Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:684/04.0BELRA-A
Secção:CA
Data do Acordão:05/19/2022
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:MORA DO CREDOR
ABSOLVIÇÃO INSTÂNCIA EXECUTIVA
Sumário:
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

O Ministério Público, por legitimidade própria, e em representação do Executado, Estado Português, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Leiria, de 21.12.2021, no qual figura como Exequente, L...., que o condenou no pagamento da quantia de €20.000,00 (vinte mil euros), «através de transferência bancária para a conta identificada nos autos ou outro meio alternativo que o Executado entenda por conveniente» e em juros, à taxa de 5%/ano, contados desde o trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal de Administrativo, proferido no processo 684/04.0BELRA, assim como em custas.

Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões – cfr. fls. 98 e ss., ref. SITAF:

«(…)

1.ª
Tendo sido suscitado pelo MP nos autos, dúvidas consistentes sobre o pleno domínio pelo Exequente das suas faculdades em poder compreender e se determinar de acordo esse necessário entendimento, pois a coerência de pretender a entrega a terceiro de quantia que lhe era devida em exclusivo, com o único fundamento de não ter conta bancária, possuindo já 91 anos de idade;

Não admitindo o CPC que incapazes intervenham em processos judiciais, pois, nos termos do artº 15º do CPC, só podem intervir, por si, pessoas no pleno domínio da sua capacidade de exercício de direitos, e, não o possuindo, nos termos do nº 2 do artº 19º do mesmo diploma, a intervenção do maior acompanhado, quanto a actos sujeitos a autorização, fica subordinada à orientação do acompanhante, que prevalece em caso de divergência;

Impunha-se outra conclusão pelo Tribunal, ou seja, conceder na celeridade processual em primazia da regularidade dos pressupostos processuais, aguardando-se por tempo expectável decisão a tal respeito, ou, nomeando então um curador “ad-litem”, nos termos em que tal resultar do preceituado no artº 17º do CPC, mormente do seu nº 1.

Por outro lado, e agora quanto à materialidade relevante da decisão proferida, mostrando-se incontrovertido que a 30/11/2020, 20/05/2021 e 11/09/2021, sucessivamente, pretende apenas o Exequente que o valor que lhe é devido, seja todo ele depositado em conta de terceira pessoa, estranha à relação creditícia, e também sem título válido para a obtenção do crédito objecto destes autos;

E o pagamento a pessoa diversa do credor não extingue automaticamente a obrigação do devedor, conforme se infere do preceituado no artº 770º do CC.;

Estatuindo igualmente o artº 771º, também do Código Civil, que "O devedor não é obrigado a satisfazer a prestação ao representante do credor nem à pessoa por este autorizada a recebê-la, se não houver convenção nesse sentido.”

Não podia o Tribunal, em nosso modesto entendimento, ter determinado o Estado a efectuar o pagamento na conta pelo mesmo indicada nos autos, pertencente a titular estranho à relação creditícia.

Igualmente resultando ter transitado o douto Ac. do STA a 17/06/2019, e tendo o pagamento sido voluntariamente oferecido pelo Estado devedor, com claro pedido ao Exequente da documentação bancária para ver transferido o valor devido a 21/08/2019, ou seja, antes até do termo dos 30 dias procedimentais para cumprimento voluntário, o que ocorreu a 30 de Agosto de 2019;

Sendo que mesmo perante a falta de resposta a tal pedido, voltou o próprio Estado a ter a iniciativa em 20.12.2019, de pedir novamente os elementos para voluntariamente satisfazer o cumprimento, mostra-se o recurso à presente acção de cobrança coerciva instaurada em 19/06/2020, desde logo destituída do necessário pressuposto de interesse em agir, o que deveria ter conduzido à absolvição dos RR da instância (arts. 278º nº 1 al. e) e 576º nº 2, ambos do C.P.C.).
10º
Por outro lado, mostra-se igualmente em face de tal evidenciação, destituída de fundamento fáctico e jurídico a condenação a que foi sujeito o Estado de ter de efectuar o pagamento de juros compulsórios à taxa de 5%, pois nunca esteve em mora, nem nunca deixou de evidenciar vontade de cumprir voluntariamente, só estando em mora, como decorre do preceituado no art. 804.º, n.º 2 do C.Civil, o devedor quando por causa que lhe seja imputável a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.
12º
Extrai-se aliás com pertinência quanto à natureza conexa destes juros o referido pelo douto Ac. do TRP, proferido a 9/03/2021, no âmbito do p. 5432/12.9YYPRT.P1. é referido o seguinte:
“….por conseguinte, que a sanção pecuniária compulsória, cujo “fim não é (nem, atenta a sua natureza de “astreinte” (…), o poderia ser), o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência” (…), constitui “um meio intimidativo, de pressão sobre o devedor, em ordem a provocar o cumprimento da obrigação, assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito e o acatamento das decisões judiciais e reforçando-se, assim, o prestígio da justiça”
O que não é a situação em apreço nos autos.
13ª
Tudo pressuposto, é assim ilegal igualmente a condenação pelas custas processuais, em oposição ao disposto no artº 527º do CPC, pois, como se infere do mesmo, em matéria de custas foi mantido o princípio da causalidade, só podendo ser condenado a parte que lhes deu causa, isto é, quem pleiteia sem fundamento, quem carece de razão no pedido formulado, ou seja, quem exerce no processo uma actividade injustificada.
14ª
Nesta medida, nunca o Estado recusou o cumprimento voluntário da obrigação a quem ela era devida, antes tendo oferecido a sua satisfação previamente ao termo do prazo legal que tinha para o efeito, insistindo também voluntariamente em momento ulterior, pelo que a indevida instauração desta acção e a responsabilidade causal apenas podia ter sido imputado ao Exequente, e não ao Estado;
Motivo por que, deve o presente recurso ser julgado provido e procedente e, em consequência:
Alterada a decisão proferida, sendo substituída por outra que, mantendo a improcedência da acção, julgue verificadas todas as invalidades invocadas. (…)»

O Recorrido não contra-alegou.

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir

Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e sem prejuízo do disposto no art. 5.º, n,º 3, do CPC, ex vi art.s 1.º e 140.º do CPTA, as questões que cumpre conhecer são as seguintes:

i) do erro de julgamento de direito da decisão constante do despacho de 21.12.2021, que antecede a sentença recorrida, ao determinar o prosseguimento dos autos, sem ter retirado as devidas consequências da promoção do DMMP, onde havia suscitado «dúvidas consistentes sobre o pleno domínio pelo Exequente das suas faculdades em poder compreender e se determinar de acordo esse necessário entendimento, pois a coerência de pretender a entrega a terceiro de quantia que lhe era devida em exclusivo, com o único fundamento de não ter conta bancária, possuindo já 91 anos de idade» e requerido diligências;

ii) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter determinado o pagamento da quantia em causa fosse efetuado para a conta indicada nos autos – cfr. conclusões n.º 4 a 7;

iii) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter desconsiderado, designadamente, na condenação em juros e em custas, que o Recorrente, ali Executado, transitado que foi o ac. do STA a 17.06.2019, diligenciou, por duas vezes, o cumprimento voluntário, com claro pedido ao Exequente da documentação bancária para ver transferido o valor devido, a 21.08.2019, antes do termo dos 30 dias procedimentais para cumprimento voluntário, o que ocorreu a 30.08.2019 e ainda, com insistência a 20.12.2019, às quais nunca obteve resposta. Razão pela qual o Recorrente conclui que:

iii.1) o recurso à presente ação de cobrança coerciva instaurada em 19.06.2020, revela-se destituído do necessário pressuposto de interesse em agir, o que deveria ter conduzido à sua absolvição da presente instância executiva - cfr. art.s 278.º, n.º 1, alínea e) e 576.º, nº 2, ambos do CPC; e, bem assim,

iii.2) mostra-se igualmente destituída de fundamento fáctico e jurídico a condenação a que foi sujeito o Executado no pagamento de juros compulsórios à taxa de 5%, pois nunca esteve em mora, nem nunca deixou de evidenciar vontade de cumprir voluntariamente, só estando em mora, como decorre do preceituado no art. 804.º, n.º 2 do CC, o devedor quando por causa que lhe seja imputável a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido;

assim como, e pelos mesmos fundamentos,

iii.3) errou também o tribunal a quo na condenação em custas processuais, por violação do art.527.º do CPC – cfr. conclusões n.º 8 a 13.

II. Fundamentação

II.1. De Facto

A matéria de facto constante da sentença recorrida, é aqui transcrita ipsis verbis:
«(…)
1. Em 14.06.2018, no processo nº. 684/04.0BELRA, foi proferido Acórdão pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que condenou o Executado ao pagamento de uma indemnização no montante de €20.000,00 (vinte mil euros) por danos não patrimoniais causados pelo funcionamento anormal dos serviços de administração da justiça relativamente a processo nº. 14/C/1982.
2. Em 06.06.2019, o Supremo Tribunal Administrativo, negou provimento ao recurso de revista apresentado, e manteve o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, identificado em 1.
3. O Acórdão identificado em 2 foi notificado eletronicamente ao Exequente em 07.06.2019.
4. Em 21.08.2019, foi remetido e-mail pelo Executado ao Mandatário do Exequente, daí se extraindo que “(…) no âmbito do Proc. nº. 684/04.0BELRA, em que é Autor L...., para efeitos de pagamento da respetiva indemnização (…) solicito a V. Exa. se digne remeter-nos:
(cfr. documento nº. 2 junto com a oposição).
5. Em 20.12.2019, foi remetido novamente e-mail pelo Executado ao Mandatário do Exequente insistindo pela junção dos elementos em falta. (cfr. documento nº. 2 junto com a oposição).
6. O Exequente juntou aos autos o IBAN da conta da sua filha M...., aí afirmando que “o requerente tem 90 anos e há cerca de trinta anos que a referida sua filha o sustenta em alimentação, vestuário e renda da casa.”
Factos não provados:
Inexistem factos não provados com pertinência para a boa decisão da causa.
Motivação:
A decisão da matéria de facto provada baseou-se na análise crítica dos documentos juntos aos autos pelas partes, salientando-se o facto de não terem sido impugnados. Os factos dados como provados foram-no, ainda, com base do conhecimento “ex officio” do processo n.º 684/04.0BELRA da qual é titular a signatária.(…)»

II.2. De direito

Não obstante a ordem pela qual o Recorrente ordenou as questões que colocou em sede de conclusões de recurso, conhecer-se-á em primeiro lugar da última questão ali suscitada (cfr. alínea iii) supra), pois que precede, logicamente, as anteriores, em termos que melhor explicitaremos infra.

Vejamos então.

iii) Do erro de julgamento em que incorreu a sentença recorrida ao ter desconsiderado na condenação em juros e em custas, que o Recorrente, ali Executado, transitado que foi o ac. do STA a 17.06.2019, diligenciou, por duas vezes, pelo cumprimento voluntário, com claro pedido ao Exequente da documentação bancária para ver transferido o valor devido, a 21.08.2019, ainda antes do termo dos 30 dias procedimentais para cumprimento voluntário, que ocorreu a 30.08.2019, e com insistência a 20.12.2019, às quais nunca obteve resposta.

Da matéria de facto provada, resulta que, na verdade, assim foi, ou seja, que «4. Em 21.08.2019, foi remetido e-mail pelo Executado ao Mandatário do Exequente, daí se extraindo que “(…) no âmbito do Proc. nº. 684/04.0BELRA, em que é Autor L...., para efeitos de pagamento da respetiva indemnização (…) solicito a V. Exa. se digne remeter-nos: (cfr. documento nº. 2 junto com a oposição).» e que «5. Em 20.12.2019, foi remetido novamente e-mail pelo Executado ao Mandatário do Exequente insistindo pela junção dos elementos em falta. (cfr. documento nº. 2 junto com a oposição).» - cfr. factos nº 4 e 5 supra.

Resulta também da matéria de facto que o Exequente apenas veio indicar um número de identificação bancária já na pendência dos presentes autos de execução.

Razão pela qual alega o Recorrente que o recurso à presente ação executiva, instaurada que foi em 19.06.2020, se revela destituído do necessário pressuposto de interesse em agir, o que deveria ter conduzido à absolvição do R. da instância executiva - cfr. arts. 278.º, n.º 1, alínea e) e 576.º, nº 2, ambos do CPC, e com razão. Vejamos porquê.

Atentemos, pois, no discurso fundamentador da sentença recorrida quanto a este aspeto:

«(…) em sede de oposição veio o Executado afirmar que somente não procedeu ao pagamento da indemnização devida por falta de elementos necessários e que deveriam ser comunicados pelo Exequente.

Dos factos dados como provados, efetivamente, constata-se que foram solicitados elementos ao Exequente para que se procedesse ao pagamento.

A este respeito, o Exequente nada disse.»

Perante o que o tribunal a quo direciona o seu raciocínio para a aferição da existência de eventuais causas legítimas de inexecução, que, de facto, inexistem, mas não era essa a questão que se impunha aferir perante tais factos.

Na verdade, o Executado, ao vir dizer que quis pagar voluntariamente a quantia em dívida e que apenas não pagou porque o Exequente, ali e então, A. vencedor da ação declarativa, nunca respondeu aos seus pedidos de informação, dirigidos que foram ao seu mandatário, para o e-mail identificado nos autos – cfr. referência que consta dos documentos que suportam os factos n.º 4 e 5, supra transcritos, e o endereço disponibilizado pelo próprio nos requerimentos que apresenta nos autos, a saber – j……@adv.oa.pt - cfr., designadamente, último requerimento de 11.09.2021, a fls. 47, ref. SITAF.

Repare-se que o Exequente, através do seu mandatário, nada diz sobre se existiu algum motivo para não ter respondido, e quando se apresenta em juízo, com o requerimento executivo – cfr. fls. 1 e ss. do SITAF - o meio de pagamento que propõe é, precisamente, através de transferência para conta bancária, cujo titular não identifica, e que, apenas a instâncias do tribunal a quo – cfr. despacho de 09.11.2020, a fls. 34 dos autos - diz ser da filha do A./Exequente, aqui Recorrido.

Razão pela qual carece, para nós, de sentido, o assim aduzido na decisão recorrida «(…) relativamente aos dados bancários, não pode, o Executado ter a pretensão de ser esse o único meio de pagamento ao seu dispor para que pudesse executar a sentença. Aliás, a própria norma invocada pelo Executado, no seu nº. 1 contempla duas soluções distintas para a falta de prestação de provas, ou dar-se novamente cumprimento à notificação ou prescindir-se da prática do ato.(…)»

Ou seja, dos autos resulta, e ao contrário do que decidiu o tribunal a quo, que o aqui Executado Estado Português, diligenciou no sentido de proceder ao pagamento voluntário da quantia em dívida, diligências essas que se revelaram infrutíferas por culpa do credor, que não respondeu a qualquer um dos pedidos de elementos enviados, mesmo que, in casu, «o Exequente já se encontrava identificado nos autos que deram origem à obrigação do Executado, pelo que, in casu, não se vislumbra a essencialidade dos mesmos para que o fosse efetuado o pagamento.», pois que, se os elementos solicitados eram os devidos, se pecavam por excesso ou por defeito, tudo isso devia ter sido discutido e acertado em sede de cumprimento voluntário, e apenas em caso de recusa injustificada ou de exigências desproporcionais da parte do devedor, que aqui não se antecipam, é que o A. teria necessidade de recorrer aos tribunais para ver satisfeito seu direito.

Não tendo respondido, outra coisa não se pode concluir que não seja a de que o devedor, então R./Executado não pagou voluntariamente a quantia em divida, porque o A./Exequente/credor não quis que o pagamento se efetuasse voluntariamente, pois que, se não fosse assim, tinha dito algo, ou invocado qualquer justificação para não ter respondido às missivas do R./Executado/devedor, aqui Recorrente. Razão pela qual se alguma violação do dever de colaboração existiu, foi da parte do A./Exequente/credor e não do R./Executado/devedor.

Neste pressuposto, também, carece de sentido a condenação a que foi sujeito o Executado, aqui Recorrente, no pagamento de juros compulsórios, pois que este nunca esteve em mora, nem nunca deixou de evidenciar vontade de cumprir voluntariamente e, na verdade, quem se constituiu em mora foi o devedor, A./Exequente, ora Recorrido – cfr. disposições conjugadas dos art.s 804.º, n.º 2, a contrario, e 813.º, ambos do CC.

Razão pela qual, imperioso se torna revogar a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a ação executiva, pois que, não resultando dos autos que o R./Executado recusou o cumprimento voluntário da obrigação a quem ela era devida, antes pelo contrário, tendo resultado provado que manifestou intenção de pagar voluntariamente a dívida junto do credor, no prazo legal que tinha para o efeito, insistindo, inclusivamente, em momento ulterior, sem ter obtido qualquer reposta, a responsabilidade pela falta de pagamento oportuno e os custos que decorrem da instauração da ação executiva, apenas podem ser imputados ao Exequente, que, assim, recorreu a tribunal sem carecer de tutela jurisdicional.

Sobre o enquadramento da falta de interesse em agir, a jurisprudência dos tribunais superiores é consensual, no sentido que aqui se transcreve, por referência, a título de exemplo, ao acórdão do STA, de 16.12.2015, P. 01351/15 (1), no qual se sumariou que:

«(…) I. O «interesse em agir» constitui pressuposto processual, e traduz-se na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer seguir a acção;

II - A sua falta configura «excepção dilatória», e determina a absolvição da instância;

III - O «momento relevante» para aferir da sua ocorrência é o momento da dedução do respectivo pedido; (…)».

Neste pressuposto, imperioso se torna concluir que o Executado, ora Recorrente, deveria ter sido absolvido da instância, ao abrigo das disposições conjugadas dos art.s 278.º, n.º 1, alínea e) e 576.º, nº 2, ambos do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA, por falta de interesse em agir, na vertente de desnecessidade de tutela jurisdicional do Exequente, ora Recorrido, o que nesta sede se determina.

Revogada a sentença recorrida e conhecendo este tribunal de recurso da causa, em substituição, nos termos e com os fundamentos supra, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nas alíneas i) e ii) das conclusões de recurso, cfr. transcrição supra, por se revelar inútil.


Não obstante, importa realçar que, em cumprimento do despacho de 09.11.2020, a fls. 34, ref. SITAF, através do qual o tribunal a quo solicitou a junção de «documento identificativo da conta bancária para a qual deverá ser efetuado o pagamento da quantia exequenda, com expressa menção do titular e respetivo IBAN», o Exequente, através do seu mandatário, apenas veio dizer, aliás, repetidamente, o seguinte «(…) que não é titular de qualquer conta, e por isso indica o IBAN da conta de sua filha M...., já indicado no requerimento executivo, com o nº PT …. da Caixa Geral de Depósitos. (…)» - cfr. requerimentos de 30.11.2020, 20.05.2021 e de 11.09.2021, respetivamente a fls. 39, 44 e 47, ref. SITAF – não tendo sido junto aos autos qualquer documento bancário de identificação da conta e, bem assim, ao que parece, qualquer documento comprovativo de que, na verdade, M.... é filha do Exequente, pese embora invoque essa circunstância nos referidos requerimentos.

Acresce também que a procuração forense junta aos autos, datada de 2004, a instâncias deste tribunal ad quem – cfr. despacho de 28.04.2022 e resposta de 02.05.2022, a fls. 138 e 140 e ss., ref. SITAF - cujo original consta da ação declarativa, apenas concede poderes forenses gerais e não especiais pelo que a mera indicação nos autos, por parte do mandatário do Exequente, de uma conta bancária em nome de terceiro, que não o devedor, sempre seria insuficiente para que o mesmo liberasse o credor executado, face ao que resulta do art. 770.º do CC.

Por fim, também se considera prejudicado conhecimento da questão da averiguação de incapacidade do Exequente, ora Recorrido, perante a decisão da causa sem a respetiva e devida indagação, ou superação, através da nomeação de um curador ad-litem – cfr. disposições conjugadas dos art.s 15.º, 17.º e 19.º do CPC -, pois que a mesma foi suscitada face às dúvidas que o DMMP evidenciou na promoção respetiva, sobre o pleno domínio pelo Exequente das suas faculdades em poder compreender e se determinar de acordo esse necessário entendimento, questionando a coerência de pretender a entrega a terceiro de quantia que lhe era devida, com o único fundamento de não ter conta bancária, possuindo já 91 anos de idade, cuja relevância, perante a decisão de absolvição da instância do R./Executado Estado Português, aqui Recorrente, que agora se profere, deixou, assim, de se verificar.


III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, decidindo em substituição, absolver o Executado da instância.

Custas pelo Exequente.

Lisboa, 19.05.2022

Dora Lucas Neto (Relatora)

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira

(1) Disponível em www.dgsi.pt