Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1513/19.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:RCO
DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS
INSOLVÊNCIA
MORTE DO INFRATOR
Sumário:I. Sendo certo que o recurso de contraordenação deve ser enviado completo, pela autoridade administrativa, ao tribunal tributário competente para a sua apreciação, no caso de se verificar que o mesmo não contém elementos fundamentais para conhecimento de questão suscitada oficiosamente, não pode o juiz deixar de realizar diligências instrutórias com vista à sua obtenção.

II. A dissolução de sociedade comercial, por declaração de insolvência, equivale à morte do infrator, para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 61.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da decisão liminar proferida a 19.09.2019, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgado procedente o recurso apresentado por B., S. A. – em liquidação (doravante Recorrida ou Arguida), da decisão de aplicação de coima, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças (SF) de Lisboa 2, no processo de contraordenação (PCO) a que foi atribuído, na fase administrativa, o n.º 32472010060000111173.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

A. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente o recurso de contraordenação apresentado nos termos do art.80.º do RGIT, julgado extinto o procedimento, por ílicito de mera ordenação social tributário sobre a Arguida, ao abrigo do disposto no art.61.º corpo e alíneas a) e b) do Regime Geral das Infrações Tributárias.

B. Considerando fundamentação em que assenta a douta sentença, no entendimento da Representação da Fazenda Pública e salvo melhor opinião, a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” encontra-se inquinada por falta de diligências.

C. Se bem compreendemos a douta sentença, imputa a mesma a falta de documentos sobre o processo crime que correu para efeitos de suspensão dos autos para efeitos da contagem da prescrição, alocando na sua argumentação interrogações e reticências sobre a efectiva existência do mesmo.

D. Pelo que, a falta de realização oficiosa das diligências instrutórias úteis para o conhecimento dos factos alegados ou de factos susceptíveis de serem conhecidos também oficiosamente constitui um erro de julgamento porquanto se traduz numa errada não aplicação do preceito legal que a impõe.

E. Assim, entendemos que a Douta Decisão encontra-se em erro de julgamento na circunscrição da matéria de facto, em sede da omissão de diligências devidas atento o entendimento do Douto Tribunal “a quo”.

F. Por outro lado, a decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada elaboração para a solução jurídica no caso sub-judice, porquanto, a douta sentença, em suma, entendeu que a sociedade considera-se extinta para efeitos sancionatórios (contraordenacionais), não pelo registo de encerramento da sua liquidação, mas desde a sua declaração de insolvência.

G. Assim, a questão pertinente na presente sede é proceder ao preenchimento do conceito a atribuir à morte do arguido a que apela a norma contida na alínea a) do artigo 61.º do RGIT, de acordo com o qual o procedimento de contraordenação se extingue com a morte do arguido, uma vez que tal extinção impõe, pela via do artigo 62º do RGIT, a extinção da obrigação de pagamento da coima e de cumprimento das sanções acessórias.

H. Não olvidamos a entretanto ocorrida pronúncia jurisprudencial, mas quer nas perspetivas já acalentadas pela Fazenda Pública, que reiteramos, quer por novas perspetivas, será de persistir na incongruência da interpretação aqui em crise.

I. De facto, importa sempre aclarar, que se o procedimento contraordenacional se extingue com a morte do arguido, e portanto com a extinção da pessoa coletiva, é seguro afirmar que, de acordo com o artigo 160°, n.º 2, do CSC e a alínea t) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Registo Comercial, a extinção da pessoa coletiva se efetiva apenas com o registo comercial do encerramento da liquidação da pessoa coletiva.

J. Da declaração de insolvência da pessoa coletiva decorre a sua dissolução (alínea e) do n.º 1 do artigo 141.º do CSC), o que determina que a sociedade entre em liquidação (cf. n.º 1 do artigo 146.° do CSC), porém, sucede que o n.º 2 do artigo 146.º do CSC determina expressamente que a sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas, daí decorrendo uma clara e inequívoca comparação entre a sociedade que exerce em condições normais a sua atividade e a sociedade que inicia processo de dissolução e de liquidação.

K. Ademais, a declaração de insolvência, pela verificada impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações por parte do devedor (artigo 3º, n.º 1, do CIRE), não acarreta uma imediata cessação da atividade da empresa, e veja-se neste sentido o n.º 1 do artigo 82.º do CIRE que afirma que os órgãos sociais do devedor se mantêm em funcionamento após a declaração de insolvência, indiciando a continuidade, ainda que em moldes necessariamente diferentes face ao constrangimento provocado pela insolvência, da atividade da empresa.

L. Nem a declaração de insolvência implica a necessária dissolução e liquidação da empresa, porquanto da assembleia de credores na sequência da declaração de insolvência pode emergir a aprovação e homologação de um plano de insolvência (artigos 209.° a 216.° do CIRE) que preveja como dispõe a alínea c) do n.º 2 do artigo 195.º do CIRE, a manutenção em atividade da empresa, podendo inclusive o plano de insolvência aprovado reconduzir-se a uma estratégia de recuperação da empresa, acaso tal objetivo se mostre exequível e conforme ao deliberado em assembleia de credores.

M. Por outro lado, independentemente do destino seguido em processo de insolvência (recuperação ou liquidação da empresa ou mesmo alienação da mesma), sempre esta manterá a sua personalidade jurídica, mesmo que em liquidação, bem como mantém a sua personalidade tributária nos termos do artigo 15.º da Lei Geral Tributária, a qual não é afetada pela declaração de insolvência.

N. Nesta linha de entendimento, entendemos importante trazer à colação o entendido pelo Tribunal da Relação do Porto no acórdão de 16/09/2014, proc.836/12.0TBSTS-C.P1, corroborando a nossa exposição, e sempre pela clarividência empregada, desde log, patente no seu sumário: I - Só a extinção das sociedades comerciais, que ocorre com o registo do encerramento da respectiva liquidação e, no caso de insolvência, com o registo do encerramento do processo após o rateio final, se e quando o mesmo tiver lugar, é equiparável à morte das pessoas singulares, e não a dissolução daquelas sociedades. II - Assim, enquanto não ocorrer aquela extinção, mantém-se a responsabilidade contra-ordenacional pelas infracções praticadas anteriormente à referida dissolução e pelo pagamento das coimas e demais sanções acessórias aplicadas.

O. Conforme referido no douto acórdão, ( remetendo para os Ac. STJ de 02/07/1996, Proc. nº 423/96, BMJ nº 459, pág. 556 e segts, Ac. STJ de 12/10/2006, Proc. nº 06P2930, Ac. RLx de 21/02/2013, Proc. 3169/09.5YDLSB.L1-2 , Ac. RP de 06/06/2012, Proc. 176/01.0TBVCD-B.P1, Ac. RP de 22/06/2011, Proc. 17716/09.9TDPRT.P1, Ac. RP de 1505/2013, Proc. 15312/09.0IDPRT.P1) esta é a posição dos tribunais comuns, havendo apenas um entendimento diferente em sede dos tribunais administrativos e fiscais.

P. Assim, a Fazenda Pública entende que se deve optar pela posição dos Tribunais Comuns!

Q. Concluímos, desta forma, que a declaração de insolvência da arguida não é determinante da extinção do procedimento contraordenacional por morte do infrator, por não enquadrável na alínea a) do artigo 61.º do RGIT, uma vez que não pode ser equiparada a insolvência declarada por sentença transitada em julgado à extinção da pessoa coletiva.

R. Assim sendo, é entendimento da Representação da Fazenda Pública que o Tribunal “a quo”, com a decisão ora em crise, efetuou a errónea subsunção dos factos às normas jurídicas pertinentes, com violação das normas da alínea a) do artigo 61.º e do artigo 62.º do RGIT e do artigo 160.º, n.º 2, do CSC., ao considerar, no conteúdo da douta sentença, que a declaração de insolvência representa a morte do arguido como causa da extinção do procedimento contraordenacional.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificados a Recorrida e o Ilustre Magistrado do Ministério Público (IMMP), nos termos e para os efeitos previstos nos art.ºs 411.º, n.º 6, e 413.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (CPP), aplicáveis ex vi art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral do Ilícito de mera ordenação social (RGCO), ex vi art.º 3.º, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), foi apresentada resposta pela primeira, na qual foram formuladas as seguintes conclusões:

1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente o recurso da decisão de aplicação de coima, proferida pela Exma. Senhora Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lisboa-2, no âmbito do processo contraordenacional n.º 32472010060000111173, a qual aplicou ao ora Recorrido uma coima no valor de € 30.000,00, acrescida das custas processuais no valor de € 51,00, pela alegada falta de entrega do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) retido na fonte no período de tributação de 2006/12, no valor de € 747.664,84, ao abrigo do artigo 98º do Código do IRS, consubstanciada na contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 114.º, n.º 2 e 26.º, n.º 4, todos do RGIT;

2.ª Considera o Tribunal recorrido que, tendo em conta a documentação junta aos autos pelas partes, o processo de contra-ordenação se encontrava prescrito à data da notificação da decisão final de aplicação de coima;

3.ª Para sustentar tal posição, o Tribunal a quo refletiu sobre o facto de o processo contraordenacional ter sido instaurado no final do ano de 2010, sobre o facto de não existirem evidências nos autos que indiciassem a existência de um facto suspensivo do prazo de prescrição do processo, conduzindo-o a considerar que o renovado prazo de prescrição, recomeçado por força da notificação nos termos da alínea b), do n.º 4, do artigo 105.º do RGIT referente ao processo-crime, havia prescrito no final do prazo normal previsto no artigo 28.º, n.º 3 do RGCO acrescido de metade, i.e. no dia 23.07.2014;

4.ª Para sustentar a posição relativamente à extinção do presente processo de contra-ordenação por morte do infrator, o Tribunal a quo baseou a sua fundamentação na ampla jurisprudência dos Tribunais tributários superiores que considera que basta a declaração de insolvência se considerar o arguido, pessoa coletiva, extinto para efeitos contraordenacionais, inexistindo causas que conduzam à responsabilidade contraordenacional ou outros motivos fundados para uma censura sancionada através de coima;

5.ª Inconformado com a douta sentença, o Ilustre Representante da Fazenda Pública deduziu o respetivo recurso, defendendo, no âmbito das suas alegações, que a sentença padece de erro de julgamento na circunscrição da matéria de facto porquanto o Tribunal a quo deveria ter ordenado diligências no sentido de notificar a Fazenda Pública para vir esclarecer as dúvidas sobre os eventuais desenvolvimentos e destino do processo-crime antes de emitir a sua decisão relativamente à prescrição do processo contraordenacional em causa;

6.ª Por outro lado, o Ilustre Representante da Fazenda Pública aponta à douta sentença recorrida o vício de erro de julgamento da matéria de direito relativamente ao segmento decisório referente à morte do arguido, porquanto o Tribunal recorrido efetuou uma errónea subsunção dos factos às normas jurídicas pertinentes, com violação das normas da alínea a), do artigo 61.º e do artigo 62.º do RGIT e do artigo 160.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), por ter sido considerado que a declaração de insolvência representa a morte do arguido como causa da extinção do procedimento contraordenacional;

7.ª Afigura-se ao Recorrido ser manifesta a improcedência do entendimento propugnado pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública nas suas alegações de recurso;

8.ª O Ilustre Representante da Fazenda Pública não concretiza o erro de julgamento da matéria de facto, não apontando uma prova concreta que demonstre a existência de uma suspensão do prazo de prescrição que fosse suscetível de alterar o juízo do Tribunal a quo na subsunção dos factos ao direito;

9.ª Da mesma forma, o Ilustre Representante da Fazenda Pública nas suas alegações de recurso não indica um ponto da matéria de facto em concreto que tivesse sido incorretamente julgado, apenas e tão-só que não foram efetuadas prévias diligências oficiosas para satisfação das alegadas dúvidas apontadas pelo Tribunal a quo;

10.ª Assim, o Ilustre Representante da Fazenda Pública não cumpriu com o ónus de especificação da matéria de facto, não se extraindo das alegações de recurso qualquer ponto de facto ou prova que demonstre o erro de julgamento na circunscrição da matéria de facto, conforme impõe o artigo 412.º, n.º 3, alíneas a) e b) do CPP, aplicável ex vi do artigo 3.º, alínea b) do RGIT e 41.º, n.º 1 do RGCO (neste sentido, veja-se a jurisprudência do STJ acórdão de 19.09.1990, rec. n.º 41091 e acórdão do STJ de 07.05.1992, rec. n.º 42663; e ainda a doutrina de JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, cf. «Regime Geral das Infrações Tributária anotado» Áreas Editora, 4.ª Ed., 2010, página 565);

11.ª No que se refere ao alegado erro de julgamento na circunscrição da matéria de facto, por omissão de diligências probatórias devidas no que se refere ao segmento decisório relativo à prescrição do processo contraordenacional, não merece censura o juízo do Tribunal a quo, uma vez que, aquando da indagação dos factos reportados como essenciais para aferir da existência de uma prescrição do processo contraordenacional, baseou-se nos documentos que foram juntos aos autos pelo ora Recorrido e pela Fazenda Pública, por força da apresentação do processo de contraordenação instruído pelo serviço da administração tributária onde o mesmo foi instaurado, no caso o Serviço de Finanças de Lisboa-2;

12.ª Ao contrário do que vem defendido pelo Ilustre Representante da Fazenda Pública, não constando do processo contraordenacional junto aos autos qualquer documentação que permitisse alcançar a conclusão de que o processo não se encontrava prescrito, e não tendo a Fazenda Pública apresentando documentação complementar, mesmo a convite do Tribunal recorrido por Despacho de 10.09.2019, não poderá agora ser alegado que a sentença padece de erro de julgamento por omissão de diligências;

13.ª Diversamente do alegado pela Fazenda Pública, decorre do segmento decisório aqui em crise que o Tribunal a quo cumpriu com o princípio do inquisitório, tendo consultado e analisado o processo contraordenacional remetido ao seu conhecimento, concluindo em seguida que, perante os factos e evidências oferecidas, o processo contraordenacional já se encontrava prescrito;

14.ª Acresce que, não merece censura o entendimento do Tribunal a quo quanto à subsunção dos factos às normas jurídicas respeitantes à morte do arguido, porquanto é de afastar o entendimento segundo o qual a declaração de insolvência não implica necessariamente a dissolução da sociedade, ou que a sociedade mantém a personalidade jurídica na fase de liquidação e que só é encerrada definitivamente com o registo comercial do encerramento da liquidação (neste sentido vai a ampla jurisprudência do STA vertida, nomeadamente no acórdão de 04.12.2019, proferido no processo n.º 01011/16.0BESNT, no acórdão de 28.02.2018, proferido no processo n.º 01314/17, de 04.11.2015, nos acórdãos proferidos no processo n.º 0836/15; de 21.10.2015, no processo n.º 0610/15; de 02.07.2014, no processo n.º 0638/14; e de 21.05.2014, no processo n.º 0457/14);

15.ª De acordo com o artigo 10.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, em vigor à data dos factos, a administração tributária deveria, até 31 de dezembro de 2019, ter revogado a decisão de aplicação de coima tendo em conta a existência de “Jurisprudência reiterada quanto à matéria objeto do processo em sentido favorável ao sujeito passivo.”, o que não sucedeu;

16.ª Tem a jurisprudência do STA e a doutrina que versam sobre esta temática, argumentado que, apesar de a pessoa coletiva, dissolvida e em liquidação, manter personalidade jurídica, conforme dispõe o artigo 146º nº 2 do CSC, fica inibida de prosseguir com a sua atividade, passando o património a constituir uma massa insolvente (gerida por um administrador de insolvência) que, simplesmente, se traduz num acervo de bens e direitos exclusivamente adstritos a satisfazer os encargos da administração e os créditos que hajam sido reconhecidos, consequentemente não relevando de uma atividade própria da pessoa coletiva de que fizeram parte;

17.ª Para efeitos da aplicação das regras do processo de contraordenação tributária, o que importa é a suscetibilidade de ser sujeito de responsabilidade contraordenacional, que, pela sua própria natureza não se pode manter depois de decretada a insolvência;

18.ª Acresce que, a conclusão do Tribunal a quo não pode ser alterada em face da posição da jurisprudência dos Tribunais de jurisdição comum, conforme propugna o Representante da Fazenda Pública (cf. conclusão p) das alegações de recurso);

19.ª Efetivamente, pese embora o diverso enquadramento que sobre esta matéria os tribunais da jurisdição comum têm vindo a adotar, em face do disposto nos artigos 141.º, 146.º, n.º 2 e 160.°, n.º 2, todos do CSC, deverá atentar-se ao bem jurídico em causa e à especificidade das relações jurídico-tributárias que continua a justificar um diverso enquadramento jurídico-tributário quanto ao momento em que se deverá ficcionar “a morte da pessoa coletiva (neste sentido vai o acórdão datado de 07.02.2014, proferido no processo n.º 0638/14);

20.ª O argumento sobre a extinção do processo de contraordenação por “morte do infrator” sai reforçado na medida em que, como se demonstrou, a dissolução do Recorrido operou a 22.10.2010 (cf. documento n.º 3 do recurso judicial junto aos autos), antecedendo a instauração do próprio processo de contraordenação, que só ocorreu a 31.10.2010;

21.ª As alegações de recurso apresentadas pelo Representante da Fazenda Pública falecem de razão, devendo, em consequência, o recurso apresentado contra a douta sentença do Tribunal recorrido ser julgado improcedente e mantida a sentença recorrida.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e, nessa medida, manter-se a sentença recorrida, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!”

O IMMP neste TCAS pronunciou-se, no sentido da procedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP. A Recorrida respondeu, mantendo a posição que já evidenciara na resposta anteriormente apresentada.

Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) O Tribunal a quo violou o princípio do inquisitório?

b) Há erro de julgamento, na medida em que, para efeitos contraordenacionais, a declaração de insolvência não pode ser encarada como equivalente a morte do infrator?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido não estruturou, de forma separada, a factualidade que considerou provada, não obstante a mesma se extrair do teor da decisão.

Considerando, no entanto, vantajosa a estruturação separada da matéria de facto relevante, nos termos do disposto no art.º 431.º, al. a), do CPP, ex vi art.º 41.º, n.º 1, do RGCO, ex vi art.º 3.º, al. b), do RGIT, considera-se provada a seguinte matéria de facto:

1) A 23.04.2010, no Tribunal do Comércio de Lisboa, foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade B., SA, no processo n.º 519/10.5TYLSB (fls. 4 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 004029078).

2) Foi publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 98, de 20.05.2010, anúncio de publicidade da sentença referida em 1) (fls. 4 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 004029078).

3) Através da ap. 150/20101022, referente à inscrição 8, foi registada a dissolução do B., SA – em liquidação (fls. 6 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 004029078).

4) Foi levantado auto de notícia contra o B., S. A. – em liquidação, a 31.10.2010, por falta de entrega de imposto retido na fonte relativo a dezembro de 2006 (cfr. fls. 3 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 004029074).

5) Na sequência do auto de notícia referido em 4), foi autuado, contra o B., S. A. – em liquidação, a 31.10.2010, no SF de Lisboa 2, o PCO n.º 32472010060000111173 (cfr. fls. 2 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 004029074).

6) No âmbito do PCO mencionado em 5) foi remetido ofício, datado de 31.10.2010, dirigido ao B., S. A. – em liquidação, para efeitos do exercício do direito de defesa (cfr. fls. 5 a 7 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 004029074).

7) No âmbito do PCO mencionado em 5), foi proferida decisão, pelo chefe do SF de Lisboa 2, datada de 13.02.2010, da qual consta designadamente o seguinte:

“…

Imagem: Original nos autos

…” (cfr. fls. 8 e 9 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 004029074).

8) No âmbito do PCO mencionado em 5), foi proferida decisão, pelo chefe do SF de Lisboa 2, datada de 26.09.2018, da qual consta designadamente o seguinte:

“…

Imagem : Original nos autos

…” (cfr. fls. 1 e 2 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 004029075).

9) A decisão referida em 8) foi comunicada ao B., S. A. – em liquidação (cfr. fls. 2 e 8 do documento com o número de registo no SITAF neste TCAS 004029078).


II.B. Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.




II.C. A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.


III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da violação do princípio do inquisitório

A Recorrente invoca, desde logo, o erro de julgamento do Tribunal a quo, na medida em que deveria o mesmo ter levado a cabo diligências instrutórias, com vista ao cabal conhecimento da matéria da prescrição, o que não fez.

Vejamos.

Antes de mais, ao contrário do referido pela Recorrida, não se está aqui perante uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mas sim perante a invocação de uma irregularidade, que a Recorrente entende ter sido praticada pelo Tribunal a quo, refletida na sua decisão e atentatória do princípio do inquisitório.

No âmbito dos recursos de decisões administrativas de aplicação de coima ao abrigo do RGIT, remetido que seja o processo ao tribunal, pode o mesmo ser, em determinadas circunstâncias, liminarmente decidido ou prosseguir, com ou sem audiência de discussão e julgamento, mas, seguramente, com notificação, desde logo, da Fazenda Pública para, querendo, oferecer qualquer prova complementar, arrolar testemunhas, quando ainda o não tenham sido, ou indicar os elementos ao dispor da administração tributária que repute conveniente obter (cfr. art.º 81.º, n.º 2, do RGIT).

No caso dos autos, o Tribunal a quo proferiu decisão liminar (ou seja, ao contrário do referido pela Recorrida, não foi proferido qualquer despacho solicitando elementos à Fazenda Pública), na qual, de um lado, considerou prescrito o procedimento contraordenacional, questão que conheceu oficiosamente, porquanto não fora alegada pela ora Recorrida, e considerou ainda que, face à declaração de insolvência mencionada em 1), se extinguiu a responsabilidade contraordenacional.

Ora, não pode deixar de se acompanhar o entendimento da Recorrente nesta parte.

Com efeito, sendo certo que o recurso de contraordenação deve ser enviado completo ao tribunal tributário competente para a sua apreciação, no caso de se verificar que o mesmo não contém elementos fundamentais para conhecimento de questão suscitada oficiosamente, não pode o juiz deixar de realizar diligências instrutórias com vista à sua obtenção. Aliás, como referimos, nem foi sequer dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do art.º 81.º do RGIT.

Ademais, o próprio art.º 340.º do CPP dispõe que “[o] tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa”.

Retornando ao caso dos autos, verifica-se que foi oficiosamente conhecida questão para a qual existem dúvidas em torno da completude dos elementos referidos, dúvidas essas, aliás, expressadas na decisão, não tendo sido levada a efeito qualquer diligência com vista a confirmar ou infirmar da existência de outros elementos pertinentes para a apreciação dessa mesma questão, o que seria, no caso concreto, indispensável.

Como tal, assiste, nesta parte, razão à Recorrente.

No entanto, a consequência adveniente desta conclusão só tem efeitos práticos se assistir razão à Recorrente quanto à segunda questão apresentada, porquanto, como referimos, o Tribunal a quo julgou extinta a responsabilidade contraordenacional também por força da declaração de insolvência da ora Recorrida. Assim, cumpre apreciar a segunda questão suscitada.

III.B. Do erro de julgamento quanto aos efeitos da declaração de insolvência

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, em seu entender, apenas com o encerramento da liquidação se pode considerar extinta a pessoa coletiva para efeitos de responsabilidade contraordenacional.

Nos termos do art.º 141.º, n.º 1, al. e), do Código das Sociedades Comerciais (CSC), a declaração de insolvência de uma sociedade é um dos casos de dissolução imediata da mesma.

Por seu turno, o RGIT, no seu art.º 61.º, al. a), determina que o procedimento por contraordenação se extingue com a morte do arguido.

Cumpre aferir, pois, se a referida dissolução equivale à morte da ora Recorrida.

A este propósito, é jurisprudência constante da jurisdição administrativa e fiscal que existe tal equivalência.

Nesse sentido, vejam-se, a título meramente ilustrativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.02.2021 (Processo: 01237/15.3BESNT), de 04.12.2019 (Processo: 01011/16.0BESNT 0817/17), de 21.11.2019 (Processo: 01527/15.5BELRS 0779/17), de 30.10.2019 (Processo: 022/17.2BEAVR 0675/18), de 23.10.2019 (Processo: 02034/13.6BELRS), de 12.12.2018 (Processo: 0667/17.0BEAVR 0528/18), de 14.11.2018 (Processo: 03044/12.6BELRS), de 22.03.2018 (Processo: 076/18), de 28.02.2018 (Processo: 01314/17), de 24.01.2018 (Processo: 01311/17), de 20.12.2017 (Processo: 0309/17), de 27.01.2016 (Processo: 0870/15) e de 21.10.2015 (Processo: 0610/15).

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 21.10.2016 (Processo: 0610/15):

“Este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou por diversas vezes sobre questão similar à ora suscitada e no sentido de que a declaração de insolvência constitui um dos fundamentos de dissolução das sociedades e essa a dissolução equivale à morte do infractor, em harmonia com o disposto nos artigos 61.º e 62.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) e no artigo 176.º, nº 2, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, daí decorrendo a extinção do procedimento contra-ordenacional, da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva - cf., neste sentido, para além dos supra citados acórdãos 617/10, 1107/12 e 638/14, os proferidos em 3/11/1999, 15/06/2000, 21/01/2003, 26/02/2003, 12/01/2005, 6/10/2005, 16/11/2005, 27/02/2008, 12/03/2008 e 21.05.2014, nos recursos nºs 24.046, 25.000, 01895/02, 01891/02, 1569/03, 715/05 e 524/05, 1057/07, 1053/07 e 457/14, respectivamente, todos in www.dgsi.pt.

Concordamos com esta jurisprudência cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação também no caso vertente, e que aliás, colhe apoio da doutrina, nomeadamente de Alfredo José de Sousa e Silva Paixão (Código de Processo Tributário, 4ª ed., p. 425.), António Tolda Pinto e Jorge Manuel dos Reis Bravo, Regime Geral das Infracções Tributárias, Coimbra Editora, pag. 195 e de Jorge Lopes de Sousa, (Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. III, 6ª ed., Anotações 6 a 8 ao art. 176º, pp. 306 a 308.), obra esta em que salienta que «…é essa a única solução que se harmoniza com os fins específicos que justificam a aplicação de sanções, que são de repressão e prevenção e não de obtenção de receitas para a administração tributária».

Efectivamente de acordo com o disposto nos arts. 61º e 62º do RGIT, o procedimento por contra-ordenação extingue-se com a morte do arguido, sendo que também a obrigação de pagamento da coima e de cumprimento das sanções acessórias se extingue com a morte do infractor.

Ora à morte do infractor deve ser equiparada a extinção da pessoa colectiva arguida no processo de contra-ordenação, sendo que a sociedade se considera extinta pelo encerramento da liquidação (artº 160º do CSC).

Como sublinha Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume 3º, pag. 307, «mantendo embora a sociedade dissolvida, em liquidação, a sua personalidade jurídica - art.146°, n.° 2 do CSC - são, com a declaração de falência, apreendidos todos os seus bens, passando a constituir um novo património, a chamada "massa falida": um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, em primeiro lugar, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos.

Pelo que, então, já não encontrará razão de ser a aplicação de qualquer coima”.

Quanto ao enquadramento feito pelos tribunais da jurisdição comum, alegado pela Recorrente, referiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 02.07.2014 (Processo: 0638/14):

“[P]ese embora o diverso enquadramento que sobre esta matéria os tribunais da jurisdição comum têm vindo a adoptar, em face do disposto nos arts. 141º, 146º, nº 2 e 160º, nº 2, todos do Código das Sociedades Comerciais, (…) crê-se que a especificidade das relações jurídico-tributárias continua a justificar um diverso enquadramento jurídico quanto ao momento em que se deverá ficcionar «a morte da pessoa colectiva», sendo que neste sentido parece apontar o entendimento legislativo substanciado na Lei nº 16/2012, de 20/4 [diploma que introduziu diversas alterações ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)], nomeadamente em face da redacção introduzida no art. 65º: «[...]— (Anterior corpo do artigo.) 2 — As obrigações declarativas a que se refere o número anterior subsistem na esfera do insolvente e dos seus legais representantes, os quais se mantêm obrigados ao cumprimento das obrigações fiscais, respondendo pelo seu incumprimento.

3 — Com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento, nos termos do nº 2 do artigo 156º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da atividade.

4 — Na falta da deliberação referida no número anterior, as obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar.

5 — As eventuais responsabilidades fiscais que possam constituir-se entre a declaração de insolvência e a deliberação referida no nº 3 são da responsabilidade daquele a quem tiver sido conferida a administração da insolvência, nos termos dos números anteriores” [cfr., v.g., no mesmo sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.02.2021 (Processo: 01237/15.3BESNT) e jurisprudência no mesmo referida].

Aderindo, pois, a esta jurisprudência, no caso dos autos, como resulta da factualidade assente, à data da instauração do PCO em causa já a sociedade fora declarada insolvente. Como tal, nessa data, a sociedade em causa encontrava-se dissolvida, por força da insolvência.

A referida circunstância, considerando a jurisprudência referida supra, a que se adere, equivale à morte do infrator, com as necessárias consequências em termos de extinção do processo contraordenacional e seu subsequente arquivamento (cfr. art.º 77.º, n.º 1, do RGIT).

Como tal, não se acompanha o entendimento da FP.

Esta circunstância conduz a que seja de negar provimento ao recurso, porquanto a manutenção da decisão recorrida nesta parte é suficiente para dirimir o conflito.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 07 de dezembro de 2021

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)