Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07348/11
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/31/2018
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:INDEMNIZAÇÃO POR RESCISÃO CONTRATUAL DO EMPREITEIRO
ADIAMENTO DO INICIO DOS TRABALHOS
SUSPENSÃO DOS TRABALHOS
Sumário:I. Não chegando a iniciar-se os trabalhos da empreitada de obra pública, não tendo a empreiteira chegado a montar o estaleiro da obra no local, os adiamentos requeridos pela empreiteira para dar início aos trabalhos da empreitada e autorizados pelo dono da obra enquadram-se no artigo 162.º do D.L. n.º 59/99, de 02/03 e não no regime da suspensão dos trabalhos, previsto no artigo 185.º e segs. do citado regime legal.

II. Embora as partes tenham enquadrado tais adiamentos do início dos trabalhos da empreitada no regime da suspensão dos trabalhos, previsto no artigo 185.º e segs. do D.L. n.º 59/99, de 02/03, não podem ser retirados efeitos jurídicos de normas jurídicas que não disciplinam a matéria, dependendo a determinação do regime legal do preenchimento do âmbito normativo de aplicação, para o qual a vontade das partes é irrelevante, por estar em causa um regime vinculado

III. O regime da suspensão de trabalhos, previsto no artigo 185.º e segs. do D.L. n.º 59/99, de 02/03 tem por pressuposto que esses trabalhos se iniciaram ou estavam em curso, mas que por razões imputáveis ao dono da obra ou ao empreiteiro, se justifica a sua suspensão, sem que se possa suspender o que nunca teve início.

IV. Não se pode extrair da omissão da data da suspensão dos trabalhos no primeiro “Auto de Suspensão de Trabalhos”, a consequência jurídica prevista no artigo 188.º do D.L. n.º 59/99, de 02/03, pois não só esse regime não é o aplicável à situação jurídica, como depois desse auto vieram a ocorrer outros adiamentos do início dos trabalhos, requeridos pela empreiteira e autorizados pelo dono de obra, que determinaram a elisão da presunção de que o dono de obra quis a suspensão dos trabalhos por tempo indeterminado e, consequentemente, que quis rescindir o contrato por sua conveniência, naquele momento.

V. Acresce a vontade manifestada em deliberação camarária retificativa posterior, na fixação de um prazo para a suspensão, que se traduz na prática de um ato jurídico relevante para efeitos de afastar a presunção legal prevista no citado artigo 188.º.

VI. Pretendendo a empreiteira rescindir o contrato de empreitada com fundamento na falta de condições para dar início aos trabalhos, impunha-se que procedesse à demonstração dos factos que a empreitada não fosse possível executar ou que não fosse possível executar em condições de segurança, tal como definida no procedimento do concurso e no contrato de empreitada.

VII. Tendo sido ordenado pelo dono da obra, após vários adiamentos, o início dos trabalhos da empreitada, é insuficiente a invocação de um perigo abstacto como fundamento para a recusa do cumprimento dessa ordem, pois apenas mediante um risco real ou concreto e não meramente eventual ou hipotético, se poderia justificar a conduta contratual da empreiteira em recusar-se a dar início aos trabalhos de execução da empreitada.

VIII. Não se provando os incumprimentos contratuais por parte do dono da obra, não existe fundamento para a rescisão contratual pela empreiteira.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

T................... – Construções, SA, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, ação administrativa comum, sob forma ordinária, contra o Município de Olhão, na qual pediu a sua condenação no pagamento da quantia de € 293.876,90, correspondente a 10% do valor do contrato rescindido pela Autora, acrescida da verba computada a título de juros de mora.

Por saneador-sentença daquele Tribunal datado de 30/08/2010, a ação foi julgada totalmente improcedente e o Réu absolvido do pedido.

Inconformada a aqui Recorrente apelou para este Tribunal Central Administrativo, tendo terminado as suas alegações (cfr. fls. 351 – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), com as seguintes conclusões, que infra se reproduzem:

1. Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou totalmente improcedente a acção administrativa comum sob a forma ordinária, e absolveu o Recorrido do pagamento da verba de € 293.876,90, correspondente a 10% do valor do contrato rescindido pela Recorrente, acrescida da verba computada a título de juros de mora, e declarou ilícito o exercício do direito de rescisão desse contrato pela Recorrente;

2. Salvo o devido respeito, a Sentença recorrida aplicou erradamente aos factos provados, o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 162º do RJEOP, aos quais se deve aplicar o regime estabelecido nos artigos 186º, n.º 1, 188º, alínea b) do n.º 2 do artigo 189º, artigo 234º e 238º, todos do RJEOP;

3. O Tribunal a quo entendeu erradamente que a suspensão dos trabalhos foi uma suspensão consentida ou autorizada pelo Recorrido nos termos do artigo 162º, n.º 2, do RJEOP;

4. Porém, esta norma legal não prevê qualquer suspensão dos trabalhos. Prevê, sim, um adiamento (ou antecipação) da data de início dos trabalhos, ditada por factos relacionados com o próprio empreiteiro, que terá de justificar perante o dono da obra quais as razões que o impedem de cumprir o prazo fixado no respectivo plano;

5. A suspensão dos trabalhos configura uma situação de suspensão da execução do contrato, e pode ser determinada por factos de terceiros, casos de força maior, ou factos do dono da obra (por exemplo, por mora do dono da obra na entrega ou disponibilização de meios ou bens necessários à respectiva execução), recomeçando a sua execução logo que cessem essas causas;

6. Sendo distinto o regime jurídico aplicável àquele adiamento (ou antecipação) é distinto do regime fixado no Capitulo VII, Título IV, do RJEOP, para a suspensão dos trabalhos;

7. Se o âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 162º do RJEOP não fosse circunscrito às situações supra descritas, o empreiteiro nunca poderia suspender a execução dos trabalhos ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 185º ou do artigo 163º do RJEOP, caso verificasse, no momento em que se prepara para iniciar a execução dos trabalhos, a existência de obstáculos à sua actividade por factos de terceiros ou do próprio dono da obra. Nem o dono da obra poderia nessa fase inicial, ordenar a suspensão dos trabalhos se se verificassem essas circunstâncias, só porque o empreiteiro ainda não tinha dado início aos trabalhos;

8. Ora, o RJEOP não estabelece estas limitações, e permite que mesmo nesta fase inicial, em que os trabalhos ainda não se iniciaram, seja decretada a suspensão dos trabalhos se se verificarem os motivos previstos no Capitulo VII, Título IV, do RJEOP;

9. Entende a Recorrente, que o Recorrido decretou uma suspensão dos trabalhos ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 186º do RJEOP;

10. De facto, ficou provado que o Recorrido aceitou as reservas apresentadas na Consignação da obra, tendo lavrado um documento que denominou de “Auto de suspensão dos trabalhos”, formalidade que não teria de cumprir de tivesse agido ao abrigo do disposto no artigo 162º do RJEOP;

11. Nesse auto está expressamente declarado que o mesmo foi lavrado em cumprimento do disposto nos artigos 185º a 188º do RJEOP (vide documento n.º 3 da PI), normas legais que integram o Capitulo VII, do Titulo IV, desse diploma legal, sob a epígrafe “Suspensão dos trabalhos”;

12. Por conseguinte, não podem restar dúvidas acerca da vontade manifestada pelo Recorrido de suspender os trabalhos até serem resolvidas as questões levantadas pela Recorrente no Auto de Consignação, e não de “consentir que os trabalhos sejam iniciados em data posterior àquela que está fixada no plano de trabalhos”, conforme previsão do disposto no artigo 162º do RJEOP;

13. As declarações das partes, expressas nos diversos documentos juntos aos autos à margem identificados, e a sua prática até à data da rescisão do contrato, apontam de forma clara e inequívoca para a suspensão dos trabalhos, ao abrigo do disposto nos artigos 185º a 194º do RJEOP;

14. Foi este o regime que o Recorrido comunicou à Recorrida logo em 8 de Março de 2005 que iria ser aplicado, e foi com base nesse regime que as partes agiram:

15. No que respeita à causa da suspensão dos trabalhos logo em 8 de Março de 2005, ficou provado que a decisão do Recorrido suspender os trabalhos teve por fundamento factos que não são imputáveis a qualquer acção ou omissão da Recorrente, mas sim a omissões do Recorrido que se preparava para entregar à Recorrente os locais de execução dos trabalhos da empreitada, sem estarem reunidas as condições mínimas para que os trabalhos se pudessem iniciar e que, consequentemente, impediam a sua execução;

16. Por conseguinte, a causa da suspensão não dizia respeito a factos relacionados com o empreiteiro, que o impediam de iniciar os trabalhos na data fixada, e que poderiam justificar um pedido para adiamento dos trabalhos dirigido ao dono da obra, situação a que se reporta do n.º 2 do artigo 162º do RJEOP;

17. Dizia, antes, respeito a factos imputáveis ao Recorrido, que não realizou os trabalhos necessários para se iniciarem os trabalhos e que objectivamente impediam a sua execução;

18. Ficou, ainda, provado, que do primeiro “Auto de suspensão de trabalhos” elaborado pelo Recorrido não constava o prazo da suspensão dos trabalhos e que o Recorrido tentou “emendar a mão'”, elaborando um novo documento denominado “Auto de suspensão de trabalhos”, que enviou à Recorrente por ofício datado de 15 de Abril de 2005, em tudo igual ao primeiro, com excepção do prazo da suspensão, agora limitado a 30 de Abril de 2005;

19. Nesse primeiro “Auto” o Recorrido declarou que “Esta decisão foi ratificada em Reunião de Câmara realizada aos dezasseis dias do mês de Março de dois mil e cinco”, e no segundo “Auto” declarar que “A suspensão dos trabalhos foi aprovada por despacho do Sr. Presidente, datado de sete de Março, que vai ser ratificada (...) na próxima reunião de Câmara a realizar em dezasseis de Março de dois mil e cinco.”.

20. Este facto mostra que é errada a conclusão a que chegou o Tribunal a quo, segundo a qual, “o dono da obra autorizou implicitamente o adiamento do inicio dos trabalhos, primeiro, sem tempo determinado e até se removerem os obstáculos, e depois, acordou em suspender os trabalhos até 30 de Abril (...)”;

21. Como resulta destes documentos, o Recorrido não autorizou “implicitamente” o adiamento do início dos trabalhos, primeiro sem tempo determinado e depois até 30 de Abril: o Recorrido quis suspender (e suspendeu) os trabalhos até serem removidos os obstáculos que impediam a execução da obra, e quando se apercebeu que não tinha fixado prazo para a suspensão procurou evitar a consequência fixada no artigo 188º do RJEOP;

22. Como resulta da matéria de facto dada como provada e exposta supra, estão preenchidos os requisitos estabelecidos no artigo 188º do RJEOP, para que a rescisão do contrato de empreitada celebrado entre a Recorrente e o Recorrido tenha operado os seus efeitos com a notificação do primeiro “Auto de suspensão dos trabalhos” elaborado pelo Recorrido;

23. Estamos perante uma presunção júris et jure, devendo o contrato considerar-se rescindido por conveniência do dono da obra, com a notificação ao empreiteiro do auto de suspensão dos trabalhos;

24. Em consequência, a Recorrente tem direito a ser indemnizada nos termos previstos no n.º 2 do artigo 234º do RJEOP;

25. Admitindo, no entanto, e por mera hipótese académica e dever de patrocínio, que estamos perante um presunção júris tantum, elidível pelo Recorrido, a verdade é que ficou provado que os trabalhos estiveram suspensos por um período de tempo superior a um décimo do prazo estabelecido para a execução, que era de 360 dias (cfr. ponto 2 dos Factos Provados), e que essa suspensão se ficou a dever a factos que não eram imputáveis à Recorrente:

26. Assim, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 189º do RJEOP, a Recorrente tinha o direito de rescindir o contrato de empreitada;

27. Esta norma é muito clara ao conferir ao empreiteiro o direito de rescindir o contrato quer nos casos em que a suspensão seja determinada por ordem do dono da obra ao abrigo do artigo 186º do RJEOP, quer nos casos em que a suspensão seja declarada pelo empreiteiro ao abrigo do artigo 185º do mesmo diploma legal, ou acordada entre as partes (empreiteiro e dono da obra);

28. Mais, ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo, o direito do empreiteiro rescindir o contrato pelo empreiteiro também não está dependente da efectiva execução dos trabalhos, podendo mesmo surgir antes do início da sua execução material;

29. Nem obsta ao exercício do direito do empreiteiro, o facto de o dono da obra ter previamente comunicado a sua intenção de rescindir o contrato;

30. Além do motivo estabelecido na alínea b) do n.º 2 do artigo 189º do RJEOP, o direito de rescisão da Recorrente funda-se, ainda, no facto de, mesmo depois de terem sido removidos do local da obra alguns dos obstáculos existentes na data da consignação, a execução do contrato pretendida pelo Recorrido - sem contenção periférica - tornarem tal objecto ilícito por violação de regras legais imperativas em matéria de segurança;

31. Face à prova produzida que consta dos autos, resulta claro que a informação geotécnica constante das peças do concurso era insuficiente para caracterizar os solos do local onde a obra de construção do Auditório Municipal deveria ser executada;

32. Além disso, ficou também provado ser necessário realizar trabalhos de contenção periférica para garantir as condições de segurança e exequibilidade da obra, cujo projecto nunca chegou a ser elaborado pelo Recorrido;

33. Recaía sobre o Recorrido a obrigação de definir as características geotécnicas do local de implantação do Auditório e de elaborar o projecto construtivo para a contenção periférica, como resulta do disposto nos artigos 62º, n.º 1, 63º, nºs 1, 2 e 3, e artigo 163º, n.º 1, todos do RJEOP, obrigação que este incumpriu, ordenando à Recorrente a execução de trabalhos sem esses elementos essenciais;

34. Por outro lado, resulta do disposto nos artigos 4º, 5º e 6º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, que o dono da obra está obrigado a elaborar durante a fase de elaboração do projecto, um plano de segurança e saúde, capaz de garantir a segurança e proteger a saúde de todos os intervenientes na obra;

35. Impõe, ainda, a lei ao empreiteiro a obrigação de “a) Avaliar os riscos associados à execução da obra e definir as medidas de prevenção adequadas e, se o plano de segurança e saúde for obrigatório nos termos do n.º 4 do artigo 5º, propor ao dono da obra o desenvolvimento e as adaptações do mesmo;” (alínea a) do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro), sancionando a violação desta obrigação como uma contra-ordenação muito grave (alínea c) do n.º 3 do artigo 25º do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro);

36. O Tribunal a quo, porém, ignorou totalmente este acerco factual e legal, limitando-se a afirmar relativamente à construção das fundações (ponto V - 2.2. da Sentença) que “(...) um hipotético perigo por uma hipotética falta de trabalhos de contenção periférica, não é suficiente para justificar a rescisão do contrato pelo empreiteiro”, o que se impugna;

37. Quando o que está em causa é a uma violação grosseira de normas técnicas e de segurança por parte do Recorrido, que colocaria a Recorrente em grave responsabilidade profissional, caso obedecesse, na sua plenitude, às ordens do Recorrido;

38. A violação destas normas criaria uma situação de perigo em abstracto, que não podia deixar de ser considerada e sancionada pelo Tribunal a quo, e tornaria ilícita a execução do contrato nos termos pretendidos pelo Recorrido, por violação das citadas normas legais;

39. Estes incumprimentos por parte do Recorrido constituem fundamento para rescisão do contrato de empreitada pela Recorrente e tomam ilegal a ordem que lhe foi dada pelo Recorrido em 23 de Junho de 2005, para dar início à execução dos trabalhos da empreitada (crf ponto 16 dos Factos Provados);

40. De acordo com a Sentença ora em crise, a Recorrente não podia responder com a rescisão do contrato de empreitada à intimação do Recorrido de 23 de Junho de 2005, que lhe ordenava o início aos trabalhos sob a cominação de rescisão do contrato, porque a lei não o permite.

41. A verdade, contudo, é que a lei não o impede;

42. O que o n.º 1 do artigo 238º do RJEOP exige é que o exercício desse direito corresponda a um dos casos em que a lei reconheça ao empreiteiro o direito de rescindir o contrato de empreitada. E no caso dos autos, já foram identificadas as normas legais que conferiam à Recorrente esse direito;

43. Só quando recebeu a comunicação de 23 de Junho de 2005, identificada no ponto 16 dos Factos Provados é que a Recorrente ficou na posse de uma posição definitiva desta entidade quanto a todas as questões suscitadas na suspensão dos trabalhos e só a partir desse momento ficou a Recorrente plenamente investida no direito de rescindir o contrato de empreitada e por isso avançou com o respectivo processo, comunicando essa sua intenção ao Recorrido;

44. Entendeu o Tribunal a quo que o Recorrido rescindiu o contrato de empreitada que celebrou com a Recorrente, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 162º do RJEOP, depois de a ter intimado em 23 de Junho de 2005 a dar inicio aos trabalhos;

45. Esta ordem é ilegal e não pode fundamentar a rescisão do contrato por parte do Recorrido;

46. Na realidade, o Recorrido quando percebeu que existir uma gravíssima e grosseira falha o projecto tentou intimidá-lo para que fosse ele a executar os necessários trabalhos de contenção periférica, sem remuneração adicional, e já depois de ter recebido a comunicação de rescisão da Recorrente, optou por não responder a essa comunicação (incumprindo o prazo estabelecido no n.º 3 do artigo 238º do RJEOP) tomando a iniciativa de rescindir o contrato;

47. Não estando provado qualquer incumprimento pela Recorrente de obrigações legais ou contratuais a que estivesse sujeita, e sendo ilegal a ordem de 23 de Junho de 2005, a rescisão operada pelo Recorrido terá de se qualificar como uma rescisão por conveniência do dono da obra, nos termos do disposto no artigo 234º do RJEOP, com as consequências previstas no seu n.º 1 e 2, ou seja, constituindo-o na obrigação de indemnizar a Recorrente nos termos constantes da PI.”.

Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida e que seja substituída por outra que declare e confirme a regularidade do exercício lícito do direito de rescisão da Autora, tanto por ter estado a execução da obra suspensa por um período superior a um décimo do prazo de execução do contrato, como pelo facto de a perigosidade do objeto e dos termos de execução pretendida do objeto e dos termos de execução pretendida do contrato, sem os trabalhos de contenção periférica tornarem tal objeto ilícito, condenando-se o Recorrido ao pagamento da verba de € 293.876,90, acrescida de juros.


*

O Recorrido, Município de Olhão não contra-alegou, nada tendo dito ou requerido.

*

O Ministério Público neste Tribunal de recurso, notificado nos termos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.

*

O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento quanto à aplicação dos artigos 162.º, n.ºs 2 e 3, 186.º, 188.º, n.º 1, 189.º, n.º 2, al. a), 234.º e 238.º, todos do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP), aprovado pelo D.L. n.º 59/99, de 02/03.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

“1. A T................... celebrou a 3 de Fevereiro de 2005, com o Município de Olhão, através da sua Câmara Municipal, o Contrato de Empreitada de Obra Pública destinado a construir o Auditório Municipal de Olhão - Documento n° 1 junto com a p.i.

2. O valor da empreitada (por série de preços), foi de € 2 938 769,80 acrescido de IVA e o prazo de execução de 360 dias a contar da data da consignação – cláusulas primeira, segunda e quarta do Contrato (doc. nº 1)

3. Pela Garantia nº 315 735, o Banco ………., S.A. declarou à entidade demandada oferecer todas as garantias bancárias no valor de € 146 938,49, em nome e a pedido da Autora – Garantia no processo instrutor.

4. Em 7 de Março de 2005 foi efectuada a Consignação da obra, tendo sido feitas as seguintes reservas ao auto de consignação:

“1: No local de implantação da obra encontram-se depositados diversos veículos automóveis e motociclos, vário mobiliário urbano, rolos de cabos eléctricos, rolos de malhasol, rolos de rede de vedação, rolos de rede sintética, câmara frigorifica, caixotes de recolha de lixo, paletas com soalho, equipamentos de jardim de infância, etc., que é necessário retirar para dar início aos trabalhos de demolição e escavação;

2: A iluminação interior do pavilhão municipal existente está activada pelo que carece de ser desligada e desmontada, assim como a iluminação exterior da via pública que está fixada nas paredes a demolir;

3: Falta de cadastro das infra-estruturas existentes na zona a intervir;

4: Desconhecimento das fundações da chaminé existente e das fundações e elementos estruturais dos edifícios adjacentes;

5: Está a decorrer sondagens geotécnicas complementares às apresentadas a concurso por forma a validar a solução preconizada em projecto para a fundação” - doc. nº 2 junto com a p.i.

5. Por considerar não existirem condições para dar início aos trabalhos de demolição e escavação previstos em projecto, o empreiteiro solicitou a suspensão dos mesmos até estas estarem reunidas – doc. nº 2 junto com a p.i.

6. Pelo representante do Município de Olhão foi dito que aceitava as reservas apresentadas pelo empreiteiro e que iria propor superiormente a suspensão da obra até que fossem criadas as condições indispensáveis para se iniciar os trabalhos – idem

7. Foi lavrado “Auto de Suspensão de Trabalhos”, com data de 8 de Março de 2005, onde consta o seguinte: “(…) tendo-se acordado suspender os trabalhos de empreitada até as questões referidas nos pontos anteriores estarem resolvidas. Esta decisão foi ratificada em Reunião de Câmara realizada aos dezasseis dias do mês de Março de dois mil e cinco. (…)” – Doc. nº 3 junto com a p.i.

8. Em 15/04/2005, a Câmara Municipal de Olhão enviou à T................... um novo Auto de Suspensão de Trabalhos, em substituição do anterior, onde consta: “(…) Assim, foi acordado suspender os trabalhos até ao dia 30 de Abril do corrente ano. A suspensão dos trabalhos foi aprovada por despacho do Sr. Presidente, datado de sete de Março que vai ser ratificada, nos termos do nº 3 do artº 68º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro na redacção dada pela lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro, na próxima reunião de Câmara a realizar em 16 de Março de 2005 (…) – Doc. nº 4.

9. Tal Auto de Suspensão não foi assinado pelo representante da Autora – idem.

10. A CMO removeu os detritos e resolveu os demais problemas que motivaram a suspensão na data da consignação, subsistindo apenas, pela parte da empreiteira, o processo de construção das fundações – facto admitido e resulta do doc. nº 6, referido infra

11. Em 6 de Maio 2005, por carta com a referência 06/2005-AC, a Autora enviou à Câmara Municipal de Olhão a “Proposta de Alteração nº 2” que consistia na “Contenção Periférica e Estacaria e Cronograma de Trabalhos apenso”, no valor total de € 696 194,93, a que se deduziram € 240 895,06 – Doc. nº 9.

12. Em 16 de Maio 2005, por carta com a referência 07/2005-AC, a Autora solicitou à Câmara Municipal de Olhão a suspensão dos trabalhos desde o dia 9 de Maio, com base no seguinte:

“(…) 1. O Empreiteiro, face ao solicitado pelo Coordenador de Segurança, apresentou uma proposta de alterações referente à desmontagem manual da cobertura em fibrocimento e seu cronograma de trabalhos. Pela análise do cronograma este trabalho iniciava em 9 de Maio e, até à data ainda não existe ordem de execução.

2. De acordo com o solicitado pelo Dono de Obra, o Empreiteiro apresentou uma proposta de alterações referente à contenção periférica para posterior análise do projectista e sua validação. Conforme cronograma anexo à proposta a execução destes trabalhos começa no início do mês de Junho.

À luz dos conhecimentos actuais, o Empreiteiro não dispõe de informação e elementos de ordem técnica para a atempada preparação de obra e sua execução sem interrupção do Cronograma de Trabalhos. (…)” – doc. nº 6

13. Por ofício de 3/06/2005 a CMO comunicou à Autora que, na reunião de 25 de Maio tinha sido autorizada a prorrogação do prazo de suspensão de trabalhos por mais trinta dias – Doc. nº 7.

14. A CMO submeteu a Proposta de Alteração referida em 11. à empresa PROGITAPE, a qual se pronunciou comunicando à CMO (dono da obra) que “ não via qualquer razão para a CMO aceitar a Proposta de Alteração de 6 de Maio 2005 que a empresa T................... pretende implementar”, mais se exprimindo no sentido de que “a empreiteira iniciasse com a máxima urgência os trabalhos de acordo com o projecto em curso”, por ofício enviado em 8/06/2005 – doc. nº 10, anexo nº 7

15. Em 6/06/2005, a Autora comunicou à CMO, por fax, a “incapacidade do dono da obra em exercer as suas funções” e “manifestar-se contra o “procedimento irregular de renovação de suspensão (…)” – fax de 6/06/2005 no processo instrutor

16. Em 23/06/2005, a CMO comunicou à T................... “a sua intenção de declarar resolvido o contrato de empreitada que celebrou em 05/02/03 (…) caso a empresa não dê início aos trabalhos da empreitada no prazo máximo de 22 dias contados a partir da data em que esta deliberação forme caso resolvido, ou seja, a partir do termo do prazo que a T................... terá para sobre ele se pronunciar, prazo que se fixa em 11 dias (…)” – doc. nº 10, anexo nº 7

17. Em 27/06/2005 a T................... comunicou à CMO a “suspensão de trabalhos entre os dias 27 de Junho e 5 de Julho 2005”, imputando ao dono da obra a “omissão no projecto patenteado” (de estudo de contenção periférica) manifestando a sua “disponibilidade para tentar chegar a uma solução construtiva” – carta de 27/06/2005 no processo instrutor.

18. Em 7 de Julho de 2005, por carta com a referência 12/2004-VC a T................... apresentou o pedido de rescisão do contrato de empreitada, notificando a CMO da declaração de rescisão do CONTRATO DE EMPREITADA e CONSTRUÇÃO do AUDITÓRIO MUNICIPAL de OLHÃO, pelos motivos que aí constam – doc. nº 10, que aqui se dá como reproduzido

19. A fim de justificar essa Declaração Negocial de Rescisão do Contrato, a Autora fê-la acompanhar de vários documentos, entre eles um “Parecer Sobre a Metodologia Construtiva Relativa à Contenção e Escavação Periférica”, onde se concluía “não se encontrarem definidas as soluções estruturais e o faseamento construtivo a adoptar, nomeadamente, nas zonas em que a escavação necessita de ser de face vertical”; “não se encontrar definido o sistema de controlo do nível freático, quer para a fase provisória quer para a fase definitiva da obra”; “não terem sido avaliadas as consequências da escavação para as edificações envolventes”; “não ter sido definido qualquer plano de monitorização que permita avaliar os efeitos da escavação, nomeadamente, os que possam estar associados ao rebaixamento do nível freático” – Doc. nº 8 junto com o doc. nº 10

20. A CMO recebeu a declaração de rescisão da Autora em 8 de Julho de 2005 – doc. nº 11

21. Em 9/08/2005, (e na sequência do facto referido em 16), a CMO comunicou à Autora que, segundo o teor da deliberação camarária de 3/08/2005, (…) foi deliberado “converter a intenção em acto e declarar resolvido o contrato de empreitada, com efeitos a partir de 12 de Julho de 2005 (…)”, notificando-se o empreiteiro de que “tem o prazo de 15 dias para retirar do local quaisquer pertences seus que lá se encontrem” – doc. nº 12

22. A Autora nunca chegou a iniciar a obra dos autos, nem montou estaleiro no local – facto admitido e resulta dos autos e do processo instrutor.

23. A obra dos autos foi recolocada a concurso por anúncio publicado no DR III série nº 214 de 8/11/2005, com o preço base de € 3 125 000,00, com exclusão de IVA – doc. nº 14

24. No concurso dos presentes autos, o preço base tinha sido o de € 2 500 000,00, com exclusão de IVA – consta do processo instrutor

25. Um dos documentos do novo concurso foi um Estudo intitulado “ Prospecção Geotécnica do Local de Implantação do Auditório Municipal de Olhão, em Olhão”, da autoria de “ GEOCIVIL – Engenharia e Geologia, Ldª”, com sede em Faro - Doc. 18 e 20, estudo esse que a Autora tinha enviado à CMO por fax de 23/03/2005, aí constando como cliente a T..................., no processo instrutor

26. Em 23 de Fevereiro de 2005 realizou-se uma tentativa de conciliação no Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes (Ministério das Obras Públicas), e que se concluiu pela não conciliação – Auto de não conciliação, Doc. nº 22, que aqui se dá como reproduzido

Mais se provou:

27. Em 18 de Agosto 2005 a T................... interpôs neste tribunal um processo urgente (sob a epígrafe: Requerimento ao abrigo do nº 3 do artigo 238º do DL nº 59/99, de 2 de Março) pedindo ao tribunal que “notificasse o Município de Olhão para aceitar a rescisão do Contrato identificado, nos termos do nº 3 do artº 238º do DL nº 59/99, 2/03, com os fundamentos que a Autora oportuna e tempestivamente patenteou

28. Tal processo correu termos neste tribunal com o nº 415/05.8 BELLE, tendo sido a entidade demandada absolvida da instância, por ter sido “julgada procedente a excepção dilatória de falta de cumprimento da exigência legal do preceituado no artº 260º do DL 59/99, de 2/03” – processo nº 415/05.8 BELLE presente pela Secretaria.

29. Também correu neste Tribunal com o nº 539/06.4 BEBRG o processo de contencioso pré contratual, tendo sido Autora “T................... – Construções, S.A.” e Réu o Município de Olhão, em que a Autora impugnou o acto de adjudicação da empreitada “Construção do Auditório Municipal”, alegando a falta de pagamento pelo Réu do estudo que apresentou em concurso anterior denominado “Prospecção Geotécnica do Local de Implantação do Auditório Municipal de Olhão” e bem assim de não ter dado autorização ao Município para a utilização daquele estudo para o novo concurso – cf. facto nº 24 supra

30. Aí foi proferida Decisão que julgou improcedente a acção, absolvendo o R. dos pedidos, decisão esta confirmada pelo TCA Sul e transitada em 17/10/2007 – sentença junta pela Secretaria, nos autos.”.

DE DIREITO

Considerada a factualidade fixada, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

Erro de julgamento quanto à aplicação dos artigos 162.º, n.ºs 2 e 3, 186.º, 188.º, n.º 1, 189.º, n.º 2, al. a), 234.º e 238.º, todos do RJEOP

Vem a Recorrente a juízo insurgir-se contra o saneador-sentença, ora recorrido, que conheceu do mérito do pedido, julgando a ação improcedente, em que pela Autora, ora Recorrente, é pedida a condenação do Município de Olhão ao pagamento da verba de € 293.876,90, correspondente a 10% do valor do contrato de empreitada rescindido pela Autora, mais pedindo que o Tribunal declare e confirme a regularidade da referida rescisão contratual.

Extrai-se dos autos que a Autora instaurou ação administrativa invocando que celebrou em 03/02/2005 contrato de empreitada de obra pública, com o Município de Olhão, referente à construção do Auditório Municipal de Olhão, mas que mal a obra foi consignada, foi logo suspensa, sem se perceber o motivo.

O prazo de execução da empreitada deveria ser de 360 dias, tendo a consignação sido efetuada a 07/03/2005 e a suspensão decretada no dia seguinte, sem que se indicasse o período da suspensão.

Não sendo indicado o período da suspensão, defende a Recorrente que se aplica o disposto no artigo 188.º do D.L. n.º 59/99, de 02/03, do qual se presume que o contrato foi rescindido por conveniência do dono da obra.

Sustenta a Recorrente que o Tribunal a quo entendeu erradamente que a suspensão dos trabalhos foi consentida ou autorizada pelo Recorrido, nos termos do artigo 162.º, n.º 2 do RJEOP, sem que essa norma preveja qualquer suspensão dos trabalhos.

Entende a Recorrente que o Recorrido decretou uma suspensão dos trabalhos ao abrigo do artigo 186.º, n.º 1 do RJEOP, não podendo haver dúvidas de que o Recorrido suspendeu os trabalhos até serem resolvidas as questões levantadas pela Recorrente no Auto de Consignação.

A suspensão dos trabalhos ocorreu ao abrigo dos artigos 185.º a 194.º do RJEOP e foi este o regime que a Recorrente comunicou ao Recorrido em 08/03/2005 que iria ser aplicado, sendo com base nesse regime que as partes agiram.

A suspensão dos trabalhos em 08/03/2005 teve por fundamento omissões do Recorrido que se preparava para entregar à Recorrente os locais de execução dos trabalhos da empreitada, sem estarem reunidas as condições mínimas para que os trabalhos pudessem iniciar, pelo que a causa da suspensão não diz respeito a factos relacionados com a Recorrente, mas antes com o Recorrido.

Defende a Recorrente que estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 188.º do RJEOP, para que a rescisão do contrato de empreitada tenha operado os seus efeitos com a notificação do primeiro “Auto de suspensão dos trabalhos”.

Alega que estamos perante uma presunção juris et jure, devendo o contrato considerar-se rescindido por conveniência do dono da obra, com a notificação ao empreiteiro do auto de suspensão dos trabalhos, com o consequente direito da Recorrente a ser indemnizada nos termos do artigo 234.º, n.º 2 do RJEOP.

No caso de se entender que a presunção é juris tantum, elidível pelo Recorrido, alega a Recorrente que ficou provado que os trabalhos ficaram suspensos por um período de tempo superior a um décimo do prazo estabelecido para a execução, que era de 360 dias, ficando a suspensão a dever-se a factos que não eram imputáveis à Recorrente, pelo que assistia à Recorrente o direito de rescindir o contrato de empreitada.

Ao abrigo dessa norma, o empreiteiro tem direito a rescindir o contrato, quer nos casos em que a suspensão seja determinada por ordem do dono da obra, à luz do artigo 186.º do RJEOP, quer quando a suspensão seja declarada pelo empreiteiro ao abrigo do artigo 185.º ou acordada entre as partes (empreiteiro e dono da obra).

Sustenta ainda a Recorrente que, ao contrário do decidido na sentença recorrida, o direito do empreiteiro rescindir o contrato não está dependente da efetiva execução dos trabalhos, podendo surgir antes do início da sua execução material, nem obsta ao exercício do direito do empreiteiro, o facto de o dono da obra ter previamente comunicado a sua intenção de rescindir o contrato.

Nos termos alegados no presente recurso, invoca a Recorrente que além do motivo previsto no artigo 189.º, n.º 2, b) do RJEOP, o direito de rescisão da Recorrente funda-se ainda no facto de, mesmo depois de terem sido removidos do local alguns dos obstáculos existentes na data da consignação, ser ilícita a execução do contrato por violação das regras legas em matéria de segurança, por a informação geotécnica das peças do concurso serem insuficientes para caracterizar os solos do local onde a obra se iria executar e ser necessário realizar trabalhos de contenção periférica para garantir as condições de segurança e exequibilidade da obra, cujo projeto não foi elaborado pelo dono da obra.

Alega que estes incumprimentos constituem fundamento para a rescisão do contrato de empreitada e tornam ilegal a ordem que lhe foi dada pelo Recorrido em 23/06/2005, para dar início à execução dos trabalhos da empreitada.

Além de que, segundo a Recorrente, a lei não a impede de reagir com a rescisão do contrato, à intimação do Recorrido de 23/06/2005 que lhe ordenava o início dos trabalhos, sob a cominação da rescisão do contrato, nos termos do artigo 238.º do RJEOP.

Apresentados os argumentos apresentados pela Recorrente, vejamos o que se extrai do probatório apurado nos autos, para com base nessa factualidade se proceder à interpretação e aplicação do Direito.

Com relevo, extrai-se da seleção da matéria de facto assente que Recorrente e Recorrido celebraram contrato de empreitada de obra pública e que em 07/03/2005 foi efetuada a consignação da obra (factos sob n.ºs 1 e 4).

No dia seguinte, em 08/03/2005 a ora Recorrente, na qualidade de empreiteira solicitou ao dono da obra a suspensão do início dos trabalhos, por falta de condições para lhes dar início, o que foi aceite pelo dono da obra, sendo nessa mesma data lavrado e subscrito por ambas as partes, “Auto de suspensão de trabalhos”, sob expressa invocação do regime previsto nos artigos 185.º a 188.º do D.L. n.º 59/99, de 02/03 (cfr. factos sob n.ºs 5, 6 e 7), mas sem nele se prever a duração da referida suspensão.

Em 15/04/2005 a Câmara Municipal de Olhão enviou à empreiteira, ora Recorrente, um novo “Auto de suspensão de trabalhos”, visando substituir o anterior, nele se prevendo a suspensão dos trabalhos até ao dia 30/04/2005, sendo invocado o disposto no artigo 187.º do D.L. n.º 59/99, de 02/03, Auto este que não foi assinado pelo representante da empreiteira, ora Recorrente (cfr. factos n.ºs 8 e 9 do probatório).

Tendo o dono da obra resolvido alguns dos problemas que motivaram a suspensão dos trabalhos, da parte da empreiteira subsistiu a questão relativa à construção das fundações ou da “contenção periférica”, conforme se extrai do facto sob n.º 10 do probatório.

Tal veio dar origem à elaboração pela empreiteira, ora Recorrente, de uma “proposta de alterações referente à contenção periférica e estancaria adaptada”, acompanhada do cronograma de trabalhos e do pedido de prorrogação do prazo para a execução do Plano de Trabalhos (cfr facto n.º 11).

Em consequência, em 16/05/2005, foi requerida a suspensão de trabalhos pela empreiteira e, em 03/06/2005. autorizada essa suspensão por mais 30 dias pelo dono da obra, nos termos demonstrados nos n.ºs 12 e 13.

Posteriormente, por ofício datado de 23/06/2005 e baseando-se no parecer da “Progitape”, datado de 08/06/2005 e no parecer jurídico emitidos, o dono da obra, ora Recorrido, comunicou à ora Recorrente que “não se justificava a proposta de alterações apresentada” pela empreiteira, por “o projeto posto a concurso ser exequível e que “a questão levantada pelo empreiteiro não impede que a obra se inicie e não constitui por isso motivo justificativo para subsistência da suspensão acordada no acto de consignação da obra, ou seja, para a continuação do adiamento do início dos trabalhos” (cfr. facto assente sob n.º 14 e respetivo anexo 7 do doc. 10).

Mais se extrai desse ofício que “Terminado o prazo de suspensão o empreiteiro fica obrigado ao início dos trabalhos sob pena de poder o dono da obra resolver o contrato, nos termos do n.º 3 do artigo 162.º do D.L. n.º 59/99 de 2 de Março. Em face do que precede é intenção da Câmara declarar resolvido o contrato de empreitada que celebrou em 05/02/03 (…) caso a empresa não dê início aos trabalhos de empreitada (…)”, vide facto sob n.ºs 14 e 16 dos factos assentes.

Depois de a empreiteira comunicar ao dono de obra, em 27/06/2005, a suspensão dos trabalhos e imputando ao dono de obra a omissão no projeto de estudo de contenção periférica, veio em 07/07/2005 a apresentar pedido de rescisão do contrato de empreitada junto do dono de obra, justificando-o por não estarem definidas as soluções estruturais e do faseamento construtivo a adotar referentes à contenção e escavação periférica, mais interpelando o dono de obra para os efeitos do disposto nos artigos 234.º e 238.º do D.L. n.º 59/99, de 02/03, nos termos dos factos sob n.ºs 17, 18 e 19 do probatório.

Por sua vez, o dono de obra, ora Recorrido comunicou à empreiteira, em 09/08/2005 que segundo a sua deliberação de 03/08/2005 resolveu o contrato de empreitada, com efeitos a 12/07/2005 (cfr. facto sob n.º 21).

Resulta ainda dos factos demonstrados que a empreiteira, ora Recorrente, nunca chegou a iniciar a obra, não tendo sequer chegado a montar estaleiro no local.

Em face de todo o exposto factual, analisado criteriosamente, extraído da leitura dos documentos que servem de comprovação aos factos selecionados na decisão recorrida, importa agora delimitar o Direito aplicável, enquadrando o litígio em presença nos normativos de Direito.

É possível compreender que, entre outras divergências entre as partes, a questão fundamental de direito controvertida no presente recurso, prende-se com a questão do enquadramento legal da situação factual apurada, se no regime previsto no artigo 185.º e segs. do D.L. n.º 59/99, de 02/03, como defende a Recorrente, ou se como decidido na sentença recorrida, a situação é antes subsumível ao disposto no artigo 162.º do citado regime jurídico de empreitadas de obras públicas.

De imediato se deve dizer a razão estar do lado do Recorrido, nos termos decididos na sentença recorrida, que procede a um correto julgamento de facto e de direito do litígio em presença.

Não obstante ter a Recorrente razão quando alega que as partes enquadraram a factualidade descrita nos autos, traduzida nas várias suspensões do início dos trabalhos da empreitada, no regime da suspensão dos trabalhos, previsto no artigo 185.º e segs. do D.L. n.º 59/99, de 02/03, esse enquadramento legal da situação factual não se afigura correto, não podendo ser retirados efeitos jurídicos de normas legais que não disciplinam a matéria, por não regularem a situação de falta de início da execução dos trabalhos da empreitada.

Como resultada salientado na matéria de facto e afirmado na sentença recorrida, os trabalhos da empreitada nunca se chegaram a iniciar e nem sequer logrou a empreiteira montar o estaleiro de obra, pela verificação de causas que determinaram a dilação ou o adiamento da data para o início da execução dos trabalhos da empreitada e não que tenha ocorrido a suspensão desses trabalhos.

Afigura-se relativamente evidente que não se pode suspender o que nunca teve início.

Isto mesmo se extrai, com mediana clareza, de todo o regime relativo à suspensão dos trabalhos, previsto no artigo 185.º e segs. do D.L. n.º 59/99, de 02/03, que tem por base o pressuposto que esses trabalhos se iniciaram ou estavam em curso, mas que por razões imputáveis ao dono da obra ou ao empreiteiro, motivam a sobredita suspensão.

Por isso, determina o disposto no artigo 192.º do RJEOP, quanto ao “Recomeço dos trabalhos”, que “Nos casos de suspensão temporária, os trabalhos serão recomeçados logo que cessem as causas que a determinaram, devendo para o efeito notificar-se por escrito o empreiteiro.”.

Por definição, qualquer “recomeço” exige ou tem por pressuposto que tenha existido um “começo”, o que não se verifica no caso trazido a juízo, por a execução dos trabalhos nunca se ter chegado a iniciar.

Por isso, independentemente do regime legal que as partes tenham invocado nas relações contratuais estabelecidas, tem aplicação ao caso o regime previsto no artigo 162.º do RJEOP e não no artigo 185.º e segs. do citado regime de empreitadas de obras públicas, aprovado pelo D.L. n.º 59/99, de 02/03.

Assim, não assiste razão à Recorrente quando sustenta que incorre a sentença recorrida em erro de julgamento ao entender que a suspensão do início dos trabalhos foi uma suspensão consentida ou autorizada pelo Recorrido, nos termos do artigo 162º, n.º 2, do RJEOP, não tendo fundamento a invocação de que o Recorrido decretou uma suspensão dos trabalhos ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 186º do RJEOP.

Atentando à matéria de facto fixada na sentença é possível retirar que depois do primeiro “Auto de Suspensão de Trabalhos”, posteriormente retificado quanto à data da suspensão dos trabalhos, a que se referem os factos assentes em 7 e 8, seguiram-se outras suspensões de trabalhos que mereceram o acordo das partes, como resulta dos factos sob n.ºs 12 e 13, entre outras suspensões ocorridas.

Por isso, não há dúvidas de que a dilação ocorrida quanto ao início dos trabalhos de execução da empreitada foi ocorrendo a pedido da empreiteira e com a anuência ou sob o acordo do dono de obra, nos termos do artigo 162º, n.º 2, do RJEOP, não tendo nunca os trabalhos se chegado a iniciar.

Como antes exposto, a vontade das partes quanto à indicação do regime legal aplicável ao adiamento do início dos trabalhos da empreitada, não é apta a alterar o enquadramento fáctico-normativo da situação jurídica controvertida.

Ou seja, a determinação da norma jurídica ao caso, depende do preenchimento do respetivo âmbito normativo de aplicação, sendo a vontade das partes irrelevante quanto à determinação do regime legal aplicável, por estar em causa um regime vinculado.

Acresce não ter a Recorrente razão ao pretender extrair da omissão da data da suspensão dos trabalhos no primeiro “Auto de Suspensão de Trabalhos” – depois retificado por deliberação camarária –, a consequência jurídica prevista no artigo 188.º do RJEOP, pois como exposto, não só esse regime não é o aplicável à situação jurídica, como mesmo que assim não fosse, depois desse auto vieram a ocorrer outros adiamentos do início dos trabalhos, requeridos pela empreiteira e autorizados pelo dono de obra, que determinaram a elisão da presunção de que o dono de obra quis a suspensão dos trabalhos por tempo indeterminado e, consequentemente, que quis rescindir o contrato por sua conveniência, naquele momento.

A vontade manifestada em deliberação camarária, na fixação de um prazo para a suspensão traduz-se na prática de um ato jurídico relevante para efeitos de afastar a presunção legal prevista no citado artigo 188.º do RJEOP.

Pelo que, também quanto a este ponto não assiste razão à Recorrente quanto à censura dirigida à sentença recorrida e, em consequência, nem ainda, quanto à invocação de que tem direito a ser indemnizada nos termos previstos no n.º 2 do artigo 234º do RJEOP, por faltarem os respetivos pressupostos legais para tanto.

No demais, embora os factos apurados em juízo demonstrem que assiste razão à Recorrente na parte em que alega que a causa do adiamento dos trabalhos ocorrida em 08/03/2005, não teve por fundamento factos que lhe sejam imputáveis, mas antes a omissões do Recorrido, por se preparar para entregar à Recorrente os locais de execução dos trabalhos da empreitada sem estarem reunidas as condições para que os trabalhos se pudessem iniciar, certo é que não lhe assiste razão quanto aos fundamentos do presente recurso jurisdicional, pois ficou também demonstrado que essa falta de condições para iniciar os trabalhos foi sendo corrigida pelo dono de obra, ora Recorrido.

Quanto à questão igualmente suscitada no presente recurso de que os trabalhos estiveram suspensos por um período de tempo superior a um décimo do prazo estabelecido para a execução, fixado em 360 dias, segundo o ponto 2 dos Factos Provados, e que essa suspensão se ficou a dever a factos que não eram imputáveis à Recorrente, assistindo-lhe assim, o direito de rescindir o contrato de empreitada nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 189º do RJEOP, importa dizer o seguinte.

Como anteriormente decidido, não tendo os trabalhos da empreitada logrado iniciar-se, o regime normativo aplicável não é o da suspensão dos trabalhos, segundo o artigo 185.º e segs. do RJEOP, mas antes o disposto no artigo 162.º, relativo ao adiamento do início dos trabalhos, pelo que, não está em causa a aplicação do disposto no artigo 186º do RJEOP.

Sem prejuízo, não logrou a Autora demonstrar quantos dias o início dos trabalhos ficou adiado para que o Tribunal possa decidir se foi ou não excedido o período de tempo superior a um décimo do prazo estabelecido para a execução, além de a Recorrente não distinguir o adiamento por causa imputável ao dono de obra e o adiamento por causa imputada à empreiteira (cfr. a este respeito o facto assente em 17).

Pelo que, também nesta parte não assiste razão à ora Recorrente.

No que concerne à alegação de que o direito da empreiteira a rescindir o contrato não está dependente da efetiva execução dos trabalhos, podendo surgir antes do início da sua execução material e que também não obsta ao exercício do direito da empreiteira, o facto de o dono da obra ter previamente comunicado a sua intenção de rescindir o contrato, deve relembrar-se a questão inicialmente decidida de o adiamento dos trabalhos de execução não se poder subsumir ao regime da suspensão dos trabalhos, previsto no artigo 185.º e segs. do RJEOP, carecendo de fundamento o alegado direito de rescisão da empreiteira, ora Recorrente, fundado na alínea b) do n.º 2 do artigo 189º do RJEOP.

Já quanto à questão de o direito de rescisão da Recorrente se fundar também no facto de, mesmo depois de terem sido removidos do local da obra alguns dos obstáculos existentes na data da consignação, a execução do contrato pretendida pelo Recorrido, sem a contenção periférica, tornar tal objeto ilícito por violação de regras legais imperativas em matéria de segurança, impõe-se dizer que não logrou ser feita prova em juízo de que a empreitada em questão não fosse possível executar ou sequer, não fosse possível executar em condições de segurança, sem a execução dos referidos trabalhos de contenção periférica, isto é, não fosse possível executar tal como definida no procedimento do concurso e no contrato de empreitada.

Ao contrário do que sustenta a Recorrente no presente recurso, da prova produzida em juízo não se extrai que a informação geotécnica constante das peças do concurso era insuficiente para caracterizar os solos do local onde a obra de construção deveria ser executada, sendo a Autora a parte onerada com a demonstração desse facto.

Do mesmo modo, não ficou demonstrado ser necessário realizar trabalhos de contenção periférica para garantir as condições de segurança e exequibilidade da obra.

O que a prova documental carreada para os autos atesta, é que existiu uma divergência entre o dono de obra e a empreiteira quanto à necessidade de realizar tais trabalhos de contenção periférica, os quais nunca foram autorizados realizar pelo dono de obra, assim como, uma divergência quanto à impossibilidade ou à falta de condições de segurança da execução da empreitada contratualizada sem a realização de tais trabalhos – vide a este respeito os factos assentes em 14 e 16.

Nestes termos, não tem razão a Recorrente ao alicerçar os fundamentos do recurso, em concreto, o erro de julgamento da sentença recorrida quanto ao direito à rescisão contratual fundado na impossibilidade em dar início à execução dos trabalhos, por essa matéria se afigurar controvertida, não tendo sido feita prova da impossibilidade da empreiteira em dar início aos trabalhos após a comunicação do dono de obra, a que se refere o facto 16 do probatório.

Incumbia à Autora proceder à demonstração dos factos constitutivos do seu direito, o que não logrou fazer.

Por esse motivo, carece de fundamento a alegação relativa à falta de elaboração de projeto para a realização dos trabalhos de contenção periférica, assim como, do plano de segurança e saúde, capaz de garantir a segurança e proteger a saúde de todos os intervenientes na obra.

Se em sede contratual cabia à empreiteira dar cumprimento ao plano de trabalhos tal como definido pelo dono de obra, assim como fazer a demonstração da necessidade da elaboração de um projeto de trabalhos de contenção periférica e da execução desses trabalhos, no âmbito da presente ação administrativa, pretendendo a Autora fundar o seu direito à indemnização, por rescisão contratual, na falta de condições indispensáveis ao início da execução dos trabalhos, impunha-se que procedesse à respetiva demonstração dos factos constitutivos do direito, por todos os meios de prova admissíveis em direito, se necessário fosse, através de prova pericial, o que não logrou fazer, não se podendo extrair tal factualidade do probatório apurado nos autos.

Neste sentido se compreende a fundamentação aduzida na sentença recorrida relativa ao “hipotético perigo por uma hipotética falta de trabalhos de contenção periférica, não é suficiente para justificar a rescisão do contrato pelo empreiteiro”, pois o que está em causa é a falta da prova dos factos relativos à necessidade imperiosa de realização dos trabalhos de contenção periférica e também a falta da prova da impossibilidade em dar início aos trabalhos da empreitada contratada, sem a execução prévia desses trabalhos de contenção.

Por isso, está longe de ficar demonstrado que a empreiteira não reunisse as condições técnicas e de segurança para poder iniciar os trabalhos de execução da empreitada quando lhe foi ordenado pelo dono da obra, pondo fim aos sucessivos adiamentos.

Além de que, nunca se poderá falar de um perigo abstacto, pois estando em causa a recusa do cumprimento de uma ordem dada pelo dono de obra em dar início aos trabalhos, apenas mediante um risco real ou concreto e não meramente eventual ou hipotético, se poderia justificar a conduta contratual da empreiteira, em permanecer sem dar início aos trabalhos de execução da empreitada, mesmo quando notificada para tanto.

Daí que, em face da prova produzida em juízo, seja de refutar que tenham existido incumprimentos contratuais por parte do Recorrido, que constituam fundamento para a rescisão do contrato de empreitada pela Recorrente ou que tornem ilegal a ordem dada pelo Recorrido em 23/06/2005, para dar início à execução dos trabalhos da empreitada (crf ponto 16 dos Factos Provados).

Assim, faltam os pressupostos em que a empreiteira, Autora, ora Recorrente, fundou a rescisão contratual, pelo que, em consequência, não enferma a sentença recorrida do erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação do Direito, não assistindo o direito à Autora de ser indemnizada nos termos peticionados em juízo.

Termos em que, serão de julgar totalmente improcedentes as conclusões do presente recurso.


*

Pelo exposto, será de julgar improcedente, por não provado o presente recurso.

*

Sumariando, nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. Não chegando a iniciar-se os trabalhos da empreitada de obra pública, não tendo a empreiteira chegado a montar o estaleiro da obra no local, os adiamentos requeridos pela empreiteira para dar início aos trabalhos da empreitada e autorizados pelo dono da obra enquadram-se no artigo 162.º do D.L. n.º 59/99, de 02/03 e não no regime da suspensão dos trabalhos, previsto no artigo 185.º e segs. do citado regime legal.

II. Embora as partes tenham enquadrado tais adiamentos do início dos trabalhos da empreitada no regime da suspensão dos trabalhos, previsto no artigo 185.º e segs. do D.L. n.º 59/99, de 02/03, não podem ser retirados efeitos jurídicos de normas jurídicas que não disciplinam a matéria, dependendo a determinação do regime legal do preenchimento do âmbito normativo de aplicação, para o qual a vontade das partes é irrelevante, por estar em causa um regime vinculado

III. O regime da suspensão de trabalhos, previsto no artigo 185.º e segs. do D.L. n.º 59/99, de 02/03 tem por pressuposto que esses trabalhos se iniciaram ou estavam em curso, mas que por razões imputáveis ao dono da obra ou ao empreiteiro, se justifica a sua suspensão, sem que se possa suspender o que nunca teve início.

IV. Não se pode extrair da omissão da data da suspensão dos trabalhos no primeiro “Auto de Suspensão de Trabalhos”, a consequência jurídica prevista no artigo 188.º do D.L. n.º 59/99, de 02/03, pois não só esse regime não é o aplicável à situação jurídica, como depois desse auto vieram a ocorrer outros adiamentos do início dos trabalhos, requeridos pela empreiteira e autorizados pelo dono de obra, que determinaram a elisão da presunção de que o dono de obra quis a suspensão dos trabalhos por tempo indeterminado e, consequentemente, que quis rescindir o contrato por sua conveniência, naquele momento.

V. Acresce a vontade manifestada em deliberação camarária retificativa posterior, na fixação de um prazo para a suspensão, que se traduz na prática de um ato jurídico relevante para efeitos de afastar a presunção legal prevista no citado artigo 188.º.

VI. Pretendendo a empreiteira rescindir o contrato de empreitada com fundamento na falta de condições para dar início aos trabalhos, impunha-se que procedesse à demonstração dos factos que a empreitada não fosse possível executar ou que não fosse possível executar em condições de segurança, tal como definida no procedimento do concurso e no contrato de empreitada.

VII. Tendo sido ordenado pelo dono da obra, após vários adiamentos, o início dos trabalhos da empreitada, é insuficiente a invocação de um perigo abstacto como fundamento para a recusa do cumprimento dessa ordem, pois apenas mediante um risco real ou concreto e não meramente eventual ou hipotético, se poderia justificar a conduta contratual da empreiteira em recusar-se a dar início aos trabalhos de execução da empreitada.

VIII. Não se provando os incumprimentos contratuais por parte do dono da obra, não existe fundamento para a rescisão contratual pela empreiteira.


*

Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e em manter a sentença recorrida, por não provados os seus fundamentos.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.


(Ana Celeste Carvalho - Relatora)

(Pedro Marchão Marques)

(Helena Canelas)