Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07466/11
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:10/23/2014
Relator:CARLOS ARAÚJO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM
DEFESA POR IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE FACTO CONTROVERTIDA/NECESSIDADE DE INSTRUÇÃO DOS AUTOS
Sumário:I- Na contestação o r. deve especificar separadamente as excepções que deduza, nos termos do art.º 488.º do CPCivil, na redacção do D.L. nº. 329-A/95, não o fazendo deve entender-se que a defesa foi feita por impugnação, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos invocados.
II- Decorrendo da petição inicial e da contestação apresentadas versões diferentes das causas do acidente de viação, existe matéria controvertida nos autos, pelo que deveria ter sido elaborada base instrutória e fixados os factos assentes para que se procedesse à instrução do processo.
III- Tendo entretanto entrado em vigor o CPC/2013, os autos baixam à 1ª. instância para que seja dado cumprimento ao disposto no artº. 597º., als.e), f) e g) desse Código, atento o valor da causa.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I - RELATÓRIO

J…… interpôs recurso, da sentença proferida no TAF de Castelo Branco, na parte em que absolveu do pedido o réu J……-S.A. de condenação em indemnização por danos decorrentes de acidente de viação, causado por uma pedra de grandes dimensões que cobria um orifício de esgoto, existente na faixa de rodagem da Avenida das Palmeiras, em Castelo Branco, onde circulava com o seu veículo automóvel.

Formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

“III-SINTETIZANDO E CONCLUINDO:

«1. Nos autos supra referidos, o tribunal a quo proferiu decisão de mérito relativamente à R. J……, S.A. absolvendo-a do pedido formulado pelo Autor.

2. É sobre esta decisão de mérito que impende o presente recurso, impugnando-se não só a decisão proferida sobre a matéria de facto, mas também sobre matéria de direito, nos termos do disposto nos artigos 685° - A e 685° - B

3. A decisão ora impugnada interpreta de forma errónea e desajustada a matéria de facto, o que levou o Juiz a quo a proferir, com base nela, decisão de mérito que no entender do Autor é ilegal por não encontrar reflexo das alegações das partes em crise, nem tão pouco da matéria probatória constante dos respectivos articulados.

4. No entender do Autor, a incorrecta avaliação da matéria de facto, está no cerne da improcedência da Demanda.

5. A impugnação da decisão da matéria de facto cinge-se aos pontos 7° e 8° da factualidade assente.

6. O Recorrente pugna também pela integração na Base Instrutória de toda a restante matéria controvertida

7. O douto Tribunal entendeu que a Ré Recorrida, ao alegar no seu articulado a factualidade que mais tarde veio a ficar assente nos pontos 7° e 8°, excepcionou, alegando factos que impediam, modificavam ou extinguiam o efeito jurídico dos factos articulados pelo Autor.

8. O Autor não se fez valer do contraditório por entender que se afigurava inexigível e meramente dilatório.

9. A Ré Recorrida, quando apresentou a sua defesa não mais fez do que apresentar uma versão diferente contradizendo os factos articulados na petição inicial, dizendo que a versão do A. é falsa, sendo verdadeira aquela que apresenta.

10. Conforme mui doutamente se disse no Acórdão do STJ, de 21.05,1998 "... na maior parte dos casos, as duas versões que sobre os acontecimentos havidos se confrontem num processo devem, na parte em que sejam controvertidas, ser quesitadas...para que o apuramento da factualidade a que se aplicará o direito seja feito pela forma mais abrangente e completa que se mostre possível...".

11. No caso dos autos, tal não sucedeu

12. O que ressalta é a existência de um vazio na averiguação de factos tendentes a motivar, fundamentadamente, a decisão de mérito

13. O douto Tribunal a quo deu como assente matéria que era carecida de prova

14. Ensina o douto Acórdão do STJ, de 18.12.1997, que "Sendo a distinção entre a negação motivada e a excepção peremptória susceptível de provocar, na prática, algumas dúvidas/deve a defesa ser qualificada como impugnação...".

15. A distinção entre a negação motivada e a excepção peremptória é susceptível de provocar dúvidas que poderão, porventura, dissipar-se conforme o sentido da alegação das partes nos articulados e tendo em conta o efeito jurídico pretendido.

16. Subsistindo a dúvida, a defesa deve ser qualificada como impugnação, pela maior garantia dada à verdade material em face dos efeitos resultantes da falta de resposta.

17. A Ré não juntou sequer qualquer fotografia para prova da existência de sinalização que impedisse a circulação de veículos, conforme alega.

18. Cabe à Ré alegar e provar os factos constitutivos do efeito impeditivo, modificativo ou extintivo do direito afirmado pelo Autor.

19. O Réu não cumpriu o ónus que lhe cabia, tendo o Tribunal decidido do mérito da acção relativamente à Ré Recorrida apenas com base nurna simples alegação de facto.

20. Face a tudo o exposto, a factualidade dada como assente nos pontos 7° e 8° da Matéria Assente deverá ser considerada como matéria controvertida, não podendo prosseguir o efeito jurídico pretendido pela decisão douto Tribunal a quo.

21. O Tribunal a quo violou assim o disposto nos artigos 342°, n° 2 e 346° do Código Civil e ainda artigos 487°, 488°, 490°, n° 2, 493° e 508° e 513°, todos do CPC.

22. O Recorrente pretende, com o presente Recurso, que a matéria considerada assente nos pontos 7° e 8° da Matéria Assente seja levada à Base Instrutória, juntamente com toda a restante matéria alegada pelo Autor e impugnada pela Ré, de forma a que possa prosseguir-se com a produção da prova e subsequente discussão da matéria de facto.

23. Nestes termos, e nos do disposto no art. 712°, n° 4 1a parte do CPC, deverá a decisão proferida pelo douto tribunal a quo ser anulada com fundamento na deficiente decisão proferida acerca da matéria de facto assente, ordenando V. Exas. a remessa dos autos ao douto Tribunal a quo para prolação de despacho saneador e prosseguimento dos ulteriores trâmites processuais.

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se assim a sentença proferida, em conformidade com o que se dispôs nas presentes alegações de recurso, só assim se fazendo

JUSTIÇA”
(Cfr. fls.117 a 120)
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O Réu apresentou contra-alegações, sem formular conclusões, pugnando pela manutenção do decidido - (fls.139 a 147).
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O Ministério Público emitiu douto parecer de fls. 159/160, pronunciando-se, a final, no sentido de ser dado provimento ao recurso.
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II - Os Factos

Na sentença proferida na 1.ª instância foram dados como provados, por acordo/não impugnação ao excepcionado, os seguintes factos:

1°) - No dia 2 de Fevereiro de 2009, cerca das 07.50 horas, na Avenida das Palmeiras, no concelho de Castelo Branco, ocorreu um acidente de viação que deu origem a participação de acidente, conforme doc. n.° l da p. i..

2º) - Esse acidente deu-se entre o veículo de matrícula 00-00-00, ligeiro de passageiros, propriedade de J…….., ora A., e conduzido por C……, e uma pedra, que se encontrava na via a cobrir um orifício de esgoto que não possuía a tampa própria para o efeito.

3º) - O local do acidente configura uma via composta por duas hemi-faixas de rodagem afectas a cada sentido de marcha.

4°) - O pavimento era de terra batida e encontrava-se em péssimo estado de conservação.

5°) - No dia e hora do acidente, era de dia.

6°) - A ré J……, S.A., encontrava-se aí a proceder a empreitada na via, obra adjudicada pelo Município de Castelo Branco.

7°) - A ré J….., S.A., havia vedado a via ao trânsito automóvel, através de baías de vedação colocadas no início e no final da obra, a toda a largura da rua e transversalmente, para impedir a circulação.

8°) - Mais colocou sinalização vertical, designadamente com sinais de proibição de trânsito proibido em ambos os sentidos.
(Cfr. fls. 86)
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A única questão a decidir consiste em saber se a factualidade alegada pela defesa, e considerada provada pelo Tribunal a quo, nos pontos 7º) e 8º) da matéria assente, pode ou não ser considerada admitida por “acordo/não impugnação”, ou se, pelo contrário, como pretende o recorrente, devia ter sido levada à Base Instrutória.
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O Tribunal a quo, decidiu-se pela absolvição da Instância dos Réus Município de Castelo Branco e A……, S.A., proferindo ainda decisão de mérito relativamente ao R. J……, S.A., no sentido da sua absolvição do pedido.

A fundamentação da sentença recorrida assentou, em síntese, no entendimento de que tendo-se provado que o réu J……, S.A., havia vedado a via ao trânsito automóvel, através de baías de vedação colocadas no início e no final da obra, a toda a largura da rua e transversalmente, para impedir a circulação, e que colocou sinalização vertical, designadamente com sinais de proibição de trânsito proibido em ambos os sentidos, não se verificava o requisito ilicitude, pois, a falta de sinalização do obstáculo não é ilícita quando toda a via já é obstáculo com sinalização que a dá, perante terceiros sem dependência de sinalização de específico motivo, como de trânsito proibido, intransitável.

O autor, ora recorrente, não se conforma com tal decisão, na parte em que o Tribunal a quo absolveu do pedido o réu J……, S.A, sustentando, em resumo, que a sentença recorrida deu como assente matéria que era carecida de prova, nomeadamente, a factualidade dada como assente nos pontos 7°) e 8°) da Matéria Assente, que deverá ser considerada como matéria controvertida, sob pena de violação do disposto nos artigos 342.º/2 e 346.º do CC, e, ainda, artigos 487.º, 488.º, 490.º/2, 493.º e 508.º e 513.º, todos do CPC.

No nosso ver, o recorrente tem razão.

Na matéria constante dos referidos pontos 7°) e 8°), da Matéria de Facto dada como provada pela sentença recorrida, “pelo seu acordo/não impugnação ao excepcionado”, refere-se que a ré havia vedado a via ao trânsito automóvel, através de baías de vedação colocadas no início e no final da obra, a toda a largura da rua e transversalmente para impedir a circulação e que colocou sinalização vertical, designadamente com sinais de proibição em ambos os sentidos.

Esta é matéria alegada na contestação, apresentada na sequência da expressa aceitação e impugnação de factos alegados pelo autor, sem que fosse especificada separadamente como excepção, nos termos do artigo 488.º do CPC, pelo que, no nosso ver, não deve integrar a defesa por excepção.

Como afirma o recorrente, a matéria em causa pode enquadrar-se em zona de fronteira entre a defesa por impugnação e a defesa por excepção, pelo que, em caso de dúvida, deveria levar-se à conta de defesa por impugnação, impondo o ónus da prova a quem a invoca, tanto mais que o réu não cumpriu o dever legal de a especificar como matéria de excepção, nos termos do artigo 488.º do CPC, como exigiriam os princípios da transparência, da boa-fé e da lealdade processual - Cfr. preâmbulo do DL 329-A/95, de 12/12.

Por outro lado, se os factos alegados pela defesa, apresentam-se em termos de contrariar os próprios factos alegados pelo autor, e não apenas de impedir o efeito jurídico que deles pudesse decorrer, de tal modo que, no seu conjunto a petição já contraria a tese da defesa - nomeadamente quando no artigo 12.º PI o autor afirma que “… no local onde se encontrava a pedra … não existia qualquer tipo de sinalização a avisar os condutores que passassem naquela zona do perigo existente.” -, temos de concluir, no caso concreto, que os factos alegados pela defesa não podem dar-se como admitidos por acordo, e que, portanto, a defesa limitou-se a impugnar, embora motivadamente, a tese do autor, e não apresentou matéria de excepção.

Pelo que, o Tribunal a quo ao não ter levado a uma base instrutória a matéria de facto que plasmou naqueles pontos 7º) e 8º), levada aos autos pelo Réu, controvertida e indubitavelmente relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de Direito, violou os preceitos legais invocados pelo recorrente bem como o artigo 511.º/1 do CPC, nos termos do qual, deve ser levada à base instrutória questões que, possam ter interesse para a correcta decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida.

Existindo matéria controvertida nos autos, como se refere na conclusão 22ª, das alegações jurisdicionais, deveria ter sido elaborada base instrutória e fixados os factos assentes para que se procedesse à instrução dos autos.

Tendo, entretanto, entrado em vigor, o CPC/2013, mostrando-se revogado o anterior artº 511º, sobre a epígrafe “Selecção da matéria de facto”, dar-se-á cumprimento ao disposto no actual artº 597º, als, e), f) e g) do CPC, atento o valor da acção.

Razões pelas quais vai revogada a sentença recorrida, não sendo caso de aplicação do disposto no revogado artº 712º, nº 4 do CPC, por ter ocorrido erro de julgamento sobre a matéria de facto, prosseguindo os autos na 1ª instância para os efeitos referidos.
* * *

V – DECISÃO
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Pelo exposto, acordam em julgar procedente o recurso jurisdicional, em revogar a sentença recorrida e em ordenar o prosseguimento dos autos no TAF recorrido.

Custas pelo recorrido.

Notifique.

Lisboa, 23/10/2014


Carlos Araújo


Rui Pereira


Esperança Mealha