Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:442/05.5BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/14/2020
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IRS;
MAIS-VALIAS;
MENOS-VALIAS;
RECLAMAÇÃO GRACIOSA;
PRAZO.
Sumário:I – Até à revogação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º do CPPT (operada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro – Orçamento do Estado para 2006), o legislador admitia a possibilidade de ser deduzida reclamação graciosa no prazo de um ano com fundamento na preterição de formalidades essenciais ou na inexistência, total ou parcial do facto tributário (cfr. o n.º 2 do artigo 70.º do CPPT, na redação anterior à da Lei n.º 60.º-A/2005).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

M......, melhor identificada nos autos, veio deduzir IMPUGNAÇÃO Judicial contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação n.º 2002 5…….. respeitante ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2001, no montante de € 37.590,49.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 30 de Julho de 2018, julgou procedente a impugnação.

Não concordando com a decisão, a FAZENDA PUBLICA veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A) Atendo o disposto na redação inicial dos n.ºs 1, 2 e 3 do art.º 70.º do CPPT, regra geral, a reclamação graciosa poderia ser deduzida no prazo de 90 dias, redação do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT ao tempo dos factos.

B) Somente quando o fundamento da reclamação graciosa fosse a preterição de formalidades essenciais ou inexistência, total ou parcial do facto tributário, é que o prazo para dedução de reclamação graciosa passava de 90 dias para um ano.

C) Teremos de conciliar as referidas disposições legais com o estatuído no n.º 3 do art.º 59.º do CPPT, nos termos do qual, Em caso de erro de facto ou de direito nas declarações dos contribuintes, estas podem ser substituídas: (…) II) Até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou impugnação judicial do acto de liquidação, para a correcção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração apresentada; (sublinhado nosso)

D) E, com o disposto no n.º 5 do art.º 59.º do CPPT, “Nos casos em que os erros ou omissões a corrigir decorram de divergência entre o contribuinte e o serviço na qualificação de actos, factos ou documentos invocados, em declaração de substituição apresentada no prazo legal para a reclamação graciosa, com relevância para a liquidação do imposto ou de fundada dúvida sobre a existência dos referidos actos, factos ou documentos, o chefe de finanças deve convolar a declaração de substituição em reclamação graciosa da liquidação, notificando da decisão o sujeito passivo”.

E) Já o n.º 6 do art.º 59.º do CPPT dispõe que “Da apresentação das declarações de substituição não pode resultar a ampliação dos prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do acto tributário, que seriam aplicáveis caso não tivessem sido apresentadas”.

F) A questão fundamental prende-se, portanto, com a (in)tempestividade da reclamação graciosa prevista no art.º 70.º do CPPT, nomeadamente saber se se verificam os fundamentos da sua interposição no prazo de um ano previstos no n.º 2 daquele normativo, ou seja, inexistência, total ou parcial do facto tributário como considerou o Tribunal a quo, ou, como considera a Fazenda Pública, não se verificam esses fundamentos e, como tal a reclamação graciosa é intempestiva, por ter ultrapassado o prazo de 90 dias constante do n.º 1 do art.º 102.º do CPPT, na redação ao tempo.

G) Antes de mais, refira-se que a sentença considerou que estamos perante uma situação de inexistência parcial do facto tributário, na dimensão de violação de normas de incidência tributária.

H) No entanto, a questão a levantar é muito anterior a esta qualificação jurídica da situação em causa feita pelo Tribunal a quo.

I) A convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa apenas é possível caso sejam cumpridos os prazos (gerais) de reclamação graciosa, para que não haja distorção dos prazos de reclamação graciosa, de forma que os mesmos sejam ampliados, caso exista convolação ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 59.º do CPPT.

J) Ora, a reclamação graciosa foi indeferida liminarmente [Cfr. ponto F) dos factos provados], o que significa que o procedimento nem sequer devia ter sido iniciado, atenta a intempestividade do mesmo. Não estamos aqui a discutir, sequer, o indeferimento da reclamação graciosa, atentos os fundamentos apresentados.

Não foram, desde logo, apresentados quaisquer fundamentos, uma vez que a reclamação graciosa resultou da convolação (indevida) da declaração de substituição em reclamação graciosa.

K) E, não tendo sido apresentados fundamentos, o que desde logo é coerente com a convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, não se compreende como pôde o Tribunal a quo verificar, considerando os factos dados como provados, uma situação de inexistência parcial do facto tributário.

L) Vejamos o Acórdão do TCA Sul de 29.06.2016, no âmbito do processo n.º 09640/16, disponível em www.dgsi.pt “O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6726/13)”.

M) Basta olhar para os pontos B) e D) dos factos dados como provados para se concluir que nenhuma situação de inexistência parcial do facto tributário se verifica, antes pelo contrário.

Refira-se que os pontos B) e D) descrevem a 1.ª declaração de rendimentos, Modelo 3, apresentada pela ora Recorrida e a declaração de substituição, que deu origem à convolação em reclamação graciosa, ainda que indevida.

N) Pelo exposto, não se acompanha a sentença do Tribunal a quo na parte em que anula parcialmente a liquidação impugnada.

Pelo que, nestes termos, considerando que a sentença do Tribunal a quo padece de erro de julgamento, de direito, se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente improcedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, como é de Direito e Justiça.»


*

A recorrida, apresentou as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«A. Vêm as presentes contra-alegações de recurso apresentadas na sequência do recurso interposto pela Recorrente da douta sentença do Meritíssimo Juiz a quo que julgou totalmente procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida e ordenou a anulação parcial da liquidação de IRS referente ao exercício de 2001, com o n.º 5………, de 9/12/2002.
B. No entendimento da Recorrida, o recurso deve ser rejeitado e, sem conceder, sempre deverá ser julgado totalmente improcedente porquanto:
(i) O Tribunal Central Administrativo Sul é incompetente para conhecer do pedido, uma vez que o recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito, pelo que a competência para apreciar o recurso cabe ao Supremo Tribunal Administrativo, nos termos 280.º, n.º 1, do CPPT, devendo por isso o Tribunal Central Administrativo Sul declarar-se incompetente em razão da hierarquia, com todas as consequências legais;
(ii) O presente recurso deve ser rejeitado, por incumprimento do ónus de formular conclusões indicando quais as normas jurídicas que a Recorrente considera terem sido violadas ou o sentido em que, a terem-no sido, deveriam estas haver sido interpretadas e aplicadas (em violação expressa do artigo 639.º do Código do Processo Civil - “CPC”, ex vi artigo 2.º do CPPT);
(iii) Caso assim não se entenda, deve ser julgado totalmente improcedente o recurso, por manifesta falta de fundamento legal, não merecendo a sentença recorrida qualquer censura, pelo que deverá ser mantida, só assim se respeitando a Lei e fazendo Justiça.
C. Antes de entrar na análise dos fundamentos pelos quais o presente recurso deve ser rejeitado ou, caso assim não se entenda, ser julgado totalmente improcedente, cumpre fazer um breve enquadramento do thema decidendum.
D. O que está em causa no presente processo é, tal como descrito pelo Tribunal a quo, “(…) saber se a liquidação impugnada de IRS e de juros compensatórios do ano de 2001 padece dos vícios de ilegalidade por erro dos pressupostos de facto e de direito, resultante da errónea sujeição a tributação de parte dos rendimentos declarados da categoria G, mais concretamente, respeitante às mais-valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.”
E. Dos factos dados por provados e da documentação junta aos autos, resulta de forma relativamente cristalina que:
(i) a Recorrida obteve menos valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários no montante agregado de €111.516,08, e que a
(ii) A Recorrida apresentou a sua declaração de IRS inicial, tendo a menos valia sido corretamente inscrita no duplicado que ficou em poder da Recorrida, mas tendo sido trocados os valores de aquisição e realização no exemplar que ficou em poder da Administração Tributária (“AT”), tendo, por isso, sido apresentada uma declaração de substituição com os valores corretamente inscritos.
F. Essa declaração de substituição foi convolada em reclamação graciosa
G. A referida reclamação graciosa foi liminarmente indeferida, por ter sido considerada intempestiva em virtude de ter sido apresentada após o decurso do prazo de 90 dias previsto na lei (cfr . Ponto F) dos factos dados por provados).
H. No entanto, entendia (e entende) a Recorrida que o prazo para a apresentação da reclamação graciosa era, neste caso, de um ano, por inexistência total ou parcial do facto tributário, nos termos do artigo 70, n.º 2 e 3 do CPPT, na redação à data dos factos.
I. O Tribunal a quo corroborou o entendimento da Recorrida tendo decidido que “resulta evidenciado nos presentes autos, uma situação de inexistência parcial do facto tributário porquanto se verificou a violação de uma norma de incidência tributária, mais especificamente, a norma de incidência objetiva prevista na alínea b) do n.º do artigo 10.º do CIRS, na medida em que foi considerada indevidamente uma mais-valia resultante de ganhos obtidos da alienação onerosa de partes sociais, ou seja, de ações, em contradição com o apuramento de mais ou menos-valias para o ano de 2001 constante da declaração referida na alínea A) do probatório”.
J. Em primeiro lugar, deve entender-se que o Tribunal Central Administrativo é incompetente para conhecer do presente recurso, uma vez que, como a própria Recorrente indica, não está em causa a matéria de facto mas antes matéria exclusivamente de direito.
K. Em segundo lugar, o recurso deve ser rejeitado uma vez que Recorrente não indica qual foi a norma ou normas jurídicas violadas pela decisão recorrida e menos ainda qual o sentido em que as normas que fundamentam a decisão deveriam ter sido interpretadas ou aplicadas, incumprindo o seu ónus de alegar e formular conclusões, pelo que deve o recurso ser rejeitado, com fundamento no artigo 639.º, ex vi artigo 2.º do CPPT, o recurso sobre matéria de direito.
L. Em terceiro lugar, o recurso deve ser rejeitado em virtude uma vez que as conclusões da Recorrente são, para além de ininteligíveis e contraditórias, são manifestamente “(...) deficientes, obscuras (...)” nos termos e para os efeitos do artigo 639.º do CPC.
M. Por fim, ainda que o douto Tribunal ad quem entenda não ser de rejeitar o recurso - o que apenas se admite por dever de patrocínio sem, contudo, conceder - sempre deverá o recurso ser julgado improcedente por total ausência de fundamento, nos termos que abaixo se sumariam.
N. O que o em causa no presente processo é que a AT pretende cobrar IRS à ora Recorrida por uma alegada mais-valia quando esta, na realidade, obteve uma menos-valia (conforme resulta dos factos dados como provados no processo de impugnação), ou seja, a AT pretende cobrar um imposto que sabe não ser devido.
O. A Recorrente não nega que o prazo para a reclamação graciosa é de um ano em caso de inexistência total ou parcial de facto tributário entendendo, além do mais, que é essa a questão essencial do presente processo (ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo) e que a reclamação graciosa foi corretamente indeferida por extemporânea por, no caso em concreto, não se verificar a inexistência de facto tributário.
P. Entende a Recorrente esta que resulta dos pontos B) e D) dos factos dados como provados que não estamos perante uma situação de inexistência de facto tributário, mas, como demonstrou a Recorrida, precisamente destes factos provados resulta, de forma cristalina, que a mesma não obteve qualquer mais- valia (mas antes uma menos valia) pelo que são justamente estes factos (em conjunto com o facto provado A)) que alicerçam a conclusão acertada do Tribunal a quo que estamos perante a inexistência do facto tributário.
Q. E se a Recorrente discordava dos factos dados como provados (que, saliente-se, foram cabalmente demonstrados através de prova documental cuja autenticidade não foi rebatida pela Recorrente em nenhum momento) então só tinha uma solução: apresentar um recurso quanto à matéria de facto.
R. Nem logrou a Recorrida compreender como é que a Recorrente pode querer extrair destes dois pontos da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo uma conclusão (não estarmos perante a inexistência de facto tributário) que é diametralmente contrária ao que deles consta (ou seja, a inexistência de facto tributário).
S. Estando, assim, demonstrada a inexistência de facto tributário, cai por terra toda a argumentação sobre a extemporaneidade da reclamação graciosa que assenta em pressuposto errado e já afastado pelo douto Tribunal a quo.
T. De facto, é a própria Recorrente que reconhece que, estando demonstrada tal inexistência do facto tributário, o prazo para a reclamação graciosa (e, portanto, da declaração de substituição) é de um ano e não apenas de 90 dias nos termos conjuntos dos artigos 70.º, n.s 2 e 3, e subalínea II, da alínea b) do n.º 3 do artigo 59.º, do CPPT, na redação em vigor à data dos factos.
U. Desta forma, não podia o Tribunal a quo deixar de decidir como decidiu tendo particularmente em conta os factos dados como provados.
V. Não devendo restar quaisquer dúvidas quanto à tempestividade da reclamação graciosa.
W. Recorde-se, aliás, que tal já foi reconhecido pela AT no contexto desta mesma situação de facto, mas num outro processo de impugnação judicial (o qual está pendente, em razão da relação de prejudicialidade que mantém com o presente processo).
X. Do exposto resulta que a posição adotada pela Recorrente não tem qualquer razão ou fundamento legal, devendo ser julgada totalmente improcedente tendo particularmente em conta a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida e que não foi, por qualquer forma, contestada pela Recorrente.
Y. Em conclusão, o recurso apresentado deverá ser rejeitado pelo douto Tribunal ad quem ou, caso assim não se entenda, deverá ser julgado totalmente improcedente por manifesta falta de fundamento.
VI. PEDIDO
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá o recurso apresentado ser rejeitado ou, caso assim não se entenda, o mesmo deverá ser julgado totalmente improcedente, por manifesta falta de fundamento, mantendo-se consequentemente a sentença recorrida que não merece qualquer censura.»

*

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido de dever ser julgada verificada a excepção de incompetência absoluta deste Tribunal, em razão da hierarquia, nos termos das disposições combinadas dos art. 280º nº 1 do C.P.P.T., 26º, al. a) do E.T.A.F. e 96º al. a), 97º nº 1, 98º, 99º nº 2, 576º nº 1 e 2, 577º, al. a), e 578º do C.P.C., estes aplicáveis por força do disposto no art. 2º, al. e), do C.P.P.T.
*

Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



*

II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) Em 28/02/2002, foi emitida pela E….. – E……., S.A., em nome da Impugnante, a lista de operações de venda de ações efetuadas no ano de 2001 na sua conta de títulos por ela gerida e na qual estão incluídas as vendas de títulos detidas há mais de 12 meses e as detidas há menos de 12 meses, bem como as correspondentes mais-valias ou menos-valias realizadas nestas operações e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, da qual se extrai o seguinte:


“(texto integral no original; imagem)”


cfr. doc. n.º 4 junto com a p.i. a fls. 24 a 37 dos autos;

B) Em 09/10/2002 foi entregue em nome da Impugnante, junto do Serviço de Finanças de Cascais 1, a 1.ª declaração de rendimentos, Modelo 3 referente ao ano de 2001, em suporte papel, acompanhada dos respetivos anexos E, F, G, G1 e H, com a indicação no campo 40 do quadro 8 do Anexo G (Alienação Onerosa de Partes Sociais e outros Valores Mobiliários – Art. 10.º, n.º 1, al. b), dos montantes de € 142.696,19, respeitante ao valor de realização e de € 254.212,27 relativamente ao valor de aquisição, bem como do valor de € 373,92, a título de despesas e encargos – cfr. doc. n.º 1 junto com a p.i. a fls. 13 a 19 dos autos, identificada como “Duplicado e Instruções para o Contribuinte” e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

C) Em 09/12/2002 foi emitida em nome da Impugnante, a liquidação n.º 2002 5…… referente ao IRS de 2001, no valor total a pagar de € 37.590,49, com data limite de pagamento até 29/01/2003 e remetida por correio registado com o registo n.º RY1……. – cfr. doc. n.º 2 junto com a p.i. a fls. 20 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

D) Em 30/05/2003 foi entregue foi entregue em nome da Impugnante, junto do Serviço de Finanças de Lisboa 12, a declaração de substituição, Modelo 3 referente ao ano de 2001, em suporte papel, acompanhada dos respetivos anexos E, F, G, G1 e H, com a indicação no campo 40 do quadro 8 do Anexo G (Alienação Onerosa de Partes Sociais e outros Valores Mobiliários – Art. 10.º, n.º 1, al. b), os montantes de € 142.696,19, respeitante ao valor de realização e de € 254.212,27 relativamente ao valor de aquisição, bem como o valor de € 373,92, a título de despesas e encargos – cfr. doc. a fls. 2 a 9 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, identificado como “Original para a DGCI” e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

E) A declaração de substituição mencionada na alínea anterior foi convolada em reclamação graciosa, conforme indicação constante do respetivo campo 3 do quadro 11 da Modelo 3 - cfr. doc. a fls. 2 do processo de reclamação graciosa junto aos autos, identificado como “Original para a DGCI” e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

F) Em 13/12/2004, o Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa proferiu despacho de indeferimento liminar da reclamação graciosa, em concordância com a Informação, de 28/10/2004 e respetivo Parecer, de 08/11/2004, cujos mesmos se dão aqui por integralmente reproduzidos e do qual se extrai o seguinte quanto ao Parecer em apreço:

Analisados os elementos constantes dos autos, verifica-se que a declaração de substituição, convolada em reclamação graciosa, foi apresentada após o decurso do prazo legal de 90 (noventa) dias previsto nos arts. 70º nº 1 e 102° n° 1 do CPPT.

Ora, não se enquadrando a situação na subalínea III da alínea b) do n° 3 do art. 59°, é aplicável o disposto na subalínea II da mesma disposição legal, mostrando-se a presente reclamação intempestiva.

Deste modo deve a presente reclamação ser INDEFERIDA LIMINARMENTE por se mostrar intempestiva, não havendo lugar a audição prévia da reclamante, nos termos do art. 60° da LGT, uma vez que não existe dever de decisão da Administração Fiscal. (…) – cfr. doc. a fls. 37 do processo de reclamação graciosa junto aos autos;

G) Em 19/01/2005, a Direção de Finanças de Lisboa remeteu o Ofício n.º 0……., com o assunto “RECLAMAÇÃO GRACIOSA – 2.ª VIA”, relativo ao despacho de indeferimento liminar referido na alínea anterior e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – cfr. doc. a fls. 47 do processo de reclamação graciosa junto aos autos.

H) Em 25/01/2005, a Impugnante tomou conhecimento da prolação do despacho de indeferimento liminar mencionado na alínea G) – cfr. aviso de receção assinado a fls. 48 do processo de reclamação graciosa junto aos autos;

I) Em 09/02/2015, a presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 12 – cfr. carimbo aposto na p.i. a fls. 4 dos autos;

J) Em 07/12/2005, a Impugnante apresentou, junto do Serviço de Finanças de Lisboa 12, um pedido de revisão da liquidação identificada na alínea C), objeto da presente impugnação – cfr. doc. a fls. 10 a 14 do processo de revisão do ato tributário de liquidação de IRS do ano de 2001 apenso aos autos;

K) Em 04/12/2006, na sequência do pedido de revisão mencionado em J), foi elaborada a Informação n.º 1549/06, sobre a qual recaiu despacho de concordância da Diretora de Serviços, de 13/12/2006, bem como do Subdiretor-Geral, de 22/12/2006, a qual se dá por integralmente reproduzida e da qual se extrai o seguinte:

“(…) 9. Considera a Direção de Finanças na sua informação que: “O sujeito passivo, caso não tivesse cometido o lapso no preenchimento do original da sua declaração de rendimentos de 2001, teria um rendimento global, não de € 135.518,06, mas sim de € 22.272,32 (€ 135.518,06 - € 113.245,74), pois o resultado líquido apurado na categoria G, no montante de € 113.245,74, seria anulado, visto que, com os valores corretamente inscritos no campo 802 do anexo G, resultaria então nessa categoria, um resultado líquido negativo, tal como explicado no ponto 12.”

Parece assim, tratar-se neste caso, de uma injustiça grave e totalmente desproporcionada com a realidade.

10. Visto a contribuinte apresentar um pedido de revisão da liquidação nos ter- mos do n.º 4 do art. 78º da LGT, seria de proceder à análise da situação acima exposta, nomeadamente se reúne as condições que se devem verificar para poder ser autorizada excecionalmente a revisão do ato tributário de liquidação.

11. Contudo, considerando que o fundamento da reclamação graciosa ao tem- po apresentada pela contribuinte parece enquadrar-se no n.º 2 do Art. 70º do CPPT (redação anterior), pois ao verificar-se que existiu uma menos valia em vez de uma mais valia, como se encontra comprovado pela declaração do Banco E…….., resulta desta constatação que aquele consistiu na inexistência parcial do facto tributário, isto é, a contribuinte não obteve no ano de 2001 rendimentos no valor de € 135.518,06, mas sim rendimentos no valor de € 22.272,32.

12. Daqui decorre que o prazo para reclamar não era o de noventa dias contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário (29.01.2003), mas o de um ano, nos termos do n.2 do Art. 70º do CPPT.

13. Considerando o prazo de um ano, verifica-se que a reclamação graciosa apresentada em 30.05.2003, foi tempestiva.

14. Pelo que atendendo o exposto nos pontos 11, 12 e 13, parece a situação concreta enquadrar-se na primeira parte do n.º 1 do Art. 78.ºda LGT.

15. Decorre do exposto que o presente pedido de revisão não é enquadrável no n.º 4 do Art. 78.º da LGT.

16. Contudo, visto a contribuinte ter apresentado impugnação judicial relativa à mesma liquidação, processo este que está a decorrer, e perante o exposto no Art. 111º do CPPT e o Acórdão do STA de 17 de março de 2004, não deve o presente pedido ser apreciado em sede de processo administrativo.

17. Pelo que deve o presente processo ser apensado ao processo de impugnação a fim de aí ser considerado. (…) - cfr. doc. a fls. 1 a 3 do processo de revisão do ato tributário de liquidação de IRS do ano de 2001 apenso aos autos;

L) Em 17/01/2007, foi elaborada pela Direção de Finanças de Lisboa o instrumento identificado por “NSI 23, Data 17.01.07”, com o Assunto: “Envio de processo de revisão com informação da DSIRS para apensar ao Procº de Impugnação Judicial nº 442/05.05BELSB e informação sobre a matéria de facto”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte:

“(…) Q. Perante o exposto, caso o Meritíssimo Juiz entenda ser tempestiva a reclamação graciosa e em consequência a impugnação, somos de parecer dever aceitar-se como valores de realização os valores de aquisição antes declarados e vice versa, tendo como consequência, a anulação parcial da liquidação efetuada par efeitos de IRS de 2001, pelos motivos e fundamentos apresentados nesta informação, donde irá resultar uma redução do Rendimento Global apurado de € 135.518,06 pelos serviços da AT, para € 22.272,32. (…) – cfr. doc. a fls. 1 a 5 processo de revisão do ato tributário de liquidação de IRS do ano de 2001 apenso aos autos.


****


FACTO NÃO PROVADOS

Com interesse para a decisão inexistem factos invocados que devam considerar-se como não provados.

MOTIVAÇÃO

Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se na prova documental junta aos autos, no processo administrativo em apenso e nos factos alegados e não contestados, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório.»



*

- De Direito

Da Competência do TCAS em razão da hierarquia

Cumpre, antes de mais, resolver a questão da competência em razão da hierarquia, por força do disposto no artigo 13º do C. P. T. A., aplicável “ex vi” artigo 2º, al.c), do C. P. P. T., excepção esta suscitada pela Recorrida, bem como pelo Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal.

Nos termos do preceituado no nº1 do artigo 280º do CPPT, das decisões dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os Tribunais Centrais Administrativos, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito e a decisão seja de mérito, caso em que tal recurso tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do nº1 do artigo 16º do C.P.P.T., a incompetência absoluta do Tribunal.

A competência do Tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, isto é, a competência determina-se pelo pedido do Autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo (cfr.Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág.91; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.223 e seg.).

Nos termos do preceituado no artigo 26º, al.b), do E.T.A.F., atribui-se à Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. competência para conhecer dos recursos interpostos das decisões dos Tribunais Tributários, com exclusivo fundamento em matéria de direito.

Por seu turno, o artigo 38º, al.a), do E.T.A.F., atribui competência à Secção de Contencioso Tributário de cada Tribunal Central Administrativo para conhecer dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, ressalvando-se o disposto no citado artigo 26º, al.b), do mesmo diploma.
Da conjugação das referidas normas do E.T.A.F. deve concluir-se que, para o conhecimento dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos Tribunais Tributários de 1ª. Instância é competente o S.T.A. quando o recurso tiver por fundamento exclusivamente matéria de direito e, pelo contrário, é competente a secção de contencioso tributário de um dos Tribunais Centrais Administrativos se o fundamento não for exclusivamente de direito.

Na delimitação da competência do S.T.A. em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos, a efectuar com base nos fundamentos do recurso, deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, as quais fixam o objecto do recurso (cfr.artº.684, nº.3, do C.P.Civil), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa. Por outras palavras, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas suas conclusões se questionar matéria factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à factualidade provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos factos provados (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/9/2010, rec.446/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/3/2013, proc.5971/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 4/6/2013, proc.6465/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.223 e seg.).

No caso dos autos, conforme se retira das conclusões do recurso, a Recorrente discorda da decisão recorrida, por entender que não se verificam os fundamentos para a consideração do prazo de um ano para a dedução de reclamação graciosa, a saber, tratar-se de uma situação de inexistência do facto tributário nos termos do previsto no nº2 do artigo 70º do CPPT. Na linha do entendimento da Recorrente a reclamação graciosa deduzida pela Recorrida seria intempestiva, por ter sido deduzida para além do prazo de 90 dias constante no nº1 do artigo 102º do CPPT, na redacção ao tempo aplicável. Conclui a Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, pugnando pela sua revogação.

Ora, embora nas conclusões a Recorrente não chame à consideração factos materiais ou ocorrências da vida real, certo é que não concorda com as ilações que se devem retirar dos mesmos factos provados, de que é exemplo a conclusão M).

Concluindo, os fundamentos do presente recurso não versam exclusivamente matéria de direito, pelo que a competência para o seu conhecimento pertence ao TCAS.


*


Da pretendida rejeição do recurso

Vem a Recorrida pugnar pela rejeição do presente recurso, por incumprimento do ónus de formular conclusões indicando quais as normas jurídicas que a Recorrente considera terem sido violadas ou o sentido em que, a terem-no sido, deveriam estas haver sido interpretadas e aplicadas, em violação do artigo 639º do CPC.

Vejamos.

Adiante-se que a Recorrida carece de razão.

Efectivamente, entende este Tribunal que das conclusões de recurso apresentadas pela Recorrente é possível descortinar quais as normas jurídicas que alega terem sido violadas, bem como o sentido em que a Recorrente entende que deveriam ser interpretadas.

Improcede, por isso, o pedido de rejeição do recurso.


*


Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida errou no seu julgamento ao considerar tempestiva a reclamação graciosa referente à liquidação de IRS do ano de 2001, na medida em que entendeu ser aplicável o prazo de um ano para a respectiva apresentação, concluindo pela ilegalidade da liquidação impugnada.

Vejamos, então.

Como foi enunciado na sentença a presente impugnação tem por objecto a liquidação de IRS e dos respectivos juros compensatórios referente ao ano de 2001, sendo que cumpria aferir se a mesma padecia dos vícios de ilegalidade por erro dos pressupostos de facto e de direito quanto à tributação dos rendimentos da categoria G, mais especificamente, em sede de mais-valias resultantes da alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.

Por outro lado, uma vez que a reclamação graciosa (resultante da convolação da declaração de substituição apresentada pela Recorrida) foi indeferida por intempestividade, a sentença apreciou a legalidade de tal indeferimento, tendo concluído que a reclamação graciosa era tempestiva, nos seguintes termos:

“(…) resulta evidenciado nos presentes autos, uma situação de inexistência parcial do facto tributário porquanto se verificou a violação de uma norma de incidência tributária, mais especificamente, a norma de incidência objectiva prevista na alínea b) do n.º do artigo 10.º do CIRS, na medida em que foi considerada indevidamente uma mais-valia resultante de ganhos obtidos da alienação onerosa de partes sociais, ou seja, de ações, em contradição com o apuramento de mais ou menos-valias para o ano de 2001 constante da declaração referida na alínea A) do probatório.

Por último, merece ser realçado, na sequência da apresentação do pedido de revisão da liquidação ora impugnada [cfr. alínea J) do probatório] e já na pendência da presente impugnação, a circunstância da própria Administração Tributária vir reconhecer a tempestividade da reclamação graciosa interposta pela Impugnante, enquadrando-a no disposto no n.º 2 do artigo 70.º do CPPT [Cfr. Informação da alínea K) do probatório].

Mais ainda, a Administração Tributária aceita os valores de aquisição e de realização constantes da declaração supra identificada [cfr. alínea A) do probatório] e na Informação elaborada pela Direção de Finanças de Lisboa, mencionada na alínea L) do probatório, acolhe os argumentos da Impugnante ao afirmar que (…) somos de parecer dever aceitar-se como valores de realização os valores de aquisição antes declarados e vice versa, tendo como consequência, a anulação parcial da liquidação efetuada para efeitos de IRS de 2001, pelos motivos e fundamentos apresentados nesta informação, donde irá resultar uma redução do Rendimento Global apurado de € 135.518,06 pelos serviços da AT, para € 22.272,32.”

Assim sendo, julgado verificado o vício de violação da norma de incidência objetiva acima referenciada, fica assegurada a estabilidade da tutela dos interesses da Impugnante, uma vez que a anulação parcial da liquidação com base nesse vício impedirá a sua renovação com idêntico conteúdo e, nessa medida, considera-se prejudicado o conhecimento dos demais vícios imputados quer ao ato de indeferimento da reclamação graciosa, quer à liquidação ora impugnada (artigo 124. °, do CPPT e artigo 608.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 2. °, alínea e) do CPPT).(…)”.

É contra este entendimento que a Recorrente se insurge, começando por invocar a ilegalidade da convolação (por indevida) da declaração de substituição em reclamação graciosa efectuada pelos seus Serviços, e concluindo que, por não terem sido apresentados fundamentos na reclamação, não compreende em que medida pode o Tribunal a quo concluir, considerando os factos provados, pela verificação de uma situação de inexistência parcial de facto tributário.

Comecemos por dizer que a convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa foi efectuada, oficiosamente, pelos serviços da AT, como resulta da alínea e) do probatório fixado na sentença recorrida. E não há notícia nos autos que tal convolação tenha sido, em momento algum, posta em causa pela AT.

Efectivamente, o que dos autos resulta é que, na sequência da convolação em reclamação graciosa, foi esta (enquanto tal) apreciada liminarmente, tendo-se concluído pela sua intempestividade, por despacho proferido pelo Director de Finanças Adjunto de Lisboa, e a que se refere a alínea f) dos factos provados. Aí se entendeu que a reclamação graciosa foi apresentada para além do prazo de 90 dias previsto no nº1 do artigo 70º e nº1 do artigo 102º, ambos do CPPT.

A sentença recorrida, acolhendo o entendimento da Recorrida, considerou verificar-se uma situação de inexistência parcial do facto tributário porquanto se verificou a violação de uma norma de incidência tributária, mais especificamente, a norma de incidência objectiva prevista na alínea b) do n.º do artigo 10.º do CIRS, na medida em que foi considerada indevidamente uma mais-valia resultante de ganhos obtidos da alienação onerosa de partes sociais, ou seja, de acções, em contradição com o apuramento de mais ou menos-valias para o ano de 2001 constante da declaração referida na alínea A) do probatório.

E consideramos que com acerto.

Recordemos que não é controvertida a circunstância, constante da alínea a) do probatório, de que a Recorrida, pela venda de acções efectuadas no ano de 2001 incorreu em menos-valias, entendimento que é corroborado pela própria AT, como resulta da alínea k) da matéria de facto provada.

Mais, a própria AT, na informação prestada no âmbito do pedido de revisão a que se referem as alíneas j) e k) do probatório, considerou a ocorrência de uma menos-valia em vez de uma mais valia, traduzida na inexistência parcial do facto tributário, suficiente para considerar o prazo de um ano para apresentação da reclamação graciosa, nos termos do nº2 do artigo 70º do CPPT, na redacção à data aplicável.

Assim sendo, acompanhamos a sentença recorrida, quando afirma que o fundamento invocado pela Impugnante consubstancia um caso de alegação de inexistência parcial do facto tributário, na dimensão de violação de normas de incidência tributária traduzida na consideração para efeitos de rendimento global por parte da Administração Fiscal de uma mais-valia que não se verificou efectivamente, o que constitui um pressuposto para a reclamação graciosa poder ser deduzida no prazo de um ano, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º do CPPT, em vigor à data dos factos em apreço.

Ora, até à revogação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º do CPPT (operada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro – Orçamento do Estado para 2006), o legislador admitia a possibilidade de ser deduzida reclamação graciosa no prazo de um ano com fundamento na preterição de formalidades essenciais ou na inexistência, total ou parcial do facto tributário (cfr. o n.º 2 do artigo 70.º do CPPT, na redação anterior à da Lei n.º 60.º-A/2005), considerando-se que se verificaria o fundamento da inexistência total ou parcial do facto tributário em caso de violação das normas de incidência tributária ou sobre o conteúdo de benefícios fiscais (cfr. o n.º 3 do artigo 70.º do CPPT, na redação anterior à da Lei n.º 60.º-A/2005).

Concluímos, assim, pela improcedência de recurso, sendo de manter a sentença recorrida.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 14 de Janeiro de 2020


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)