Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07726/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:RECLAMAÇÃO JUDICIAL
PENHOR DE CRÉDITO
JUROS
Sumário:I - A reclamação da decisão do órgão de execução fiscal não visa a impugnação de qualquer acto de liquidação, mas sim a impugnação dos actos materialmente administrativos praticados no processo de execução fiscal (de que constitui incidente) que afectem os direitos e interesse legítimos do executado ou de terceiro.
II - Não tendo a reclamação de actos praticados em execução fiscal, prevista no art. 276.º, n.º 1, do CPPT, por objecto qualquer acto de liquidação, não pode constituir meio adequado para definir a existência ou não do direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art. 43.º, n.º 1, da LGT.
III - Não tendo o pedido de juros indemnizatórios sido formulado com fundamento num eventual retardamento da restituição oficiosa do tributo, mas na ilegalidade do penhor, nem se mostrando comprovado aquele retardamento, também se não podem julgar verificados os pressupostos de atribuição de indemnização ao abrigo do preceituado no artigo 43º, n.º 3 al. a) da LGT.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada - que no processo de reclamação judicial do acto do órgão da execução fiscal apresentado, ao abrigo do disposto no art. 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário por ... – Materiais de Construção, S.A., julgando a reclamação procedente, concedeu à Reclamante o direito a juros indemnizatórios nos termos do disposto no art. 43º n.º 1 da Lei Geral Tributária - dela veio interpor o presente recurso jurisdicional, limitado ao segmento decisório em que aí foi condenada no pagamento de juros indemnizatórios.
Tendo apresentado alegações, terminou as mesmas formulando as seguintes conclusões:
«1. A reclamação da decisão do órgão de execução fiscal não visa a impugnação de qualquer ato de liquidação;
2. A reclamação de atos do órgão de execução fiscal não é o meio processual adequado para ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios à Reclamante;
3. A sentença recorrida fez errónea interpretação e aplicação do art. 43° da LGT.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, parcialmente revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a reclamação improcedente no segmento condenatório referente aos juros indemnizatórios, tudo com as devidas e legais consequências».

Admitido o recurso [a processar como agravo em matéria cível com efeito meramente devolutivo] e notificada a Recorrida, por esta não foram apresentadas contra-alegações.
Neste Tribunal Central o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pronunciando-se, a final, pela procedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza do processo (artigo 657º do Código de Processo Civil e artigo 278º, nº 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário), cumpre agora apreciar e decidir, visto a tal nada obstar.

II - OBJECTO DO RECURSO
Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639°, n°1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°), razão pela qual todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos por seguro que o objecto do mesmo está circunscrito à questão de saber se o Tribunal a quo, face à factualidade apurada, errou ao condenar a Recorrente no pagamento dos juros indemnizatórios.

Ill – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Para a apreciação do mérito dos autos, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada deu como provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 02/09/2013 foi efectuada a compensação no montante de €4.705,21, referente ao reembolso de IVA no montante de €78.018,17 (cfr. doc. junto a fls. 7 do processo executivo junto aos autos).
2. Em 20/11/2013, foi instaurado o processo de execução fiscal n°2208201301146432 que corre termos no Serviço de Finanças de Palmela contra ... - Materiais de Construção, S.A. no montante de €4.705,21 (cfr. fls. 1 da cópia do processo executivo junto aos autos).
3. Por ofício de 25/11/2013 foi a executada citada no âmbito do processo executivo identificado no ponto anterior para proceder ao pagamento da dívida exequenda até 29/12/2013 (cfr. doc. junto a fls. 4, frente e verso, do processo executivo junto aos autos).
4. Por requerimento cuja data se desconhece a Impugnante veio oferecer para ser constituído penhor sobre duas balanças ambas livre de ónus ou encargos e registadas com o valor contabilístico bruto de € 38.545,95, propriedade doutra sociedade que com ela tem uma relação de grupo (domínio total), em virtude de ter impugnado judicialmente as liquidações em causa no processo executivo tendo sido junto um balancete geral (acumulado até Outubro de 2013 - cfr. doc. junto a fls.4, verso a 20, frente e verso, do processo executivo junto aos autos).
5. Em 07/01/2014 foi elaborada uma informação pelo Serviço de Finanças de Setúbal, da qual consta que a Reclamante vem solicitar que seja autorizada a constituição de penhor sobre duas balanças ambas livres de ónus ou encargos informando que irá intentar a competente Impugnação Judicial. Informa ainda que o montante da garantia a prestar será de €22.681,72 (cfr. doc. junto a fls. 23 do processo executivo junto aos autos).
6. A informação identificada no ponto anterior foi prestada no âmbito do processo executivo identificado em 2 e dos processos executivos n°s2208201301146378, 2208201301146408, 2208201301146424, 2208201301146394, 2208201301153811 e 2208201301153560 (cfr. doc. junto a fls. 23 do processo executivo junto aos autos).
7. Em 07/01/2014 foi proferido despacho no sentido de ser o pedido remetido à Direcção de Finanças de Setúbal para apreciação e decisão (cfr. doc. junto a fls. 23 do processo executivo junto aos autos).
8. Em 08/01/2014, foi constituído penhor sobre a quantia identificada em 1 (cfr. doc . junto a fls. 24, verso, do processo executivo junto aos autos);
9. Por ofício de 16/01/2014 foi a Reclamante notificada da constituição de penhor legal sobre a quantia de € 4.830,52 (cfr. doc. junto a fls. 20 dos autos).
10. Até ao 05/02/2014 ainda não havia sido proferida decisão sobre o pedido de prestação de garantia com a constituição de penhor sobre os bens apresentados pela Reclamante [matéria de facto dada como apurada na sentença em sede de “DOS FACTOS PROVADOS”, sem submissão a qualquer numeração que, oficiosamente, realizamos – cfr. fls. 73 a 75 dos autos].

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como resulta evidenciado do exposto nos pontos I e II supra, a “... – Materiais de Construção S.A.”, veio deduzir Reclamação contra o “acto de constituição de Penhor do direito de crédito”, constituído para garantir o pagamento da dívida fiscal e acrescido cuja cobrança em processo de execução fiscal está em curso pelo montante de Euro 4.830, 52, pedindo a anulação do penhor de crédito e o pagamento de juros indemnizatórios.
Para sustentar as suas pretensões anulatória e condenatória, a Reclamante invocou, em resumo, que tal despacho violava o princípio da necessidade da garantia previsto no artigo 50º, n.º 1 al. a) da LGT, por estarem a ser penhorados créditos para pagamento de uma dívida cuja garantia havia por si já oferecida voluntariamente e a violação do princípio da boa-fé, uma vez que a Administração Fiscal não podia desconhecer que com aquela conduta estava a lesar os interesses da Reclamante já que a constituição do penhor sobre aquele crédito prejudicava a sua actividade e defraudava a sua legitima expectativa de o receber e de que os processos de execução fiscal seriam suspensos em consequência da constituição da garantia sob a forma de penhor sobre bens imóveis.
Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, veio a ser julgada totalmente «procedente a presente reclamação anulando-se o acto reclamado e concedendo os peticionados juros compensatórios nos termos do disposto no art. 43º da LGT.».
Neste recurso, como de forma clara resulta das conclusões apresentadas e da questão que por nós foi enunciada como sendo a exclusivamente suscitada e a impor decisão, a Recorrente apenas questiona a sentença na parte em que concedeu “à reclamante os peticionados juros compensatórios nos termos do disposto no art. 43º da LGT”.
Ou seja, a Recorrente, conformando-se com o juízo de ilegalidade do despacho que ordenou a penhora de créditos, questiona, porém, a legitimidade da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios.
Antes, porém, de avançarmos sobre a apreciação da questão posta em recurso, importa que façamos um breve parêntesis sobre os termos em que essa condenação de juros vem realizada.
Efectivamente, e como salienta a Recorrente, existe um manifesto lapso de escrita no segmento decisório da sentença já que, não obstante a sentença ter começado, bem, por identificar o pedido formulado como de “juros indemnizatórios” e o ter decidido à luz do artigo 43º da Lei Geral Tributária, que regula, precisamente, as situações em que aqueles juros indemnizatórios podem, verificados que estejam os pressupostos aí apostos, serem devidos pela Administração Fiscal, a final, conclui, pela condenação em “juros compensatórios”.
Pelo que, sendo inequívoco o erro de escrita, a final, sendo caso disso, se procederá à sua correcção.
Por outro lado, não corresponde à realidade dos autos que a Recorrente tenha peticionado os mesmos juros ao abrigo do preceituado no artigo 43º, n.º 3 do CPPT, preceito que nunca invocou e causa de pedir que também não teve em vista já que, como se constata de toda a petição, é sempre por referência “ao erro imputável aos serviços”, previsto no n.º 1 do artigo 43º do CPPT que a Reclamante discorre.
Tudo, considerações não despicientes e com reflexos, como veremos, na própria abordagem da questão suscitada nos autos.

4.2. Posto isto, vejamos, então, se a Fazenda Pública tem razão quando defende que a sentença recorrida na parte relativa à condenação dos juros indemnizatórios merece censura.

O que fazemos, começando por aqui transcrever a fundamentação da condenação sindicada, que se esgotou no seguinte juízo:
«Vem também a Reclamante peticionar o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no art. 43°, n° 1 da LGT.
Estando nós perante uma situação em que existe erro por parte dos serviços os mesmos são devidos desde a data em que o tributo era devido pela AF.
Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, julgar-se-á totalmente procedente a presente Reclamação.».
Ou seja, se bem entendemos a sentença recorrida - e a parca fundamentação aí adiantada não permite grande margem de erro interpretativo -, o Tribunal a quo, tendo presente que o acto objecto de reclamação tinha sido anulado, por ilegal, julgou, sem mais, que estavam verificados os pressupostos de atribuição de juros indemnizatórios à Reclamante nos termos exigidos pelo artigo 43º n.º 1, por ter havido “erro imputável aos serviços”.
Será assim?
Entendemos que não.
Na verdade, e salvo o devido respeito, não se nos afigura que o pedido de juros indemnizatórios pela ilegalidade do acto de penhora de direito de crédito esteja contemplado no n.º 1 do artigo 43º da LGT.
Efectivamente, por força do preceituado no referido artigo e para o que ora releva, «1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.»
Resulta, assim, do preceito legal transcrito - e como tem vindo unanimemente a ser reiterado pela jurisprudência do nosso Superior Tribunal e pela nossa doutrina -, que constituem requisitos do direito de juros indemnizatórios de acordo com o n.º 1 do artigo 43º do diploma citado: (i) a existência de erro na liquidação de um tributo; (ii) que esse erro seja imputável aos serviços (directamente ou por via de orientações genéricas); (iii) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial e (iv) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao devido.
Ora, como facilmente se conclui da factualidade apurada, não se mostra, desde logo, comprovado que tenha existido qualquer erro na liquidação de um tributo e que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao devido.
Inexistência de comprovação essa que, de resto, bem se compreende já que, conforme resulta do probatório, na presente Reclamação não vem sindicado um qualquer acto de liquidação, mas sim, a legalidade do acto que determinou a constituição de um penhor de crédito correspondente ao reembolso de IVA.
E essa legalidade do acto que determinou a constituição do penhor de crédito não está, como já o afirmamos, inclusa na previsão do nº 1 do artigo 43º da LGT.
Como tem vindo a decidir a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, (com apoio na doutrina mais autorizada e que a Recorrente também não deixa de convocar nas suas alegações de recurso), é certo que as expressões “reclamação graciosa” e “impugnação judicial” utilizadas na redacção do artigo 43º, nº 1 da LGT não devam ser interpretadas literalmente, isto é, como referências aos tipos de processo que têm essas designações, mas sim extensivamente, por forma a abranger outros meios processuais.
Porém, essa justa e necessária interpretação extensiva do literalmente contido no preceito em referência não significa que a anulação de qualquer acto confira, sem mais, o direito, por parte de um sujeito passivo, a uma indemnização, já que essa interpretação tem sempre como limite a referência aos meios administrativos e contenciosos que os sujeitos passivos têm ao seu dispor para impugnação dos actos de liquidação, pelo que, não visando a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal a impugnação de qualquer acto de liquidação, mas sim a impugnação dos actos materialmente administrativos praticados no processo de execução fiscal que afectem os direitos e interesse legítimos do executado ou de terceiro, não pode, assim, e com fundamento nessa interpretação extensiva, a Administração Fiscal ser condenada, no âmbito da reclamação de decisão do órgão de execução fiscal, no pagamento de juros indemnizatórios. [vide, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3-5-2006, integralmente consultável in www.dgsi.pt].
Também Jorge Lopes de Sousa (em anotação ao artigo 61º do Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado”, pag. 307), desde cedo chamou a atenção para o facto de, embora que a actual redacção do n.º 1 do art. 43.º da L.G.T. apenas fazer referência à reclamação graciosa e à impugnação judicial como meios processuais em que deve ser determinado o “erro imputável aos serviços”, «estas expressões não devem ser interpretadas literalmente, como referências aos tipos de processos tributários que têm essas designações». Porém, não deixa também o mesmo autor de limitar ou restringir essa interpretação «aos meios graciosos e contenciosos que os sujeitos passivos têm ao seu dispor para impugnação de actos de liquidação» e de afirmar que «embora não se refira expressamente, no nº 1 deste art. 43º, que o acto viciado por erro deve ser um acto de liquidação, são os actos deste tipo os que provocam directamente o pagamento de uma dívida tributária e, por isso, terá de ser a actos daquele tipo que se reporta esta disposição» (cfr. Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed. Vol. I, pág. 530, com sublinhado de nossa autoria.).
Ora, como dissemos já, o acto de penhor de direito de crédito que constitui objecto de reclamação não é um acto de liquidação nem, por si só, afecta a liquidação previamente realizada ou determina qualquer pagamento de dívida tributária superior à devida, sendo que, no caso concreto, a legalidade e exigibilidade daquela liquidação, cujo valor e pagamento o referido penhor visava garantir, permanece, ainda, em discussão. O acto de penhor constitui, repita-se, tão só, um acto materialmente administrativo praticado pelo órgão de execução fiscal no âmbito do processo de execução a que respeita, insusceptível, de per si, de afectar a validade daquela liquidação, razão pela qual não podemos deixar de concluir que a sua anulação não determina o direito a quaisquer juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º n.º 1 da LGT. [Vide, com pertinência para esta questão e entendimento assumido, os Ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 9-1-2013 e, em especial, o Ac. do Tribunal Central Administrativo Norte de 2-7-2010 (processo n.º 148/10.3BEPRT), ambos disponíveis in www.dgsi.pt].
Podemos, é certo, mesmo assim questionar se, independentemente da conclusão de facto e direito a que chegamos, não podem tais juros indemnizatórios encontrar o seu fundamento na alínea a) do n.º 3 do artigo 43.º n.º 3 da L.G.T. que dispõe que: «São ainda devidos juros indemnizatórios (…) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;».
Mas, novamente, e sempre com o devido respeito por quem tenha entendimento distinto, não se nos afigura que tal seja admissível.
E, o que ora afirmamos, isto é, a nossa discordância quanto a uma possível integração da situação concreta ao preceituado no artigo 43.º, n.º 1, al. a) da LGT, não se prende com o facto de a Recorrente não ter juridicamente sustentado neste normativo a sua pretensão (mas sim no n.º 1 do artigo 43º da LGT), por tal se reconduzir a mera questão de direito ou, se preferirmos, a uma questão de enquadramento jurídico que, naturalmente, e como é pacifico, não vincula o Tribunal, sendo que, no limite, a situação se ultrapassaria com a prévia notificação da Fazenda Pública para, querendo se pronunciar [pronúncia que no caso, se nos afigura que seria impostergável por, pese embora a questão ser fundamentalmente de direito, repita-se, nestas circunstâncias - quer em razão do pedido expressamente formulado, quer do que em termos de facto e direito vinha alegado como fundamento desse mesmo pedido, quer, por ultimo, face ao teor da sentença proferida - ser seguro que a ora Recorrente não pode, legitimamente, contar com uma decisão que, ainda que no mesmo sentido daquela de que recorreu, se ancoraria num juízo de direito (e como veremos, de facto), integralmente novo, não podendo, por essa razão, de deixar de ser qualificada como “decisão surpresa”].
Prende-se, sim, no essencial, com a circunstância, também indiscutível, de nem sequer terem sido alegados, e muito menos integrados no probatório, factos suficientes a que se possa concluir se foi ou não ultrapassado o prazo legal de restituição, pressuposto manifesto de aplicação do normativo em referência.
Falta de alegação e demonstração essas que, de resto, não surpreendem por, como vimos, não ter sido neste normativo concreto e num eventual retardamento do reembolso do IVA que a Recorrente suportou a sua pretensão a juros indemnizatórios, mas na ilegalidade do penhor e no regime emergente do n.º 1 do artigo 43º da LGT (“erro por parte dos serviços”), que aquela pretensão foi efectivamente deduzida e julgada procedente.
Em suma, para além de não estar em causa nos autos um acto de liquidação, mas um mero acto administrativo em matéria tributária praticado pelo órgão de execução fiscal (penhor sobre um direito de crédito a um reembolso), cuja ilegalidade não contende com a validade do acto de liquidação, a Recorrente não suportou o pedido de juros formulado num qualquer atraso na restituição do IVA, nem alegou ou logrou provar factos capazes de, provados que fossem, permitirem a este Tribunal julgar verificados os pressupostos do n.º 3, al. a) do artigo 43º da LGT e, consequentemente, sustentar a sua pretensão a juros indemnizatórios.
Tudo, sem prejuízo, naturalmente, de o lesado poder fazer valer o direito indemnizatório que julgue assistir-lhe através de outros meios processuais e logre aí demonstrar ter sofrido, por causa daquele acto de constituição do penhor de crédito entretanto anulado, prejuízos.

V- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo Sul, concedendo provimento ao recurso, em revogar a sentença na parte que condenou a Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios.
Custas pela Recorrente e pela Recorrida, em 1ª instância, na proporção do decaimento, não sendo por esta última devido o pagamento da taxa de justiça nesta instância, uma vez que não contra-alegou.
Registe e notifique.

Lisboa, 26-6-2014
, 26-6-2014



[Anabela Russo]

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[Cristina Flora]

Voto vencida por entender, em síntese, que in casu, apesar de não haver direito a juros indemnizatórios nos termos do n.° 1 do art. 43.° da LGT, haverá nos termos do n.° 3 do mesmo artigo.
Com efeito, considerando que o penhor de crédito proveniente de reembolso de IVA foi considerado ilegal no âmbito da presente reclamação judicial, e consequentemente foi revogada a decisão que o ordenou, pelo que há que concluir que não foi cumprido o prazo legal de restituição oficiosa do reembolso de IVA à Reclamante, o que tanto basta para dar como preenchidos os pressupostos do n.° 3 daquele preceito legal, e por conseguinte, julgar verificado o direito da Reclamante a juros indemnizatórios, pois estes são devidos "[q]uando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos" (no sentido do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios ao abrigo do disposto no n.° 3 do art. 43.° da LGT, no âmbito de uma reclamação judicial proposta nos termos do art. 276 .° e ss do CPPT, vide Ac. do STA de 03/05/2006, recurso n.° 350/06).
Face ao exposto, não concederia provimento ao recurso, e por conseguinte, confirmaria a decisão recorrida, pese embora com a presente fundamentação.

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[Joaquim Condesso]