Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07963/11
Secção:CA - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/20/2011
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:PROCESSO CAUTELAR – ECDU – CONCURSO – PROFESSOR - COMPOSIÇÃO DO JÚRI – ÁREA DISCIPLINAR
Sumário:1.No processo cautelar, a oposição não admite, nem exige, impugnação posterior dos factos de defesa aí invocados, factos de defesa a provar, aliás, pelo oponente.
2. A excepcional al. a) do art. 120º-1 do CPTA quando fala em ilegalidade manifesta significa que a prova concreta e simples produzida no processo (i.e., sem grande indagação de facto) permite ao juiz concluir sem labor próprio do processo principal que o acto administrativo é manifestamente ilegal, ou seja, que há uma ilegalidade simples e evidente (i.e., sem grande indagação de Direito). Esta ilegalidade impõe-se, por isso, ao juiz, pelo que a lei, para proteger o interesse do requerente, prescinde da aferição do periculum in mora, normalmente exigido na tutela cautelar. É o que chamamos de “fumus boni iuris muito forte”. A necessidade objectiva do requerente ir a juízo (interesse em agir), essa, continua a ser exigível, logicamente.
3. Em concurso para professor universitário, o art. 46º ECDU é claro quando exige que os membros vogais do júri pertençam todos à mesma área disciplinar da vaga posta a concurso.
4. Nesse contexto, é simples e evidente que a Sociologia é distinta das Relações Internacionais. E é simples e evidente que a História é distinta das Relações Internacionais.
5. Pelo que é manifestamente ilegal o acto administrativo que, num concurso para 1 vaga na área disciplinar das Relações Internacionais, componha o júri com membros vogais (docentes, investigadores, especialistas) que sejam simplesmente historiadores, sociólogos e ou da área da História ou da Sociologia.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

A..., melhor identificado com os demais sinais dos autos, intentou no T.A.C. de SINTRA processo cautelar contra

Universidade Nova de Lisboa, com os demais sinais dos autos,
pedindo a suspensão de eficácia do edital n° 374/2011, do Reitor da Universidade Nova de Lisboa, publicado no Diário da República, 2a série, de 18.4.2011.

O TAC recorrido decidiu julgar improcedente o pedido cautelar.

Inconformado, A... deduz o presente recurso de apelação, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

(…)

As CONTRA-ALEGAÇÕES concluem assim:
I. Conforme resulta das conclusões vertidas no Acórdão datado de 14 de Abril de 2005, proferido pelo Tribunal ad quem, no proc. n.º 00618/05, "( ... )0 preceito do Art. 143.0 n.SJ2 do CPTA não vale apenas para as decisões cautelares de provimento, mas também para as de recusa a fim de evitar a suspensão dos seus efeitos positivos - por exemplo, o prolongamento abusivo da proibição de execução do acto administrativo. "
II. Defendem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha que "no que se refere ao efeito meramente devolutivo dos recursos interpostos contra decisões respeitantes à adopção de providências cautelares, a solução justifica-se, antes de mais, porque, para atribuir ou recusar providências cautelares, o juiz já procede à ponderação de que o n. o 5 do artigo aqui em presença faz depender a decisão de atribuir efeito meramente devolutivo ao recurso (.). Não se justifica, por isso, admitir que, nos casos em que a providência cautelar tenha sido recusada, o recurso jurisdicional tenha efeito suspensivo, quando o juiz, ao analisar o pedido de adopção da providência, já tomou em conta as considerações que poderiam relevar para efeito de se suspender ou não a exequibilidade da sentença (...)”.
III. Ora, no caso em apreço, estamos claramente numa situação que cai no âmbito de aplicação do n.º 2 do art. 143º do CPTA.
IV. E "(. .. ) ao contrário do que acontece a respeito da regra do n.° 1, o artigo 1430 não prevê, para os casos previstos no seu n. 2, a possibilidade de se requerer ao tribunal para o qual se recorre que seja atribuído efeito suspensivo ao recurso.
V. Pelo que não pode ser requerida a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
VI. Mesmo que fosse legalmente admissível a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, o que por mera hipótese se concebe sem todavia conceder, tal só poderia ter lugar caso a atribuição de efeito devolutivo fosse passível de causar danos ou prejuízos de difícil reparação, os quais sempre teriam que ser invocados e cabalmente demonstrados, o que não sucede no caso sub judice.
VII. Nestes termos, e por força do disposto no n.º 2 do art. 143º do CPTA, ao presente recurso deve ser atribuído efeito meramente devolutivo.
VIII. Contrariamente ao aludido pelo Recorrente, e conforme se infere, a contrario, do disposto na al. a) do n.º 2 do art. 50º do Estatuto da Carreira Docente Universitária (ECDU), na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31/08, a própria lei prevê a possibilidade do Presidente do Júri não ser professor ou investigador da área ou áreas disciplinares para que é aberto o concurso.
IX. Não é, portanto, de aceitar a argumentação do Recorrente de que ao art. 50 do ECDU não pretende excepcionar o que o Art. 46 impõe, mas sim apenas e tão só esclarecer que quando não se trate de um concurso para professor catedrático, mas sim para outra categoria, (...) o presidente do júri só poderá exercer voto de qualidade se pertencer à área ou áreas disciplinares para que for aberto o concurso, por ser infundada.
X. Não só não se vislumbra qualquer correspondência com a letra da lei, uma vez que da mesma não decorre qualquer distinção, quanto à presidência do júri e respectivo direito de voto, entre concursos para a categoria de professor catedrático e concursos para a carreira de professor auxiliar ou professor associado, como também se vem a revelar contraditória.
XI. Pelo que, na verdade, nada obsta a que o Senhor Reitor da UNL possa presidir o júri do concurso em apreço, ainda que não seja professor da área para que o mesmo foi aberto.
XII. Relativamente aos demais elementos que integram o júri no âmbito do concurso em apreço, relevará para os presentes autos o relevante trabalho científico desenvolvido pelos mesmos na área das Relações Internacionais, muito para além da área disciplinar em que cada um se insere.
XIII. A área disciplinar deve ser entendida como "o conjunto de disciplinas ou especialidades afins ou cientifica ou academicamente inter-relacionadas num determinado ramo do conhecimento", e é com referência a esta mesma área que se deve aferir do preenchimento dos requisitos exigidos aos opositores a concurso para professor catedrático (cfr. art. 40 do ECDU), no qual se inclui a detenção do título de doutor.
XIV. Nessa medida, o opositor ao concurso para professor catedrático tem que ser doutorado na área disciplinar para a qual é aberto o concurso.
XN. Note-se que o Recorrente é titular do grau de doutor no Ramo 1 especialidade de doutoramento: História e Teoria das Ideias - História das Ideias Políticas.
XNI. Pelo que relevará aqui também a afinidade e interconexão existentes entre a área da história e a área das relações internacionais, de que as próprias habilitações académicas dos opositores ao concurso - inclusive, as do ora Requerente - são reflexo.
XVII. Assim sendo, bem andou a douta sentença recorrida ao considerar que a ilegalidade imputada pelo requerente, ora Recorrente, ao Edital n. 374/2011, "não é ostensiva, óbvia ou flagrante, como se exigiria para se proceder à aplicação do Art. 120 nº 1, al. a) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos dado que a ilegalidade assacada ao edital carece de averiguação, de facto e de direito, no âmbito da acção principal.
XVIII. Para além disso, mesmo que a situação em apreço fosse passível de ser subsumível na previsão da al. a) do n.° 1 do art. 120Q do CPTA, o que por mera hipótese se concebe sem todavia conceder, sempre se imporia a improcedência do pedido cautelar, por não se vislumbrar aqui qualquer necessidade da tutela cautelar para assegurar o efeito útil da sentença que venha a ser proferida no processo principal.
XIX. Com efeito, e conforme defendido por Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha 12, pode "(..) questionar-se se, por força do artigo 112Q n.° 1, não deixa de ser pressuposto da adopção de qualquer providência cautelar mesmo na situação prevista no artigo 120, n.° 1, al. a), e embora o preceito não o refira, talvez seja de admitir que, no caso concreto, a providência se mostre necessária para assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal Com efeito, só parece existir interesse em agir em sede cautelar quando haja fundado receio de que se perca (no todo ou pelo menos em parte) a utilidade prática da sentença proferida no processo principal Quando seja claro que falta esse interesse, não há necessidade de tutela cautelar e, portanto, o decretamento de uma providência, a ter lugar já não desempenhará uma função verdadeiramente cautelar, mas de pura antecipação da tutela de fundo." Nesta medida, haverá que "(...) exigir um mínimo de necessidade na obtenção da providência.
XX. No caso vertente, não se vislumbra esta necessidade, põe não se verificar qualquer situação de facto consumado, ou a produção de quaisquer prejuízos de difícil reparação para os interesses que o Recorrente visa assegurar no processo principal, que possam vir a por em causa o efeito útil da sentença que venha a ser proferida no processo principal, nem tal foi sequer arguido e demonstrado pelo Recorrente.
XXI. A ausência de qualquer necessidade de tutela cautelar obstará, obviamente, ao decretamento da providência requerida.
XXII. Ainda que assim não fosse, não se encontram igualmente preenchidos, nos presentes autos, os pressupostos do decretamento de uma providência cautelar estatuídos na al. b) do n.° 1 e no n.° 2 do art. 120Q do CPTA: 1) o periculum in mora; 2) o fumus boni iuris e 3) a ponderação do interesse público e privado.
XXIII. O requisito do periculum in mora "encontra-se preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque, essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis' (vide Ac. do STA de 14/7/2008 - P. n.º 0381/08, citado no Ac. do STA de 28/10/2009, P. 826/09).
XXIV. Entendeu o Tribunal a quo, e bem, que "neste caso concreto, o requerente não alega, nem prova, como devia, factos integradores do receio fundado/efectivo de constituição de uma situação de facto consumado a tutelar por esta instância cautelar nem de produção de prejuízos de difícil reparação (...) Nenhum prejuízo concreto e pessoal resultou alegado e provado que possa decorrer da execução do acto nem perigo da criação de uma situação de facto consumado.
XXV. Tanto mais que, nada impede que quaisquer efeitos que venham a ser produzidos na pendência do processo principal possam vir a ser anulados pela sentença que venha a ser proferida na acção principal, na eventualidade de ser dado provimento à pretensão do ora Recorrente, e ser assim reposta a situação jurídica existente à data de abertura do concurso.
XXVI. Pelo que não se encontra preenchido, logo à partida, o requisito do periculum in mora.
XXVII. Sendo o preenchimento dos pressupostos supra referidos de verificação cumulativa, a não verificação, desde logo, do periculum in mora determina a rejeição da presente providência, dispensado a apreciação relativamente à verificação ou não dos demais pressupostos.
XXVIII. Para aferir da verificação do fumus boni iuris, impunha-se ao aqui Recorrente demonstrar, ainda que sumariamente, que irá vencer a acção principal, justificando assim a tutela antecipatória conferida pelo decretamento da providência cautelar.
XXIX. O critério da ponderação de interesses público e privado implica que a providência, mesmo que se verifiquem os demais requisitos, seja recusada sempre que os danos que resultariam da sua concessão sejam superiores aos danos que possam resultar da sua recusa.
XXX. No caso vertente, o Recorrente não invoca, repete-se, qualquer dano concreto que possa resultar da não concessão da providência. Por sua vez, a concessão da providência acarretaria danos para o interesse público, pois, conforme consta da fundamentação a fls. 6 do p.a., "a abertura do concurso deste concurso é imprescindível ao bom funcionamento da Faculdade' pelas razões aí explanadas e as quais se dão aqui por reproduzidas, não se coadunando com as delongas que resultariam da concessão da providência cautelar.
XXXI. Em face do exposto, impõe-se a recusa da providência requerida, uma vez que a mesma não é necessária para assegurar a utilidade da sentença que venha a ser proferida no processo principal, nem se verificam os pressupostos legalmente exigidos para o decretamento das providências cautelares (cuja verificação, aliás, nem foi sequer alegada ou demonstrada pelo Requerente).

XXXII. Pelo que bem andou a douta sentença recorrida ao julgar improcedente o pedido cautelar por não se verificarem os pressupostos legais para sua concessão.

*

O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para, em defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos, de interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do CPTA, se pronunciar sobre o mérito do recurso (art. 146º nº 1 do CPTA).

*

Cumpre apreciar e decidir em conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. FACTOS PROVADOS
A) O requerente é professor associado na área da Ciência Política/Relações Internacionais, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa - ver processo administrativo apenso.
B) Por edital n° 374/2011, publicado no Diário da República, 2a série de 18.4.2011, foi aberto concurso documental para recrutamento de 1 posto de trabalho de Professor Catedrático na Área de Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa - ver doc. n° 2 junto com o requerimento inicial.
C) Consta do aviso de abertura, ponto IV, que:
O júri tem a seguinte composição:
Presidente: Prof. Doutor B..., Reitor da Universidade Nova de Lisboa.
Vogais:
- Doutor C..., Professor Catedrático Jubilado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa;
- Doutor D..., Professor catedrático da Universidade Nacional de Enseinansa a la Distancia (UNRD) Madrid/ Espanha;
- Doutora E..., Professora Catedrática da faculdade de Letras da Universidade de Coimbra;
- Doutora F..., Professora Catedrática do Instituto Universitário de Lisboa - ISCTE;
- Doutor G..., Professor Catedrático da Academia Militar;
- Doutor H..., Professor Catedrático da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
D) O Professor Doutor B..., que preside ao júri, é médico e professor da Faculdade de Ciências Médicas da UNL - ver doc. n° 1 junto com o requerimento inicial.
E) O Doutor D...é historiador, sendo este catedrático Director do Departamento de História Contemporânea da UNED - ver doc. n° 3 e 4 juntos com o requerimento inicial.
F) A Doutora E...é Professora catedrática de História, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra - ver doc. n° 5 junto com o requerimento inicial.
G) A Doutora F... é socióloga e professora mas não na área das Relações Internacionais - ver doc. n° 6 junto com o requerimento inicial.
H) O Doutor G...é historiador, exercendo as suas funções de docente como Professor Catedrático na Academia Militar - ver doc. n° 7 junto com o requerimento inicial.
I) O Doutor H...é historiador - ver doc. n° 8 junto com o requerimento inicial.
J) O Professor Doutor C...é Professor Catedrático Jubilado do Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, pertencendo à área disciplinar de Relações Internacionais - por acordo.
K) O Doutor D..., a Doutora E..., a Doutora F..., o Doutor G..., o Doutor H..., todos, têm desenvolvido trabalho na Área das Relações Internacionais - por acordo.
L) O requerente candidatou-se ao concurso - ver fls. 58 do processo administrativo apenso.
M) O requerente tem formação em História, tem como especialidade de doutoramento História e Teoria das Ideias/ História das Ideias Politicas, e como especialidade de agregação Relações Internacionais/ História das Relações Internacionais - ver fls. 58 do processo administrativo apenso.
N) A providência cautelar entrou em juízo no dia 2.5.2011 - ver requerimento inicial.
O) Dá-se aqui por integralmente reproduzida a declaração junta como doc n° 1 com a oposição, datada de 3.6.2011, na qual o ora requerente declara que, por lapso, lhe tinha sido entregue o ofício de citação da acção e guardou-o até dia 3.6.2011.

II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O âmbito do recurso jurisdicional, cujo objecto é a decisão recorrida, é delimitado pela Recorrente nas conclusões (sintéticas, suficientes, claras e simples, com indicação das normas jurídicas violadas) das suas alegações (sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso), apenas podendo incidir sobre questões que tenham sido ou devessem ser anteriormente apreciadas e não podendo confrontar o tribunal ad quem com questões (coisa diversa de considerações, argumentos ou juízos de valor) novas ou cobertas por caso julgado – v. arts. 684º-3-4, 716º e 668º-1-d do CPC.

A

As medidas ou providências cautelares referidas no art. 112º CPTA (umas típicas(1), outras não), a decretar como previsto no art. 120º CPTA, visam,
· com base num julgamento muito sumário da questão de direito,
· assegurar que o tempo do julgamento do processo principal não determine a inutilidade da sentença nele proferida e, consequentemente, impedir que o Requerente, aquando do fim do processo principal, fique numa situação de facto consumado ou numa situação em que o volume ou a qualidade dos prejuízos sofridos inviabilize a possibilidade de reverter à situação que existiria se a ilegalidade (por ora, meramente aparente(2)) não tivesse sido cometida.

A lei exige como requisitos gerais:

(1) o periculum in mora (art. 120º-1-b)-1ª parte-ou-c)-1ª parte do CPTA), i.e. fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado(3) (ou periculum in mora de infrutuosidade ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (4) (ou periculum in mora de retardamento),

(2) o fumus boni iuris (art. 120º-1-c)-in fine do CPTA(5)) ou fumus non malus iuris (art. 120º-1-b)-in fine do CPTA[6]),

(3) a ponderação dos danos para os interesses em questão segundo critérios de proporcionalidade, ou seja que a atribuição da providência não cause danos desproporcionados, bem como

(4) a necessidade, adequação e suficiência daquela concreta providência (art. 120º-3 CPTA).

A al. a) do nº 1 do art. 120º CPTA contém um regime especial: as situações a enquadrar no artº 120º, nº 1, a), do CPTA, designadamente no conceito de acto manifestamente ilegal, não devem oferecer quaisquer dúvidas quanto a essa ilegalidade, que, assim, deve poder ser facilmente detectada face aos elementos (documentais ou não) constantes do processo e pela simples leitura e interpretação elementar da lei aplicável, sem necessidade de outras averiguações ou ponderações. Na verdade, o que é manifesto, é líquido, salta à vista, não oferece dúvida (Ac. STA de 22-10-2008, rec. 0396/08; Ac. STA de 14-7-2010, rec. 0451/10)

B

A recorrente considera que o recurso tem efeito suspensivo.

Ora, face ao teor do art. 143º CPTA, deve-se concluir, sem dificuldade e até por imposição lógica devido à natureza urgente e superficial da tutela cautelar, que todas as decisões cautelares, positivas ou negativas, não podem ficar beliscadas pela mera interposição de recurso.

Daí a regra ser a do efeito meramente devolutivo (art. 143º-2). O nº 1 do art. 143º refere-se aos processos não incluídos no nº 2.

Cfr. assim MÁRIO AROSO…, Comentário ao CPTA, 3ª ed., anot. ao art. 143º.

Pelo que, não tendo razão o recorrente, se mantém o efeito meramente devolutivo declarado pelo tribunal a quo.

C

Quanto a erro no julgamento dos factos, resulta muito claro do r.i. e da oposição que o teor da al. K) supra, dos factos provados, não ficou efectivamente provado.

Com efeito, os arts. 51 a 55 da oposição, alguns conclusivos apenas, donde o tribunal a quo retirou (algo forçadamente(7)) o facto K), não estão provados por acordo, como é elementar. Nem poderiam estar, pois foram invocados na oposição, a qual não admite nem exige impugnação posterior dos factos de defesa aí invocados, factos de defesa a provar aliás pelo oponente (v. arts. 342º CC e 118º CPTA).

Pelo que tal al. K), que nem deveria ter sido construída pelo tribunal a quo, não é matéria provada e é de eliminar (art. 712º-1-b) do CPC).

D

O tribunal a quo entendeu:
(…)
Do exposto, atenta a posição assumida pelas partes, a factualidade apurada e a análise e decisão sobre a qualificação jurídica da situação em apreço, não podemos concluir pela verificação, in casu, de ilegalidade manifesta, que «entre pelos olhos dentro» na actuação da requerida.
A ilegalidade assacada ao edital carece de averiguação, de facto e de direito, no âmbito da acção principal, por neste processo cautelar não podermos afirmar ser a mesma evidente.
Mas, porque existe esta necessidade, podemos, ainda, afirmar que não é manifesta a falta de fundamento do pedido a formular no processo principal.

(…)
Neste caso concreto, o requerente não alega nem prova, como devia, factos integradores do receio fundado/ efectivo de constituição de uma situação de facto consumado a tutelar por esta instância cautelar nem de produção de prejuízos de difícil reparação (cfr art. 120°, n° 1, al. b), 1a parte do CPTA).
Como a requerida o fez, afirmamos que o requerente não Invoca nem demonstra a frustração dos interesses que lhe advêm do não decretamento da providência. Nenhum prejuízo concreto e pessoal resultou alegado e provado que possa decorrer da execução do acto nem perigo da criação de uma situação de facto consumado.
Assim, sem mais delongas, tem-se por não verificado o requisito do periculum in mora necessário para o decretamento da providência requerida.

Vejamos.

A excepcional al. a) do art. 120º-1 do CPTA, quando fala em ilegalidade manifesta, significa, caso a caso, que a prova simples produzida no processo (sem grande indagação de facto) permite ao juiz concluir que o acto administrativo é manifestamente ilegal, ou seja, que há uma ilegalidade simples (sem grande indagação de Direito) e evidente.

Esta ilegalidade, assim, impõe-se ao juiz em termos tais que a lei prescinde do periculum in mora normalmente exigido na tutela cautelar. Também logicamente prescinde do nº 2 do art. 120º. (8)

É o que chamamos de “fumus boni iuris muito forte”.

MÁRIO AROSO DE ALMEIDA admite que estejamos aqui perante um caso especial de tutela sumária precária (Manual…, 2010, p. 482-483).

A necessidade objectiva de vir a juízo (interesse em agir) continua a ser exigível, logicamente.

A UNL tem
Ø Cursos de “Ciência Política e Relações Internacionais”(9) – 1º (lic.) e 2º (mestr.) ciclos,
Ø Cursos de “História”(10) – 1º, 2º e 3º ciclos,
Ø Cursos de “Sociologia”(11) – 1º, 2º e 3º ciclos, e
Ø Curso de “Relações Internacionais” - 3º ciclo (doutoram.).

Para o recorrente, os arts. 46º-1 e 50º do ECDU(12) estão aqui preenchidos nos termos previstos no art. 120º-1-a do CPTA.

Ou seja, segundo o requerente e recorrente, é evidente e simples que quase nenhum dos membros do júri é da área disciplinar de “Relações Internacionais”, sendo a maioria da área disciplinar de “História”, apesar de a lei (v. art. 46º-1-c do ECDU) exigir que sejam todos da mesma área disciplinar para que é aberto o concurso, aqui “Relações Internacionais” (= estudo sistemático das relações políticas, económicas e sociais entre diferentes países cujos reflexos transcendem as fronteiras de um Estado, sendo um domínio teórico da Ciência Política).

Tem razão quanto à lei, que é clara.
E, quanto aos membros do júri, ficou provado que:
O Doutor D...é historiador, sendo este catedrático Director do Departamento de História Contemporânea da UNED. A Doutora E...é professora catedrática de História, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. A Doutora F... é socióloga e professora mas não na área das Relações Internacionais. O Doutor G...é historiador. O Doutor H...é historiador.

Ou seja,
Ø há um membro da área disciplinar da Sociologia (= estudo científico das sociedades humanas e dos factos sociais) que não é docente na área das Relações Internacionais e
Ø quatro membros da área disciplinar da História (= ciência ou disciplina que estuda factos passados), i.e., 3 historiadores e 1 docente de História,

i.e. membros de áreas distintas das “Relações Internacionais” (= estudo sistemático das relações políticas, económicas e sociais entre diferentes países cujos reflexos transcendem as fronteiras de um Estado, sendo um domínio teórico da Ciência Política), seja para o senso comum, seja academicamente. Sem prejuízo de poder haver interpenetrações, como é comum em muitas áreas disciplinares e até em áreas científicas.

Pelo que também aqui o requerente tem razão: é simples e evidente que um (e um basta para o requerente ter razão) ou mais membros vogais do júri(13) não são da área disciplinar das “Relações Internacionais”, i.e., é simples e evidente que o art. 46º-1-c do ECDU foi desrespeitado. E que o processo principal anulará este acto administrativo devido a esta aparente ilegalidade manifesta da composição do júri.

E, por isso, não tem sentido tolerar eficácia jurídica de tal acto administrativo.

Há, portanto, o cit. “fumus boni iuris muito forte”.

Prescinde-se, assim, do periculum in mora normalmente exigido nestes processos.

Mas, não sendo correcto pensar que sem a suspensão de eficácia o sucesso do processo principal seria inútil (juridicamente), esta tutela continua a ser útil, a interessar ao requerente, para que este mesmo concurso não possa nunca produzir efeitos, eventualmente contra ele, e se inicie licitamente.

III. DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do T.C.A.-Sul em conceder provimento ao recurso, eliminar a alínea K) dos factos provados, revogar a decisão cautelar recorrida na parte decisória e do enquadramento jurídico dos factos, e decretar a suspensão da eficácia do acto administrativo expresso no edital n° 374/2011, do Reitor da Universidade Nova de Lisboa, publicado no Diário da República, 2a série, de 18.4.2011.

Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 20-10-11

PAULO PEREIRA GOUVEIA

CRISTINA DOS SANTOS

ANTÓNIO VASCONCELOS





1- Por exemplo, entre outros (suspensão de eficácia), o pedido cautelar de intimação de alguém para que provisoriamente se abstenha de um certo comportamento, alegadamente violador de normas de direito administrativo, supõe que haja um vazio decisório, isto é, que não exista ou subsista uma qualquer pronúncia justificativa de tal comportamento (Ac. do STA de 10.1.2008, Rec. nº 0675/07).
Sobre este tema, ver: FREITAS DO AMARAL, in Cadernos de Justiça Administrativa nº 43, e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA et al., Comentário ao CPTA, 3ª ed., 2010, notas ao art. 112º.

2- Não existem elementos que tornem evidente a improcedência ou a inviabilidade da pretensão material.

3- Ou seja, situação em que se tornará depois impossível, no caso de o processo principal proceder, operar a reintegração factual da situação conforme à legalidade. O periculum in mora é assim o “perigo de não satisfação do direito aparente”.

4- Ou seja, os factos alegados e provados permitem ao juiz concluir que, sem a providência cautelar, a reintegração da legalidade no plano dos factos se perspectiva difícil ou que os prejuízos que sempre se produzirão ao longo do tempo não serão integralmente reparáveis com tal reintegração, no caso de o processo principal proceder.

5- Que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.

6- Que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou que não seja manifesta a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito.

7- Sobre a selecção da matéria de facto, v., por todos, ANTÒNIO GERALDES, Temas…, II, nº 7.

8- Cfr. por todos MÁRIO AROSO…, Comentário ao CPTA, 3ª ed., anot. ao art. 120º; e PAULO PEREIRA GOUVEIA, As realidades da nova tutela cautelar administrativa, in CJA nº 55, 2006, p. 5 ss.

9- Objectivos educativos
1)Conhecer e compreender as teorias, métodos, fronteiras e natureza da ciência política e das relações internacionais;
2)Conhecer e compreender os conceitos, estruturas, contextos e ideias instrumentais na área da ciência política e das relações internacionais;
3)Adquirir competências intelectuais adequadas para identificar, descrever e avaliar a informação relevante no âmbito político e das relações internacionais;
4)Adquirir competências intelectuais genéricas para desenvolver argumentos, sintetizar informação relevante e exercer julgamento crítico sobre as implicações éticas na área da política e das relações internacionais;
5)Desenvolver aptidões pessoais para manusear, seleccionar e comunicar informação (escrita e oral);
6)Desenvolver aptidões pessoais para realizar trabalho autónomo, com espírito de iniciativa e autodisciplina;
7)Desenvolver aptidões pessoais para colaborar em rede, com vista a fins colectivos. (in www.unl.pt)

10- Objectivos educativos
1) Ter uma visão crítica do passado humano, bem como a compreensão de que aquele condiciona o presente e o futuro, assim como a nossa percepção de ambos;
2) Revelar compreensão por pontos de vista resultantes de diferentes antecedentes históricos, em distintos contextos culturais e geográficos;
3) Ser consciente de como os interesses, as categorias e os problemas históricos se alteram com o tempo e como o debate historiográfico está ligado aos interesses económicos, sociais, políticos e culturais de cada época;
4) Conhecer os diferentes períodos da História de Portugal;
5) Possuir um conhecimento geral sobre os métodos, as técnicas e temas relativos ao estudo dos grandes períodos em que normalmente se divide a História, desde a Pré-História até aos tempos actuais;
6) Saber integrar a História de Portugal numa perspectiva comparada com outras áreas espacio-culturais;
7) Saber identificar, seleccionar e recolher, de acordo com as regras da disciplina, fontes e elementos diversificados de informação (bibliografia, documentos, testemunhos orais, iconográficos e outros) e utilizá-los com sentido crítico;
8) Ser capaz de aplicar os conhecimentos e a capacidade de compreensão adquiridos na abordagem de um tema histórico ou na compreensão de questões do mundo actual;
9) Ter capacidade para apresentar escrita e oralmente os conhecimentos adquiridos utilizando a terminologia própria da História e revelando capacidade argumentativa. (in www.unl.pt)

11- Objectivos educativos
1) Compreensão da especificidade do conhecimento sociológico, em relação com as restantes ciências sociais e face ao conhecimento de senso comum;
2) Conhecimento e compreensão dos principais conceitos e abordagens teóricas da Sociologia;
3) Conhecimento e compreensão das abordagens sociológicas a diferentes áreas temáticas de aplicação científica e profissional;
4) Capacidade de comunicar o conhecimento sociológico de modo rigoroso e significativo, para especialistas e para não especialistas;
5) Conhecimento e compreensão dos fundamentos e aplicações das principais estratégias, métodos e técnicas da investigação sociológica;
6) Capacidade de seleccionar e aplicar esses conceitos e ferramentas à análise, problematização e investigação de fenómenos e problemas sociais, sob supervisão científica, tendo em conta as implicações éticas e deontológicas da investigação;
7) Capacidade de comunicar os procedimentos, resultados e implicações da investigação de modo rigoroso e significativo, para especialistas e não especialistas;
8) Competências necessárias para prosseguir formação para especialização, para profissionalização qualificada ou para aquisição de novas competências para a investigação fundamental, sob supervisão;
9) Competências científicas para o desempenho de tarefas de formação/leccionação, mediante aquisição de competências pedagógicas adicionais. (in www.unl.pt)

12- Artigo 46.º Composição dos júris
1 — A composição dos júris dos concursos a que se refere a presente secção obedece, designadamente, às seguintes regras:
a) Serem constituídos:
i) Por docentes de instituições de ensino superior universitárias nacionais públicas pertencentes a categoria superior àquela para que é aberto concurso ou à própria categoria quando se trate de concurso para professor catedrático;
ii) Por outros professores ou investigadores, nacionais ou estrangeiros, com aplicação, com as devidas adaptações, da regra constante da subalínea anterior;
iii) Por especialistas de reconhecido mérito, nacionais ou estrangeiros, de instituições públicas ou privadas, tendo em consideração a sua qualificação académica e a sua especial competência no domínio em causa;
b) Serem em número não inferior a cinco nem superior a nove;
c) Serem todos pertencentes à área ou áreas disciplinares para que é aberto o concurso;
d) Serem compostos maioritariamente por individualidades externas à instituição de ensino superior.
Artigo 50.º Funcionamento dos júris
1 — Os júris:
a) São presididos pelo órgão máximo da instituição de ensino superior ou por um professor da instituição de ensino superior por ele nomeado;
b) Deliberam através de votação nominal fundamentada nos critérios de selecção adoptados e divulgados, não sendo permitidas abstenções;
c) Só podem deliberar quando estiverem presentes pelo menos dois terços dos seus vogais e quando a maioria dos vogais presentes for externa;
2 — O presidente do júri tem voto de qualidade e só vota:
a) Quando seja professor ou investigador da área ou áreas disciplinares para que o concurso foi aberto; ou
b) Em caso de empate.
3 — As reuniões do júri de natureza preparatória da decisão final:
a) Podem ser realizadas por teleconferência;
b) Podem, excepcionalmente, por iniciativa do seu presidente, ser dispensadas sempre que, ouvidos, por escrito, num prazo por este fixado, nenhum dos vogais solicite tal realização e todos se pronunciem no mesmo sentido.
4 — Sempre que entenda necessário, o júri pode:
a) Solicitar aos candidatos a entrega de documentação complementar relacionada com o currículo apresentado;
b) Decidir promover audições públicas, em igualdade de circunstâncias para todos os candidatos.
5 — Das reuniões do júri são lavradas actas contendo, designadamente, um resumo do que nelas tenha ocorrido, bem como os votos emitidos por cada um dos seus membros e respectiva fundamentação por escrito, em documentos por ele elaborados e aprovados e integrados nas suas actas:
a) Do desempenho científico do candidato com base na análise dos trabalhos constantes do currículo, designadamente dos que hajam sido seleccionados pelo candidato como mais representativos, nomeadamente no que respeita à sua contribuição para o desenvolvimento e evolução da área disciplinar;
b) Da capacidade pedagógica do candidato, tendo designadamente em consideração, quando aplicável, a análise da sua prática pedagógica anterior;
c) De outras actividades relevantes para a missão da instituição de ensino superior que hajam sido desenvolvidas pelo candidato.
7 — Considerando os aspectos a que se referem os números anteriores, o júri deve proceder à elaboração de uma lista ordenada dos candidatos que hajam sido aprovados em mérito absoluto.

13- Excluindo o presidente – v. art. 50º-2 ECDU.