Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:145/17.8BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:09/28/2017
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:INIMPUGNABILIDADE DO ACTO
FIXAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL POR MÉTODOS INDIRECTOS
REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO
Sumário:I – A recorrente não impugnou as liquidações adicionais relativas à fixação da matéria tributável por métodos indirectos, pois quando apresentou a presente impugnação não tinha, sequer, conhecimento se as liquidações tinham sido efectuadas, pelo que não podia impugnar o que não sabia se existia.
II – Resulta claro, nos termos do nº 3 do art. 86º da LGT, que a avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação.
III – No caso concreto, o acto impugnado, por se limitar a fixar os valores com base nos quais irão ser liquidados os tributos, é um acto interlocutório que não é directamente impugnável. Pelo que forçoso será concluir que bem andou o Tribunal a quo em rejeitar a impugnação por inimpugnabilidade do acto.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
l – RELATÓRIO

...-EXPLORAÇÃO HOTELEIRA, UNIPESSOAL, LDA, veio recorrer do despacho de fls.25 e 26 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que, por manifesta inimpugnabilidade do acto sindicado, rejeitou liminarmente a impugnação judicial por si deduzida contra a decisão do Director de Finanças de Faro que manteve o valor da matéria tributável de IVA e IRC, que lhe foi efectuada relativamente aos exercícios de 2012 a 2014, com recurso a métodos indirectos.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

«I. No requerimento inicial indeferido liminarmente pela decisão recorrida, a recorrente impugnou, entre o mais, as liquidações adicionais relativas à fixação da matéria tributável por métodos indirectos, de IRC e IVA, quanto ao período de 2012, 2013 e 2014, e não apenas o despacho de fixação por métodos indirectos da matéria tributável.

II. O mandatário forense da recorrente, apesar de constituído mandatário no processo das Finanças desde 16 de Novembro de 2016, não foi notificado das posteriores liquidações adicionais realizadas com fundamento na fixação da matéria tributável por métodos indirectos, de IRC e IVA, quanto ao período de 2012, 2013 e 2014, embora, por duas vezes, já tenha requerido a notificação dessas liquidações.

III.O mandatário não foi notificado e a mandante ora recorrente foi executada, apesar de tais condutas do serviço de Finanças contrariarem as regras dos artigos 36º e 40º do CPPT.

IV. Se acaso for mantida a decisão recorrida, e persistindo as Finanças em denegar a notificação das liquidações ao mandatário, resulta uma situação algo kafkiana: a recorrente não pode impugnar as liquidações apesar das referências a elas no pedido formulado no requerimento de impugnação porque não as juntou, mas também não pode vir a impugná-las porque, embora estejam efectuadas, as Finanças não as notificam ao mandatário da impugnante.

V. A não admissão da impugnação das liquidações adicionais causa um prejuízo irreparável à recorrente executada, em violação do princípio do Estado de Direito (arts. 2º e 20º da CRP), bem como do da tutela jurisdicional efectiva consagrado no art.268º nº4 da CRP.

VI. Em suma, pretende-se que o Venerando Tribunal de recurso considere que as liquidações foram efectivamente impugnadas, desde logo pelo que consta do intróito do requerimento inicial e do respectivo pedido b], revogando a decisão de indeferimento sem prejuízo de o tribunal de 1ª instância convidar à junção dos documentos contendo as liquidações adicionais, ou, se essa pretensão não for acolhida no recurso, que seja reconhecido o direito e facultado à recorrente apresentar a impugnação das liquidações adicionais no prazo legal contado desde a notificação dessas liquidações ao mandatário da impugnante recorrente.

Pelo exposto requer a V. Ex.as que, fixado o efeito suspensivo, seja a final revogada a decisão recorrida, para ser substituída por outra que admita a impugnação apresentada, ou, subsidiariamente, seja reconhecido o direito e facultado à recorrente apresentar a impugnação das liquidações adicionais no prazo legal contado desde a notificação dessas liquidações ao mandatário da impugnante recorrente.».


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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso (cf. fls.43 a 45 dos autos).
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Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De Facto
A decisão recorrida que, sendo um despacho de rejeição liminar, não fixou a factualidade provada, tem o seguinte teor:

«... - EXPLORAÇÃO HOTELEIRA, UNIPESSOAL, LDA., com o número de identificação fiscal … e sede na Rua …, vem impugnar a decisão do Director de Finanças de Faro que manteve a matéria tributável de IVA e IRC, relativa aos exercícios de 2012 a 2014,que lhe foi fixada por métodos indirectos. Pede a anulação desta decisão, a suspensão das liquidações dos respectivos tributos e das correspondentes execuções fiscais se já tiverem sido instauradas, e, subsidiariamente, a anulação da decisão impugnada e as respectivas liquidações.

II
No contencioso tributário cabe, por regra, impugnação contenciosa "do acto final do procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definindo os seus direitos ou deveres". "Nos procedimentos tributários que conduzem a um acto de liquidação do tributo, a esfera jurídica dos interessados apenas é atingida por este acto e, por isso, em regra, será ele e apenas ele o acto lesivo contenciosamente impugnável" - cfr. JORGE DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6ª edição, Volume I, notas 2 e 3 ao artigo 54°.
Sendo que o artigo 86° da Lei Geral Tributária dispõe expressamente que - n°3 - "A avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação", devendo a ilegalidade da avaliação ser invocada - n°4 - na impugnação do acto de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base nessa avaliação.
Assim, o acto impugnado, por se limitar a fixar os valores com base nos quais irão ser liquidados os tributos, é um acto interlocutório que não é directamente impugnável - neste sentido, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Abril de 2006 - processo n°1286/05.
E a inimpugnabilidade do acto é uma excepção dilatória - artigo 576°, n° 2, do Código de Processo Civil - que leva ao indeferimento da Petição Inicial - artigos 590°, n°1, do CPC e 110°, n°1, primeira parte, do CPPT.
Não havendo notícia, desde logo por a sua existência vir posta em dúvida pela própria Impugnante, da existência dos actos de liquidação que podem constituir objecto de Impugnação Judicial.
Pelo que à míngua de objecto, a Impugnação não pode ser recebida.
III
Termos em que se rejeita a Impugnação. Custas pela Impugnante.»

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II.2. De Direito

Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, as questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber:

- se a recorrente impugnou, entre o mais, as liquidações adicionais relativas à fixação da matéria tributável por métodos indirectos de IRC e IVA;

Em caso negativo,

- se bem andou o Tribunal a quo em rejeitar a impugnação por inimpugnabilidade do acto.

Vem invocar a recorrente que no requerimento inicial indeferido liminarmente pela decisão recorrida, a recorrente impugnou, entre o mais, as liquidações adicionais relativas à fixação da matéria tributável por métodos indirectos, de IRC e IVA, quanto ao período de 2012, 2013 e 2014, e não apenas o despacho de fixação por métodos indirectos da matéria tributável. Que o mandatário forense da recorrente, apesar de constituído mandatário no processo das Finanças desde 16 de Novembro de 2016, não foi notificado das posteriores liquidações adicionais realizadas com fundamento na fixação da matéria tributável por métodos indirectos, de IRC e IVA, quanto ao período de 2012, 2013 e 2014, embora, por duas vezes, já tenha requerido a notificação dessas liquidações. O mandatário não foi notificado e a mandante ora recorrente foi executada, apesar de tais condutas do serviço de Finanças contrariarem as regras dos artigos 36º e 40º do CPPT.  Em suma, pretende-se que o Venerando Tribunal de recurso considere que as liquidações foram efectivamente impugnadas, desde logo pelo que consta do intróito do requerimento inicial e do respectivo pedido b], revogando a decisão de indeferimento sem prejuízo de o tribunal de 1ª instância convidar à junção dos documentos contendo as liquidações adicionais, ou, se essa pretensão não for acolhida no recurso, que seja reconhecido o direito e facultado à recorrente apresentar a impugnação das liquidações adicionais no prazo legal contado desde a notificação dessas liquidações ao mandatário da impugnante recorrente. [conclusões de recurso I. a III. e VI.]

Apreciando.

A recorrente invoca que no requerimento inicial impugnou, entre o mais, as liquidações adicionais relativas à fixação da matéria tributável por métodos indirectos, de IRC e IVA, quanto ao período de 2012, 2013 e 2014, e não apenas o despacho de fixação por métodos indirectos da matéria tributável.

Vejamos o que a impugnante escreveu no intróito da petição inicial "(...) vem apresentar (...) impugnação judicial contra a fixação da matéria tributável, por métodos indirectos, relativamente aos anos de 2012, 2013 e 2014, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, e das respectivas liquidações adicionais que entretanto tenham sido realizadas."

Parece, pois, resultar claro que quando foi apresentada a presente impugnação a impugnante não tinha conhecimento de qualquer liquidação, nem tinha sido notificado das mesmas.

Tal conclusão extrai-se, também, da conclusão II. do recurso, onde a recorrente admite que o mandatário forense da recorrente, apesar de constituído mandatário no processo das Finanças desde 16 de Novembro de 2016, não foi notificado das posteriores liquidações adicionais realizadas com fundamento na fixação da matéria tributável por métodos indirectos, de IRC e IVA, quanto ao período de 2012, 2013 e 2014.

Assim, e respondendo à primeira questão, a recorrente não impugnou as liquidações adicionais relativas à fixação da matéria tributável por métodos indirectos de IRC e IVA, quanto ao período de 2012, 2013 e 2014, pois quando apresentou a presente impugnação não tinha, sequer, conhecimento se as liquidações tinham sido efectuadas, pelo que não podia impugnar o que não sabia se existia.

- Quanto à rejeição da impugnação por inimpugnabilidade do acto –

Vejamos, antes de mais, o enquadramento legal – art. 86º da LGT:

Artigo 86.º
Impugnação judicial

1 - A avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa.

2 - A impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão.

3 - A avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação.

4 - Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo.

5 - Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei.(Lei n.º 100/99 de 26 de Julho)


Resulta, pois, claro do disposto na citada norma que a avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação (o que não é o caso), nos termos do nº 3 do referido art. 86º da LGT.

«No contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária, nos termos do qual só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte, fixando a posição final da administração tributária perante este, definindo os seus direitos ou deveres.

Este princípio é concretizado no art. 66º desta Lei e no art. 54º do CPPT, em que se estabelece que, salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa autónoma os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.»[1]

Retornando ao caso concreto, o acto impugnado, por se limitar a fixar os valores com base nos quais irão ser liquidados os tributos, é um acto interlocutório que não é directamente impugnável.

«Relativamente aos actos de avaliação indirecta adoptou-se a regra da não impugnabilidade contenciosa autónoma, oposta à prevista para a avaliação directa.

Os actos de avaliação indirecta inserem-se num procedimento que termina com a liquidação de um tributo e só o acto final deste é contenciosamente impugnável.

Quando o acto final é um acto de liquidação, é apenas esse o acto contenciosamente impugnável, devendo os vícios de que enferme o acto de avaliação indirecta, inclusivamente os referentes ao respectivo procedimento, ser arguidos na impugnação contenciosa do acto de liquidação (nº 4 deste artigo).»[2]

Também a jurisprudência vai no mesmo sentido da doutrina citada.

A título exemplificativo, veja-se o Acórdão do STA proferido em 05/04/2006, Proc. 01286/05, onde se pode ler no seu Sumário:

«I - O despacho do Director Distrital das Finanças que, na sequência do procedimento de inspecção, fixa a matéria colectável, é irrecorrível contenciosamente por não lesivo, sendo a respectiva sindicância efectuada na impugnação contenciosa do acto final de liquidação.»

Face à doutrina e jurisprudência citadas, forçoso será concluir que bem andou o Tribunal a quo em rejeitar a impugnação por inimpugnabilidade do acto.

Termos em que improcede na totalidade o presente recurso.


*

III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

                                                              Lisboa, 28 de Setembro de 2017

                                                                  --------------------------------                                                                                [Lurdes Toscano]

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[Joaquim Condesso]

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[Catarina Almeida e Sousa]


[1] Anotação nº 1 ao art. 86º da Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada - Diogo Leite Campos e Outros, 4ª Ed., 2012.
[2] Anotação nº 4 ao art. 86º da Lei Geral Tributaria, Idem.