Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06248/12
Secção:
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:TRIBUTAÇÃO DE MAIS-VALIAS OBTIDAS À SOMBRA DA VIGÊNCIA DO DIREITO ANTERIOR AO CIRS, MAS REALIZADAS EM DATA POSTERIOR.
Sumário:1) À luz do disposto no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código, pese embora tenha adquirido, posteriormente, a natureza de urbano (terreno para construção) e sido alienado como tal.
2) Não havendo lugar à tributação segundo o CIMV/[Código do Imposto de Mais-valias, aprovado pelo Decreto-Lei nº 46 373, de 9 de Junho de 1965], não existe fundamento para aplicar a base de incidência do artigo 10.º do CIRS, dado que é a própria norma de direito transitório material [artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro] que o não autoriza. Outra solução colidiria com a proibição da retroactividade da lei fiscal impositiva [artigo 103.º/3, da CRP].
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório
A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional da sentença proferida a fls. 122/129, que julgou procedente a impugnação deduzida por ... e ... contra a liquidação adicional de IRS, categoria G, referente ao ano de 2002, no montante de €116.772,83, determinando a anulação da mesma.
Nas alegações de recurso de fls. 141/144, a recorrente formula as conclusões seguintes:
i) O prédio em causa nos presentes autos estava integrado numa zona que permitia neles a construção urbana em data anterior à da transmissão.
ii) O referido prédio tinha como destino a construção, à data da transmissão, devendo por isso, ser considerado prédio urbano para efeitos fiscais.
iii) O regime transitório da categoria G, previsto no n.º 1 do artigo 5.º, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, não tem aplicação na situação em apreço, pois os ganhos obtidos devidos por aquela alienação já estavam sujeitos a tributação nos termos do disposto no artigo 1.º do CIMV, caso se verificassem antes da entrada em vigor do CIRS.
iv) A tributação levada a cabo pela AT é legal e não viola, de modo algum, o disposto no art.º 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
v) A tributação dos ganhos obtidos pelos impugnantes, resultante da transmissão em 2002.01.07, de terreno para construção, está correcta e é legal, pois os mesmos constituem rendimentos da categoria “G” – Mais-Valias, tal como dispõe o artigo 10.º do CIRS, devendo por isso manter-se na ordem jurídica a liquidação impugnada.
vi) Decidiu mal o tribunal recorrido ao julgar procedente a impugnação, violando assim a norma da alínea a), do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS.
X
Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr. fls. 152/153) no qual se pronuncia no sentido da concessão de provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
X
II- Fundamentação
2.1. De facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
1) Em 23.05.2001, por justificação notarial, ... declarou ter adquirido a Maria Ribeiro, no ano de 1997, por compra verbal, o prédio rústico, composto por parcela de terreno de pinhal, mato e cultura arvense, com a área de 21.250 m2, situado em Brejos, freguesia de S. Lourenço, concelho de Setúbal, inscrito na matriz cadastral sob o artigo 22, da secção B, ao qual atribuiu o valor de 2.000.400$00. E em resultado de manter a posse de tal prédio há mais de 20 anos sem a oposição de qualquer pessoa, foi reconhecida a sua aquisição, por usucapião (cfr. fls. 24-26 dos autos).
2) Em 17.01.2002, por escritura pública, o mesmo ... vendeu o referido prédio, identificado como prédio rústico, à sociedade "... - Sociedade de Construções, Lda., pelo valor de €698.317,06 euros. (cfr. fls. 38-41 dos autos).
3) Posteriormente, em 05.02.2003, e na sequência de procedimento iniciado pela sociedade referida na alínea anterior, a Câmara Municipal de Setúbal veio a aprovar um projecto de loteamento do referido prédio, (cfr. fls. 45 do processo administrativo apenso).
4) Em 14.03.2003, os impugnantes procederam à entrega da sua declaração modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2002 acompanhada dos anexos "A" e "H" e sem o anexo "G"— Mais-valias (cfr. fls. 15 e 90 do processo administrativo apenso).
5) Em 04.09.2006, foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária decorrente da análise interna efectuada à referida declaração modelo 3 de IRS, procedendo a correcções por omissões de ganhos de mais-valias decorrentes da venda do lote de terreno para construção melhor identificado em l (cfr. doc. junto a fls. 10 a 18 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
6) No ponto III-1.3. do referido relatório, é referido o seguinte: "(...) Natureza do imóvel: Atendendo ao facto do prédio ter sido adquirido em 1977 importa analisar a natureza do prédio alienado, para efeitos de tributação em sede de IRS. // De acordo com informações obtidas por estes Serviços junto da Câmara Municipal de Setúbal (concelho onde está localizado o prédio), verifica-se que (anexo 5): // - a empresa "... – Sociedade de Construções, Lda", efectuou um pedido de licença de loteamento em ... através de um requerimento que apresentou em 10/04/2002; // - por deliberação de 05.02.2003 foi concedida licença de loteamento; // - e que por deliberação de 21.01.2004 foram licenciadas as obras de urbanização. // Pode assim inferir-se que a Câmara não vedou a construção no prédio que foi transmitido, mas bem pelo contrário deu parecer favorável, estando assim a conferir apetência ao terreno para a construção. // O Plano Director Municipal de Setúbal foi ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 65/94 de 10 de Agosto, e à data da transmissão verifica-se que a última alteração ao Plano ocorreu com a Resolução do Conselho de Ministros nº 32/2001 de 29 de Março, e que só foi novamente alterado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 185/2005 de 30.11.2005, pelo que não tendo havido qualquer alteração no espaço de tempo que medeia entre a realização da escritura e aprovação do loteamento, conclui-se que a apetência para construção já se verificava à data da realização da escritura pelo que o prédio que foi objecto de transmissão em 17.01.2002, na verdade tinha nessa data a natureza de terreno para construção, e não terreno rústico. // De acordo com o artigo 5º do D.L. nº 442-A/ 88 de 30 de Novembro "…os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei nº46373 de 9 de Junho de 1965... só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código". // O artigo 1º, nº 1 do Código Imposto Mais Valias (CIMV), refere que "... o imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através ...da transmissão de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dele resultarem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valias...". // O § 2º do mesmo artigo, determina, por seu turno, que "... são havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo", ou seja, são tidos como terrenos para construção, mesmo que no título aquisitivo assim não hajam sido declarados. // As informações obtidas da Câmara Municipal sobre o imóvel, permitem aferir que à data da venda o prédio que foi objecto de transmissão em 21.01.2002, na verdade tinha nessa data a natureza de terreno para construção, e não terreno rústico. // No mesmo sentido do exposto anteriormente para fundamentar que à data da transmissão o imóvel tem a natureza de terreno para construção, pronunciou-se o Tribunal Central Administrativo do Sul em 15-10-2002, através do acórdão proferido no processo 6380/02 (anexo 6). // Tendo em conta o princípio da verdade material, que deve estar subjacente a qualquer transmissão, o prédio alienado é na verdade um terreno para construção, pelo que não aproveita a exclusão de tributação prevista no artigo 5º do D.L. nº 442-A/ 88 de 30 de Novembro, e portanto a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis por parte do sujeito passivo consubstancia rendimentos da Categoria "G" (mais-valias), como dispõe o artigo 10º do Código do Imposto sobre Rendimentos de Pessoas Singulares (CIRS), aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88 de 30 de Novembro (...)" (cfr. idem).
7) Por despacho do Director de Finanças Adjunto, datado de 09.10.2006, foi determinado que se procedesse a correcções em sede de declaração de IRS referente ao ano de 2002, à qual foram acrescidos rendimentos no valor de € 276.568,94 euros (cfr. idem).
8) Em resultado de tais correcções, em 13.10.2006, foi liquidado imposto relativo a IRS do ano de 2002, acrescido de juros compensatórios, no valor total de €116.722,83 euros, liquidação que vem impugnada (cfr. documento de fls. 27 dos autos).
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Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, consignou-se: «A convicção do tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, e, em concreto, no teor dos documentos indicados em cada um dos pontos supra. // Não se provaram outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito em face das possíveis soluções de direito e que, por conseguinte, importe registar como não provados».
Compulsados os autos, impõe-se rectificar a data da aquisição do prédio por acordo verbal, a qual corresponde a 1977 – fls. 36/29, do p.a.
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2.2. De Direito.
2.2.1. Nos presentes autos, vem interposto sentença proferida a fls. 122/129, que julgou procedente a impugnação deduzida por ... e ... contra a liquidação adicional de IRS, categoria G, referente ao ano de 2002, no montante de €116.772,83, determinando a anulação da mesma.
2.2.2. Para julgar a impugnação procedente, a sentença recorrida estribou-se na fundamentação seguinte: «[i]nteressa determinar se o regime transitório da categoria G, previsto no nº l, do artº 5º, do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), tem ou não aplicação na situação em apreço. Ou, mais concretamente, se a alienação de um prédio rústico adquirido em data anterior à entrada em vigor daquele diploma, está ou não sujeito a tributação em sede de IRS, nos termos previstos na alínea a) do nº l do art. 10º do CIRS, ou se tal tributação está excluída, em função do regime transitório previsto no nº l do art. 5º do citado diploma legal. // No entendimento da Administração tributária, contestado pelos Impugnantes, uma vez que a venda teve por objecto um terreno para construção e não um prédio rústico, e que já no âmbito do Código do Imposto de Mais Valias (CIMV) (aprovado pelo Decreto-Lei nº 46 373, de 9 de Junho de 1965) tais ganhos estavam sujeitos a tributação, não é aplicável ao caso concreto o disposto no nº l do art. 5º do Dec.-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro. // A este propósito, o artº 1º do CIMV (aprovado pelo DL. 46 373 de 9.6.1965) dispunha que: "O imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através dos actos que a seguir se enumeram: // §1 º Transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17º da Lei nº 2 030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4º do Decreto-Lei nº 42 616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial". // Por seu lado, com a entrada em vigor do CIRS, de acordo com o disposto no art. 10º, nº l, deste Código, constituem mais-valias sujeitas a tributação: "(…) os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos comerciais, industriais ou agrícolas, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...)". // Ou seja, como bem refere o DMMP, com a entrada em vigor do CIRS, o campo de abrangência da norma de incidência alargou-se substancialmente: enquanto no CIMV apenas eram tributados os ganhos resultantes da alienação onerosa de terrenos para construção, no CIRS tal tributação passou a abranger os ganhos resultantes da alienação onerosa de quaisquer bens imóveis. // Daí que houvesse que definir um regime transitório, de forma a prevenir a aplicação retroactiva da lei àquelas situações que anteriormente não se encontravam tipificadas. A tal preocupação respondeu o nº l do art. 5º do Dec.-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro (diploma que aprovou o CIRS), na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei nº 141/92, de 17 de Julho. // Assim, o referido preceito legal dispõe que: "os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código ". // Todavia, no caso concreto dos autos, e ao contrário do invocado pela Administração tributária, não estamos perante a venda de um terreno para construção, mas sim perante a alienação de um prédio rústico. // Isto porque, nos termos do nº 3 do artigo 6º do Código de Contribuição Autárquica (aprovado pelo Dec.-Lei nº 442-C/88, de 30/11): "terrenos para construção são terrenos, situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedido alvará de loteamento, aprovado projecto ou concedida licença de construção e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no titulo aquisitivo, (...)". // Ora, no caso dos autos, não foi alegado nem resultou provado que o terreno em causa estivesse integrado em zona urbanizada ou em zona compreendida em plano de urbanização. Assim, a qualificação como terreno para construção, para efeito do imposto de Mais-Valias, só poderia resultar de declaração como tal no título aquisitivo. // Contudo, como ficou provado (cfr. ponto 2 do probatório), no título aquisitivo - a escritura de compra e venda celebrada em 17.01.2002 - o prédio em causa não é identificado como terreno para construção, mas sim como prédio rústico. // Por outro lado, a licença de loteamento só veio a ser concedida (à sociedade "CANAFERRIM", não aos Impugnantes) por deliberação de 05.02.2003. // Neste contexto, carece de qualquer fundamento legal a caracterização do prédio em causa como terreno para construção à data da sua alienação. // De resto, a jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado no sentido de que, tendo sido adquirido um prédio rústico em data anterior à entrada em vigor do CIRS, embora seja alienado como terreno para construção, os ganhos daí resultantes não estão sujeitos a tributação. // Conclui-se, pois, que os rendimentos provenientes da alienação do prédio em causa nos autos não estão sujeitos a IRS, uma vez que essa alienação se mostra excluída pela previsão do supra citado nº l do art. 5º do Dec.-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro. // Assim sendo, a liquidação de IRS de 2002 impugnada padece do vício de violação de lei, o que constitui fundamento para a sua anulação».
2.2.3. Do alegado erro de julgamento quanto à destinação do prédio objecto de transmissão, na data da mesma [conclusões i) e ii)].
Sob o presente item, a recorrente insurge-se contra a sentença recorrida porquanto a mesma terá descurado a natureza de terreno para construção do prédio em causa na data da transmissão.
Vejamos.
Nos termos do artigo 10.º/1/a), do Código do IRS/CIRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, «[c]onstituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: // a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…)». «O CIRS procedeu a um alargamento significativo das mais-valias imobiliárias tributáveis, uma vez que antes apenas eram tributados os ganhos obtidos na alienação de terreno para construção» R. Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 2010, p. 138..
Estabelece, por seu turno, o artigo 5.º (“Regime transitório da categoria G”) do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, citado, o seguinte: «1. Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código».
Nos termos do artigo 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias/CIMV, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, «O imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através dos actos que a seguir se enumeram: // 1.º Transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valias previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial». Nos termos do §2.º do artigo 1.º, «[s]ão havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidas em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo». A ideia subjacente ao imposto de mais-valias consiste em considerar como tal o aumento do valor dos bens que os contribuintes não produziram nem adquiriram para venda [ponto 2.º do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965]. Como se consigna no Acórdão do STA, de 02.06.2010, P. 0998/09, «À luz do disposto no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédio urbano adquirido como rústico antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservava essa natureza no momento da entrada em vigor deste Código, pese embora tenha adquirido, posteriormente, a natureza de urbano (terreno para construção) e sido alienado como tal». Orientação semelhante extrai-se do Acórdão do TCAN, de 15.12.2011, P. 00224/07.0BEPNF.
Na presente intenção rescisória, a recorrente alega que o terreno em causa era de qualificar como terreno para construção na data da transmissão. Asserção que não tem arrimo na matéria de facto dada como provada. Com efeito, o prédio em causa foi adquirido e vendido como prédio rústico [n.ºs 1 e 2 do probatório]. O facto de em momento posterior ter sido objecto de aprovação de projecto de loteamento, em 05.02.2003 [n.º 3 do probatório] não permite inferir que o mesmo possa ser considerado terreno para construção em 01.01.1989, data da entrada em vigor do CIRS [artigo 2.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro].
Não existem elementos nos autos que deponham no sentido da qualificação do prédio em apreço como terreno para construção, até à data de 01.01.1989; estando em causa o preenchimento de norma de incidência do imposto, constitui ónus da recorrente/AF realizar a referida demonstração [artigo 74.º/1, da LGT]. Ónus que não foi cumprido. Ao invés, os elementos existentes nos autos depõem no sentido da caracterização do prédio como rústico, seja na data da aquisição do mesmo – 1977, seja na data da sua alienação – 17.01.2002.
Do exposto se impõe concluir pela improcedência da presente imputação.
2.2.4. Do alegado erro de julgamento porquanto os ganhos obtidos com a alienação do prédio em referência estava sujeito a tributação nos termos do artigo 1.º do Código do Imposto de Mais-Valias e-ou são recondutíveis a mais-valias, nos termos do artigo 10.º do CIRS [conclusões iv) a vi)].
Sob o presente item, a recorrente defende a legalidade da liquidação adicional, porquanto os ganhos obtidos com a alienação em causa eram tributados à sombra do regime anterior ao CIRS.
Recorde-se o disposto no artigo 5.º (“Regime transitório da categoria G”) do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, citado: «1. Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código». Nos termos do §2.º do artigo 1.º do CIMV «[s]ão havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidas em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo». Recorde-se que a aquisição do prédio ocorre em 1977 e a sua alienação em 17.01.2002, pelo que, iniciando o CIRS, a sua vigência em 01.01.1989, e sendo os ganhos de mais-valias aqueles que resultam da diferença entre o valor de aquisição e o valor de alienação do prédio, importa apurar qual o regime de tributação aplicável. Nesta medida, o sentido preceptivo da norma do artigo 5.º (“Regime transitório da categoria G”) do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, citado, assume relevância. Ora, como se afirma no Acórdão do TCAN, de 15.12.2011, P. 00224/07.0BEPNF, a propósito da interpretação do preceito citado, «o sentido normativo mais evidente da norma interpretanda é o de sujeitar a I.R.S. os ganhos potenciais que já eram sujeitos a I.M.V., isto é, que tendo-se formado na sua vigência, já o C.I.M.V. sujeitava a tributação em caso de realização. Porque já existia a expectativa de tributação do ganho, em caso de realização. O que sucede, notoriamente, se o terreno adquirido já era um terreno para construção para efeitos de I.M.V. e à data em que cessou a sua vigência. // Mas não sucede se o terreno só adquire as correspondentes potencialidades construtivas na vigência do C.I.R.S». O que corresponde à situação do prédio dos autos, o qual só assume aptidão construtiva em data posterior à sua alienação, a qual ocorreu em 17.01.2002. Não havendo, por isso, lugar à tributação segundo o CIMV, não existe fundamento para aplicar a base de incidência do artigo 10.º do CIRS, dado que é a própria norma de direito transitório material que o não autoriza. Outra solução colidiria com a proibição da retroactividade da lei fiscal impositiva [artigo 103.º/3, da CRP].
Motivo porque se impõe julgar improcedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)
Pedro Marchão
(1º. Adjunto)

Benjamim Barbosa
(2º. Adjunto)