imagem"

Cfr doc de fls. 7 do PA

i) Em 13.03.2007, deu entrada nos serviços do Conselho de Disciplina da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, carta datada de 12.03.2007, subscrita pelo Autor e dirigida ao processo de inquérito PI …/07, com o seguinte teor:


"Texto integral no original; imagem"

"Texto integral no original; imagem"


Cfr doc de fls 12 e 13 do PA

j) Em 17.05.2007, deu entrada nos serviços do Conselho de Disciplina da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, carta datada de 16.05.2007, subscrita pelo Autor e dirigida ao processo de inquérito PI 67/07, com o seguinte teor:


"Texto integral no original; imagem"

Cfr doc de fls 17 do PA

k) Com data de 09.04.2009, pelo Instrutor do Processo de Inquérito PI-…/07, foi elaborado relatório com o teor que consta de fls 21 a 26 do PA, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, além do mais, o seguinte:

“(…)


"Texto integral no original; imagem"

(…)


(…)

"Texto integral no original; imagem"

"Texto integral no original; imagem"

(…)

Cfr doc de fls 21 a 26 do PA

l) Por deliberação do Conselho Disciplinar da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas tomada em sessão de 12.04.2010, o processo de inquérito n.º …/07 foi convolado em Processo Disciplinar a que foi atribuído o n.º PDI-67/07; Cfr doc de fls 27 e 28 do PA

m) Com data de 14.04.2010, no âmbito do Processo Disciplinar n.º PDI-…/07, foi proferido, pelo respectivo Instrutor, Despacho de Acusação cujo teor consta de fls 29 a 33 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, além do mais, o seguinte:


(…)

Cfr doc de fls 29 a 33 do PA

n) Em 24.05.2010, deu entrada nos serviços do Conselho Disciplinar da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, defesa escrita do ora Autor à acusação proferida no âmbito do processo disciplinar n.º PDI – …/07, com o teor que consta de fls 45 a 48 do PA, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, além do mais, o seguinte:


(…)

"Texto integral no original; imagem"

(…)

Cfr doc de fls 45 a 48

o) Através de carta datada de 09.06.2010, o Instrutor do Processo Disciplinar PDI- …/07, deu a conhecer ao ora Autor, na pessoa do seu ilustre mandatário, a posição tomada sobre a prescrição invocada na defesa escrita daquele, concluindo que:

(…)

Por conseguinte, o presente processo disciplinar, não se encontra prescrito, nem pelo decurso dos 3 anos nem pelo decurso dos 3 meses.

Cfr doc de fls 60 e 61 do PA

p) Em 27.10.2010, deram entrada nos Serviços do Conselho Disciplinar da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, as alegações escritas do ora Autor, apresentadas no âmbito do processo disciplinar n.º PDI – …/07, com o teor que consta de fls 72 a 74, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

q) Em 16.11.2010, no âmbito do processo disciplinar n.º PDI-…/07, por acórdão com o n.º 2027/10, cujo teor aqui se dá por reproduzido, o Conselho Disciplinar da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, deliberou aplicar ao aqui Autor, a pena disciplinar de advertência, com os fundamentos de facto e de direito constantes do respectivo relatório de instrução; Cfr doc de fls 75 a 83 do PA


*

Inexistem outros factos sobre os quais o Tribunal se deva pronunciar já que as demais asserções constituem meras considerações ou conclusões, não resultando provados outros factos com interesse para a decisão da causa

*

A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto fundou-se na análise crítica aos documentos juntos aos autos bem como ao processo administrativo junto pela Entidade Demandada, no qual se encontra o processo disciplinar que culminou com a condenação do ora Autor, nenhum deles impugnados, tal como se fez referência a propósito de cada uma das alíneas antecedentes.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional, segundo a sua ordem lógica e de precedência de conhecimento.

1. Nulidade decisória, por os fundamentos estarem em oposição ou contradição com a decisão, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC

Nos termos da alegação da Recorrente enferma a sentença recorrida de nulidade decisória, nos termos do disposto na alínea c), do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, com o fundamento de dar nota da existência do processo de inquérito, prévio ao processo disciplinar e decidir pela prescrição, o que traduz uma contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão.

Vejamos.

Considerando a data da sentença recorrida, de 26/11/2016, encontrava-se já em vigor o novo Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, pelo que é esta a lei processual civil aplicável e não o anterior CPC, como pugna a Recorrente.

Em consequência, não será a norma do artigo 668.º a aplicável, mas antes o disposto no artigo 615.º do CPC, o qual será o considerado no presente recurso.

A sentença, enquanto decisão judicial, pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à sua eficácia ou validade:

i) pode ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo a consequência a da sua revogação (erro de julgamento de facto ou de direito);

ii) como acto jurisdicional, pode ter violado as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é emanada, tornando-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º do CPC.

A Recorrente reconduz as nulidades invocadas ao disposto na alínea c) do disposto no n.º 1 do artigo 668.º do CPC.

Em causa, está a alegação de fundamentos que estejam em oposição com a decisão.

Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, é necessário que os fundamentos da decisão se encontrem em oposição com a decisão, no sentido de que entre os fundamentos e a decisão não pode existir contradição lógica.

Tal acontecerá se o juiz adotar determinada linha de raciocínio e depois ao invés de a prosseguir, extraindo dela a devida consequência jurídica, assumida no segmento decisório, vir a decidir em sentido divergente ou oposto, que a fundamentação aduzida não permitiria adivinhar.

Confrontada, quer a fundamentação de facto, quer a fundamentação de direito aduzida na sentença recorrida, com a decisão que foi proferida pelo Tribunal a quo, objeto de recurso, não existe a invocada contradição, pois que não é possível extrair o juízo que o juiz tenha fundamentado a decisão num determinado sentido e haja concluído noutro sentido, oposto ou divergente.

O que existe é a valoração dos factos dados por assentes para deles se extrair a conclusão jurídica, com a qual a Recorrente não concorda, mas que em si mesma não enferma da nulidade invocada.

A circunstância de a sentença recorrida ter considerado a existência do processo de inquérito e concluir pela prescrição do procedimento não encerra em si mesma qualquer contradição, que determine a sua nulidade.

Podendo constituir eventual erro de julgamento, não se traduz em qualquer contradição lógica.

Pelo que, não procede a nulidade assacada à sentença recorrida, a que se referem as conclusões do recurso.

2. Erro de julgamento ao dar por verificados os dois prazos de prescrição, de 3 meses a contar do conhecimento da infração e de 3 anos a contar da data da prática do facto, por o processo de inquérito não ser autónomo em relação ao processo disciplinar, mas integrar-se neste, em violação dos artigos 60.º, 61.º, 62.º n.º 1 e 81.º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, na versão do D.L. n.º 452/99, de 05/11 e ao não considerar toda a prova documental, em violação dos artigos 615.º n.º 1 e 616.º, n.º 2, alínea a) e b) do CPC

Segundo a Recorrente a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao julgar nulo o ato impugnado, a deliberação de 16/11/2010, de aplicação da pena de advertência, com fundamento na ilegalidade do procedimento disciplinar por verificados os prazos de prescrição aquando da sua instauração, quer o de 3 meses do conhecimento da infração, quer o dos 3 anos, a contar da prática do facto, segundo o n.º 1 do artigo 62.º e o artigo 81.º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (ECTOC), aprovado pelo D.L. n.º 452/99, de 05/11.

Defende que o processo de inquérito não é autónomo em relação ao processo disciplinar, antes se integrando nele.

Invoca que o processo de inquérito é antes a instrução do processo disciplinar, sem prejuízo de neste serem realizadas diligências complementares de prova.

Alega que o Tribunal errou ao considerar para efeitos de prescrição a data de 12/04/2010, em que ocorre a convolação do processo de inquérito em disciplinar, por a data a considerar ser a de 05/03/2007, data em que foi deliberada a abertura do processo de inquérito.

Tendo o Conselho Disciplinar apenas tomado conhecimento dos factos em 21/12/2006, não decorreram qualquer dos prazos de prescrição, de 3 anos ou de 3 meses, encontrando-se violados os artigos 60.º, 61.º, 62.º n.º 1 e 81.º do ECTOC.

O Tribunal a quo não considerou todas as provas produzidas, incorrendo em violação dos artigos 615.º e 616.º do CPC.

Vejamos.

Tendo presente a matéria de facto constante do julgamento de facto, dela resulta que em 07/12/2006 existiu uma denúncia de factos, relativos a publicidade de empresas de contabilidade, sendo junta “fotocópia do jornal .......... (Estremoz) onde quinzenalmente estes nossos colegas fazem o seu reclame (…)”.

Em 19/12/2006 o departamento jurídico da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas remeteu ao Presidente da Direção uma proposta de remessa do assunto ao Conselho Disciplinar por os factos denunciados poderem consubstanciar a prática de infração disciplinar, por referência ao artigo 53.º do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.

Em 20/12/2006 o Presidente da Direção proferiu despacho de concordância, remetendo o processo ao Conselho Disciplinar, o qual deu ali entrada em 21/12/2006 e em 05/03/2007 foi deliberado abrir processo de inquérito.

Mais se encontra demonstrado que em 12/04/2010 o processo de inquérito foi convolado em processo disciplinar e em 16/11/2010 foi proferida a decisão impugnada, de aplicação da sanção disciplinar de advertência ao Autor.

Com base nestes factos, veio a sentença recorrida entender que tendo o processo disciplinar sido instaurado apenas em 12/04/2010, já decorreu o prazo de prescrição de 3 anos, assim como o prazo de 3 meses, previstos no n.º 1 do artigo 62.º do ECTOC.

Mais se decidiu que no caso, tendo anteriormente sido instaurado processo de inquérito antes de decorridos aqueles prazos, não se verificavam os pressupostos para que fosse instaurado esse processo de inquérito, por se encontrar determinados todos os factos relevantes, quer o autor da infração, quer a infração cometida.

Com relevo, extrai-se da sentença recorrida, o seguinte discurso fundamentador, com relevo para a apreciação do mérito do recurso:

É certo que o processo de inquérito que antecedeu aquele processo disciplinar foi instaurado num momento em que ainda não haviam passado esses três meses. Efectivamente, foi por deliberação tomada em 05.03.2007, que o conselho disciplinar deliberou a abertura de um processo de inquérito com vista à investigação daqueles factos. (conforme alínea g) da matéria de facto provada)

E, na verdade, o art.º 81.º n.º 1 do diploma em causa, previa a possibilidade de abertura de um processo de inquérito, que, na prática, funcionaria como uma fase de instrução prévia do próprio processo de inquérito.

Os termos em que o preceito se encontra redigido, admitem alguma liberdade na decisão de abrir ou não processo de inquérito na medida em que o que ali se encontra previsto é, justamente, que “pode ser ordenada a abertura de processo de inquérito…”.

Não obstante, essa não é uma decisão inteiramente livre da entidade competente para tal.

Efectivamente, ali se prevê a possibilidade de abertura desse processo de inquérito, “… sempre que não esteja concretizada a infracção ou não seja conhecido o seu autor e quando seja necessário proceder a averiguações destinadas ao esclarecimento dos factos.”

Daqui resulta, à contrário, que sempre que esteja concretizada a infracção, o seu autor seja conhecido, e não seja necessário proceder a averiguações destinadas ao esclarecimento dos factos, a entidade com competência disciplinar não tem a liberdade de decidir pela abertura de procedimento de inquérito previamente à abertura de processo disciplinar.

Isto é, a abertura de um processo de inquérito sem ser justificada objectivamente por uma das finalidades ali previstas é um acto que não se insere no âmbito da previsão daquele art.º 81.º n.º 1 e, como tal, não pode justificar a suspensão ou interrupção dos prazos de prescrição previstos no art.º 62.º do DL 452/99 de 05.11..

Ora, da matéria de facto provada, resulta que que logo na informação e proposta do departamento jurídico de 19.12.2006 a informação se mostrava concretizada. (conforme alínea d) da matéria de facto provada)

Isso mesmo foi confirmado pelo próprio presidente da Direcção da CTOC por carta da mesma data, quer pelo próprio Conselho Disciplinar através de cartas datadas de 07.03.07 (conforme alíneas c) e h) da matéria de facto provada).

Em qualquer destes momentos, que seja por indicação expressa do art.º 53,º do ECTOC, quer seja por referência para a sua epígrafe, a infracção pela qual o ora Autor veio a ser condenado, surge já aí perfeitamente identificada, e os factos que constituíram a sua causa, totalmente concretizados.

Por outro lado, o principal elemento de prova desses factos, isto é a cópia do jornal através do qual foi feita a publicação dos elementos que os órgãos da Entidade Demandada subsumiram na previsão do art.º 53.º daquele Estatuto, não deixavam dúvidas quanto ao seu autor, não se vislumbrando, até por aquilo que vieram a ser as conclusões do processo de inquérito, quais fossem os esclarecimentos de que os factos ali materializados careceriam.

Assim, não se encontrava verificada nenhuma das circunstâncias previstas no art.º 81.º para a abertura do processo de inquérito. Nestas condições, a sua abertura e o tempo da sua duração, tornaram-se absolutamente irrelevantes no curso dos prazos de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar previstos no art.º 62.º

Significa isto que, quer por força da primeira parte do art.º 62.º n.º do Estatuto da CTOC, quer por força da segunda parte, na data em que o processo disciplinar de que resultou a aplicação ao ora Autor da pena disciplinar de advertência foi instaurado já o correspondente direito se encontrava prescrito.

Todo o processo disciplinar é por isso nulo, por a sua instauração ter sido determinada para além do prazo de prescrição do respectivo direito, acarretando a nulidade do acórdão n.º 2027/10 de 16.11.2010 do Conselho Disciplinar da Ordem dos Técnicos Oficiais de Conta, nulidade que aqui se impõe declarar (…)”.

Resulta da fundamentação da sentença recorrida que se decidiu pela prescrição do processo disciplinar e pela ilegalidade da deliberação impugnada, de aplicação da sanção disciplinar de repreensão, por se ter entendido que não poderia ter sido instaurado processo de inquérito, sendo este, consequentemente, inapto para suspender o prazo da prescrição.

Segundo a sentença, já estava concretizada a infração e o seu autor e não era necessário proceder a averiguações destinadas ao esclarecimento dos factos, pelo que, a entidade com competência disciplinar não tinha a liberdade de decidir pela abertura de procedimento de inquérito previamente à abertura de processo disciplinar.

Assim, o que está, por isso, verdadeiramente em causa no presente recurso, consiste em saber no caso configurado nos autos, a entidade com competência disciplinar poderia ou não lançar mão do processo de inquérito em momento anterior à instauração do processo disciplinar, dependendo a procedência da prescrição da resposta a essa questão.

Tal como entendido na sentença recorrida, aquando a instauração do processo de inquérito, era já conhecida pela entidade com competência disciplinar, quer o facto ou comportamento a enquadrar como infração disciplinar, nos termos do artigo 53.º do ECTOC, que regula a “Angariação de clientela”, quer o técnico oficial de contas responsável por esse comportamento, o que decorre imediatamente da fotocópia do jornal entregue na denúncia apresentada.

Está em causa um facto objetivo, que é imediatamente apreensível, permitindo identificar quer o seu autor, quer a data da sua prática, quer a apreensão da concreta factualidade imputada ao seu autor.

Através do anúncio publicado no jornal de publicidade dos serviços de contabilidade, enquanto elemento factual e simultaneamente probatório eminentemente objetivo, encontra-se inteiramente demonstrado o comportamento ou facto da angariação de clientela e os seus termos, assim como a referida sociedade comercial em causa que oferece os seus serviços, como decorre dos termos da alínea b) do julgamento de facto.

Desde que existiu a denúncia e a mesma foi feita chegar ao Conselho Disciplinar da CTOC, foi conhecida a atuação em causa, traduzida na publicidade em jornal, acarretando a angariação eventualmente ilícita de clientela, conhecendo-se igualmente a sua imputação subjetiva ao ora Autor, nos termos que resultam provados da alínea d) do julgamento de facto.

Por isso, desde 21/12/2006 que os factos são conhecidos pelo órgão com competência disciplinar.

O que a factualidade assente também permite demonstrar é que foram tomadas diligências destinadas à identificação do autor material da conduta ou comportamento, antes mesmo da própria instauração do processo de inquérito, apurando-se “que o e-mail e morada apostos no referido documento correspondem ao TOC Norberto .........., inscrito na CTOC sob n.º .....” (cfr. alínea d) do probatório assente), porque no demais, atenta a natureza da conduta em si mesma, assim como a sua cabal demonstração, não poderiam existir dúvidas quanto ao facto a imputar ao sujeito da ação.

Constituindo finalidade do processo de inquérito o apuramento de factos, não se vislumbra que fosse necessário no caso concreto o prévio esclarecimento das circunstâncias relativas à prática da infração, por as mesmas, nos seus aspetos essenciais, serem conhecidas antes mesmo da instauração do processo de inquérito.

Estabelece o disposto no n.º 1 do artigo 81.º do ECTOC que o processo de inquérito pode ser instaurado “sempre que não esteja concretizada a infracção ou não seja conhecido o seu autor e quando seja necessário proceder a averiguações destinadas ao esclarecimento dos factos”.

Assim, podendo o processo de inquérito ser configurado como um momento instrutório anterior ao processo disciplinar, no caso em apreço aquando da sua instauração já eram conhecidos os elementos essenciais da infração, encontrando-se suficientemente concretizada quer a infração disciplinar, enquadrada no artigo 53.º do ECTOC, quer o seu autor, não se vislumbrando que fossem necessárias realizar outras averiguações ou sequer que os factos a esclarecer não pudessem sê-lo no âmbito do próprio processo disciplinar.

O que significa que no caso em apreço, não se encontravam preenchidos os pressupostos para a abertura do processo de inquérito, por serem já conhecidos os elementos essenciais relativos à prática da infração disciplinar por parte do sujeito, ora Autor.

Por isso, embora se admita a margem de liberdade de decisão da entidade com competência disciplinar para abrir ou não o processo de inquérito, optando ou não pela imediata abertura do processo disciplinar, tanto mais considerando a amplitude conferida pelo disposto no n.º 1 do artigo 81.º do ECTOC, no caso configurado em juízo, não se encontravam preenchidos os pressupostos previstos no âmbito da norma, sendo estes de controlo vinculado.

Tal como decidido na sentença sob recurso, a decisão de abertura de processo de inquérito ou de processo disciplinar não é inteira ou totalmente livre, antes obedecendo a pressupostos legais, em cuja génese radica o interesse na averiguação dos factos, das ocorrências ou mesmo da sua autoria material, mas, simultaneamente, interesses relacionados com entidade com competência disciplinar e do próprio arguido, que não se compadecem com o arrastar no tempo do procedimento disciplinar.

Por isso, são estabelecidos prazos disciplinadores do procedimento disciplinar, incluindo, de prescrição.

Deste modo, sempre que esteja concretizada a infração, o seu autor seja conhecido e não seja necessário proceder a averiguações destinadas ao esclarecimento dos factos, a entidade com competência disciplinar não tem a liberdade de decidir pela abertura de procedimento de inquérito previamente à abertura de processo disciplinar.

Pretende o legislador que o processo de inquérito seja justificado objetivamente em razão de alguma das suas finalidades, o que no caso dos autos não se verifica, por os elementos essenciais sobre a ocorrência da prática da infração disciplinar serem conhecidos da entidade com competência disciplinar.

Assim, o ato de abertura do processo de inquérito no presente caso não se insere no âmbito da previsão do disposto no n.º 1 do artigo 81.º do ECTOC, pelo que, em consequência, não se justifica a suspensão dos prazos de prescrição que decorrem da instauração do processo disciplinar.

Nestes termos, consideramos aplicável a doutrina emanada do Acórdão do STA, datado de 14/04/2010, Processo n.º 01048/09:

É sabido que o inquérito, como a sindicância não visam verificar e provar a irregularidade da conduta de um determinado funcionário, antes averiguar factos, ocorrências e situações de serviço. Assim quando a lei afirma que o inquérito suspende o decurso do prazo prescricional, é de pressupor que a sua instauração se tornou necessária, por não existir, no referido momento, conhecimento de qualquer falta disciplinar, imputável desde logo a um concreto funcionário, pese embora se saiba da existência de actuações irregulares, que podem, ou não, integrar infracção disciplinar.

Mas, se desde logo, for possível afirmar que um determinado comportamento, imputável a um funcionário individualizado, integra uma falta disciplinar e tal actuação chegou ao conhecimento do dirigente máximo do serviço, então não há que instaurar inquérito, apenas para “determinar a sua amplitude e eventuais responsáveis envolvidos” (artigo 88. n.º3 al. b) a contrario).

De outro modo o alcance pretendido no artigo 4. n.º 2 do ED ficaria totalmente postergado, com grave lesão dos interesses legítimos do arguido, para já não falar dos reflexos negativos no serviço, com a manutenção de uma situação de crise funcional por um período indeterminado.

Dito por outras palavras a instauração do inquérito só tem eficácia para suspender o prazo prescricional a que alude o artigo 4º n.º 2 do ED quando o mesmo for indispensável para averiguar se um certo comportamento é ou não subsumível a certa previsão jurídico-disciplinar, quem é o seu agente e em que circunstâncias se verificaram.

Fora deste enquadramento a instauração de inquérito não tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional.

Ora, como no caso vertente, e ainda que o processo disciplinar apenso seja omisso quanto à data em que o Delegado Regional do Centro do IGE, remeteu os autos de averiguação ao dirigente máximo, ainda assim pode afirmar-se, com toda a certeza, que ele teve conhecimento da falta no mesmo dia em que ordenou a instauração do inquérito – em 20.07.1999.

E por assim ser e o dirigente máximo saber com razoável certeza que o recorrente tinha cometido uma falta disciplinar, é de concluir de harmonia com todo o que ficou exposto que a instauração do inquérito não tem a potencialidade de suspender o prazo fixado no n.º 2 do artigo 4 do ED., encontrando-se excedido quando em 25.10.1999, foi instaurado o processo disciplinar contra o recorrente.

Em suma: procede pelos motivos expostos, a excepção da prescrição do procedimento disciplinar invocada pelo recorrente, o que nos dispensa o conhecimento dos demais vícios invocados».

(…) 2.2.2. Tal como o acórdão sublinhou, a “instauração do inquérito só tem eficácia para suspender o prazo prescricional a que alude o artigo 4º., n.º 2, do ED quando o mesmo for indispensável para averiguar se um certo comportamento é ou não subsumível a certa previsão jurídico-disciplinar»; é o que já afirmava o acórdão deste STA de 17.1.91, no processo 28590.

Essa jurisprudência foi, aliás, reafirmada, por exemplo, nos acs. de 06.11.97, rec. 28566 e de 9.09.2009, recurso 180/09.

Assim, o que está em discussão é saber se a factualidade apurada se ajusta à decisão do acórdão, é saber se o inquérito era necessário para a averiguação da natureza disciplinarmente punível da actuação do ora recorrido.” (sublinhados nossos).

Em face de todo o exposto, o processo de inquérito que foi instaurado em 05/03/2007 não tem a virtualidade de suspender o prazo de prescrição da instauração do procedimento disciplinar em 12/04/2010, não sendo eficaz para suspender a contagem do prazo de prescrição de 3 meses, a contar da data do conhecimento do facto (21/12/2006) e de 3 anos, a contar da prática do facto (01/12/2006), nos termos do n.º 1 do artigo 62.º do ECTOC.

Além de que disciplinando a primeira parte do n.º 1 do artigo 62.º do ECTOC que “O direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que o facto tiver sido cometido”, apurando-se que o facto foi cometido em 01/12/2006, a instauração de processo disciplinar em 12/04/2010 excede esse prazo.

Considerando que o Conselho Disciplinar da CTOC tomou conhecimento dos factos em 21/12/2006 e apenas foi instaurado procedimento disciplinar em 12/04/2010, sendo proferida a decisão disciplinar impugnada em 16/11/2010, forçoso se tem de concluir pela prescrição do procedimento disciplinar que foi instaurado e pela prescrição da infração disciplinar e, consequentemente, pela ilegalidade do ato sancionatório, ora impugnado, determinante da sua anulação, ao invés da declaração de nulidade decidida pela sentença recorrida.

Estando em causa uma decisão administrativa tomada incorrendo em violação de uma norma legal, sem que se vislumbre verificar-se a violação do conteúdo essencial de qualquer direito fundamental, nem sendo possível subsumir a verificação da prescrição a qualquer das situações legalmente previstas dos atos nulos, segundo o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 133.º do CPA, em vigor à data da prática do ato impugnado, será de reconduzir o ato impugnado a um caso de anulabilidade, nos termos do artigo 135.º do CPA.

Nestes termos, vide o Acórdão do TCA Norte, processo n.º 02114/10.0BEPRT, de 27/01/2012.

Pelo que, nestes termos, se conclui pela total improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida, não se provando o erro de julgamento invocado nas conclusões do recurso, não obstante a deliberação impugnada não ser nula, mas antes anulável, o que ora se decide.


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Em consequência, será de negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos, mantendo-se a sentença recorrida que julgou prescrito o procedimento disciplinar e, consequentemente, a invalidade do ato impugnado, determinante da sua anulação.

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Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, é necessário que os fundamentos da decisão se encontrem em oposição com a decisão, no sentido de que entre os fundamentos e a decisão não pode existir contradição lógica.

II. Constituindo finalidade do processo de inquérito o apuramento de factos, não se vislumbra que fosse necessário o prévio esclarecimento das circunstâncias relativas à prática da infração, por as mesmas, nos seus aspectos essenciais, serem conhecidas antes mesmo da instauração do processo de inquérito.

III. Embora o disposto no n.º 1 do artigo 81.º do ECTOC preveja o processo de inquérito “sempre que não esteja concretizada a infracção ou não seja conhecido o seu autor e quando seja necessário proceder a averiguações destinadas ao esclarecimento dos factos”, podendo ser configurado como um momento instrutório anterior ao processo disciplinar, aquando da sua instauração já era conhecida, encontrando-se suficientemente concretizada, quer a infração disciplinar, enquadrada no artigo 53.º do ECTOC, quer o seu autor, não se vislumbrando que fossem necessárias realizar outras averiguações ou sequer que os factos a esclarecer não pudessem sê-lo no âmbito do próprio processo disciplinar.

IV. No caso em apreço não se encontravam preenchidos os pressupostos para a abertura do processo de inquérito, por serem já conhecidos os elementos essenciais relativos à prática da infração disciplinar por parte do sujeito, ora Autor.

V. Admite-se uma margem de liberdade de decisão da entidade com competência disciplinar para abrir ou não o processo de inquérito, optando ou não pela imediata abertura do processo disciplinar, tanto mais, no caso concreto, considerando a amplitude conferida pelo disposto no n.º 1 do artigo 81.º do ECTOC, mas no caso não se encontravam preenchidos os pressupostos previstos no âmbito da norma, sendo estes de controlo vinculado.

VI. A decisão de abertura de processo de inquérito ou de processo disciplinar não é inteira ou totalmente livre, antes obedecendo a pressupostos legais, em cuja génese radica o interesse na averiguação dos factos ou ocorrências, ou mesmo da sua autoria material, mas simultaneamente interesses do serviço e do próprio arguido, que não se compadecem com o arrastar no tempo do processo.

VII. Sempre que esteja concretizada a infração, o seu autor seja conhecido e não seja necessário proceder a averiguações destinadas ao esclarecimento dos factos, a entidade com competência disciplinar não tem a liberdade de decidir pela abertura de procedimento de inquérito previamente à abertura de processo disciplinar.

VIII. Por o ato de abertura do processo de inquérito não se inserir na previsão do disposto no n.º 1 do artigo 81.º do ECTOC, não se justifica a suspensão dos prazos de prescrição que decorrem da instauração do processo disciplinar, nos termos do n.º 1 do artigo 62.º do ECTOC.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, por não provados os seus fundamentos, manter a sentença recorrida na parte em que julga procedente a prescrição do procedimento disciplinar e da infração disciplinar, anulando-se o ato impugnado, de aplicação da pena disciplinar ao Autor.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)



(Pedro Marques)


(Paula de Ferreirinha Loureiro)