Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:187/20.6BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:07/27/2020
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:FUNCIONAMENTO DOS ÓRGÃOS DAS FREGUESIAS;
ELEITOS LOCAIS;
DISTRIBUIÇÃO E DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIAS;
TESOUREIRO;
SECRETÁRIO;
ESVAZIAMENTO FUNCIONAL;
OBRIGAÇÃO DE ACTO DE DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIAS;
PERICULUM IN MORA;
PONDERAÇÃO DE INTERESSES;
LEI N.º 52/2029, DE 31/07;
IMPEDIMENTOS LEGAIS.
Sumário:I - Nos termos das Leis n.º 169/99, de 18/09 e n.º 75/2023, de 12/09, os vogais da junta de freguesia não têm competências próprias, que se sejam legalmente atribuídas. As respectivas competências serão aquelas que vierem a ser delegadas pelo presidente da junta;
II - Porém, como forma de garantir quer a efectivação do princípio democrático, decorrente da circunstância de os vogais serem também órgãos eleitos, quer a segregação de funções dentro da junta de freguesia, a lei estabelece nos art.º 23.º, n.º 2, da Lei n.º 169/99, de 18/09 e 18.º, n.ºs 2, al. b) e 3, da Lei n.º 75/2013, de 12/09, que as funções próprias do presidente da junta não podem manter-se todas na sua titularidade devendo, obrigatoriamente, serem distribuídas funções de secretário a um desses vogais e de tesoureiro a outro;
III - Porque se tratam de competências que estão expressamente previstas enquanto competências próprias do presidente da junta, ou como competências próprias da junta de freguesia, depois delegadas no respectivo presidente, a indicada distribuição deve ser feita através de delegação ou subdelegação de competências, nos termos dos art.ºs 36.º e 44.º a 50.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), não se diferenciando do regime de delegação que vem indicado no art.º 18.º, n.º 4, da Lei n.º 75/2023, de 12/09. Ou seja, a indicada distribuição de competências é, efectivamente, uma delegação de competências, que deve seguir o correspondente regime legal;
IV- Quanto às concretas funções que o presidente da junta distribui a cada um dos vogais, ou as competências que lhes delega, caem no âmbito da sua discricionariedade, não se impondo que o presidente da junta distribua ou delegue a cada um dos vogais determinadas e especificas funções;
V- Ou seja, as funções que vêm indicadas no n.º 3 do art.º 18.º da Lei n.º 75/2013, de 12/09, como as possíveis de distribuição, não têm todas de ser efectivamente distribuídas, nem têm de ser distribuídas necessariamente a um só vogal, em função do especifico conteúdo das mesmas, como consubstanciando funções de secretariado do presidente ou com o funções de tesouraria. Existe aqui alguma margem de decisão por banda do presidente da junta, que pode distribuir estas funções a um ou a outro vogal, considerando o seu próprio entendimento. O que o presidente da junta não pode é esvaziar totalmente as funções de tesoureiro que são atribuídas a um vogal ou as funções de secretário que são atribuídas a outro;
VI – Uma decisão de um presidente da junta de freguesia que que esvazia uma vogal de todas as suas funções relativamente a um mandato que terminará em 2021, implica uma situação de facto consumado, que preenche o requisito periculum in mora;
VII – A circunstância do marido de uma vogal da junta de freguesia ser proprietário de um posto de combustíveis, localizado na freguesia, impede-a de participar ou de intervir em actos relacionados com contratos – nomeadamente de compra e venda de combustível – que se efectuem entre a junta de Freguesia e o indicado posto de combustíveis, conforme decorre do art.º 9.º, n.º 2, als. a), b), 4, 5 e 6, da Lei n.º 52/2029, de 31/07;
VIII - Porém, esse impedimento, só por sim, não afasta a possibilidade de a A. e Recorrente se manter na titularidade de funções de tesoureira, ainda que impedida de intervir relativamente a assuntos relacionados com o fornecimento de combustível. Tal ocorrência não pode ser considerada um verdadeiro dano ou prejuízo, mas é uma circunstância que se resolve pelo próprio regime legal, sem que constitua qualquer óbice efectivo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I - RELATÓRIO

C………………… intentou o presente processo cautelar contra a Freguesia de Peraboa, peticionando a suspensão de eficácia do acto proferido em 05/02/2020, pelo Presidente da Junta de Freguesia de Peraboa, que fez cessar as funções de tesouraria que lhe haviam sido delegadas e delegou-as noutro Vogal, também Secretário, incluindo a assinatura dos cheques.

Por decisão de 08/03/2020, o Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco julgou totalmente improcedente a presente acção e, em consequência, recusou o decretamento da providência cautelar requerida.

Inconformada com a decisão proferida, vem a C………………., interpor recurso da mesma.
A ora Recorrente apresentou as suas alegações, onde formula as seguintes conclusões: “1 – Atendendo ao número de eleitores da freguesia de Peraboa e de acordo com o disposto no art. 24º, nº 2, al. a) da mencionada Lei nº 169/99, a sua junta de freguesia é composta pelo presidente e por dois vogais.
2 - No dia 04.11.2017 reuniu em sessão extraordinária a Assembleia Municipal da Freguesia de Peraboa, tendo nessa reunião sido eleito por unanimidade o executivo da Junta de Freguesia de Peraboa (JFP) para o quadriénio 2017-2021, composto por S………, no cargo de presidente e pelos vogais B…………….. e C……………….., a ora recorrente (cf. documentos juntos sob os nºs 1 e 2 com o requerimento inicial).
3 - No dia 06.11.2017 reuniu em sessão ordinária a JFP, tendo o seu presidente atribuído genericamente as funções de secretário ao vogal B…………. e as funções de tesoureira à vogal ora recorrente C…………………. (cf. documento junto sob o nº 3 com o requerimento inicial).
4 - No dia 05.05.2020 reuniu em sessão ordinária a JFP, tendo o seu presidente praticado o seguinte acto administrativo e cuja suspensão de eficácia a ora recorrente requereu nos presentes autos (cf. documento junto sob o nº 6 com o requerimento inicial): “O Sr. Presidente alega que por falta de confiança, falta de lealdade, delega no Sr. Secretário B……….. as funções de tesouraria que estavam com a Sra. C………….. incluindo a assinatura dos cheques, ficando a mesma sem delegação de funções.”
5 – O mencionado acto administrativo é ilegal por 3 motivos.
6 – O primeiro motivo: o acto administrativo suspendendo viola o disposto no art. 23º, nº 2 da Lei nº 169/99, de 18.09 e no art. 18º, nº 2, al. b) e nº 3 da Lei nº 75/2013, de 12.9, dos quais resulta que a distribuição de funções deve ser feita por todos os vogais eleitos da junta de freguesia, desempenhando obrigatoriamente um vogal as funções de tesoureiro e outro as funções de secretário quando este órgão é composto apenas por dois vogais, funções essas que não podem ser acumuladas num único vogal, sendo certo que, in casu, a recorrente ficou sem quaisquer funções e outro e único vogal da JFP passou a acumular todas as funções.
7 – Não existem dúvidas de que o Sr. Presidente da JFP retirou à recorrente todas e quaisquer funções, esvaziando de funções o seu cargo de vogal e inviabilizando o exercício do respectivo mandato para o qual foi legitimamente eleita, e atribuiu-as ao outro vogal, pois: (i) Assim o indica, por si só, o teor do acto administrativo suspendendo ao utilizar a expressão “incluindo a assinatura dos cheques”, a qual só pode significar que o autor do acto pretendeu clarificar, sem margem para dúvidas, que aquela específica função (a assinatura de cheques) também era retirada à recorrente, a par de todas as outras, e; (ii) Assim o indicam outros elementos constantes dos autos: a afirmação do Sr. Presidente da JFP e consignada em acta de reunião extraorinária da JFP de que a ora recorrente “estava sem funções de momento” e a menção feita pelo mesmo à recorrente como sendo um “membro de junta, sem funções neste momento”, socorrendo-se sempre do plural genérico que a recorrente está “sem funções” e que as mesmas foram atribuídas ao outro vogal (cf. documentos nºs 7 e 9 juntos com o requerimento inicial).
8 – Donde flui que a sentença recorrida interpretou erradamente os factos ao considerar que o acto administrativo suspendendo apenas retirou à recorrente a assinatura de cheques e antevê todas as outras funções que lhe haviam sido atribuídas ou delegadas.
9 – O segundo motivo: o acto administrativo suspendendo é um acto de revogação, pelo que deveria constar de um despacho autónomo e não de uma acta da reunião da JFP, considerando que não se trata de uma deliberação colegial mas sim de uma decisão tomada individualmente pelo referido presidente da junta de freguesia no uso competências próprias (assim o art. 18º, nºs 2, 3 e 4 da Lei nº 75/2013 e o art. 50º do CPA), pelo que padece de vício de forma (anulabilidade),ao contrário do decidido pela decisão recorrida.
10 – O terceiro motivo: o acto administrativo suspendendo enferma ainda de falta de fundamento pois não consta da decisão qualquer facto que permita aferir da verificação de qualquer um dos três fundamentos que a lei (o nº 1 do art. 165º do CPA) prescreve para os actos revogatórios, como é o caso - razões de mérito, conveniência ou oportunidade – motivo que também gera a sua anulabilidade.
11 – Não obstante não lhe competir suprir tal omissão, o Tribunal a quo procurou fora do texto da decisão (nomeadamente nas actas nºs 1/2019 e 3/2020) o fundamento que considerou verificar-se para legitimar a prática do acto (a alegada existência de problemas com pagamentos efetuados com cartões multibanco), o que não se aceita, não só porque não consta do teor do acto administrativo suspendendo (neste sentido a própria sentença admitiu que esse fundamento é “aparente”), como se revela desacertado pois a única função que o Tribunal recorrido considerou que foi retirada à recorrente tem a ver com a assinatura de cheques, o que é coisa diferente de “problemas com pagamentos efetuados com cartões multibanco”.
12 – Em face dos mencionados três motivos, deverá concluir-se que a recorrente demonstrou de forma suficiente a verificação do critério do fumus boni iuris, pelo que, ao considerar que não se verifica este pressuposto, a decisão recorrida interpretou erradamente os factos e elementos de prova constantes dos autos, e, em consequência, aplicou erradamente o direito aos factos,violando deste modo o disposto no art.120º, nº 1 do CPTA.”

A Recorrida, Junta de Freguesia de Peraboa, nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões:” 1. A recorrente entende que não merece qualquer reparo a douta sentença do Tribunal a quo;
2. Não há subjacente à pretensão da ora recorrente qualquer fumus bonis iuris.
3. Conforme consta da acta nº 1/2019, o Presidente da Junta delegou na vogal ora recorrente, entre outras, as seguintes funções: Exercer funções de tesoureira apresentando quinzenalmente um relatório da despesa e da receita; Proceder aos pagamentos que lhe forem autorizados pelo Presidente ou secretário; Controlo de stocks e património... Aquisição de bens ou serviços...”
4. Na reunião da reunião de Junta de Freguesia de 5 de fevereiro de 2020 o Senhor Presidente comunicou que retirava à vogal C………….. “as funções de tesouraria” e as atribui ao vogal B…………, “incluindo a assinatura de cheques”;
5. Daqui se nota, como notou já o Tribunal a quo, que “…não se verifica … que tenha ocorrido um esvaziamento de funções de tesouraria, dado que, outras funções permaneceram a cargo da requerente (ora recorrente) e que não foram afetadas pelo acto impugnado” .
6. Bem se vê quais as funções que o Presidente da Junta distribuiu à vogal C……………;
7. A ora recorrente insurge-se contra a douta sentença recorrida porque no seu entendimento, o extrato exarado na acta “Delega no Sr. Secretário B………. as funções de tesouraria …incluindo a assinatura de cheques…” só pode ser entendido como querendo significar que seriam retiradas todas as funções à vogal;
8. Tal interpretação não tem qualquer guarida nas actas juntas aos autos como não tem qualquer apoio legal;
9. A “assinatura de cheques tem a natureza de um poder funcional e não de competência legal;
10. Sendo esse poder funcional também delegável, sendo esta delegação também revogável;
11. Numa palavra, o Presidente da Junta retirou à ora recorrente as funções de tesouraria, como se refere, aliás, na sentença ora em crise, não consubstanciando tal acto qualquer cessação de mandato;
12. Quanto aos alegados vício de forma e falta de fundamento, a ora recorrente acompanha o que sobre tais questões ficou exarado na douta sentença recorrida;
13. E, salvo o devido respeito, o “acto revogatório” sustenta-se em razões de “mérito” (“o Sr. Presidente demonstrou descontentamento por ter sido ultrapassado e ser desconhecedor de alguns processos da Junta de Freguesia entre outros o PAGAQUI…”), de “conveniência” (“O Sr. Presidente questionou a Sra. Tesoureira se tinha conhecimento da Lei 52/19 de 31 de julho, art. 9º, informando que a lei não permite pagamentos ou contratações de serviços a cônjuges (...)”) e de “oportunidade” ( o posicionamento da ora recorrente quanto às questões levantadas pelo Presidente da Junta na reunião de 5/2/2020);
14. Já quanto ao vício de forma a delegação de competências e a atribuição de funções foi sempre concretizada nas reuniões de Junta – sendo certo que a ora recorrente nunca pôs em causa tal metodologia – e exaradas nas actas das mesmas, sendo que, os actos de delegação e de atribuição e de revogação seguiram sempre a mesma forma: por escrito e exarados em acta (art. 150º e 170º, 2 do CPA.;
15. Quanto aos restantes requisitos legais para o decretamento da providência cautelar requerida, a ora recorrida remete para o seu requerimento de oposição, maxime, os seus art. 35º e seguintes, para concluir, como aí, isto é, que não se verifica o periculum in mora e o interesse público em causa sobreleva sobre o alegado interesse particular da recorrente.
16. Enfim, a douta sentença do Tribunal recorrido não merece qualquer reparo, tendo decidido conforme o direito e conforme a justiça do caso, devendo a mesma, em consequência ser confirmada por esse Venerando Tribunal.”

O DMMP não apresentou pronúncia.

Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo, para decisão.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto, que não vem impugnada, pelo que se mantém:
A) Em 04/11/2017 foram eleitos os membros da Junta de Freguesia de Peraboa: como Presidente S…………… e como vogais C…………… (ora Requerente) e B……………… (conforme ilações que o Tribunal retira da ata n.º 4/2017 da Assembleia de Freguesia de Peraboa, constante do documento n.º 19 do SITAF);
B) Em 06/11/2017 o Presidente da Junta de Freguesia de Peraboa atribuiu as funções de secretário ao vogal B…………. e de tesoureira à vogal C………….. (conforme ilações que o Tribunal retira da ata n.º 1/2017 da Junta de Freguesia de Peraboa, constante do documento n.º 21 do SITAF);
C) Em 08/01/2019 o Presidente da Junta de Freguesia de Peraboa especificou que as funções de tesoureira da vogal C………………… compreendia a apresentação de um relatório quinzenal da despesa e da receita, a apresentação de estratégias e soluções para o bem da freguesia, o controlo dos stocks e património e a aquisição de bens ou serviços que fossem autorizados pelo Presidente ou Secretário; igualmente delegou-lhe a competência para proceder aos pagamentos que fossem autorizados pelo Presidente ou Secretário (conforme ilações que o Tribunal retira da ata n.º 1/2019 da Junta de Freguesia de Peraboa, constante do documento n.º 24 do SITAF: apesar de os termos em que a ata se encontra redigida não ser explícita quanto à diferenciação efetuada pelo Tribunal quanto a “distribuição de funções” e “delegação de competência” – dado que inclui tudo sob a designação genérica de “DELEGAÇÃO DE FUNÇÕES” -, o Tribunal formou a sua convicção quanto a essa diferenciação atendendo ao regime jurídico aplicável (o qual será explicitado na fundamentação de direito), ao facto de no ponto 2 referente aos pagamentos ser especificado entre parêntesis que se trata de uma delegação, e na conjugação dessas duas circunstância com a ata n.º 2/2020 (referida na alínea seguinte), a qual retira as funções atinentes aos pagamentos e não se refere a outra função que lhe tenha distribuído, assim como com a ata n.º 3/2020 (referida na alínea E) a qual reforça uma vez mais que as funções atinentes aos pagamentos passariam a caber ao secretário);
D) Em 05/02/2020 o Presidente da Junta de Freguesia de Peraboa, por falta de confiança e de lealdade, fez cessar as funções de tesouraria que havia delegado na tesoureira (incluindo a assinatura de cheques) e delegou essas funções no secretário (conforme ilações que o Tribunal retira da ata n.º 2/2020 da Junta de Freguesia de Peraboa, constante do documento n.º 26 do SITAF);
E) Em 27/02/2020 a Junta de Freguesia de Peraboa deliberou que a assinatura de cheques e a movimentação das contas bancárias seriam efetuadas pelo Presidente e pelo Secretário (conforme ilações que o Tribunal retira da ata n.º 3/2020 da Junta de Freguesia de Peraboa, constante do documento n.º 27 do SITAF);

Nos termos dos art.ºs. 662.º, n.º 1 e 665.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil – CPC e 149.º do CPTA, acrescentam-se os seguintes factos, por indiciariamente provados:

F) Da acta n.º 2/2020, referida em D) conta expressamente o seguinte:
«imagem no original»

(cf. a fotografia da acta junta aos autos).
G) Da acta n.º 3/2020, referida em E) conta expressamente o seguinte:

«imagem no original»


(cf. a fotografia da acta junta aos autos).

II.2 - O DIREITO
As questões a decidir neste processo são:
- aferir do erro decisório porque se verifica o critério fumus boni iuris, pois o acto suspendendo esvaziou a Recorrente de todas as funções que desempenhava como tesoureira, tendo sido feita uma interpretação errada da factualidade fixada e, nessa mesma medida, o acto suspendendo viola os art.ºs 23.º, n.º 2, da Lei n.º 169/99, de 18/09 e 18.º, n.º 2, al. b) e 3 da Lei n.º 75/2013, de 12/09, que determinam a obrigação de uma distribuição de funções entre todos os vogais eleitos da Junta de Freguesia, com a atribuição obrigatória de funções de tesoureiro a um deles e de secretário a outro, não podendo aquelas funções estar delegadas a um mesmo vogal, deixando o outro desprovido de funções;
- aferir do erro decisório porque se verifica o critério fumus boni iuris, pois o acto suspendendo viola os art.ºs. 18.º, n.ºs 3 a 4 da Lei n.º 75/2013, de 12/9 e 165.º do CPA, sendo uma revogação de um anterior acto do Presidente da Junta, que teria de ser tomado pelo próprio Presidente, de forma autónoma e não no âmbito de uma reunião da Junta;
- aferir do erro decisório porque se verifica o critério fumus boni iuris, pois o acto suspendendo padece de falta de fundamentação por não indicar as razões em que se funda a revogação, não podendo procurar-se tais razões no texto de outros actos, como se faz na decisão recorrida;
- aferir do erro decisório porque está verificado o requisito periculum in mora e na ponderação de interesses que se tenha de fazer resulta que o interesse público não é preponderante.

Determina o art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, que para o decretamento de qualquer providência cautelar devem verificar-se de forma cumulativa dois requisitos: o periculum in mora e o fumus boni iuris. Ou seja, terá de ficar indiciariamente provado nos autos que existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e, ainda, que é provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Quando dos factos concretos alegados pelo Requerente se antever que uma vez recusada a providência será, depois, impossível, ou muito difícil, a reconstituição da situação de facto, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, ter-se-á por preenchido o requisito periculum in mora.
Ainda aqui, o critério não é o da susceptibilidade ou insusceptibilidade da avaliação pecuniária dos danos, mas, sim, o da maior ou menor dificuldade que envolve o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar.
Quanto ao fumus boni iuris que ora se exige, encontra-se na sua formulação positiva, requerendo-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, que seja "provável" a aparência do bom direito. Por seu turno, esta apreciação deve ser feita em termos de summario cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo Requerente para os autos.
A falta de qualquer um daqueles requisitos faz logo claudicar a providência cautelar que tenha sido requerida
Por seu turno, ainda que se preencherem os dois requisitos referidos, haverá, depois, uma terceira questão a apreciar, a relativa à ponderação dos interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.

A decisão recorrida julgou improcedente a presente acção e não decretou a providência requerida, por ter julgado não verificado o requisito fumus boni iuris. Porque claudicou o indicado requisito, ficou prejudicado o conhecimento do requisito periculum in mora e não se levou a cabo qualquer ponderação de interesses. Para o efeito, considerou-se na decisão recorrida que à A. e Recorrente, enquanto vogal da Junta de Freguesia, estavam distribuídas as funções de tesouraria que vêm indicadas no facto 8) e que tais funções não foram postas em causa pelo acto suspendendo, que só fez cessar as funções de tesouraria relativas aos pagamentos a realizar pela Junta de Freguesia, que incluíam a assinatura de cheques e a movimentação das contas bancárias. Mais se entendeu, que a revogação da anterior delegação de funções se fundamentava em razões de conveniência, por estar a ocorrer uma falta de entendimento relativamente aos pagamentos efectuados com cartões de multibanco e com as assinaturas para pagamentos, não havendo tal acto de revogação de fazer-se necessariamente por despacho autónomo.

Conforme o art.º 23.º, n.º 2, da Lei n.º 169/99, de 18/09 (que estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento, dos órgãos dos municípios e das freguesias), na versão dada pela Lei n.º 71/2018, de 31/12, a junta de freguesia é constituída por um presidente e por vogais, sendo que dois exercerão as funções de secretário e de tesoureiro.

Determina também o art.º 28.º da Lei n.º 169/99, de 18/09, sob a epígrafe “Repartição do regime de funções”, o seguinte: ”1 - O presidente pode atribuir a um dos restantes membros da junta o exercício das suas funções em regime de tempo inteiro ou de meio tempo.
2 - Quando ao presidente caiba exercer o mandato em regime de tempo inteiro pode:
a) Optar por exercer as suas funções em regime de meio tempo, atribuindo a qualquer dos restantes membros o outro meio tempo;
b) Dividir o tempo inteiro em dois meios tempos, repartindo-os por dois dos restantes membros da junta;
c) Atribuir o tempo inteiro a qualquer dos restantes membros.”

Por seu turno, as competências da junta de freguesia vêm previstas nos art.sº 14.º e 15.º da Lei n.º 75/2023, de 12/09 (Regime Jurídico das Autarquias Locais).
Nos termos do art.º 17.º, n.º 1, da citada Lei a junta de freguesia pode delegar as suas competências no respectivo presidente, com excepção das previstas nas alíneas a), c), e), h), j), l), n), o), p), q), r), v), oo), ss), tt) e xx) do n.º 1 do art.º 16.º, com possibilidade de subdelegação em qualquer dos vogais ou em titulares de cargos de direcção intermédia.
Quanto às competências do presidente da junta, vêm previstas no art.º 18.º da Lei n.º 75/2023, de 12/09. Conforme o n.º 4 deste artigo, o presidente da junta de freguesia pode delegar nos vogais as competências previstas nas alíneas d), g), h), i), j), l), m), n), p), u), w), x) e y) do n.º 1 do art.º 18.
Por conseguinte, nos termos das Leis n.º 169/99, de 18/09 e n.º 75/2023, de 12/09, os vogais da junta de freguesia não têm competências próprias, que se sejam legalmente atribuídas. As respectivas competências serão aquelas que vierem a ser delegadas pelo presidente da junta.
Porém, como forma de garantir quer a efectivação do princípio democrático, decorrente da circunstância de os vogais serem também órgãos eleitos, quer a segregação de funções dentro da junta de freguesia, a lei estabelece nos art.º 23.º, n.º 2, da Lei n.º 169/99, de 18/09 e 18.º, n.ºs 2, al. b) e 3, da Lei n.º 75/2013, de 12/09, que as funções próprias do presidente da junta não podem manter-se todas na sua titularidade devendo, obrigatoriamente, serem distribuídas funções de secretário a um desses vogais e de tesoureiro a outro.
Estipula-se no n.º 3 do art.º 18.º da Lei n.º 75/2023, de 12/09, o seguinte: “A distribuição de funções implica a designação dos membros aos quais as mesmas cabem e deve prever, designadamente:
a) A elaboração das atas das reuniões da junta de freguesia, na falta de trabalhador nomeado para o efeito;
b) A certificação, mediante despacho do presidente da junta de freguesia, dos factos que constem dos arquivos da freguesia e, independentemente de despacho, o conteúdo das atas das reuniões da junta de freguesia;
c) A subscrição dos atestados que devam ser assinados pelo presidente da junta de freguesia;
d) A execução do expediente da junta de freguesia;
e) A arrecadação das receitas, o pagamento das despesas autorizadas e a escrituração dos modelos contabilísticos da receita e da despesa, com base nos respetivos documentos que são assinados pelo presidente da junta de freguesia”.
Neste contexto, há que concluir que o presidente da junta tem obrigatoriamente que distribuir funções de secretário a um vogal e funções de tesoureiro a outro, correspondendo as funções distribuídas a cada um ao conteúdo funcional em questão.
Porque se tratam de competências que estão expressamente previstas enquanto competências próprias do presidente da junta, ou como competências próprias da junta de freguesia, depois delegadas no respectivo presidente, a indicada distribuição deve ser feita através de delegação ou subdelegação de competências, nos termos dos art.ºs 36.º e 44.º a 50.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), não se diferenciando do regime de delegação que vem indicado no art.º 18.º, n.º 4, da Lei n.º 75/2023, de 12/09.
Ou seja, a indicada distribuição de competências é, efectivamente, uma delegação de competências, que deve seguir o correspondente regime legal.
Mais se indique, que as concretas funções que o presidente da junta distribui a cada um dos vogais, ou as competências que lhes delega, caem no âmbito da sua discricionariedade, não se impondo que o presidente da junta distribua ou delegue a cada um dos vogais determinadas e especificas funções.
Ou seja, as funções que vêm indicadas na lei - n.º 3 do art.º 18.º da Lei n.º 75/2013, de 12/09 - como as possíveis de distribuição, não têm todas de ser efectivamente distribuídas, nem têm de ser distribuídas necessariamente a um só vogal, em função do especifico conteúdo das mesmas, como consubstanciando funções de secretariado do presidente ou com o funções de tesouraria. Existe aqui alguma margem de decisão por banda do presidente da junta, que pode distribuir estas funções a um ou a outro vogal, considerando o seu próprio entendimento. O que o presidente da junta não pode é esvaziar totalmente as funções de tesoureiro que são atribuídas a um vogal ou as funções de secretário que são atribuídas a outro.
Feito este enquadramento legal, vejamos a factualidade assente.
Dos factos provados em B) e C) e dos documentos para os quais se remete - a acta n.º 1/2019 - decorre que em 08/01/2019 foram distribuídas e delegadas pelo Presidente da Junta de Peraboa à A. e Recorrente funções de tesoureira, que compreendiam a apresentação de um relatório quinzenal da despesa e da receita, proceder aos pagamentos que fossem autorizados pelo Presidente ou pelo Secretário, a apresentação de estratégias e soluções para o bem da freguesia, o controlo de stocks e património e a aquisição de bens ou serviços que fossem autorizados pelo Presidente ou Secretário.
Resulta igualmente dos factos D) e E) e dos documentos para os quais se remete – as actas n.º 2/2020 e 3/2020 - que em 05/02/2020, o Presidente da Junta de Freguesia de Peraboa, por falta de confiança e lealdade, fez cessar as “funções de tesouraria” que havia delegado na A. e Recorrente. Mais se retira daquela factualidade, que nessa mesma data o Presidente da Junta de Freguesia de Peraboa delegou tais funções de tesouraria no vogal Secretário. Por seu turno, em 27/02/2020, a Junta de Freguesia deliberou que a assinatura dos cheques e a movimentação das contas bancárias seriam efectuadas pelo Presidente e pelo Secretário.
Ou seja, atendendo aos factos assentes em C) a E) é indubitável que as funções da A. e Recorrente de tesoureira foram todas transferidas para o outro vogal, até ali com funções de secretário.
Isso mesmo decorre também do teor literal da decisão do Presidente da Junta, tal como ficou exarado na acta n.º 2/2020, quando refere que “delega no Sr. Secretário B…………… as funções de tesouraria que estavam com a Sra. C…………… “incluindo a assinatura dos cheques, ficando a mesma sem delegação de funções”.
Tal esvaziamento também resulta expresso na acta n.º 3/2020, quando aí se refere o seguinte:” sendo que a C…………. não vota alegando que está fora de funções. Ao qual o Sr. Presidente responde que mesmo sem funções faz parte da junta de Freguesia.
(…) A Sra. C…………. questiona o Sr. Presidente sobre quais as funções que esta exercia, ao qual lhe foi respondido que estava sem funções no momento.”
Em suma, por via do acto suspendendo cessaram todas as funções de tesoureira que tinham sido distribuídas ou que estavam delegadas à A. e Recorrente, que ficou esvaziada das mesmas.
Portanto, não se pode acompanhar a decisão recorrida quando interpretou o teor das actas n.ºs 2 e 3 e a factualidade provada em D) e E) como significando que por via do acto suspendendo apenas se retirou à A. as funções de proceder aos pagamentos que fossem autorizados pelo Presidente ou Secretário, com a assinatura de cheques e a movimentação das contas bancárias, mantendo as restantes, a saber, as relativas à apresentação de um relatório quinzenal da despesa e da receita, à apresentação de estratégias e soluções para o bem da freguesia, ao controlo de stocks e património e à aquisição de bens ou serviços que fossem autorizados pelo Presidente ou Secretário.
Neste ponto a decisão recorrida errou, pois da factualidade apurada não se pode retirar a conclusão de que a A. e Recorrente manteve-se nas funções de tesoureira após o despacho sindicado, que lhe retirou, apenas, as competências relativas a efectuar os pagamentos autorizados através da assinatura de cheques e movimentação de contas bancárias.
Diversamente ao entendimento subscrito na decisão recorrida, da factualidade indiciariamente provada nos autos resulta que o acto suspendendo esvaziou de funções a A. e Recorrente e fez concentrar no outro vogal, já com funções de secretário, as de tesoureiro. Na esfera da A. e Recorrente não terão restado funções algumas. A ora Recorrente ficou, tal como foi afirmado o Presidente da Junta e exarado em acta, pura e simplesmente, “sem funções”.
O Presidente da Junta poderia ter revogado a anterior decisão e retirado da A. e Recorrente algumas funções antes distribuídas e delegadas, designadamente as funções relativas a proceder aos pagamentos que fossem autorizados pelo Presidente ou Secretário, com a assinatura de cheques e a movimentação das contas bancárias, mantendo as restantes, a saber, as funções de apresentação de um relatório quinzenal da despesa e da receita, de apresentação de estratégias e soluções para o bem da freguesia, de controlo de stocks e património e as relativas à aquisição de bens ou serviços que fossem autorizados pelo Presidente ou Secretário. Neste caso, o acto suspendendo seria legal, pois não se teria esvaziado de funções a A. e Recorrente.
Porém, através dos factos indiciariamente provados não é essa a realidade que se retira. Face à matéria factual fixada, a A. e Recorrente não manteve as funções restantes, pois terão sido todas transferidas para o outro vogal, já secretário.
Aos assim proceder o indicado acto terá violado o preceituado nos art.ºs 23.º, n.º 2, da Lei n.º 169/99, de 18/09 e 18.º, n.ºs 2, al. b) e 3, da Lei n.º 75/2013, de 12/09.
Por esta razão é provável que a acção principal quando relativa ao pedido de anulação do indicado acto de 05/02/2020, do Presidente da Junta de Freguesia de Peraboa, venha a ser julgada procedente.
Procedem nesta parte as invocações de recurso.

O acto suspendendo configura a revogação do anterior acto do Presidente da Junta. Foi proferido por esses mesmo Presidente, na invocação dos seus poderes e foi lavado a escrito, lavrando-se em acta.
Estão, pois, cumpridas as formalidades do acto revogatório prescritas nos art.ºs 165.º, n.º 1, 169.º, n.º 2 e 170.º do CPA.
É, pois, provável que a invocada invalidade do acto suspendendo, não se verifique.
Claudica esta alegação de recurso.

Igualmente claudica a alegação relativa à falta de fundamentação do acto suspendendo.
Por imposição do n.º 3 do art.º 268.º da CRP, os actos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos devem ser expressamente fundamentados. Concretizando a imposição constitucional, o art.º 152º do CPA determina que a fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir na mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, os quais ficarão a fazer, neste caso, parte integrante do respectivo acto (cf. também A fundamentação do acto administrativo tem por finalidade dar a conhecer ao destinatário o percurso cognitivo e valorativo do autor daquele mesmo acto, de modo a permitir uma defesa adequada e consciente dos direitos e interesses legalmente protegidos do particular lesado.
Para tanto, a fundamentação tem que ser suficiente, clara e congruente. Tem de permitir ao destinatário médio ou normal, colocado na posição do real destinatário do acto, compreender a motivação que subjaz ao raciocínio decisório. Não é necessário – desde logo porque iria contra os princípios de eficiência e celeridade administrativa – que em cada acto administrativo se proceda a uma fundamentação completa e exaustiva das razões de facto e de direito que motivaram a decisão. o artigo 153.º do CPA).
Da matéria factual apurada deriva que a revogação foi tomada por razões de mérito, que vêm invocadas no teor do acto, designadamente as relativas à situação que envolvia uma conduta da ora Recorrente relacionada com a contratações de serviços ao cônjuge e por o respectivo Presidente estar descontente por considerar que tinha “sido ultrapassado e ser desconhecedor de alguns processos da junta de freguesia entre outros o PAGAAQI (…).
… por falta de confiança, falta de lealdade”.
Com esta fundamentação há que concluiu que é provável que esteja satisfeito o correspondente dever, pois através da mesma era permitido à A. e Recorrente conhecer com suficiente clareza e congruência os motivos determinantes do acto impugnado, podendo, portanto, exercitar com eficácia os competentes meios legais de reacção contra esse acto lesivo.

Em suma, há que considerar verificado o fumus boni iuris necessário à procedência da presente providência, por ser provável que o acto suspendendo viole os art.ºs 23.º, n.º 2, da Lei n.º 169/99, de 18/09 e 18.º, n.ºs 2, al. b) e 3, da Lei n.º 75/2013, de 12/09.

Considerado verificado o requisito fumus boni iuris, cumpre-nos agora conhecer, em substituição, dos restantes requisitos necessários ao deferimento do pedido da A., cujo conhecimento ficou prejudicado face à decisão tomada pelo Tribunal recorrido.

Diz a A. e Recorrente que está verificado o periculum in mora pela simples circunstância de estar totalmente desprovida de funções relativamente a um mandato que terminará em 2021, pelo que a demora na decisão da acção principal terá necessariamente por consequência deixar de desempenhar as funções de vogal da Junta de Freguesia, para as quais foi eleita, consubstanciando uma situação de facto consumado.
Como se disse o acto suspendendo esvaziou a A. e Recorrente de funções.
Portanto, na situação em apreço, a não suspensão do indicado acto, traz, sem dúvida, uma situação de facto consumado.
A sequelas daquele acto derivam da própria inactividade a que se constrangeu a A. pelo facto de se lhe retirarem todas as funções que desempenhava, enquanto tesoureira.
Essa circunstância, aliada ao facto de se manter como vogal da Junta de Freguesia, certamente que trará danos para a A., pessoais e profissionais, relativos à não satisfação pelo exercício efectivo do cargo de vogal, pois estará até ao termo do seu mandato sem desempenhar quaisquer funções, sendo apenas “figura de corpo presente”.
Sendo efectivada de imediato a decisão suspendenda, caso o processo principal venha a lograr procedência, aqueles danos já estarão efectivados e terão efeitos irreversíveis.
Esses prejuízos terão, desde logo, que se presumir pelas regras da experiência comum, constituindo presunção judicial – cf. art.ºs. 349.º e 351.º do Código Civil (CC). E mais se diga, que mesmo que não se entendam tais factos como presunções judiciais, sempre deveriam ser considerados factos notórios, que não carecem de prova, nos termos dos art.ºs 412.º, n.º 1 e 2 do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA.
Está, pois, verificado o requisito periculum in mora.

Dispõe n.º 2 do artigo 120.º do CPTA que “a adopção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências”.
Na ponderação de interesses do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA há que avaliar, no mesmo patamar, os interesses em presença, públicos e privados, havendo que afastar-se a ideia de que o interesse público é prevalecente.
Como refere Vieira de Andrade, com o art.º 120.º, n.º 2, do CPTA, não se pretende “ponderar exclusivamente o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar da concessão ou a recusa da concessão para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados.
Na realidade, o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar” (In ANDRADE José Carlos Vieira de – A Justiça Administrativa, (Lições). 15ª ed. Coimbra: Almedina, 2016. ISBN 978-972-40-6731-5, p. 323).
Na contestação a entidade demandada alega que caso a presente providência seja deferida haverá prejuízos para o interesse público decorrentes da obrigação de se abastecer os equipamentos e veículos da Junta de Freguesia num posto de abastecimento fora da freguesia, porquanto o único posto de abastecimento que existe na Freguesia pertence ao marido da A. e Recorrente, que é vogal na Junta.
Na verdade, do art.º 9.º, n.º 2, als. a), b), 4, 5 e 6, da Lei n.º 52/2029, de 31/07, deriva que a A. e Recorrente, enquanto vogal da Junta de Freguesia está impedida de participar em procedimentos de contratação pública, incluindo efectuar ajustes directos, de intervir em actos relacionados com os procedimentos de contratação referidos na alínea anterior.
O que significa, que a circunstância do seu marido ser proprietário de um posto de combustíveis, localizado na freguesia, a impede de participar ou de intervir em actos relacionados com contratos – nomeadamente de compra e venda de combustível – que se efectuem entre a Junta de Freguesia e o indicado posto de combustíveis.
Porém, esse impedimento, só por sim, não afasta a possibilidade de a A. e Recorrente se manter na titularidade de funções de tesoureira, ainda que impedida de intervir relativamente a assuntos relacionados com o fornecimento de combustível.
Ou seja, o alegado interesse público prevalecente baseia-se num equívoco, pois a situação de impedimento com relação ao abastecimento de combustíveis, em si mesma, não colide com as funções de tesoureira que estavam cometidas à A., podendo apenas colidir quando relativas ao abastecimento de combustíveis pela Junta. Só no que se refere a tal abastecimento, é que terá de intervir o outro vogal e o Presidente da Junta e nunca a A. e Recorrente.
Isso mesmo decorre quer do art.º 9.º, n.º 2, als. a), b), 4, 5 e 6, da Lei n.º 52/2029, de 31/07, quer dos art.ºs 69.º a 71.º do CPA, nos termos dos quais a A. está obriga a declarar ao Presidente da Junta aquele impedimento e a suspender a sua actividade nesses procedimento, devendo ser substituída por quem for nomeado seu suplente ou pelo próprio Presidente, que, nesse caso, avocará a correspondente competência.
Por conseguinte, os alegados danos que se invocam reconduzem-se a uma situação de impedimento da A. e Recorrente, que não pode intervir em assuntos relacionados com o fornecimento de combustível, devendo, nestes casos, ser substituída pelo outro vogal, por um terceiro suplente ou pelo próprio Presidente.
Ora, tal ocorrência não pode ser considerada um verdadeiro dano ou prejuízo, mas é uma circunstância que se resolve pelo próprio regime legal, sem que constitua qualquer óbice efectivo. Quer isto dizer que a concessão da presente providência não colide com o interesse público decorrente da não intervenção nos procedimentos administrativos por quem está impedido dessa intervenção, pois ocorrendo tal circunstância haverá apenas que accionar o regime legal existente, fazendo substituir a A. e Recorrente na intervenção que tenha em assuntos relacionados com o abastecimento de combustível pela Junta de Freguesia. Para esse efeito não é necessário e é injustificável, porque desproporcional, retirar-lhe todas as funções relativas à tesouraria da Junta e de tesoureira.
Em suma, face aos factos que se podem colher dos autos, no caso em apreço, não haverá razões que manifestamente justifiquem a invocação de um interesse público preponderante, por a concessão da presente providência trazer para a Junta de Freguesia qualquer prejuízo efectivo, designadamente o relacionado com o abastecimento num posto de abastecimento fora da freguesia e mais longínquo.
O evitar de tal prejuízo não deve fazer-se pela retirada de funções à A. e Recorrente, mas pelo uso dos mecanismos legais existentes, relativos aos impedimentos dos órgãos titulares de cargos públicos.
De outro lado, por banda dos interesses da A. e Recorrente, há, sem dúvida, interesses de relevo a salvaguardar, que são os inerentes ao desempenho do cargo pela qual foi eleita e das correspondentes funções.
Em suma, no caso dos autos, os danos que possam resultar para a Administração com o deferimento da providência não se mostram superiores aos da A. e Recorrente.
Há, assim, que decretar a providência requerida, determinando-se a suspensão de eficácia do acto proferido em 05/02/2020, pelo Presidente da Junta de Freguesia de Peraboa, que fez cessar as funções de tesouraria que lhe haviam sido delegadas na A. e Recorrente e que as delegou noutro vogal, também secretário.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso e em determinar a suspensão de eficácia do acto proferido em 05/02/2020, pelo Presidente da Junta de Freguesia de Peraboa, que fez cessar as funções de tesouraria que haviam sido delegadas na A. e Recorrente e que as delegou noutro Vogal, também secretário;
- custas pelo Recorrido (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 27 de Julho de 2020.
(Sofia David)

(Dora Lucas Neto)

(Vital Lopes)