Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1449/11.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/13/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO; GERÊNCIA DE FACTO; ÓNUS PROBANDI.
Sumário:1. Sendo o exercício efectivo de funções de administração ou gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária prevista no art. 24.º da LGT, e cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício de funções de administração ou gestão pelo Oponente.
2. Se o que de pertinente se colhe do probatório é unicamente que o oponente subscreveu a declaração de cessação de actividade da SDO em sede de IVA e Imposto sobre o Rendimento e que a SDO se obrigava, no período das dívidas, com a assinatura de dois gerentes, havendo dois únicos nomeados, o oponente e um outro, não está verificado o requisito da efectividade da gerência, de que depende a reversão.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição deduzida por J (...) à execução fiscal n.º 3549200401123823 e apensos contra si revertida e originariamente instaurada contra “E (...), Sociedade Hoteleira, Lda.” por dívidas de IVA de 2002 a 2008, no valor total de 10.100,70 euros.

O Recorrente conclui as doutas alegações assim:
«

I – Vem o presente recurso reagir contra a Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo nos presentes autos em 28-01-2021, a qual julgou totalmente procedente a Oposição à execução fiscal n.º 3549200401123823 e apensos, deduzida por J (...), com o NIF 108(...), revertido no citado processo de execução fiscal, o qual havia sido originariamente instaurado contra a sociedade “E (...), SOC. HOTELEIRA, LDA.”, com o NIF 504(...), para a cobrança de dividas fiscais relativas a IVA dos anos de 2002 a 2008, já devidamente identificadas nos autos, no valor de € 10.100,70 (dez mil e cem euros e setenta cêntimos) e acrescido.

II – No fundo, considerou a Sentença recorrida que, apesar de resultar provado que o Oponente assinou documento em nome e por conta da sociedade devedora originária, tal não é suficiente para que se considere que exerceu, de facto, a gerência daquela sociedade, em face do que também foi carreado aos autos pela prova testemunhal, tornando o Oponente parte ilegítima na execução fiscal n.º 3549200401123823 e apensos.

III – É consabido que a responsabilidade tributária subsidiária prevista no artigo 24.º da LGT só pode operar contra quem exerceu, de facto, a gestão da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado, sendo esta prévia à verificação dos demais pressupostos legais da reversão, cfr., neste sentido, Acórdão do STA de 28-02-2007, proc. n.º 1132/06, cuja prova impende sobre a Fazenda Pública, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.

IV – E, apesar de não existir qualquer disposição legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito, a verdade que é sempre possível ao Douto Tribunal, em face das regras da experiência, entender que existe uma forte probabilidade de esse exercício efectivo (de facto) da gerência por parte do Oponente possa ter acontecido, cfr. Acórdão de 10-12-2008 do STA, proc. n.º 861/08.

V – O que o Douto Tribunal deve aferir com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e as provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública.

VI – Regressando aos autos, como muito bem foi estampado na alínea E) do probatório fixado na Sentença ora recorrida, resultou provado que o Oponente apôs a sua assinatura, na qualidade de gerente e juntamente com a técnica oficial de contas, na declaração de cessação de actividade da sociedade devedora originária.

VII – Portanto, o facto de o Oponente ter assinado documento em nome e por conta da sociedade devedora originária e exteriorizando a vontade desta, é o suficiente para que se considere que praticou actos efectivos de administração desta sociedade.

VIII – Pois que “Não explicitando a lei no que consiste a gerência, vem a doutrina e a Jurisprudência referindo que, como tal, se deve considerar aquela em que os gerentes praticam actos de disposição ou de administração, de acordo com o objecto social da sociedade, em nome representação desta, vinculando-a perante terceiros, atentos os contornos normativos que dela é feita nos artºs 252º, 259°. 260º e 261º do Cód. Sociedade. Com. - (cfr., entre outros, os Acs. do STA de 4-2-81, in AD 236º; de 3-10-85, in AD 237° e Acs. T.T. 2ª Instância de 12-11-91, (n CTF 365°, pág. 259 e de 24-6-84, in CTF 376º, pág. 257)”, vide o acórdão do TCA Sul, de 20-06-2000, proc. n.º 3468/00.

IX – E, apesar de não estarmos perante um conjunto ordenado de actos sucessivos de administração, a verdade é que, mesmo assim, tal documento é totalmente inequívoco quanto ao exercício da administração de facto do Oponente, tanto mais que, contrariamente ao que postulou a Sentença recorrida, “o legislador limita-se, na instituição da obrigação de responsabilidade, a relevar apenas o cargo de gerente, sem entrar em linha de conta se este abarca a totalidade da capacidade jurídica da sociedade ou apenas certa parcela, estando quanto a esse aspecto arredada qualquer restrição da obrigação de responsabilidade».” (cfr. Acórdão do TCA Sul de 11/03/2003, processo 7384/02)”.

X – Logo, contrariamente ao que foi consignado na Sentença recorrida, para a responsabilização dos gerentes pelas dívidas fiscais das sociedades, a lei não exige que estes exerçam uma gerência continuada, nem em todas as áreas por que se desenvolve a actividade da sociedade, bastando que pratiquem actos exteriorizadores da vontade e que vinculem a sociedade, como sucedeu no caso em apreço.

XI – Adicionalmente, e sempre com a devida vénia, a valoração da prova testemunhal produzida nos autos de primeira instância impunha que o Douto Tribunal a quo alcançasse diferente conclusão relativamente à matéria de facto provada.

XII I – Com efeito, a testemunha por Maria Isabel (...), TOC da sociedade devedora originária, foi clara ao afirmar de forma absolutamente contundente e inequívoca que o Oponente se afigurava como o gerente da pastelaria para a qual aquela foi contratada para exercer as funções de TOC e a pessoa responsável quando a TOC necessitava de tratar de assuntos relacionados com a contabilidade daquela sociedade, cfr. de 11m:15s até 11m:35s e de 14m:30s até 15m:00s do ficheiro digital da audiência de inquirição de testemunhas, que aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

XIII – Portanto, a testemunha identificou claramente o Oponente como o gerente da sociedade devedora originária e identificou o Oponente como a pessoa responsável quando se mostrava necessário tratar de assuntos relacionados com a contabilidade daquela sociedade, o que revela, em nosso modesto entendimento, uma gestão exercida em conjunto pelo Oponente e pelo outro sócio João R(…).

XIV – Merecendo tal factualidade a dignidade de constar dos factos assentes da Sentença recorrida, pois que se reputam relevantes para a decisão da causa e, por isso, devem ser aditados ao probatório, nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

XV – Sucede ainda que, e com particular relevância para o que nos ocupa, tal como consta da Certidão do Registo Comercial, a forma de obrigar da sociedade devedora originária é com a assinatura de dois gerentes, cfr. certidão permanente da empresa junta aos autos.

XVI – Sendo este, também, um facto que merecia a dignidade de constar dos factos assentes da Sentença recorrida, que se reputa relevante para a decisão da causa e que deve ser aditado ao probatório, nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

XVII – Assim, tendo em conta esta forma de obrigar a sociedade, ou seja, tendo em consideração que a sua assinatura obrigava a mesma, será legítimo presumir (presunção judicial baseada nas regras da experiência – artigo 350.º do CC), o exercício efectivo e continuado dos poderes de administração e representação de que era titular face à mesma sociedade, cfr. o Acórdão do TCA Sul de 06/10/2009, processo 03336/09.

XVIII – Em suma, não devemos olvidar que, na esteira do que se afirmou no Acórdão do STA de 10-12-2008, proc. n.º 861/08, “eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumida no processo e provas produzidas ou não pelo revertido e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte («certeza jurídica») de esse exercício da gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ele tenha acontecido”.

XIX – Subscrevendo, na íntegra, tal posição jurisprudencial e atentas todas as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente:
- o documento assinado pelo Oponente em 27-12-2010 em nome, por conta e em representação da sociedade devedora originária, cfr. alínea E) do probatório;
- ter resultado da produção de prova testemunhal a identificação a clara do Oponente como o gerente da sociedade devedora originária e como a pessoa responsável quando a TOC necessitava de tratar de assuntos relacionados com a contabilidade daquela sociedade, o que revela, em nosso modesto entendimento, uma gestão exercida em conjunto pelo Oponente e pelo outro sócio João Reis, cfr. de 11m:15s até 11m:35s e de 14m:30s até 15m:00s do ficheiro digital da audiência de inquirição de testemunhas, que aqui damos por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
- o facto de a sociedade devedora originária se obrigar mediante a intervenção de dois gerentes, cfr. Certidão do Registo Comercial junta aos autos;
Não existe outra conclusão a retirar que não seja a de que o Oponente sempre se afigurou como o gerente de facto da sociedade devedora originária no hiato temporal a que se reporta o prazo de pagamento voluntário das dívidas em cobrança em sede dos autos executivos n.º 3549200401123823 e apensos.

XX – Desta forma, e contrariamente ao que foi postulado pelo Doutro Tribunal a quo, perante tal matéria factual, a qual possuía a dignidade de ser julgada provada, devemos considerar que o Oponente actuou como um verdadeiro administrador de facto, sendo responsável para que a sociedade “E (...), SOC. HOTELEIRA, LDA.”, com o NIF 504(...), não cumprisse com o dever fundamental de pagamento dos tributos.

XXI – Com o devido e muito respeito, atenta a prova documental e testemunhal produzida, a Sentença ora recorrida, ao decidir como efectivamente o fez, estribou o seu entendimento numa inadequada valoração da matéria de facto e de direito relevante para a boa decisão da causa, tendo violado o disposto nas supra mencionadas disposições legais.

TERMOS EM QUE, E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA ORA RECORRIDA, COM AS DEMAIS E DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,
ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA
JUSTIÇA!».

Contra-alegações, não foram apresentadas.


O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso deve improceder e a decisão mantida na esfera jurídica uma vez que não padece de qualquer vício.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, ao concluir que a Fazenda Pública não fez prova da efectividade da gerência do oponente no período referenciado às dívidas revertidas.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
Com interesse para a decisão da causa considera-se assente a factualidade que se passa a subordinar por alíneas:

A) No Serviço de Finanças de Sintra-2 (Algueirão) foi instaurado, contra a E (...), SOCIEDADE HOTELEIRA, LDA., o processo de execução fiscal (PEF) n.º 3549200401123823, para cobrança de dívida de IVA do exercício de 2002, no valor de € 1.496,40, ao qual foram apensados outros PEF para cobrança de dívidas de IVA dos períodos de 2003 a 2008 e coimas fiscais, no valor total de € 12.855,10, com datas limite de pagamento voluntário entre 25.11.2004 e 21.10.2010, conforme descrição de fls. 63/64 do PEF apenso, que aqui se dá por reproduzida – cf. fls. 27/28 e 63/64 do PEF apenso.

B) Em 07.12.2010, no âmbito do PEF identificado em A), foi emitido pela Chefe do serviço de Finanças de Sintra-2 “Mandado de Penhora” com vista à cobrança coerciva da quantia de € 12.855,10, e acrescido de € 3.236,09, o qual não pode ser cumprido por ter sido constatado que a sociedade não se encontrava a laborar, conforme “Auto de Diligências” de fls. 54 do PEF apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cf. fls. 31/32 e 54 do PEF apenso.

C) No âmbito do PEF identificado em A), foi elaborada a informação de fls. 55/56, cujo teor aqui se dá por reproduzido e onde se refere, além do mais, o seguinte:
“[…]

Inexistência ou Insuficiência de bens da devedora originária:

 Foram feitas diligências no sentido de obter a penhora de activos da devedora originária, nomeadamente penhora de contas bancárias e de créditos, tendo as mesmas saído frustradas;

 Após diligências efectuadas, nomeadamente pela consulta, das bases de dados informáticas existentes neste Serviço de Finanças (cadastro predial, Declaração Anual, Declarações Modelo 22, cadastro do imposto Único Automóvel,) para averiguação de existência de bens, não foi possível encontrar quaisquer bens penhoráveis em nome da executada devedora originária;

Responsáveis Subsidiários:
(Administradores/Gerentes de direito e de facto):
Nome: JOÃO FRANCISCO (...), NIF: 191(...) Exerceu a administração/gerência de: 1998-02-27
 Nome: J (...), NIF: 108(...) Exerceu a administração/gerência de: 1998-02-27

Análise e conclusão
 Conforme os elementos que antecedem, não são conhecidos bens do devedor originário susceptíveis de penhora, que permitam o pagamento da totalidade da dívida.
 Conforme registo da Conservatória do Registo Comercial de Sintra, são responsáveis subsidiários pelas dívidas da executada o(s) gerente(s) supra identificado(s).
Conforme documentos juntos ao processo fica provado o exercício da gerência de facto por parte de: JOÃO FRANCISCO (...), NIF: 191(...) E DE J (...), NIF: 108(...)
 No presente caso, justifica-se o chamamento dos responsáveis subsidiários por se verificar, em consulta aos vários sistemas informáticos e nos termos do artigo 153° do CPPT:
x a inexistência de bens penhoráveis do devedor; […]”.
– cf. fls. 55/56 do PEF apenso.

D) Por despacho de 09.12.2010, e na sequência de informação da informação referida na alínea que antecede, foi projetada a reversão contra o ora oponente no PEF identificado em A), pelas dívidas aí mencionadas, com os seguintes fundamentos:

«Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.º 24º/nº 1/b) da LGT].» – cf. fls. 62 a 65 do PEF apenso.

E) Em 27.12.2010 o aqui oponente subscreveu, juntamente com a técnica de oficial de contas, a declaração de cessação de atividade da sociedade E (...), SOCIEDADE HOTELEIRA, LDA., na qual o termo da atividade é reportado a 31.12.2002 – cf. fls. 71 do PEF apenso.

F) Em 27.12.2010 o oponente exerceu o direito de audição prévia onde conclui pela “inexistência de imposto a reverter” pelo facto de a sociedade se encontrar sem atividade desde 2002, mais invocando a prescrição das dívidas de 2002 a 2005, conforme requerimento de fls. 66/67 do PEF apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido – cf. fls. 66/67 do PEF apenso.
G) Em 30.12.2010, na sequência de informação dos serviços de 29.12.2010, onde se conclui pela não verificação da prescrição das dívidas exequendas, foi proferido despacho de reversão contra o ora Oponente no PEF n.º 3549200401123823 e aps., cujo teor aqui se dá por reproduzido, pela quantia de € 10.100,70, relativa a dívidas de IVA de 2002 a 2008 – cf. fls. 82 a 85 do PEF apenso.

H) Em 13.06.2011 o Oponente foi citado, por reversão, para a execução n.º 3549200401123823 e aps., para pagamento da quantia de € 10.100,70, relativa a dívidas de IVA de 2002 a 2008, com os seguintes “FUNDAMENTOS DA REVERSÃO”:

«Inexistência ou insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23/n.º 2 da LGT):

Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art.º 24º/nº 1/b) da LGT].

Em anexo cópia das certidões de dívida […] bem como informação de audição prévia e despacho de reversão.»

– cf. fls. 180 a 192 e 210 do PEF apenso.

I) A sociedade da “E (...), SOCIEDADE HOTELEIRA, LDA.” foi constituída em 15.12.1997, entre João Francisco (...) e É(…), tendo por objeto social o “comércio de padaria, pastelaria snack bar hotelaria”, tendo sido deliberado, no respetivo ato de constituição que a “gerência da sociedade […] fica a cargo de ambos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes – cf. fls. 42 a 44 do PEF apenso.
J) Em 23.12.1997 foi efetuado o registo da sociedade da “E (...), SOCIEDADE HOTELEIRA, LDA.”, constando da certidão permanente à data de 08.12.2010, como sócios, na proporção de ½ cada um, o ora Oponente e Lúcia (...), e como gerentes o ora Oponente e João Francisco (...), situação que se verificava à data da dissolução administrativa, objeto de registo pela ap. 36/20081001 – cf. Certidão do Registo Comercial a fls. 33/34 do PEF apenso.

K) Em 23.12.1997 deu entrada no Serviço de Finanças a declaração de início de atividade da sociedade “E (...), SOCIEDADE HOTELEIRA, LDA.”, em que intervém como representante da mesma o gerente designado João Francisco (...), sendo indicados como sócios e gerentes o mencionado João Francisco (...) e É (...) – cf. fls. 39 a 41 do PEF apenso.

L) Para além da pastelaria “E (...)”, na qual se encontrava o sócio João (…), existia outra, denominada “Luc(...)” na qual se encontrava o ora oponente – prova testemunhal.

M) Até 2002 os assuntos da pastelaria “E (...)” com a TOC eram tratados pelo gerente João (…) – prova testemunhal.

N) Foi o gerente João (…) quem contratou a TOC da sociedade “E (...), SOCIEDADE HOTELEIRA, LDA.”, Maria Isabel (…) – prova testemunhal.

O) A presente oposição deu entrada no órgão de execução fiscal em 13.07.2011 – cf. fls. 5 dos autos.
*
Factos não provados:

Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que importe julgar não provados.
*

Motivação da decisão de facto:

A decisão da matéria de facto assenta nos elementos constantes dos autos e PEF apenso, conforme indicado nas respetivas alíneas do probatório, os quais não foram impugnados nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade.
Quanto à prova testemunhal, relevou, no essencial, para efeitos da factualidade dada como provada em L) e M), tendo sido valorado, por referência à data limite de pagamento voluntário das dívidas em cobrança no PEF a que respeita a presente oposição, no essencial, o depoimento da testemunha Maria Isabel (…), TOC da sociedade, que, pese embora a dificuldade que teve em situar no tempo os factos, o que se compreende pelo hiato temporal entre os factos e a data da inquirição (mais de 10 anos), afirmou, contudo, com clareza e segurança, que existiam duas pastelarias, a “E (...)”, onde habitualmente estava o Sr. João (...), com quem lidava para tratar dos assuntos contabilísticos da referida sociedade e quem a contratou para a função de TOC, e a pastelaria “Luc(...)”, na qual habitualmente estava o Sr. Jorge (...) (o aqui oponente), que trava dos respetivos assuntos; mais esclarecendo que a declaração de cessação de atividade da “É(…) & (...)” foi apresentada com a intervenção do aqui oponente por razões relacionadas com o “desaparecimento” do Sr. João (...), facto que dificultou o seu trabalho por não ter acesso aos documentos necessários para o efeito, e aquilo que identificou como “chatices”, aparecimento de coimas, declarações não entregues.
Quanto ao depoimento da testemunha Lúcia (…), declarou que, até ao momento em que manteve contacto com a sociedade devedora originária (que situou em 1999, data que disse ser coincidente com a do seu divórcio do já mencionado João (...)), era o seu ex-marido, Sr. João (...), quem “fazia tudo”. Não tendo conhecimento de factos ocorridos entre 2004 e 2010, não foi este depoimento considerado para efeitos da prova dos factos relevantes para o caso».
Nos termos do disposto no art.º 662.º, n.º 1 do CPC, adita-se ao probatório o seguinte facto, documentalmente provado como se indica:

P), A sociedade da “E (...), SOCIEDADE HOTELEIRA, LDA.”, nomeadamente com referência ao período das dívidas, obrigava-se com a assinatura de dois gerentes, havendo unicamente dois designados, o oponente e o referido João Francisco (...) – cf. Certidão do Registo Comercial a fls. 33/34 do PEF apenso.

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Se bem entendemos, o recorrente pretenderá impugnar a matéria de facto.

Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o art.º 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que:

«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
Da análise, quer das alegações recursórias, quer das conclusões, não resultam cumpridos os requisitos das alíneas a) e c) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC.

Com efeito, em parte alguma das alegações ou conclusões, o recorrente concretiza os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e qual a decisão alternativa que pretende.

Não cumprindo as alegações e conclusões do recorrente este ónus, não é esta omissão passível de despacho de aperfeiçoamento.

Conforme refere Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª ed., pág. 157, “A comparação que necessariamente tem que ser feita com o disposto no artº 639º e, além disso, a observação dos antecedentes legislativos levam-me a concluir que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento. Resultado que é comprovado pelo teor do art. 652º, nº1, al. a), na medida em que limita os poderes do relator ao despacho de aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do nº3 do artº 639.”

Efectivamente, pretendeu-se com este regime legal, ao possibilitar a ampliação dos poderes da relação relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a imposição de regras muito precisas, sem a observância das quais o recurso deve ser liminarmente rejeitado.

Assim sendo, acorda-se em rejeitar o recurso no que se reporta à reapreciação da matéria de facto.

Prosseguindo,

A questão central dos autos reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro no julgamento que fez quanto à ausência de prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes de sociedades por dívidas tributárias.

Em causa, está reversão por dívidas de IVA reportadas ao período de 2002 a 2008.

Aplica-se o regime de responsabilidade subsidiária previsto na Lei Geral Tributária, cujo art.º 24.º, n.º 1, dispõe:

«1 - Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento»
.

Resulta daquele preceito legal, desde logo, que um dos requisitos da responsabilidade subsidiária dos membros de corpos sociais é o exercício de facto de funções de administração ou gestão.

Como exemplarmente se deixou consignado no recente Acórdão deste TCA de 12/03/2020 tirado no proc.º2548/14.0BELRS,

«No que diz respeito às regras do ónus da prova relativamente ao exercício de facto de funções de administração ou gestão, importa ter presente que o Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão do Pleno do CT do STA de 28/02/2007, proc. n.º 01132/06, reiterado posteriormente, pelo acórdão do STA de 10/12/2008, proc. n.º 0861/08, e pelo acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12) considerou, ainda no âmbito do regime do CPT, que competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, «deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efetivo exercício da gerência».

Entendeu-se no que respeita ao exercício das funções de gerência que «sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efetivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal».

Com este acórdão, fica assim sem margens para dúvidas, afastado o entendimento segundo o qual, uma vez verificada a gerência nominal ou de direito, se presume a gerência de facto ou efetiva.
Estas regras do ónus da prova aplicam-se, de igual modo, no âmbito do regime do art. 24.º da LGT.

Não obstante, nada impede que o julgador possa valorar criticamente toda a prova que consta do processo de execução fiscal para formar a sua convicção, inclusive a certidão da matrícula da sociedade executada originária e as respetivas inscrições, em particular, aquelas que dizem respeito à existência de um ou mais
gerentes ou administradores nomeados, e a forma como se vincula a sociedade, que poderão constituir factos indiciadores da gerência de facto e que podem e devem ser conjugados com outros meios de prova constantes do processo.

O julgador deve extrair do conjunto dos factos provados o efetivo exercício da gerência, formando a sua convicção pelo exame crítico das provas, mas já não pela “aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” [acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12], e diremos mais, de igual modo, também não poderá o julgador resguardar-se na inexistência de presunção para se eximir do exame crítico da prova (cf. acórdão do TCAS de 11/07/2019, proc. n.º 281/11.4BELRS
).

Com efeito, naquele acórdão do Pleno do CT do STA de 21/11/2012, proc. n.º 0474/12, sumariou-se: “I - No regime do Código de Processo Tributário relativo à
responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social. II - Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário. III - A presunção judicial, diferentemente da legal, não implica a inversão do ónus da prova. IV - Competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência. V - Sendo possível ao julgador extrair, do conjunto dos factos provados, esse efectivo exercício, tal só pode resultar da convicção formada a partir do exame crítico das provas, que não da aplicação mecânica de uma inexistente presunção legal.” (sublinhado nosso).

Como
supra exposto, não existe uma presunção legal segundo a qual o gerente de direito o é, também, de facto, sendo esse um elemento a considerar na decisão de facto.

Em suma, a partir da prova produzida o juiz pode firmar um facto desconhecido, usando as regras da experiência e juízos de probabilidade, através de presunção judicial nos termos do art. 350.º do Código Civil (v. acórdão do STA de 10/12/2008, proc. n.º 0861/08: “(…) IV - No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência”). O que não se poderá é inferir a gerência de facto automática e exclusivamente com base na gerência de direito, sob pena de reconduzir a presunção judicial a uma presunção legal, como resulta da jurisprudência fixada pelo STA.

Desta forma, no procedimento de reversão, a AT deve procurar determinar se os
gerentes de direito exercerem de facto essa gerência, e para formar essa convicção, deve juntar ao processo executivo elementos de prova que a corroborem, de modo a satisfazer o seu ónus probatório. Se concluir pelo não exercício de facto da gerência pelos gerentes de direito, deve então apurar quem exerceu a gerência de facto do sujeito passivo, na medida em que tais pessoas são responsáveis subsidiários ainda que a sua atuação seja “somente de facto”, como refere o n.º 1 do art.º 24.º da LGT, pois o preceito legal não se exige a gerência nominal ou de direito, sendo suficiente a mera gerência efetiva ou de facto.» (fim de citação).

Nesta linha de entendimento e descendo aos autos, do probatório, não impugnado eficazmente, não constam quaisquer factos relevantes com base nos quais se possa firmar a convicção quanto à efectividade da gerência do oponente, lembrando-se que a dúvida a tal respeito se resolve contra a Fazenda Pública que é a parte onerada com a prova, enquanto titular do direito de reversão.

Com efeito, o que de pertinente e a respeito se colhe do probatório é unicamente que o oponente subscreveu em 27/12/2010 a declaração de cessação de actividade da SDO em sede de IVA e Imposto sobre o Rendimento; e que a SDO se obrigava, no período das dívidas, com a assinatura de dois gerentes, havendo dois únicos nomeados, o oponente e o referido João Francisco (...).

O primeiro facto, nem é referido ao período das dívidas, nem é, sequer, expressivo de uma gerência de facto, antes sendo perfeitamente compatível com uma gerência de tipo nominal, para mais se concretamente contextualizada, pois como se retira do depoimento da TOC Maria Isabel (...), que co - subscreveu a declaração de cessação de actividade com o oponente, viram ser esse o meio de fazer cessar as sucessivas liquidações com que a SDO se vinha confrontando.
Nem se contraponha que o oponente sempre o poderia ter feito anteriormente, tanto mais que alega e até reportou a cessação de actividade da SDO a 31/12/2002 (cf. fls.71 do apenso). Sendo tal pertinente, há uma razão forte objectivada nos autos para o tempo em que o fez: é que quando apresentou a declaração de cessação de actividade da SDO já ele próprio, oponente, se acabara de ver confrontado com a reversão das dívidas liquidadas.

Quanto ao facto de a SDO se obrigar com a assinatura de dois gerentes, havendo unicamente dois, o oponente e um outro, tal não é decisivo (sem prejuízo de valer como princípio de prova a complementar com outra factualidade validante), para se poder concluir pela intervenção conjunta de ambos os gerentes na gestão da sociedade, pois não obstante a gerência plural estabelecida no contrato de sociedade, tal nada revela quanto ao modo como, na prática e de facto, se operacionalizava a gestão da sociedade (cf. artigos 259.º a 261.º, do Cód. das Sociedades Comerciais).

Vem a propósito chamar à colação o Acórdão do STJ de 8-6-1999, publicado no BMJ nº 488, págs. 371 e ss., onde se expressou o seguinte entendimento:

«Nos termos do nº 1 do artigo 260.º “os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios”.
Quer isto significar que as limitações voluntárias (em especial as constantes do pacto social) dos poderes de representação da sociedade pelos gerentes não retiram validade e eficácia aos actos por eles praticados no exercício desses poderes».

Ainda recentemente tal entendimento foi acolhido no ac. da Relação de Évora de 06/27/2019, tirado no proc.º 722/18.0T8STB.E1.

Assim, se por um lado a sociedade pode vincular-se validamente perante terceiros com a intervenção de um número de gerentes inferior ao previsto no pacto social e assim prosseguir os seus negócios, por outro, constata-se que nenhum acto interno ou externo relacionado com a actividade da sociedade foi sinalizado pela Fazenda Pública como praticado pelo oponente no período das dívidas (ou sequer anterior) e tal era decisivo para se poder afirmar a efectividade da sua gerência.

Concluindo e, em suma, sendo o exercício efectivo de funções de gerente um dos pressupostos da responsabilidade subsidiária prevista no art.º 24.º da LGT, e cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova desse pressuposto da responsabilidade subsidiária, contra si deve ser valorada a falta de prova do efectivo exercício das funções de gerência do oponente na SDO com referência ao período das dívidas.

A sentença recorrida não merece a censura que lhe é apontada, sendo de confirmar e negar provimento ao recurso.
5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.

Condena-se o Recorrente em custas.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022



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Vital Lopes




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Luísa Soares




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Tânia Meireles da Cunha