Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07594/14
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:04/23/2015
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA/ CONCLUSÕES DA ALEGAÇÃO DE RECURSO
Sumário: I - De acordo com os artigos 615º, n.º 1, al. b) do CPC e 125º, nº1 do CPPT, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
II – Tal nulidade da sentença não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva.
III - As conclusões são uma formulação sintética da alegação de recurso, através das quais se indicam os fundamentos pelos quais se pede a alteração ou anulação da decisão recorrida (cfr. artigo 639º do CPC).
IV - No caso, a conclusão segundo a qual “quem consta como inquilino (cfr. o violado art. 7 do DL 64-A/2000), é desde 29.2.2002 o Recorrente” - não espelha, nem sintetiza, qualquer posição que tenha sido assumida em sede de alegações de recurso, pelo que a mesma é imprestável para os fins pretendidos de ataque à decisão.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

RELATÓRIO

Inconformados com a sentença proferida pelo TAF de Sintra que julgou improcedente a reclamação apresentada, ao abrigo do artigo 276º do CPPT, contra o acto decisório de ordenar a entrega do bem imóvel arrendado ao (…) reclamante, proferido no âmbito da execução fiscal nº ………………………, vieram Joaquim ……………………… e outra dela recorrer.

Formulam, para tanto, as seguintes conclusões:

1 – a seguir à alínea I) do douto aresto recorrido foi omitido que em múltiplos requerimentos avisaram do arrendamento;

2 – é falso que a invocação do arrendamento só tenha acontecido depois da venda referida na al. M);

3 – o que a Conservatória declarou foi que o arrendamento outorgado é de prazo de seis meses renovável e que não é passível de registo predial;

4 – as Finanças não quiseram saber dos recibos; quiseram foi e declararam que faltava era o registo predial do contrato de arrendamento;

5 – o que a Conservatória declarou foi que apenas os contratos por prazo de seis anos ou mais é que careciam de ser outorgados por escritura pública, sendo certo que o contrato dos autos era de prazo de seis meses ----o que ficou truncado na alínea R) do douto aresto recorrido;

6 – os recibos estavam com a recorrente mas esta foi levada à força para um lar de idosos e deixou o quarto dela fechado à chave e lá dentro tem documentos;

7 – nos recibos ela não está como inquilina (cfr. al. J);

8 – as Finanças nunca deferiram o pedido reproduzido na al. N);

9 – os preceitos e as descrições de factos não foram de substância nem fundamentação efectivas; foram só invocações e seleções parcialistas, assim se tendo violado o artigo 205º/ 1 da Constituição;

10 – resulta de tudo isto que quem consta como inquilino (cfr. o violado art. 7 do DL 64-A/2000), é desde 29.2.2002 o Recorrente;

11 – da consulta dos autos vê-se que em múltiplos requerimentos os recorrentes avisaram do arrendamento (4 e 5.9.2012 e na entrega do contrato para o pagamento do imposto de solo, pago);

12 – Deve ser revogada a douta sentença recorrida por violação dos preceitos indicados, para ser decidida toda a matéria supra conforme expendido pelos recorrentes.

Requer e espera deferimento,


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Dispensados os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

“A) O Serviço de Finanças de Sintra 2 instaurou contra «……………………» o processo de execução fiscal n.º …………………….., para cobrança coerciva de divida de IMT do ano de 2009.

B) Em 29.04.2002, Dora………………. (2ª Reclamante) na qualidade de promitente vendedora e Joaquim ………………….. (1º Reclamante) na qualidade de promitente vendedor, outorgaram um Contrato Promessa de Compra e Venda e de Arrendamento, que reduziram a escrito, constante de fls. 51/53.

C) Conforme resulta do aludido Contrato Promessa de Compra e Venda e Arrendamento, o mesmo tinha como objecto a fracção autónoma designada pela fracção ... do imóvel inscrito na matriz predial de Linda a Velha sob o artigo n.º ……, sito na Av. ……….., n.º……em Linda a Velha.(Doc. fls.51/53 dos autos)

D) Nos termos, ainda do Contrato, a 2ª Reclamante deu de arrendamento ao 1º Reclamante a fracção, pelo prazo de seis meses, renovável, com inicio a 01.05.2002. (Doc. fls.51/53 dos autos)

E) Em 16.06.2009, a «…………………… Lda» constitui-se garante, com a outorga, unilateral, de escritura pública de hipoteca voluntaria, a favor do processo de execução fiscal n.º ……………………, onerando para o efeito os imoveis identificados pelos artigos ….. fracção …. urbano da freguesia de Linda a Velha e artigo …. da secção V da matriz da freguesia de ………., declarando que se encontram livres de quaisquer ónus ou/e encargos. (Doc. fls.32/36 dos autos)

F) Em 24.09.2009, foi registada na Conservatória do Registo Predial de Oeiras a hipoteca a que alude a al. E) do probatório. (Doc. fls. 32/36 dos autos)

G) Em 16.06.2011, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ……………….., foi penhorada a fracção autónoma designada pela letra …., do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de Linda a Velha, sob o artigo ….., sito na Avenida ………….., n.º …. Linda a Velha e descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º …………- da mesma freguesia. (Doc. fls. 41 dos autos)

H) Em 22.06.2011, foi registada a penhora a que alude a al. G) do probatório. (Doc. fls. 75/76 dos autos)

I) Em 07.09.2012, foi apresentado e pago o imposto de selo devido no contrato de compra e venda e arrendamento a que alude a al.B) do probatório. (Doc. fls. 30 dos autos)

J) Em 30.09.2012, foi elaborada «Certidão de Verificação» da qual consta, designadamente o seguinte: « (…) deslocámo-nos à fracção ….. do imóvel inscrito na matriz predial de Linda a Velha sob o artigo n.º ….., sito na Av…………..,, n.º…….. em Linda a Velha e que fomos atendidos à porta por uma senhora idosa que se identificou apenas como sendo Dona Dora e que afirmou que não sabia nada sobre a que titulo ocupava a fracção (…)». (Doc. fls. 46 dos autos)

L) Mediante oficio datado de 14.11.2012, o Serviço de Finanças de Sintra 2, informou a 2ª Reclamante, que o seu domicilio fiscal, se encontrava penhorado á ordem do processo de execução n.º ………………….., devendo e informar « a que titulo ocupava o imóvel, nomeadamente se existe algum contrato de arrendamento, disso fazendo prova.». (Doc. fls.55 dos autos)

M) Em 28.11.2012, o imóvel penhorado foi adjudicado a «……………………., Lda». (Doc. fls 48 dos autos)

N) Em 03.12.2012, deu entrado no Serviço de Finanças de Sintra 2, um requerimento assinado pela 2ª Reclamante, no qual informou: « Venho por este meio responder à intimação datada de 14 do corrente, Permaneço na casa que desde décadas foi o meu domicilio fiscal porque o Senhor Enfermeiro Joaquim .......... assim mo permite e que o mesmo tem contrato de arrendamento. Peço licenças para entregar os recibos do arrendamento em vez do contrato de arrendamento. Já pedi cópia deste contrato mas o Senhor Enfermeiro ainda não ma entregou. (…).» (Doc. fls. 58 dos autos)

O) Em 25.06.2013, o Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 2 determinou a realização de diligências para entrega do imóvel e a notificação do executado, o adquirente, o garante fiel depositário e demais intervenientes. (Doc. fls. 63 dos autos)

P) Em 27.06.2013, o Serviço de Finanças de Sintra 2, sob registo c/ AR, remeteu à 2ª Reclamante o ofício nº ……, comunicando que fora designado o dia 30.07.2013, a concretização das diligências de entrega, por meios coercivos. (Doc. fls.71 dos autos)

Q) O ofício referido na al.P) do probatório veio devolvido com a indicação «não atendeu». (Doc. fls.71/72 dos autos)

R) Em 04.09.2012, foi requerido o registo do contrato promessa de compra e venda, de arrendamento, vindo a ser recusado com a seguinte fundamentação:« (…) o contrato em causa não constitui titulo para o registo que se pretende já que apenas estão sujeitos a registo, como se disse, os arrendamentos, à data em que tal contrato foi assinado ( no ano de 2002), careciam de ser formalizados, em escritura pública.».(Doc. fls. 49/50 dos autos)

S) Em 19.07.2013, Joaquim ……………………… na qualidade de inquilino requereu ao Serviço de Finanças de Sintra 2, no âmbito do processo de execução n.º…………………., que fosse notificado da tramitação ocorrida na execução. (Doc. fls. 27/28 dos autos)

T) Em resposta á pretensão a que alude a al. S) do probatório o Serviço de Finanças de Sintra 2, notificou o Mandatário do 1º Reclamante, mediante oficio de 25.07.2013, dando-lhe conta que: « O requerente não se afigura assim como sujeito passivo da relação tributaria nem prova interesse legalmente protegido (…) na medida em que todos os diversos requerimentos apresentados pelo requerente na pessoa do seu mandatário, até esta data, nunca foram objecto de comprovação pelo mandatário quando notificado por estes Serviços para o fazer.» (Doc. fls. 30/31 dos autos)

U) Em 30.07.2013, a 2ª Reclamante foi integrada no Lar …………………………………... ( Doc. fls. 20 dos autos)

V) Em 30.07.2013, deu entrada no Serviço de Finanças de Sintra 2 a reclamação. (cfr. fls.6 dos autos)

FACTOS NÃO PROVADOS

Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão da causa.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

A decisão da matéria de facto resultou do exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”.

2.2. De direito

Lidas as conclusões da alegação de recurso - que não são de apreensão fácil – surpreende-se a seguinte formulação: os preceitos e as descrições de factos não foram de substância nem fundamentação efectivas; foram só invocações e seleções parcialistas, assim se tendo violado o artigo 205º/ 1 da Constituição.

Se bem interpretamos a conclusão transcrita, afigura-se-nos que, embora sem expressa designação, aí se defende a nulidade da sentença por falta de fundamentação. Relembre-se que, nos termos do disposto no citado preceito da Lei Fundamental, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Vejamos, então, sabendo que o Tribunal não está vinculado à conformação jurídica que as partes fazem quanto ao que alegam.

De acordo com o artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC e, bem assim, tal como prevê o artigo 125º, nº1 do CPPT, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Como refere Teixeira de Sousa, “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”.

E acrescenta o mesmo autor: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível” [In “Estudos sobre o Processo Civil”, pg. 221].

Ou, como refere Lebre de Freitas, “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação” [In CPC, pg. 297].

No mesmo sentido diz o Conselheiro Rodrigues Bastos, que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença” [in "Notas ao Código de Processo Civil", III, 194].

E como advertia o Professor Alberto dos Reis “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2.° do art. 668.°” [in "Código de Processo Civil Anotado", V, 140].

Deste modo, face à doutrina exposta, se conclui que a nulidade da sentença não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final.

Assim se a decisão recorrida contiver, ainda que de forma menos desenvolvida, os elementos de facto e de direito suficientes para a declaração dos fundamentos da decisão final, não há falta de motivação.

E assim é no caso concreto. A sentença procedeu ao julgamento da matéria de facto, nos termos supra transcritos, e quanto ao objecto da reclamação veio a decidir nos termos que se seguem (sem que, aliás, tenha sido invocada qualquer omissão de pronúncia):

“(…).

A questão em apreciação, passa desde logo, por apurar se o 1º Reclamante é ou não titular da qualidade que se arroga, e caso a resposta seja afirmativa, importara, depois saber, se o acto reclamado é ilegal, por falta da notificação omitida.

Vejamos, então.

O contrato de arrendamento constitui uma forma de ónus que incide sobre um imóvel, de alguma forma limitador do direito de propriedade.

No caso, dos autos é inequívoco que o contrato de arrendamento celebrado entre os Reclamantes carecia de ser formalizado em escritura pública (cfr. artigo 1029º n.º1 al.a) do CC e artigos 7º e 10º do RAU na redacção à data em vigor) não tendo sido apresentados os recibos de renda, único meio para a convalidação do contrato, o mesmo não poderá produzir o efeito pretendido pelos Reclamantes (cfr. arts.220.º e 296.º do CC ).

É, ainda inequívoco, que quando da venda efectuada pela Reclamante à sociedade « ……………………………………. Lda», a qual garantiu a divida da originária devedora o bem penhorado na execução foi alineado livre de qualquer ónus ou encargo, e posteriormente, aquando da escritura de constituição de hipoteca do imóvel penhorado a favor da Fazenda Pública sobre o mesmo não impendia qualquer ónus ou encargo.(Cfr. alíneas F), G), H) e I) do probatório)

No que tange, ao contrato de arrendamento celebrado entre 1º e 2º Reclamantes apenas chegou ao conhecimento do órgão de execução fiscal em 07.09.2012, ou seja, após a venda e adjudicação do imóvel.

Assim, e ainda, o desconhecimento do aludido ónus sobre o imóvel vendido ( a existir), nunca o órgão de execução fiscal poderia ser responsabilizado.

Por sua parte, prevê o artigo 819.º do CC que “ Sem prejuízo das regras de registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”.

Daqui resulta, também, que inexistindo, desta sorte, qualquer obstáculo à penhorabilidade da fracção, bem como à sua venda e entrega do bem penhorado.

V.DECISÃO

Termos em que se decide julgar improcedente a reclamação, e por via disso mantem-se na Ordem Jurídica o acto reclamado”.

Mal ou bem (para efeitos da nulidade pouco importa, pois não se trata de analisar qualquer erro de julgamento), o julgamento de facto e de direito, com expressa invocação das normas legais aplicáveis foi levado a cabo pelo Tribunal a quo. A sentença, com mais ou menos desenvolvimento, explicou as razões pelas quais conclui pela falta de razão dos Reclamantes.

E, assim sendo, tanto basta para julgar não verificada a nulidade por falta de fundamentação da sentença que vimos de analisar.


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Prosseguindo na análise do recurso, diremos que da leitura das conclusões decorre, também, que os Recorrentes pretendem pôr em causa o julgamento da matéria de facto. É assim, se bem interpretamos, o que resulta das conclusões 1, 3, 4 e 5 a 8.

Vejamos, então.

Importa ter presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas. Com efeito, em tal preceito se dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.

Tendo presente o teor das apontadas conclusões e o preceito transcrito, vejamos se os Recorrentes observaram o ónus de impugnação que sobre si impendia no que toca à impugnação da matéria de facto.

Quanto à conclusão 1 - a seguir à alínea I) do douto aresto recorrido foi omitido que em múltiplos requerimentos avisaram do arrendamento – é óbvio que os Recorrentes não cumprem o que lhes era imposto, desde logo porque não identificam qualquer elemento junto aos autos (nem o tribunal os descortina) donde se possa retirar que antes de 07/09/12 (cfr. alínea I do probatório) deram conhecimento ao SF da existência de um contrato de arrendamento.

O mesmo se diga relativamente às conclusões 6 e 7 que surgem sem qualquer apoio documental, não sendo possível identificar qualquer elemento que as comprove.

Portanto, e até aqui, a impugnação da matéria de facto está condenada ao insucesso.

Referem, ainda, os Recorrentes, na conclusão 8, que as Finanças nunca deferiram o pedido reproduzido na al. N).

Ora, efectivamente, dos autos não consta que relativamente à comunicação cujo teor consta da alínea N tenha sido emitida qualquer pronúncia por parte do SF. Porém, o que se constata é que a comunicação a que se refere a alínea N) é uma resposta à notificação a que se reporta a alínea L, não se vislumbrando em que medida a mesma carecesse de resposta. Com efeito, a apresentante daquela comunicação aí refere “peço licença para entregar os recibos do arrendamento”, os quais não foram juntos com tal requerimento (nem constam dos autos). Mais informa que logo que tenha cópia do contrato de arrendamento enviá-la-á ao SF. Ora, não vemos que tenha sido dirigida qualquer pretensão ao SF que exigisse deste órgão uma resposta cuja falta se possa erigir em facto relevante para a boa decisão da causa (o mesmo ocorre relativamente à conclusão 4 relacionada com o mesmo aspecto).

Quanto às conclusões 3 e 5: aí se refere que “o que a Conservatória declarou foi que o arrendamento outorgado é de prazo de seis meses renovável e que não é passível de registo predial”; e que “o que a Conservatória declarou foi que apenas os contratos por prazo de seis anos ou mais é que careciam de ser outorgados por escritura pública, sendo certo que o contrato dos autos era de prazo de seis meses ----o que ficou truncado na alínea R) do douto aresto recorrido”.

Da leitura das ditas conclusões, no confronto com a alínea R) dos factos provados, parece resultar que os Recorrentes defendem que a transcrição feita na dita alínea não se mostra completa, o que deve ser corrigido. E, neste ponto, têm razão.

É a seguinte a redacção da alínea R) tal como consta da sentença:

“R) Em 04.09.2012, foi requerido o registo do contrato promessa de compra e venda, de arrendamento, vindo a ser recusado com a seguinte fundamentação:« (…) o contrato em causa não constitui titulo para o registo que se pretende já que apenas estão sujeitos a registo, como se disse, os arrendamentos, à data em que tal contrato foi assinado ( no ano de 2002), careciam de ser formalizados, em escritura pública.».(Doc. fls. 49/50 dos autos)”

Assim, a alínea R) dos factos provados passará a contar com a seguinte redacção:

R) Em 04.09.2012, foi requerido o registo do contrato promessa de compra e venda, de arrendamento, vindo a ser recusado com a seguinte fundamentação:

“Recusado:

Motivação: foi requerido o registo de arrendamento, sendo certo que o facto sujeito a registo e previsto na alínea m) do nº1 do artigo 2º do CR Predial apenas prevê o registo de contratos de arrendamento urbano com prazo superior a seis anos.

Ora, pelo contrato junto a instruir tal pedido de registo apenas se pode concluir que naquele contrato de arrendamento foi clausulado o “…prazo de seis meses, renovável salva denúncia pelo segundo outorgante…”

Assim sendo, o contrato em causa não constitui título para o registo que se pretende já que apenas estão sujeitos a registo, como se disse, os arrendamentos de prazo superior a seis anos, e sendo certo que tais arrendamentos, à data em que tal contrato foi assinado (no ano de 2002), careciam de ser formalizados em escritura pública.

Fundamentação jurídica:

Artigos 2º, nº1 al. m, 68º e 69º nº 1 als. b) e /ou c) segunda parte, todos do CR Predial.

Ainda artigos 1029º nº 1 al. a) do C. Civil e artigos 7º e 10º do RAU na altura em vigor” – cfr. fls. 49, 50 e 111 dos autos.


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Vista a impugnação da matéria de facto, avancemos.

Antes, porém, tenhamos presente o seguinte: da análise dos autos, e em concreto da p.i, temos, em síntese útil, que os Recorrentes, então Reclamantes, insurgiram-se contra a decisão que ordenou (à Reclamante Dora) a entrega de um bem imóvel vendido na execução fiscal nº ……………….., porquanto, alegadamente, tal imóvel estava arrendado ao Reclamante, Joaquim ………………, desde 2002, e, bem assim, porque a Reclamante, Dora ………….., ali habitava. Diz ainda o Reclamante Joaquim que a notificação para entrega do bem lhe devia ter sido dirigida e que a entrega do bem ofende o seu direito de gozo da coisa locada.

Para mais fácil apreensão daquilo que aqui está em causa, deve aqui recordar-se o teor da sentença recorrida, tal como oportunamente a deixámos transcrita a propósito da apreciação da nulidade.

Ora, os Recorrentes insurgem-se contra a sentença objecto de recurso sustentando que: a Mma. Juiz não podia ter concluído, do circunstancialismo de facto, que a invocação do arrendamento apenas tinha ocorrido depois da venda (conclusões 2 e 11) e, bem assim, que quem consta como inquilino (cfr. o violado art. 7 do DL 64-A/2000), é desde 29.2.2002 o Recorrente.

Apreciemos por partes.

Efectivamente, na sentença recorrida conclui-se que “No que tange, ao contrato de arrendamento celebrado entre 1º e 2º Reclamantes apenas chegou ao conhecimento do órgão de execução fiscal em 07.09.2012, ou seja, após a venda e adjudicação do imóvel”. Os Recorrentes discordam desta conclusão de facto, extraída da factualidade assente, mas, até pela resposta que já demos à impugnação da matéria de facto, se percebe que não ficou demonstrado o contrário, ou seja, que em momento anterior à venda/ adjudicação do imóvel o SF tivesse tomado conhecimento de um qualquer contrato de arrendamento celebrado entre os ora Recorrentes. Por conseguinte, a conclusão retirada na sentença, é, neste ponto, inatacável.

Seja como for, e mais importante, salienta-se que, lido integralmente o recurso jurisdicional interposto, desta invocação/ conclusão – quanto a um juízo retirado do julgamento de facto - não extraem os Recorrentes qualquer consequência quanto ao sentido do decidido, em termos de alteração do mesmo. Trata-se, pois, de uma conclusão sem alcance para atacar o decidido.

Sustentam, ainda, os reclamantes que “quem consta como inquilino (cfr. o violado art. 7 do DL 64-A/2000), é desde 29.2.2002 o Recorrente”.

Sucede, contudo, que esta conclusão não tem qualquer correspondência com o teor das alegações de recurso, tal como resulta de fls. 164 a 166 (cfr. também o teor de fls. 273). Ora, as conclusões, como não pode deixar de ser, são uma formulação sintética da alegação de recurso, através das quais se indicam os fundamentos pelos quais se pede a alteração ou anulação da decisão recorrida (cfr. artigo 639º do CPC). Dito por outras palavras, tal conclusão não espelha, nem sintetiza, qualquer posição que tenha sido assumida em sede de alegações de recurso, concretamente quanto à violação do referido artigo 7º do DL 64-A/2000.

Razão pela qual, é imprestável para os fins pretendidos de ataque à decisão.

E aqui chegados, dúvidas não restam que, para além da questão da eventual nulidade da sentença – que não procede, nos termos vistos – nada mais, com relação ao decidido, veio posto eficazmente em causa. Com efeito, em tudo quanto a sentença decidiu, no que à conformação jurídica do caso respeita, não há um ataque que se descortine e que possa conduzir a qualquer alteração da mesma. Em sede de erro de julgamento de direito, podemos afirmar que o decidido não foi posto em causa.

Na verdade, com acerto ou sem ele, a decisão recorrida veio a julgar a reclamação apresentada improcedente por ter considerado, no essencial, que “é inequívoco que o contrato de arrendamento celebrado entre os Reclamantes carecia de ser formalizado em escritura pública (cfr. artigo 1029º n.º1 al.a) do CC e artigos 7º e 10º do RAU na redacção à data em vigor) não tendo sido apresentados os recibos de renda, único meio para a convalidação do contrato, o mesmo não poderá produzir o efeito pretendido pelos Reclamantes (cfr. arts.220.º e 296.º do CC ), daí retirando que inexistia “qualquer obstáculo à penhorabilidade da fracção, bem como à sua venda e entrega do bem penhorado”.

Ora, insiste-se: não é descortinável uma apreciação sobre o mérito dos fundamentos invocados na reclamação; os termos em que assentou a sentença recorrida não vêm beliscados pelos Recorrentes, pelo que o seu discurso fundamentador não sofre ataque eficaz nesta sede recursiva. Por conseguinte, terá inevitavelmente que se manter inalterado o seu respectivo dispositivo, estando este Tribunal Superior impedido de tomar posição sobre a questão decidida, a qual não pode alterar.

E, assim sendo, deve negar-se provimento ao recurso e, nessa medida, decidir-se pela manutenção da sentença recorrida.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 23/04/15


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Bárbara Tavares Teles)

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(Pereira Gameiro)