Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1026/12.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/11/2019
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:NULIDADE INSUPRÍVEL;
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS;
AUTO DE NOTÍCIA;
DEFESA;
NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 114.º DO RGIT.
Sumário:I) A descrição dos factos visa assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, os quais poderiam ficar diminuídos se não constasse da decisão a descrição, ainda que sumária, dos factos que justificaram a aplicação da coima;
II) A lei não se basta com a mera remissão para o que sobre os factos constitutivos da infração se diga no auto de notícia;
III) A coima só é objeto de concreta fixação no momento da elaboração da competente decisão administrativa de aplicação de coima. A notificação para o exercício de defesa apenas visa notificar o arguido do facto ou factos apurados no processo de contraordenação e da punição em que incorre servindo para apresentar defesa e juntar ao processo os elementos probatórios pertinentes;
IV-Quanto ao requisito da descrição sumária dos factos o mesmo deve ser interpretado em ordem ao tipo legal da infração, sendo que quanto ao normativo 114.º, nº2, do RGIT não é a falta de entrega da prestação tributária do IVA que preenche o tipo legal, mas sim a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito;
V- Não obsta à nulidade insuprível a nova redação dada à alínea a), do nº 5, do art. 114.º do RGIT, pela Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, pois ainda que o objetivo de tal preceito tenha sido o de alargar a previsão legal de molde a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços, não constando da decisão administrativa de aplicação da coima qualquer alusão ao artigo 114.º, nº5, alínea a), do RGIT padece a mesma de nulidade insuprível.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, constante de fls. 79 a 84 dos autos do presente processo que julgou verificada a nulidade da decisão administrativa de aplicação da coima proferida no processo de contraordenação nº 1562-2009/06049176 que correu termos no Serviço de Finanças de Sintra 1, em nome da Recorrida, “U……, SA”, pela prática da contraordenação prevista nos artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, nº1, alínea b) ambos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e punida pelo normativo 114.º, n.º 2 e 26º, nº4, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

A Recorrente, a fls. 92 a 95 dos autos, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:


I. Dispõe o n.° 1 do artigo 114.° do RGIT, para que remete o n.° 2 da mesma norma [imputabilidade da conduta a título de negligência],e em conjugação com o n.° 2, que "A não entrega, total ou parcial pelo período de 90 dias, ou período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação deduzida nos termos da lei é punível com coima variável (...)" "entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente aplicável”, o que permite definir o tipo objectivo do ilícito contraordenacional: não entrega ao credor tributário, decorridos que sejam 90 dias de incumprimento, de prestação tributária deduzida em cumprimento da lei.


II. A arguida procedeu à liquidação do IVA referente ao período de tributação de 2009/06T, em conformidade com o disposto no n.° 1 do artigo 27.° e do n.° 1 do artigo 41.° do CIVA, e não procedeu à sua entrega com a entrega da declaração periódica de IVA, consumando assim com tal omissão a prática do ilícito contraordenacional do n.° 1 e 2 do artigo 114.° do RGIT porque preenchido o tipo objectivo e subjectivo sem que qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa se tenha interposto.


III. Foi-lhe aplicada coima no âmbito de um processo contraordenacional vertida, num primeiro momento na comunicação à arguida da instauração do processo de contraordenação, para exercício do exercício do direito de defesa ao abrigo do artigo 70.° do RGIT, e, num segundo momento, na decisão proferida nos autos de contraordenação de aplicação da coima, notificada posteriormente à arguida.


IV. Impõe o n01, sua alínea b), do artigo 79,° do RGIT que a decisão de aplicação da coima contenha a “descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas;", e a tal comando foi dado cumprimento, por remissão para o auto de notícia, do qual constam todos os elementos essenciais, contrariamente ao determinado na douta sentença recorrida, pois que, além das normas violadas e punitivas, é feita uma descrição sucinta dos factos que permitem enquadrar a conduta do agente no ilícito contraordenacional em questão.


V. Com efeito, a decisão de aplicação da coima indica referirem-se a factos imputados à arguida os constantes do auto de notícia para o qual remete, permitindo assim percepcionar com clareza reconduzir-se o comportamento da arguida à falta de entrega de IVA [Art° 27° n°1 e 41°n°1 b) CIVA - Apresentação dentro do prazo de D.P. sem pagamento ou com pagamento insuficiente (T)”] em incumprimento da obrigação de proceder à entrega da prestação tributária dentro do prazo [Art° 114 n°2 e 26 n°4 do RGIT - Falta entrega prest. tributária dentro do prazo (T)], imposto esse que é referente ao IVA [Artº 27° n°1 e 41° n°1 b) CIVA - Apresentação dentro do prazo de D.R, sem pagamento ou com pagamento insuficiente (T)], com referência período de tributação relativo ao segundo trimestre de 2009 [“Período a que respeita a infracção: 2009/06T], considerando-se cometida e consumada a acção ilícita em 17/08/2009 [Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 20o9-08-17], daí resultando a fixação de coima no valor de €4.149,19, acrescida de custas processuais no valor de € 51,00.


VI. Referindo-se a lei a uma descrição sumária dos factos e atendendo à transcrição acima efectuada a partir da decisão de aplicação da coima, forçosamente se concluirá que a decisão recorrida não omite a referência aos factos imputados à arguida como consubstanciadores da prática da infracção contraordenacional, resultando da decisão de aplicação da coima qual a infracção em causa no procedimento contraordenacional: falta de entrega do IVA liquidado referente ao período de tributação do trimestre de 2009/06.


VII. Permite pois a decisão, cumprindo os requisitos impostos por lei, à arguida apropriar-se dos factos que lhe são imputados e organizar a sua defesa em função da imputação que lhe é feita.


VIII. Neste sentido, o entendimento de Jorge Lopes de Sousa e José Simas Santos, in Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4.a edição 2010, pp. 518, “O que exige aquela al. do n.° 1 do art. 79.°, interpretado à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente consagrado (art. 32°, n.° 10, da CRP), é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente.", entendimento este secundado por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/03/2006, proferido no rec, 143/06.


IX. Não padece, assim, a decisão de aplicação da coima da nulidade insuprível prevista no n.° 1 do artigo 63.° do RGIT, pois que nela compreendidos os factos pertinentes e cuja apreensão permitiu à arguida configurar o tipo de ilícito contraordenacional que lhe é imputado, bem como os atinentes circunstancialismos de tempo e de modo


X. Nestes termos, impõe-se a conclusão de que a douta sentença aqui recorrida procedeu a uma errónea subsunção dos factos às normas jurídicas com interesse para a apreciação dos factos relevantes, para efeito de verificação dos requisitos de decisão de aplicação da coima exigidos pela norma do n.° 1 do artigo 79.° do RGIT, violando, desta forma, as normas constantes da alínea d) do n.° 1 do artigo 63.° e do n.° 1, alínea b), do artigo 79.°, ambos do RGIT.


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 102 e 103 dos autos).

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Colhidos os vistos dos Exmos Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr. fls. 79 a 84 dos presentes autos):

1. De facto:

Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, julgo provados os seguintes factos, com atinência aos meios de prova respetivos:

A) Em 05.09.2009 foi levantado contra a ora Recorrente o Auto de Notícia n.º 20090402545/2009 pelos seguintes factos:

[…]

02 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A INFRACÇÃO CIVA

1. Montante do imposto exigível: 18.774,60

2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00

3. Valor da prestação tributária em falta: 18.774,60

4. Data de cumprimento da obrigação: 2009-08-14

5. Período a que respeita a infracção: 2009/06T

6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2009-08-17

7. Normas infringidas Artº 27 nº1 e 41 nº1 b) CIVA – Apresentação dentro do prazo D.P., s/pagamento ou c/ pagamento insufic. (T)

8. Normas punitivas Artº 114 nº2 e 26 nº4 do RGIT – Falta entrega de prest. tributária dentro prazo (T)

03 IDENTIFICAÇÃO DO AUTUANTE, DATA E LOCAL DA VERIFICAÇÃO DA INFRACÇÃO

Data e Local: Em 5 de Setembro de 2009, na Direcção de Serviços de Cobrança do IVA (DSCIVA)

Verifiquei, pessoalmente, na data e local referidos […], que o sujeito passivo […] não entregou, simultaneamente com a declaração periódica que apresentou dentro do respectivo prazo legal, na data e para o período referido […] a prestação tributária necessária para satisfazer totalmente o imposto exigível, fazendo-o somente pelo valor referido em 2, também do quadro 2, o que constitui infracção às normas previstas em 6, punível pelas disposições referidas em 7 do mesmo quadro.

Para os devidos e legais efeitos, levantei o presente autos de notícia que vai por mim assinado, não o fazendo, o infractor por não se encontrar presente.

[…] – cfr. fls. 16 dos autos.

B) Em 08.09.2009, com base no Auto de Notícia que antecede, foi instaurado contra a ora Recorrente o processo de contraordenação n.º 15….-2009/0604…. – cfr. fls. 15 dos autos.

C) Decisão recorrida: Por decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Sintra 1 proferida em 17.10.2009 no processo de contraordenação identificado em B), e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi aplicada à arguida, aqui recorrente, coima no valor de € 4.149,19, acrescida de custas processuais no valor de € 51,00, com base na seguinte «Descrição Sumária dos factos»:

Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: , os quais se dão como provados. – cfr. fls. 18/19 dos autos.

D) Em 05.06.2012 a Recorrente foi notificada da decisão que antecede – cfr. fls. 9 dos autos.

E) Em 28.06.2012, a petição de recurso da decisão identificada em C) foi remetida ao Serviço de Finanças – cfr. fls. 8 dos autos.


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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

Não se mostram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa de acordo com as possíveis soluções de direito.


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A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

Os factos considerados provados resultam dos elementos e documentos referidos em cada um deles, não tendo os documentos sido objeto de impugnação pelas partes, não havendo, também, indícios que ponham em causa a sua genuinidade.


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou verificada a nulidade da decisão administrativa de aplicação de coima por falta de cumprimento do requisito da descrição sumária dos factos contemplado no artigo 79.º, nº1, alínea b), do RGIT.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, aferir se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito do artigo 79.º, nº1, alínea b), do RGIT, ao ter considerado que a decisão administrativa de aplicação de coima padece de nulidade insuprível por não ter cumprido o requisito da descrição sumária dos factos.

Alega a Recorrente que tendo a Recorrida procedido à liquidação do IVA referente ao período de tributação de 2o09/06T, e não tendo procedido à sua entrega juntamente com a declaração periódica, consumou-se a prática do ilícito contraordenacional constante no n.° 1 e 2 do artigo 114.° do RGIT preenchendo-se, nessa medida, o tipo objetivo e subjetivo sem qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa se tenha interposto.

Aduz, outrossim, que foi dado cumprimento ao comando consignado no artigo 79.º, nº1, alínea b), do RGIT, por remissão para o auto de notícia, do qual constam, contrariamente ao determinado na douta sentença recorrida, todos os elementos essenciais.

Concretiza, para o efeito, que a decisão administrativa de aplicação de coima indica os factos imputados à Recorrida, permitindo, assim, percecionar com clareza a falta de entrega de IVA, o período a que respeita a infração e a data da prática do ilícito contraordenacional, daí resultando a fixação de coima no valor de €4.149,19, acrescida de custas processuais no valor de € 51,00.

Conclui, in fine, que da decisão administrativa de aplicação de coima constam os factos pertinentes cuja apreensão permitiu à Recorrida configurar o tipo de ilícito contraordenacional que lhe é imputado, bem como os atinentes circunstancialismos de tempo e de modo, donde, cumpre todos os requisitos impostos por lei não padecendo, por isso, da nulidade insuprível.

Apreciando.

Atentemos, para o efeito, no discurso jurídico constante na decisão recorrida.

Fundamenta o Tribunal a quo que “não havendo na fase decisória do processo contraordenacional que corre pelas autoridades administrativas a intervenção de qualquer outra entidade que não sejam o arguido e a entidade administrativa que aplica a coima, os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contraordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.

Enfatizando, para o efeito que “[a]s exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos. Reflexamente, a exigência de fundamentação da decisão, com indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, impõe à autoridade administrativa uma maior ponderação, ínsita na necessidade de racionalização do processo lógico e valorativo que conduziu a essa fixação, e assegura a transparência da atuação administrativa, para além de facilitar o controlo judicial, se a decisão for impugnada.”

Sufraga, outrossim, que se “[a] descrição sumária dos factos tem por finalidade informar o arguido da conduta, por si praticada, que preenche o tipo contraordenacional, conforme supra referido, há que concluir que tal descrição não pode ser substituída pela remessa de cópia do auto de notícia. E se não é admissível a remessa de tal cópia, por maioria de razão, já que se trata de meio menos garantístico, não é igualmente admissível a mera remissão, na decisão, para tal documento (…)”.

Concretizando, neste particular, que “Como consta das alíneas A) e C) do probatório, a decisão recorrida, no que à descrição dos factos respeita, não refere facto algum, limitando-se, no início, a fazer a remissão para o facto de ter sido “levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: ,” (os quais, não vêm nem reproduzidos nem, tão pouco, mencionados por expressa remissão), referindo, de seguida “os quais se dão como provados”. Questiona-se, então, quais os factos a que se refere o auto de notícia que se “dão por provados”. Ora, a decisão recorrida, no segmento que indica expressamente como contendo a descrição sumária dos factos, não descreve absolutamente nada, nenhum facto, nem sequer por expressa remissão para o Auto de Notícia, o que também, como se disse acima, não seria admissível para preenchimento do requisito legal da decisão de aplicação de coima no que à descrição dos factos se refere.”

Julgando, nessa medida, verificada a nulidade insuprível da decisão administrativa de aplicação de coima por falta de preenchimento do requisito essencial da descrição sumária dos factos.

E, de facto, nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida.

Mas vejamos, então, porque assim o entendemos.

Preceitua o normativo 63.º, nº1, do RGIT, sob a epígrafe de nulidades no processo de contraordenação tributário, que:

“ 1 - Constituem nulidades insupríveis no processo de contraordenação tributário:
a) O levantamento do auto de notícia por funcionário sem competência;
b) A falta de assinatura do autuante e de menção de algum elemento essencial da infração;
c) A falta de notificação do despacho para audição e apresentação de defesa;
d) A falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas, incluindo a notificação do arguido.”

Enunciando, por seu turno, o artigo 79.º(1) do RGIT quais os requisitos que a decisão administrativa de aplicação de coima deve conter enumerando-os como se descreve:

a) - A identificação do arguido e eventuais comparticipantes;
b) - A descrição sumária dos factos e a indicação das normas violadas e punitivas;
c) - A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação;
d) - A indicação de que vigora o princípio da proibição da "reformatio in pejus";
e) - A indicação do destino das mercadorias apreendidas;
f) - A condenação em custas.

Para o caso dos autos e conforme supra evidenciado o Tribunal a quo entendeu que a Autoridade Administrativa aquando da prolação da decisão administrativa de aplicação de coima não cumpriu o disposto na alínea b), do citado artigo 79.º do RGIT, e de facto, fê-lo com total acerto.

Conforme doutrinam Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos(2) ., os requisitos a que deve obedecer a decisão administrativa de aplicação de coima, previstos no artigo 79.º do RGIT, e de entre eles, os que impõem a descrição sumária dos factos, e indicação das normas violadas e punitivas, “visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar aquela decisão”.

Sendo certo que, a descrição dos factos visa assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efetivo dos seus direitos de defesa, os quais poderiam ficar diminuídos se não constasse da decisão a descrição, ainda que sumária, dos factos que justificaram a aplicação da coima.

De relevar, desde já, que contrariamente ao alegado pela Recorrente a lei não se basta com a mera remissão para o que sobre os factos constitutivos da infração se diga no auto de notícia(3) , pois constituindo o auto de notícia e a decisão administrativa de aplicação de coima suportes documentais distintos com funcionalidades, igualmente, díspares a descrição sumária dos factos não pode considerar-se preenchida pela mera remissão para um auto de notícia. Ademais, não poderemos perder de vista a natureza sancionatória do processo contraordenacional.

De todo o modo sempre se dirá que, do recorte probatório dos autos, concretamente da alínea C) da factualidade assente, resulta do teor da decisão administrativa de aplicação de coima que vimos analisando, concretamente, no item “descrição sumária dos factos” o seguinte: “Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: , os quais se dão como provados”, ou seja, nem tão-pouco é feita expressa remissão para o auto de notícia.

Com efeito, infere-se uma referência ao auto de notícia, mas não no sentido de fundamentação por remissão, consubstanciando apenas uma evidenciação -sublinhe-se de cariz imperfeito e deficitário-, permitindo, tão-somente, extrapolar que seria intenção da Entidade Autuante descrever os factos elencados no auto de notícia, atento, desde logo, o sinal de pontuação nele constante o qual, como é consabido, anuncia uma citação ou uma enumeração. Mas a verdade é que, in casu, não foi feita qualquer descrição factual conforme legalmente se exigia.

Note-se que em todo o processo de contraordenação fiscal a Administração Tributária está vinculada ao cumprimento do princípio da legalidade, consagrado no artigo 266.º da CRP, e contemplado igualmente no artigo 55.º da LGT e no artigo 43.º do RGCO.

É certo que o Tribunal não descura que da mesma constam as normas infringidas, fazendo expressa alusão ao artigo 27.º, nº1 e 41.º, nº1, alínea b), do CIVA e bem assim às normas punitivas convocando, para o efeito, o normativo 114.º, nº2 e bem assim o preceito legal 26.º, nº4 ambos do RGIT, constando, igualmente, expressa referência ao período de tributação (200906T), à data da infração (2009-08-17) e à coima efetivamente fixada. Mas a verdade é que tais factos não permitem igualmente dar por não verificada a aludida nulidade insuprível, em nada podendo relevar a argumentação da Recorrente no sentido de nos encontrarmos perante uma autoliquidação desacompanhada do respetivo meio de pagamento.

Mais importa relevar que não só é inexato o ponto III do quadro conclusivo do recurso visto que a coima só é objeto de concreta fixação no momento da elaboração da competente decisão administrativa de aplicação de coima -a notificação para exercício de defesa e conforme resulta do teor do artigo 71.º do RGIT apenas permite notificar o arguido do facto ou factos apurados no processo de contraordenação e da punição em que incorre servindo como o próprio nome o indicia para apresentar defesa e juntar ao processo os elementos probatórios pertinentes-, como em nada relevaria para efeitos de obviar à exigência legal da descrição sumária dos factos ter de constar, expressamente, na mesma.

Até porque, o que se pretende exigir com a inclusão na decisão administrativa de aplicação de coima de todos os elementos relevantes para a sua aplicação é que o destinatário possa aperceber-se facilmente de todos os elementos necessários para a sua defesa, sem necessidade de qualquer esclarecimento ou elemento adicional em total consonância, de resto, com o direito constitucional à notificação de atos lesivos e à respetiva fundamentação expressa e acessível. O que, como é bom de ver, no caso sub judice não foi, de todo, acautelado e cumprido.

Note-se que quanto ao requisito da descrição sumária dos factos a Jurisprudência dos Tribunais Superiores tem sido unânime no sentido de que este requisito deve ser interpretado em ordem ao tipo legal da infração, sendo que quanto ao normativo 114.º, nº2, do RGIT não é a falta de entrega da prestação tributária do IVA que preenche o tipo legal, mas sim a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito. É, portanto, essencial provar-se o efetivo recebimento do montante do IVA, para o preenchimento típico da infração tributária constante no artigo 114º, nº2, do RGIT.

Neste sentido aponta uniformemente a jurisprudência do STA(4). Conforme doutrinado no Aresto proferido no processo nº 0801/11, de 18 de janeiro de 2012, a cuja fundamentação jurídica se adere:

“(…) No que respeita à “descrição sumária dos factos”, há que sublinhar que este requisito da decisão administrativa de aplicação da coima constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, deve interpretar-se tendo presente o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima serão precisamente os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada (cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos desta Secção 241/09, de 29.04.2009, 540/09 de 16.09.2009, e 624/09, de 25.11.2009, todos in www.dgsi.pt).

No caso sub judice as normas legais tidas como violadas pela decisão administrativa são as dos arts. 26º nº 1 e 40º nº 1 a) do CIVA referindo-se na mesma decisão, como normas punitivas os arts. 114º nº 2 e 26° nº 4 RGIT (falta de entrega da prestação tributária)- cf. fls. 41 dos autos.

A contra-ordenação fiscal imputada à arguida é a do artigo 114.º, n.º 2 do RGIT (cfr. a decisão de fixação da coima a fls. 41 dos autos), ou seja, a de “falta de entrega da prestação tributária” cometida a título de negligência.

A conduta ali tipificada como contra-ordenação consiste na «não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior (…) ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei»

Ora, no que concerne ao preenchimento do tipo legal previsto nos n.º 1 e 2 do artigo 114.° do RGIT a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, tem vindo a afirmar, de forma dominante e consolidada, que «a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida» - conferir neste sentido Acórdãos de 21.04.2010, recurso 85/10, de 02.12.2009, recurso 887/09, de 18.11.2009, recurso 593/09, de 25.11.2009, recurso 624/09 e de 16.09.2009, recurso 540/09, todos in www.dgsi.pt.

Com efeito, como se sublinha no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo 279/08 de 28.05.2009, «no âmbito do IVA fala-se de dedução de imposto relativamente ao imposto que o sujeito passivo tem a receber, nos termos dos arts. 19.º a 25.º do CIVA, não se referindo qualquer situação em que o sujeito passivo tenha de entregar imposto que tenha deduzido. De facto, no âmbito do referido direito à dedução, os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram [o imposto que deduziram, à face da definição dada na alínea a) do art. 11.º do RGIT], mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram».

Assim as referências à “prestação tributária que nos termos da lei deduziu" e à «prestação tributária deduzida nos termos da lei», que se utilizam no art. 114.º do RGIT, apenas abrangem situações em que o sujeito passivo procede à dedução do imposto, subtraindo-a de uma quantia global.

Ora, no caso dos autos, é inequívoco que não consta da decisão que aplicou a coima (a fls.41), nomeadamente da descrição sumária dos factos, o recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica que aí vem referida, o que afasta a possibilidade de preenchimento da hipótese do art. 114.°, n.° 2, do RGIT (que se reporta à conduta prevista no n.° 1 do mesmo artigo).

Assim sendo, e em face de tudo o exposto, não pode ter-se como adequadamente cumprido o requisito a que alude a alínea b) do n.° 1 do art. 79.° do RGIT (descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas), omissão essa que constitui nulidade insuprível (– Vide, neste sentido Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos no seu Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, pag. 435, e, no regime anterior, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário, comentado e anotado, 3ª Edição, pag. 456, nota 4.) - art. 63º, nº 1, al. d) do RGIT.” (sublinhado e destaque nosso).

No caso presente, como visto, a decisão administrativa de aplicação de coima indica, de facto, as normas violadas e punitivas, porém nada contempla, conforme evidenciado pelo Tribunal a quo, na descrição sumária dos factos, sendo certo que, de todo o modo, in casu, o preenchimento do tipo do 114.°, n.° 2, do RGIT, a que se reporta à conduta prevista no n.° 1 do mesmo artigo só se satisfaz com a menção ao recebimento do imposto anterior à entrega à Administração Tributária da declaração periódica que aí vem referida(5), o que, como é evidente, não sucede no caso vertente.

De relevar, in fine, que, a tal não obsta a nova redação dada à alínea a), do nº 5, do art. 114º do RGIT, pela Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro, e isto porque, ainda que o objetivo de tal preceito tenha sido o de alargar a previsão legal de molde a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços, verdade é que, in casu, a decisão administrativa de aplicação da coima limita-se a indicar como normas violadas as constantes dos artigos 114.º, nº 2, do RGIT, e 26.º, nº 4, do CIVA, não fazendo qualquer alusão ao artigo 114.º, nº5, alínea a), do RGIT. Pelo que, a decisão administrativa de aplicação da coima não está a dar cumprimento às exigências do artigo 79º, nº 1, alínea b), do RGIT, pondo em causa os direitos de defesa do arguido (6).Vide, Acórdão do STA, proferido no recurso nº 0160/12, com data de 16 de maio de 2012..

Assim, tudo visto e ponderado resulta que a decisão administrativa de aplicação de coima, viola o disposto no art.º 79.º n.º 1 alínea b) do RGIT, consubstanciando nulidade insuprível consagrada no art.º 63.º n.ºs 1, alínea d), 3 e 5, do mesmo diploma, pelo que a sentença que assim o decidiu deve manter-se.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

- NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.

Sem Custas.

Registe. Notifique.


Lisboa, 11 de abril de 2019

(Patrícia Manuel Pires)

(Mário Rebelo)

(Joaquim Condesso)


(1) Na esteira do art.º 58.º, do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27/10.

(2) Regime Geral das Infrações Tributárias, Anotado, 2.ª edição, p. 468.

(3) Neste sentido, decidem os Arestos do Supremo Tribunal Administrativo de 18/02/2009, processo n.º 1120/08, e de 08/07/2009, processo n.º 361/09, ambos disponíveis em www.dgsi.pt

(4) De que são exemplos, designadamente, os acórdãos de 28/05/2008, processo n.º 279/08, de 18/09/2008, processo n.º 483/08, de 15/10/2008, processo n.º 481/08, de 29/10/2008, processo n.º 479/08, de 29/10/2008, processo n.º 477/08, de 12/11/2008, processo n.º 577/08, de 26/11/2008, processo n.º 513/08, de 11/02/2009, processo n.º 578/08 de 02/12/2009, processo nº 0593/09, de 18/11/2009, processo nº 0209/11, de 11-05-2011, processo nº 855 de 23/11/2011 e processo nº 0801/11, de 18/01/2012.

(5) Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo nº 01406/16, de 08 de março de 2017, disponível para consulta em www.dgsi.pt..

(6)Vide, Acórdão do STA, proferido no recurso nº 0160/12, com data de 16 de maio de 2012..