Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:63/17.0BEPDL
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRS;
DESPESAS DE CONSERVAÇÃO/ MANUTENÇÃO.
Sumário:I. O legislador no artigo 41.º, n.º 7 do CIRS, ao referir-se « (…) a obras de conservação e manutenção do prédio» não procede à distinção entre obras de conservação como ordinária ou extraordinária, i.e. em função da sua natureza ou da sua dimensão.

II. As obras necessárias à recuperação da cobertura de um prédio, colocação da janelas, portas e instalação elétrica que se destinam a repor o imóvel em estado de ser ocupado e, consequentemente, gerar rendimentos constituem obras de conservação.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I. RELATÓRIO
F...... e M......, intentaram, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada, acção administrativa especial para impugnação do despacho, de 21 de Maio de 2017, do Subdiretor-Geral da Direção Geral de IRS, que declarou como integrando o conceito de obras de manutenção e de conservação para efeitos do n° 7 do artigo 41.° do CIRS, as despesas com as obras de reconstrução e reparação que se mostrem necessárias para que o imóvel possa gerar rendimento.

Por sentença, proferida em 12 de Março de 2020, foi jugada procedente a acção.

A Fazenda Pública interpôs recurso desta decisão para este Tribunal Central Administrativo, concluindo o seguinte:

«A. A Entidade Recorrente não pode concordar com a Sentença a quo visada no presente Recurso, por considerar que a mesma incorreu em erro de direito, por errada interpretação e aplicação dos n° 1 e n.°7 do CIRS.

B. Em causa nos presentes autos está saber se as despesas devidamente comprovadas com a reconstrução parcial de um imóvel (a reposição da sua cobertura, reparação e reconstrução parcial da divisória do rés-do-chão para o primeiro andar, em madeira e colocação da janelas, portas e instalação elétrica consumidas pelo incêndio) podem ser deduzidas nos termos do artigo 41.°, n.° 1 e n.° 7 do Código de IRS aos rendimentos gerados pelo imóvel identificado nos autos.

C. A informação vinculativa n.° 9506 e n.° 9546 emitida pela Autoridade Tributária, ora Recorrente a pedido dos ora Recorridos nos presentes autos considerou que :

“A manutenção/conservação de uma edificação consiste na intervenção periódica destinada à prevenção ou à correção de pequenas degradações das construções para que estas atinjam o seu tempo de vida útil, sem perda de desempenho, enquanto que a reparação já consiste na intervenção destinada a corrigir anomalias. (...)

Pelo exposto e atendendo a que as despesas relativamente às quais a questão se coloca, pela sua própria natureza, a de reconstrução parcial do imóvel que, inclusive, podem implicar a alteração do respetivo valor patrimonial, não se mostram passíveis de ser consideradas como de manutenção/conservação do imóvel, não poderão, por isso, as mesmas ser tidas como elegíveis para efeitos do estabelecido no artigo 41.°, número 7, do Código do IRS”

D. A sentença recorrida defende que interpretação mais consentânea com o espírito ou mens legislatoris é aquela que admite a possibilidade de dedução dos custos com obras de reparação indicadas nos autos, independentemente de aumentarem ou não o período de vida útil do imóvel que os proporciona e que a possibilidade de aumento do valor patrimonial tributário, em consequência da reparação, não parece assumir qualquer relevância na tarefa de delimitar o tipo de despesas dedutíveis na categoria rendimentos.

E. A Recorrente considera que a interpretação defendida pela decisão a quo enferma de erro de interpretação dos n.°s 1 e n.° 7 do CIRS tendo interpretado as citadas normas de modo muito amplo ao arrepio do elemento historio e sistemático e dos princípios da hermenêutica jurídica, incorrendo em vício de violação de lei.

F. Devendo, ipso factum ser revogada e substituída por outra que decida pela Improcedência da acção, pelo facto de as obras visadas não serem passíveis de abrangência no conceito de despesas de conservação previsto no artigo 41.° do CIRS.

G. Com efeito, as obras de reparação em causa nos presentes autos por implicarem a reconstrução parcial do prédio com eventuais repercussões no seu valor patrimonial tributário não cabem no conceito de despesas de manutenção e despesas de conservação.

H. Ou seja, as obras em causa em muito extravasam a permissão de dedutibilidade constante no artigo 41.° do CIRS.

I. Estamos, pois, perante obras de construção que alterem a estrutura do imóvel, ou seja, obras de construção subsequentes à demolição parcial de uma edificação existente e que implicam uma valorização do prédio e, eventualmente, a alteração do seu valor patrimonial tributário. E o que motivou a realização dessas obras terá sido, segundo os Recorridos, o incêndio que o atingiu, sendo que de harmonia com o n. 3 do artigo 11° do RAU são "obras de conservação extraordinárias", as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior.

J. Donde, um incêndio ou de uma inundação que afecte os imóveis de que os sujeitos passivos são proprietários, obriga-os a incorrer em despesas extraordinárias de conservação, o que é indiscutível.

K. Não se negando também que não será possível obter o rendimento sem a realização de algumas dessas despesas, desde logo porque se os prédios não oferecem condições de habitabilidade, não podem naturalmente cumprir o seu destino económico, no caso, o arrendamento.

L. Mas o ponto é este, se aos sujeitos passivos assiste o direito de aproveitar a ocorrência para fazer obras que vão muito para além das que se afiguram necessárias à obtenção dos rendimentos prediais, podendo, com efeito, fazer alterações estruturais nos imóveis que os beneficiarão, obras de construção civil essas que se traduzem num melhoramento do prédio, e não em obras apenas destinadas a manter as suas características enquanto fonte produtora de rendimento.

M. Não podem exigir que o Estado assuma essa despesa como um encargo, que é o que representa uma dedução específica ao rendimento bruto, patrocinando todas as despesas efetuadas pelos sujeitos passivos, sem um critério definido universalmente, sob pena de gerar um tratamento desigual daqueles e também de fazer perigar os valores da certeza e segurança das relações jurídico tributárias.

N. Entende, por isso, o legislador que havendo despesas não correntes e estritamente necessárias à obtenção do rendimento predial, mas despesas relativas a reconstrução de um imóvel, não podem as mesmas ser dedutíveis a esse rendimento.

O. Acresce ainda referir que o disposto na norma vigente do artigo 41°, n° 7 do CIRS, aponta para um retorno aos conceitos, alinhados nas precedentes disposições à Lei n.° 82-E/2014, de 31 de dezembro.

P. Em face do exposto conclui-se que a sentença recorrida ao considerar que as obras de reconstrução de um imóvel destruído por um incêndio podem ser enquadradas no artigo 41.° n.° 1 e n.°7 do Código de IRS padecem enferma de erro de interpretação da lei, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que julgue a presente ação contra a recorrente improcedente mantendo em vigor o entendimento veiculado na informação vinculativa que foi emitida pela Autoridade Tributária.

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a sentença, julgar-se improcedente a ação administrativa especial, pugnando-se pela legalidade da informação vinculativa revogada, assim se fazendo a acostumada justiça.»

Os recorridos contra-alegaram, concluindo nestes termos:

«I. O objeto do recurso é a interpretação ao art. 41.° n° 1 e n° 7 do CIRS, nomeadamente se as obras de reposição da cobertura do prédio dos autores, reparação e reconstrução parcial da divisória do r/c para o 1° andar, em madeira, e colocação de janelas, portas e instalação elétrica consumidas por um incêndio, podem ou não ser deduzidas ao rendimento gerado pelo imóvel reparado.

II. À data do acidente, o prédio encontrava-se arrendado, tendo o respetivo contrato sido considerado pelo arrendatário como caducado por ter deixado de oferecer condições de utilização.

III. O prédio não teve outro destino ou utilização.

IV. A execução das ditas obras teve como objetivo, aliás, conseguido de conferir ao prédio condições de "habitabilidade" e de, consequentemente gerar rendimento através do seu arrendamento.

V. Apenas são excluídos da dedução prevista no artigo 41° do CIRS, os gastos de natureza financeira, os relativos a depreciações e os relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração.

VI. Estão abrangidos pela dedução os gastos de obras de conservação, quer seja ordinária, quer seja extraordinária, e bem assim as obras de reparação que sejam necessárias para que o imóvel gere rendimento.

VII. Não resulta dos autos que as obras executadas tenham alterado o valor do imóvel ou lhe tenha aumentado o tempo de vida útil.

VIII. Não releva para a exclusão de dedução, a eventual valorização do prédio ou o aumento do tempo de vida útil do prédio, como consequência das obras executadas.

IX. Tudo o que diga respeito a despesas e encargos relacionados com obras no próprio imóvel e que se destinem a manter ou a repor o prédio com o seu nível normal de habitabilidade e, consequentemente, a garantirem, nesta ótica, a suscetibilidade de o prédio produzir rendimento, independentemente de lhe aumentarem ou não o seu período de vida útil, se devem, sem mais, integrar no conceito geral de despesas de conservação, não havendo que distinguir se se trata de obras de conservação ordinária o obras de conservação extraordinária"

X. De acordo com o princípio da capacidade contributiva, o contribuinte apenas deve ser onerado no rendimento líquido.

Termos em que, deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida, como é de direito e justiça.»

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Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público.

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Colhidos os «Vistos» dos Ex.mos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir, submetendo-se para o efeito os autos à Conferência.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Com este pano de fundo, temos que a questão objecto do presente recurso e a decidir reporta-se, a saber se as obras de reconstrução de um imóvel destruído por um incêndio encontram enquadramento no artigo 41.° n.° 1 e n.°7 do Código de IRS.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1) Em 15 de outubro de 2015, F...... apresentou um pedido de informação vinculativa, ao qual foi atribuído o n.° 9506, com o seguinte teor:

“DESCRIÇÃO DOS FACTOS CUJA QUALIFICAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA SE PRETENDE

Sou proprietário do imóvel descrito com o artigo matricial n°…., sito na Rua………….., n° 24-28, ……. Ponta Delgada, prédio classificado de interesse Regional Processo n° 7423/05, que esteve arrendado ao Centro de Saúde de Ponta Delgada, contribuinte fiscal n°-………., durante o período de 1 de julho de 2003 a 24 de setembro de 2014.

A 24 de Setembro de 2014 ocorreu um incêndio que destruiu parcialmente o imóvel, deixando este de reunir condições para arrendamento, pelo que o referido contrato terminou naquela data.

Com a alteração do artigo 41°. do CIRS, pela Lei n° 82-E/2014 de 31 de dezembro, que entrou em vigor em 2015, ponderei a possibilidade de efetuar as necessárias obras de reparação do imóvel, com vista a poder arrendá-lo novamente, tendo já uma entidade manifestado interesse em realizar contrato de arrendamento, a partir da data em que as obras estejam concluídas.

No entanto, tratando-se de gastos de reparação bastante elevados (aproximadamente entre os 600.000,00 a 650.000,00 euros, de acordo com orçamento obtido), consultei os Serviços de Finanças de Ponta Delgada, para confirmar se os referidos gastos serão integralmente dedutíveis, nos termos do n° do artigo 41°. do CIRS:

(...)

Segundo a resposta obtida, os referidos gastos de reparação não serão dedutíveis, de acordo com a interpretação que os serviços de fiscalização de Ponta Delgada dão ao artigo 41° do CIRS. No entanto, aconselharam-me a efetuar um Pedido de Informação Vinculativa, para o caso de ser outra a interpretação dada pelos Serviços Centrais da Administração Fiscal. Agradecia, dentro do possível, brevidade na resposta a este pedido, pois depende da mesma a realização das obras de reparação ou não ” (cfr. doc. n.° 6, apresentado com a petição inicial, de fls. 13 verso do suporte físico do processo).

2) Em 22 de outubro de 2015, F...... apresentou um pedido de informação vinculativa, ao qual foi atribuído o n.° 9546, com o seguinte teor:

“(…)

O requerente é proprietário do prédio urbano sito na Rua………….., n°s 24 a 28, freguesia de São Sebastião, cidade e concelho de Ponta Delgada, descrita na Conservatória do Registo Predial daquele concelho sob o n°……….São Sebastião e inscrito na Matriz Predial Urbana sob o artigo …… da indicada freguesia.

Esse prédio esteve arrendado desde 01.07.2003 até 9 de Outubro de 2014, tendo cessado por resolução do arrendatário em consequência de incêndio que ocorreu na madrugada de 24 de Setembro de 2014, e cuja origem foi considerada fortuita, deixando, em consequência, de ter condições para ser mantido o seu uso total ou parcialmente.

A recuperação do edifício está orçamentada em € 550.000,00 sendo que por força do contrato de seguro então existente o requerente recebeu a compensação de € 240.000,00. Desde há largos anos que aquele prédio, designadamente anteriormente a ser pertença do requerente, pelas suas caraterísticas e localização vem sendo objeto de arrendamento, do que resulta a obtenção de rendimentos da categoria F.

Ora, em consequência do incêndio torna-se imprescindível a recuperação do edifício para obter novamente os rendimentos.

Nos termos do n° 7 do artigo 419 do CIRS, "Podem ainda ser deduzidos gastos suportados e pagos nos 24 meses anteriores ao início do arrendamento relativos a obras de conservação e manutenção do prédio, desde que, entretanto, o imóvel não tenha sido utilizado para outro fim que não o arrendamento".

Ora, as obras necessárias à recuperação do edifício, designadamente a reposição da sua cobertura e colocação da janelas, portas e instalação elétrica consumidas pelo incêndio, não podem deixar de considerar-se como necessárias e imprescindíveis para gerar rendimento, e bem assim ser tidas como obras de conservação.

Na verdade, por apelo ao conceito de obras de conservação extraordinária (mas de conservação) ínsito no Regime Jurídico do Arrendamento Urbano aprovado pelo DL n° 321- B/90, de 15 de Outubro, entretanto revogado, ter-se-á de considerar como obras de conservação as que se destinem a repor o edifício em estado de ser ocupado e, consequentemente, gerar rendimentos, conforme entendem a profª Doutora Glória Teixeira e a Mestre Patrícia Anjos Azevedo, in Códigos Anotados e Comentados, IRS - Edição- Julho de 2015, Lexit, Grupo Editorial "O informador Fiscal" em anotação ao artigo 419, páginas 150 e 151.

Pretende-se informação vinculativa com carácter de urgência quanto à interpretação a dar ao conceito de obras de conservação e manutenção, designadamente se as mesmas abrangem obras de recuperação do edifício em consequência de danos sofridos por incêndio fortuito, tais como reposição da cobertura, de soalhos, portas e janelas e instalação elétrica” (cfr. doc. apresentado com a contestação, de fls. 46 verso e 47 do suporte físico do processo).

3) Em 25 de janeiro de 2017, a Subdiretora de Serviços de IRS, arquivou o pedido de informação vinculativa n.° 9506 e n.° 9546, de acordo com os fundamentos seguintes:

“Pretende o requerente que na sua qualidade de proprietário do imóvel descrito com o artigo matricial n.° …., sito na Rua …………. N.° 24-28, ……. Ponta Delgada, prédio esse classificado de interesse Regional Processo N.° 7423/05 e que esteve arrendado ao Centro de Saúde de Ponta Delgada durante o período de 1 de julho de 2003 a 24 de Setembro de 2014, que lhe seja prestado esclarecimento quanto à viabilidade de as obras de reparação do mesmo poderem, ou não, relevar para efeitos do estabelecido no artigo 41.°, número 1, do Código do IRS.

E a questão coloca-se porquanto:

A 24 de setembro de 2014 ocorreu um incêndio que destruiu parcialmente o imóvel, deixando este de reunir as condições para o respetivo arrendamento.

Na circunstância e face á redação do artigo 41.° do Código do IRS, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2015, ponderou a possibilidade de proceder às necessárias obras de reparação com vista a um futuro arrendamento, intenção essa que, aliás, foi já manifestada por uma entidade, a partir da data em que as obras sejam concluídas.

Tratando-se, todavia, de uma reparação de valores manifestamente elevados (aproximadamente entre os 600 000,00 a 650 000,00), consultou os Serviços de Finanças de Ponta Delgada com o intuito de lhe ser confirmado o enquadramento dos referidos valores nas deduções previstas e consignadas no artigo 41.°, número 1, do Código do IRS, na redação atualmente em vigor.

De acordo com o esclarecimento prestado as despesas de reparação em apreço não seriam passíveis de dedução tendo sido, todavia, aconselhado a proceder à apresentação de um pedido de informação vinculativa subordinado a tal questão.

Nos termos do estabelecido no artigo 41.°, número 1, do Código do IRS, aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.° deduzem-se, relativamente a cada prédio ou parte de prédio, todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, com exceção dos gastos de natureza financeira, dos relativos a depreciações e dos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração.

Complementarmente, mas esclarece o número 7 do mesmo artigo e diploma legal, que podem ainda ser deduzidos gastos suportados e pagos nos 24 meses anteriores ao início do arrendamento relativos a obras de conservação e manutenção do prédio, desde que entretanto o imóvel não tenha sido utilizado para outro fim que não o arrendamento.

O aí estabelecido é aplicável apenas aos gastos realizados após a entrada em vigor da Lei n.° 82- E/2014, de 31 de dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2015.

Ora, a manutenção/conservação de uma edificação consiste na intervenção periódica destinada à prevenção ou à correção de pequenas degradações das construções para que estas atinjam o seu tempo de vida útil, sem perda de desempenho, enquanto que a reparação já consiste na intervenção destinada a corrigir anomalias.

Outrossim e em conclusão não poderão as despesas de reparação relativamente às quais a questão se coloca ser consideradas como elegíveis para efeitos do estabelecido no já referido número 7 do artigo 41,° do Código do IRS, por não subsumíveis ao conceito de despesas de

''Despesas de Manutenção - Nomeadamente, as suportadas com energia e manutenção de elevadores, escadas rolantes e monta-cargas, porteiros, limpeza, energia para iluminação, aquecimento ou climatização central e prémios de seguro do prédio.

Despesas de Conservação - As realizadas com obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação e limpeza.

Pelo exposto e atendendo a que as despesas relativamente às quais a questão se coloca, pela sua própria natureza, a de reconstrução parcial do imóvel que, inclusive, podem implicar a alteração do respetivo valor patrimonial, não se mostram passíveis de ser consideradas como de manutenção/conservação do imóvel, não poderão, por isso, as mesmas ser tidas como elegíveis para efeitos do estabelecido no artigo 41.°, número 7, do Código do IRS” (cfr. doc.s n.° 7 e 8, apresentados com a petição inicial, de fls. 14 verso a 15 verso do suporte físico do processo e cfr. doc. apresentado com a contestação, de fls. 45 verso e 46 do suporte físico do processo).

4) Em 24 de abril de 2017, F...... e M...... apresentaram a petição inicial que deu origem à ação administrativa n.° 63/17.0BEPDL (cfr. fls. 1 do suporte físico do processo).


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Da instrução da causa inexistem factos não provados.

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O tribunal fundou a sua convicção com base nos documentos juntos ao suporte físico do processo, nos termos indicados.»

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B. DO DIREITO

Perante a matéria de facto provada, a 1ª instância proferiu sentença concluindo que as despesas devidamente comprovadas com a reconstrução parcial de um imóvel (a reposição da sua cobertura, reparação e reconstrução parcial da divisória do rés-do-chão para o primeiro andar, em madeira e colocação da janelas, portas e instalação elétrica consumidas pelo incêndio) podem ser deduzidas nos termos do artigo 41.º, n.º 1 e n.º 7 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), e consequentemente julgou procedente a acção.

Notificada do teor da sentença referido no parágrafo antecedente, veio interpor recurso a Fazenda Pública alegando que a mesma padece de erro de direito, por errada interpretação e aplicação dos n.ºs 1 e 7 do artigo 41.º do (CIRS).

Vejamos pois se a sentença em apreço merece a censura que a recorrente lhe dirige.

O artigo 41.º do Código de IRS (na redação da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro) , sob a epígrafe, « Deduções» apresenta a seguinte redacção:

«1- Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se, relativamente a cada prédio ou parte de prédio, todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, com exceção dos gastos de natureza financeira, dos relativos a depreciações e dos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração.

2 - No caso de fração autónoma de prédio em regime de propriedade horizontal, são dedutíveis, relativamente a cada fração ou parte de fração, outros encargos que, nos termos da lei, o condómino deva obrigatoriamente suportar e que sejam efetivamente pagos pelo sujeito passivo.

3 - Caso o sujeito passivo detenha mais do que uma fração autónoma do mesmo prédio em regime de propriedade horizontal, os encargos referidos no número anterior são imputados de acordo com a permilagem atribuída a cada fração ou parte de fração no título constitutivo da propriedade horizontal.

4 - Caso o sujeito passivo arrende parte de prédio suscetível de utilização independente, os encargos referidos no número anterior são imputados de acordo com o respetivo valor patrimonial tributário ou, na falta deste, na proporção da área utilizável de tal parte na área total utilizável do prédio.

5 - O imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo, pagos em determinado ano, apenas são dedutíveis quando respeitem a prédio ou parte de prédio cujo rendimento seja objeto de tributação nesse ano fiscal.

6 - Na sublocação, a diferença entre a renda recebida pelo sublocador e a renda paga por este não beneficia de qualquer dedução.

7 - Podem ainda ser deduzidos gastos suportados e pagos nos 24 meses anteriores ao início do arrendamento relativos a obras de conservação e manutenção do prédio, desde que entretanto o imóvel não tenha sido utilizado para outro fim que não o arrendamento.

8 - Os gastos referidos nos números anteriores devem ser documentalmente comprovados.» (sublinhado nosso).

No caso vertente, não se mostra controvertido, que os recorridos são proprietários do prédio urbano, sito na Rua Dr……………. , n.ºs 24 a 28, freguesia de São Sebastião, concelho de Ponta Delgada.

O referido imóvel esteve locado até ser atingido por um incêndio (ocorrido a 24 de setembro de 2014), que o destruiu e implicou a caducidade do contrato de arrendamento que esteve em vigor entre 1 de Julho de 2003 a 9 de Outubro de 2014.

Igualmente resulta assente que as obras de reparação do imóvel, aqui questionadas, abrangeram «a reposição da sua cobertura e colocação da janelas, portas e instalação elétrica consumidas pelo incêndio». A Administração Tributária considerou, contudo que« (…) não poderão as despesas de reparação relativamente às quais a questão se coloca ser consideradas como elegíveis para efeitos do estabelecido no já referido número 7 do artigo 41,° do Código do IRS, por não subsumíveis ao conceito de despesas de conservação/manutenção ali consignado, entendendo-se respectivamente, como tal:

''Despesas de Manutenção - Nomeadamente, as suportadas com energia e manutenção de elevadores, escadas rolantes e monta-cargas, porteiros, limpeza, energia para iluminação, aquecimento ou climatização central e prémios de seguro do prédio.

Despesas de Conservação - As realizadas com obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação e limpeza.»

E, seguindo esta linha de entendimento, concluiu que: «(…) as despesas relativamente às quais a questão se coloca, pela sua própria natureza, a de reconstrução parcial do imóvel que, inclusive, podem implicar a alteração do respetivo valor patrimonial, não se mostram passíveis de ser consideradas como de manutenção/conservação do imóvel, não poderão, por isso, as mesmas ser tidas como elegíveis para efeitos do estabelecido no artigo 41.°, número 7, do Código do IRS».

Na perspetiva do Tribunal recorrido « (…) as despesas comprovadamente efetuadas e suportadas com a sua reparação, dentro do limite previsto no artigo 41.º, n.º 1 e n.º 7 do Código de IRS, ou seja, mediante apresentação de prova documental demonstrativa dos custos efetivamente suportados pelos mesmos com a intervenções ao nível da “reposição da sua cobertura e colocação da janelas, portas e instalação elétrica consumidas pelo incêndio”, comprovadamente efetuada no imóvel em questão e líquida das quantias eventualmente recebidas a título de comparticipação pública à reabilitação de imóveis e/ou privados, designadamente proveniente de seguros.» são deduzíveis aos rendimentos gerados pelo imóvel.

Baseou-se a sentença, para tanto, na seguinte fundamentação: « [o] regime de dedução de despesas saído da reforma de 2014 pretendia promover o mercado de arrendamento e constituir um estímulo real à recuperação de imóveis que já estavam ou iriam passar a estar nesse mercado. (…) Assim sendo, é um resultado desejado ou pretendido pelo legislador o facto de a reparação efetuada implicar a recuperação total do imóvel e a sua (re)integração no mercado de arrendamento.

Acresce que, é incontestável a inclusão dos custos suportados com obras de construção de civil (sejam elas de conservação ou manutenção) no âmbito de despesas cuja dedução é admissível nesta categoria.

Ora, os autores podiam proceder à pintura do imóvel e deduzir essa despesa. Podiam, também, reparar/substituir portas e janelas interiores e exteriores e deduzir essa despesa (a este propósito, vidé a decisão exarada no procedimento de informação vinculativa respeitante ao processo n.º 1555/2017, com despacho concordante da Subdiretora-Geral do Imposto sobre o rendimento de 2017.12.05, disponível online).

Se podiam os autores, ainda, fazer reparações no telhado e deduzir essa despesa, considera-se exagerado denegar o exercício dessa dedução pelo simples facto de todas essas intervenções não serem feitas isoladamente, mas em conjunto ou em simultâneo (atentos os danos aparentemente profundos que o imóvel sofreu após o incêndio).

A perda de desempenho do imóvel deve-se a uma causa de força maior e não à diferente afetação do mesmo (cfr. artigo 41.º, n.º 7 parte final do Código de IRS). Portanto, o facto de o contrato de arrendamento do imóvel em causa nos autos ter caducado não significa que, o mesmo, haja perdido o seu desempenho nem que as despesas não possam ser fiscalmente dedutíveis. Assim sendo, a interpretação que se julga mais consentânea com o espírito ou mens legislatoris é aquela que admite a possibilidade de dedução dos custos com obras de reparação indicadas nos autos, independentemente de aumentarem ou não o período de vida útil do imóvel que os proporciona.».

Entende a recorrente, em moldes mais detalhados no corpo da alegação de recurso, que as obras de reparação em causa nos presentes autos por implicarem a reconstrução parcial do prédio com eventuais repercussões no seu valor patrimonial tributário não cabem no conceito de despesas de manutenção e despesas de conservação, e por isso, extravasam a permissão de dedutibilidade constante no artigo 41.º do CIRS.

Nesta matéria, não definindo o CIRS o conceito de “despesas de conversação” e “despesas de manutenção” deve valer aqui a noção civilística constante no então Regime do Arrendamento Urbano-RAU - (aprovado pelo Decreto – Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro) relativa à definição de obras, uma vez quer o artigo 1074.º do CC quer o Novo Regime de Arrendamento Urbano, não preenchem os aludidos conceitos.

Sob a epígrafe «Tipos de obras» estabelecia o artigo 11.º do RAU:

«1 - Nos prédios urbanos, e para efeitos do presente diploma, podem ter lugar obras de conservação ordinária, obras de conservação extraordinária e obras de beneficiação.

2 - São obras de conservação ordinária:

a) A reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências;

b) As obras impostas pela Administração Pública, nos termos da lei geral ou local aplicável, e que visem conferir ao prédio as características apresentadas aquando da concessão da licença de utilização;

c) Em geral, as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração.

3 - São obras de conservação extraordinária as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que não sendo imputadas acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano.

4 - São obras de beneficiação todas as que não estejam abrangidas nos dois números anteriores.».

Tal como referido no Acórdão de 06.07.2016 do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo nº 088/16, as despesas de manutenção e de conservação « (…) serão despesas que sejam necessárias à conservação e manutenção dos imóveis que são geradores de rendimento. Poderão ser, como antes definidas no Regime do Arrendamento Urbano, art. 11.º, despesas efectuadas com obras de conservação ordinária - reparação e limpeza geral do prédio, obras impostas pela Administração Pública, e, em geral, as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração; obras de conservação extraordinária – de reparação de defeitos de construção do prédio ou supervenientes; ou até de beneficiação do imóvel, mas sempre com repercussão no imóvel e na susceptibilidade de ele gerar rendimentos( disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

A nível da doutrina, Sandra Videira e Victor Duarte afirmam que «[c]onsideram-se despesas de conservação: (...) d) As obras ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito (imprevisível) ou de força maior (inevitável)» (Lexit - Códigos Anotados & Comentados IRS, Edição setembro 2012).

Recuperando o caso concreto, dir-se-á, em conformidade, com o supra exposto que abrangendo as obras a reposição da sua cobertura e colocação da janelas, portas e instalação elétrica terá de concluir-se que se destinam a repor o edifício em estado de ser ocupado e, consequentemente, gerar rendimentos. O que vem dito, permite-nos, afirmar que estamos perante obras de conservação destinadas a conferir ao imóvel condições de habitabilidade e segurança.

Diga-se, finalmente, que o legislador no artigo 41.º, n.º 7 do CIRS, ao referir-se « (…) a obras de conservação e manutenção do prédio» não procede à distinção entre obras de conservação como ordinária ou extraordinária, i.é, em função da sua natureza ou da sua dimensão.

De resto, é a própria recorrente a reconhecer que as despesas de conservação se consideram as realizadas com obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação e limpeza, e como despesas de conservação se consideram as realizadas com obras destinadas a manter uma edificação nas condições existentes à data da sua construção, reconstrução, ampliação ou alteração, designadamente as obras de restauro, reparação e limpeza. (informação vinculativa respeitante ao processo n.º 1555/2017, com despacho concordante da Subdiretora-Geral do Imposto sobre o rendimento de 2017.12.05- https://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/informacoes_vinculativas/rendimento/cirs/Documents/PIV_11676_Cat_F_Despesas_elegiveis_certificado_energetico_pintura_proporcionalidade_mensal_IMI.pdf).

Anote-se por último que, contrariamente ao sustentado pela recorrente a alegada possibilidade de aumento do valor patrimonial tributário do imóvel, em consequência da respectiva reparação, como bem refere a sentença recorrida, não têm qualquer relevância na tarefa de delimitar o tipo de despesas dedutíveis na categoria rendimento, valor que nem tão pouco ficou demonstrado.

Improcedendo, portanto, o presente recurso.

IV.CONCLUSÕES

I.O legislador no artigo 41.º, n.º 7 do CIRS, ao referir-se « (…) a obras de conservação e manutenção do prédio» não procede à distinção entre obras de conservação como ordinária ou extraordinária, i.e. em função da sua natureza ou da sua dimensão.

II. As obras necessárias à recuperação da cobertura de um prédio, colocação da janelas, portas e instalação elétrica que se destinam a repor o imóvel em estado de ser ocupado e, consequentemente, gerar rendimentos constituem obras de conservação.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram da 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 29 de Abril de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Isabel Fernandes e Jorge Cortês]


(Ana Pinhol)