Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1958/11.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/11/2021
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA,
DESPACHO DE REVERSÃO,
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:O despacho de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário não se encontra devidamente fundamentado se simultaneamente menciona a alínea a) e a alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, e não é possível determinar, face aos elementos que dele constam ou da informação para a qual o mesmo remete, qual a alínea concretamente aplicada.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição de D... à execução fiscal n.º 152... e apensos, como responsável subsidiário da executada a título principal, a sociedade B... – G…, Lda, por sua ilegitimidade para nos autos principais serem executados.

A Recorrente, FAZENDA PÚBLICA, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES

A) In casu, com elevado respeito pelo respeitoso areópago a quo, na humilde perspectiva jurídica do aqui Recorrente, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido nos arts. 23.º, 24.º, n.º 1, al. a) e b) e art. 74.º ambos da LGT; art. 153.º e al. b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT; arts. 342.º, 344.º, 349.º e 350.º do CCivil ex vi art. 2.º, al. d) da LGT, art. 13º e 114º do CPPT e art. 99.º da LGT, no art. 205.º da nossa Mater Legis; arts.125.º e 123.º, n.º 2 do CPPTributário; arts. 653.º, 655º., 659.º, 668.º, n.º 1, al. b) do CPCivil ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT,

B) Tudo assim, devidamente condimentado com o Princípio da Legalidade, o Principio da Busca da Verdade Material, o Principio da Igualdade de Armas, o Principio da Aquisição Processual de Prova e dos Factos, o Principio da Justiça, conjugadamente com a Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para que,

C) Se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA DA OPOSIÇÃO aduzida pela Recorrida, maxime, para que melhor se pudesse inferir pela legitimidade do Oponente para figurar enquanto executada, por reversão, nos processos de execução fiscal n.º 152... (e apensos) cuja dívida exequenda se cifra em EUR 87.339,92 euros, tal como infra melhor se explanará.

D) Aliás, tudo assim, conforme melhor é explanado e plasmado do item 13º ao 27.º das Alegações de Recurso que supra se aduziram e das quais as presentes Conclusões são parte integrante.

E) Consequentemente, salvaguardado o elevado respeito, o areópago a quo, preconizou erro de julgamento.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

CONCOMITANTEMENTE,
Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro ato da administração pública, fazer justiça é um ato místico de transcendente significado, o qual poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!»

O Recorrente não apresentou contra-alegações.

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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Foi proferido nos presentes autos decisão sumária pela Juíza Relatora ao abrigo do disposto no art. 656.º do CPC.

Contudo, a Recorrente Fazenda Pública vem requerer nos autos que seja proferido acórdão nos termos do n.º 6 do artigo 641.º e do n.º 3 do art.º 652.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável, ex vi da al. e) do art.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Colhidos os vistos legais, cumpre proferir acórdão.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir da nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto, por os factos se encontram insuficientemente motivados, e não existe um exame crítico da prova, violando-se o disposto no art. 125.º, n.º1 do CPPT, e artigos 653.º, 655.º, 659.º, e 668.º, n.º1, alínea b) do CPC, violando-se ainda diversos princípios constitucionais e outras normas jurídicas (conclusões A) a D) das alegações de recurso), e consequentemente verifica-se erro de julgamento por errónea aplicação do direito aos factos (conclusão E das alegações de recurso).

II. FUNDAMENTAÇÃO

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

« Sobre tanto, são os seguintes os factos que resultam provados do acervo probatório reunido:

1. Os autos principais, a execução fiscal nº152..., foram instaurados no Serviço de Finanças de Loures 1, a 16 de agosto de 2006 e incidem sobre a sociedade B... – G…, L.da, que figura no título executivo como devedora, sendo objeto de execução coerciva uma dívida provenientes de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do ano de 2002, sendo €116.649,67 de dívida de imposto, €1.352,35 de dívida de juros de mora e €18.585,87 de juros compensatórios, cujos prazos de pagamento terminaram a 26 de junho de 2006.

2. A sociedade executada foi citada a 18 de setembro de 2006 e no dia 9 do mês seguinte dirigiu ao Órgão de Execução Fiscal um pedido de pagamento em prestações da dívida, oferecendo logo um prédio rústico em garantia da boa cobrança, enquanto o plano de pagamentos durasse.

3. Por decisão do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, de 11 de dezembro de 2006, o pedido viria a ser deferido, se bem que em menor número de prestações que o pedido e sob condição de a executada oferecer mais garantias, porquanto a apresentada era manifestamente insuficiente.

4. Notificada de tanto (e do plano) a 12 de fevereiro de 2007, a executada requereu a 21 desse mês a avaliação do prédio antes oferecido, que reputava ter real valor venal suficiente, bem como indicava ainda um outro prédio rústico em garantia, se necessário fosse e relativamente ao qual pedia também avaliação.

5. Não chegou a ser efetivada a cobrança do único cheque que a executada emitiu para cumprimento das prestações, devolvido na compensação a 6 de maio de 2008.

6. Na sequência de o oficial de diligências, em 16 de setembro de 2009, ter consultado a contabilidade da executada e ter concluído não ser fiável e que os créditos nela vertidos como sendo de junho de 2009 eram já antigos e os clientes havia muito não tinham qualquer relação com ela, bem como porque não encontrou a sua sede social, o Órgão de Execução Fiscal iniciou o procedimento enxerto tendente à eventual reversão da execução sobre responsáveis subsidiários.

7. Um outro requerimento, de 27 de novembro de 2009, de pagamento em prestações, seria ainda apresentado pela sociedade, mas sobre ele não houve decisão.

8. Ao invés, prosseguiu aquele procedimento, vindo os gerentes da sociedade, entre eles o Opoente, D..., a ser notificados para audição prévia, este a 18 de outubro de 2010.

9. O Opoente estava designado cogerente da sociedade executada desde a sua constituição e até então.

10. A dívida sobre o Opoente considerada reversível ascendia então a €87.339,92, incluindo as mencionadas no ponto 1., mas nos montantes parcelares de €55.137,93, 9.144,41 e €1.485,72 e, ainda, as seguintes, dos processos entretanto apensados a esse, em que a sociedade é igualmente executada:

a) nº1520… – instaurado a 12 de janeiro de 2008, visando a cobrança coerciva de €748,20 e acrescido, proveniente de Imposto sobre o Valor Acrescentado do ano de 2006, cujo prazo de pagamento terminara a 7 de fevereiro de 2007;

b) nº15202… – instaurado a 9 de julho de 2008, visando a cobrança coerciva de €1.485,72 de imposto e €29,79 de juros, proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do ano de 2006, cujo prazo de pagamento terminara a 18 de junho de 2008;

c) nº152020… – instaurado a 30 de julho de 2008, visando a cobrança coerciva de €203,50 e de €48, aquela quantia representativa de uma coima e esta segunda quantia a título de custas do processo onde foi aplicada, cujos prazos de cumprimento/pagamento terminaram a 26 de junho de 2008;

d) nº1520200…– instaurado a 5 de setembro de 2008, visando a cobrança coerciva de €203,50 e de €48, aquela quantia representativa de uma coima e esta segunda quantia a título de custas do processo onde foi aplicada, cujos prazos de cumprimento/pagamento terminaram a 3 de agosto de 2008;

e) nº15202008… – instaurado a 4 de dezembro de 2008, visando a cobrança coerciva de €204 e de €48, aquela quantia representativa de uma coima e esta segunda quantia a título de custas do processo onde foi aplicada, cujos prazos de cumprimento/pagamento terminaram a 2 de novembro de 2008;

f) nº15202009… – instaurado a 23 de outubro de 2009, visando a cobrança coerciva de €17.643,72 de imposto, €356,30 de juros de mora e €1.502,37 de juros compensatórios, proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do ano de 2006, cujo prazo de pagamento terminara a 30 de setembro de 2009;

g) nº152020090… – instaurado a 29 de outubro de 2009, visando a cobrança coerciva de €1.252,44 de imposto, €25,13 de juros de mora e €4,11 de juros compensatórios, proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do ano de 2008, cujo prazo de pagamento terminara a 7 de outubro de 2009;

h) nº1520200901… – instaurado a 14 de novembro de 2009, visando a cobrança coerciva de €203,50 e de €51, aquela quantia representativa de uma coima e esta segunda quantia a título de custas do processo onde foi aplicada, cujos prazos de cumprimento/pagamento terminaram a 2 de novembro de 2008.

11. O Opoente pronunciou-se a 27 de outubro de 2010 sobre a eventual reversão da execução, invocando que apesar de lhe terem sido indicados os processos, não lhe era explicada nem a origem nem a fundamentação das dívidas em questão, nem o demais do próprio processo executivo lhe era explicado, o que tudo era necessário para poder pronunciar-se; pronunciou-se ainda pela insuficiência dos elementos de fundamentação constantes do projeto de reversão, bem como invocou a sua ilegitimidade, por não ter exercido a gerência no período em causa nem culpa sua haver nessa gerência, e invocou ainda ser inconstitucional a reversão da execução de coimas.

12. O Órgão de Execução Fiscal, por despacho de 29 de outubro de 2010, reverteu a execução sobre o Opoente, o processo principal com a restrição assinalada no ponto 10. corpo, excluindo também os processos aí mencionados sob as alíneas a) e c), invocando para tanto o disposto no art.160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o art.23ºnº5 da Lei Geral Tributária, em primeiro lugar por «ter sido feita prova da culpa […][do Opoente] pela insuficiência do património da […] [sociedade executada] para o pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período do exercício do cargo, art.24ºnº1 corpo e alínea a) da Lei Geral Tributária» e, bem assim, «ter sido feita prova da culpa […] [do Opoente] pela insuficiência do património da […] [sociedade executada] para o pagamento, quando o prazo legal de pagamento/entrega terminou depois do exercício do cargo, art.24ºnº1 corpo e alínea b) da Lei Geral Tributária». E, ainda, em virtude de «Declaração do próprio, inserida nos autos, a assumir toda a responsabilidade da firma executada, para com a Administração Fiscal.»

13. Citado em 11 de novembro de 2010 na pessoa de terceiro e disso informado pelo Órgão de Execução Fiscal, no dia 13 de dezembro de 2010 o Opoente apresentou a petição na origem dos presentes autos.

Da prova reunida não resultaram provados outros factos com interesse para a decisão da causa e, com esta pertinência, não resultou já provado:

1. Qual era a real relação de pertença, relativamente à sociedade, dos dois prédios rústicos por ela oferecidos em garantia, tal como mencionado nos pontos 2. e 4. da matéria de facto provada.

2. Qual era o real valor venal daqueles dois prédios aludidos no ponto anterior.

3. Além desses dois prédios, qual o real acervo patrimonial da sociedade executada, à data da reversão referida na matéria de facto provada, bem como qual o seu valor venal.

4. E, designadamente, qual era o valor venal dos outros seis prédios a favor da executada inscritos nas matrizes, a que se referia a informação lavrada para fundamentação da decisão sobre o pedido de pagamento em prestações mencionada no ponto 3. da matéria de facto provada.

5. Em que atos fundou o Órgão de Execução Fiscal a culpa do Opoente na administração da sociedade executada, para reverter sobre eles os autos principais, na medida em que o fez, nomeadamente em que atos ou omissões da gestão que ele protagonizou encontrou ele culpa do Opoente na insuficiência patrimonial da sociedade, para satisfação das dívidas e coimas exequendas.

6. Que, relativamente às coimas descritas na matéria de facto provada, haja sido sequer encetado algum seu cumprimento voluntário, pela sociedade, ou coercivo, tanto por aquela, como pelos diferentes revertidos, entre eles o Opoente.

7. Que, relativamente aos atos de que resultam as dívidas de imposto descritas na matéria de facto provada, haja sido suscitada a sua reclamação graciosa/recurso hierárquico, impugnação judicial ou revisão oficiosa.

Não há outros factos, não provados, com relevo para a decisão.

A convicção do Tribunal assentou na prova documental consistente no próprio processo executivo, que consta por extrato certificado adjunto a estes autos, do qual constam não apenas os atos do processo mencionados, como a origem e a descrição das dívidas e das coimas exequendas e, ainda, os diferentes momentos dos procedimentos que conduziriam às diferentes decisões de reversão nele tomadas, nomeadamente sobre o Opoente e sua subsequente citação; assentou ainda no teor da certidão dos factos registados sobre a sociedade executada, igualmente integrante do extrato da execução. A documentação disponível faz prova plena dos factos nela plasmados como praticados pelos respetivos oficiais públicos, quer daqueles que enunciam como por si atestados, arts.369º, 377º e 371º do Código Civil e 34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sendo que dúvidas se não enxergam acerca da fidedignidade documental.

Já quanto a toda a matéria de facto julgada não provada, o Tribunal fez repousar o juízo negativo sobre ela no facto de nenhuma prova sobre ela constar nem ter sido feita.»

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Conforme referimos, foi proferida nos presentes autos decisão sumária pela Juíza Relatora ao abrigo do disposto no art. 656.º do CPC. Na decisão sumária decidiu-se negar-se provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação que aqui se transcreve e mantém na íntegra:

“Com base na matéria de facto supra transcrita, o Meritíssimo do TT de Lisboa julgou procedente a Oposição, absolvendo o Oponente da instância executiva, considerando, em síntese que o despacho de reversão não está suficientemente fundamentado, pois não indica os respetivos períodos temporais correspondentes às alíneas a), quer a alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT.

A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objeto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir da nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto, por os factos se encontram insuficientemente motivados, e por não existir um exame crítico da prova, invocando-se a violação do disposto no art. 125.º, n.º 1 do CPPT, e artigos 653.º, 655.º, 659.º, e 668.º, n.º1, alínea b) do CPC, e de diversos princípios constitucionais e outras normas jurídicas (conclusões A) a D) das alegações de recurso), e consequentemente, entende a recorrente que se verifica o erro de julgamento por errónea aplicação do direito aos factos (conclusão E das alegações de recurso).

Apreciando.

Nos termos do disposto no art. 125.º, n.º 1 do CPPT é nula a sentença por “não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão”. Este preceito ao exigir a especificação dos fundamentos de facto da decisão, refere-se à fundamentação ou motivação da mesma, no plano factual, que não à fixação propriamente dita (v. acórdão do STA de 16/01/2013, proc. n.º 0343/12: “(…) o n.º 1 do art. 144º do CPT (a que corresponde o atual art. 125.º do CPPT) e a alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do CPC, ao exigirem a especificação dos fundamentos de facto da decisão, referem-se à fundamentação ou motivação da mesma, no plano factual, que não à fixação propriamente dita, ao julgamento dos factos necessários à mesma decisão, cuja falta constitui, ao contrário daquela, nulidade do conhecimento oficioso. (…)”).

Deve distinguir-se entre falta absoluta de motivação e motivação deficiente, medíocre ou errada, também é certo e é jurisprudência assente que esta nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respetivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão (cf. por todos, Ac. do STA de 04/03/2015, proc. n.º 01939/13).

A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (cf. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.) – v. também, acórdão do STA de 24/01/2018, proc. n.º 01411/16: “(…) A nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão só se verifica quando ocorre falta absoluta de fundamentação, a qual se distingue da motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada, sendo que só aquela é considerada pela lei como nulidade, enquanto esta apenas pode afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em sede de recurso.”)

Por isso, como salienta Jorge Lopes de Sousa devam “considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação percetível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação”, já que esta se destina “a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades, designadamente a derivada de eventual contradição entre os fundamentos e a decisão”, e, por isso, “quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação” (cf. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, anotações 7 e 8 ao art. 125.º, pp. 357 a 361).

Deste modo, a sentença deve estar minimamente motivada, pois caso seja omitida absolutamente a motivação de facto, então, estaremos perante a nulidade da sentença prevista no art. 125.º, n.º 1 do CPPT.


In casu, aplicando o direito supra exposto, importa concluir que não se verifica a falta absoluta de motivação porquanto resulta da própria sentença a convicção do tribunal a respeito dos factos dados como provados assentou na prova documental, mais precisamente dos documentos que se encontram no processo executivo. Neste contexto em que a prova é unicamente documental, e com origem, no processo de execução fiscal, temos por minimamente motivada a decisão sobre a matéria de facto dada como provada, havendo o mínimo de análise crítica da prova, na medida em que o Meritíssimo Juiz do TT de Lisboa exteriorizou o seguinte juízo: “A convicção do Tribunal assentou na prova documental consistente no próprio processo executivo, que consta por extrato certificado adjunto a estes autos, do qual constam não apenas os atos do processo mencionados, como a origem e a descrição das dívidas e das coimas exequendas e, ainda, os diferentes momentos dos procedimentos que conduziriam às diferentes decisões de reversão nele tomadas, nomeadamente sobre o Opoente e sua subsequente citação; assentou ainda no teor da certidão dos factos registados sobre a sociedade executada, igualmente integrante do extrato da execução. A documentação disponível faz prova plena dos factos nela plasmados como praticados pelos respetivos oficiais públicos, quer daqueles que enunciam como por si atestados, arts.369º, 377º e 371º do Código Civil e 34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sendo que dúvidas se não enxergam acerca da fidedignidade documental.”

De igual modo, a matéria de facto dada como não provada se encontra minimamente motivada porque o juiz, quanto a esta, afirmou que “o juízo negativo sobre ela no facto de nenhuma prova sobre ela constar nem ter sido feita”.

Refira-se ainda que também não se vislumbra qualquer erro de julgamento de facto que pudesse assentar na falta crítica de apreciação da prova ou na sua errónea apreciação, porque, por um lado, o recorrente não concretiza tais alegações, e por outro lado, não se vislumbra necessário intervir oficiosamente ao abrigo do disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPC.

Pelo exposto, improcedem as conclusões A) a D) das alegações de recurso.

Vejamos, então, do invocado erro de julgamento por errónea aplicação do direito aos factos (conclusão E das alegações de recurso).

In casu, do despacho de reversão resulta que a responsabilidade subsidiária do Oponente se fundamenta nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, preceitos legais que são indicados expressamente no despacho (cf. ponto 12 da matéria de facto).

Contudo, não resulta do despacho de reversão, nem dos elementos que instruíram o procedimento de reversão, a concreta indicação dos respetivos períodos de exercício do cargo de gerência pelo Oponente que permita imputar a sua responsabilidade nesses termos. Efetivamente não se encontra fundamentado o despacho de reversão quando este é ambíguo e indeterminado quanto ao âmbito de aplicação ao caso concreto da alínea a) e alínea b), do n.º 1, do art. 24.º da LGT, pelo que a exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão é insuficiente para que o respetivo destinatário consiga perceber o iter cognoscitivo e, por outro lado, para que seja possível o controlo, jurisdicional do ato em causa.

Na verdade, in casu, a fundamentação do despacho de reversão nos termos da alínea a) e b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT se limita ao teor normativo. Sucede que aquelas duas normas que têm um âmbito de aplicação distinto, enquanto a norma da alínea a) se aplica aos casos em que as dívidas se constituíram no período de exercício do cargo de gerente ou administrador mas foram postas à cobrança depois da cessão dessas funções ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício, já a norma da alínea aplica-se aos casos em que o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tenha terminado no período de exercício do cargo.

Por outro lado, tais normativos estabelecem regras distintas sobre a distribuição do ónus da prova. Enquanto na alínea a) não se prevê qualquer presunção de culpa do gerente da sociedade, ficando, por isso, a cargo da Fazenda Pública o ónus de provar que foi por culpa daquele que o património social se tornou insuficiente para satisfação das dívidas, já na alínea b) se onera o responsável subsidiário com a prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento.

Estamos, pois, perante uma situação de ambiguidade porque são idênticos os dois regimes legais que conduzem a diferentes regimes de repartição do ónus da prova, o que coloca em causa o direito de defesa do executado por reversão, na medida em que poderá conduzir a errónea inércia probatória, ou ainda que tal não suceda, sempre poderá errar na extensão temporal da prova que é necessária face à lei.
Sublinhe-se que este entendimento tem sido reiterado na jurisprudência, mais recentemente no acórdão do TCAS de 05/11/2020, proc. n.º 198/14.0BECTB, e no acórdão do TCAS de 30/09/2020, proc. n.º 665/10.5BELRS, entendeu-se que o despacho de reversão não se encontra suficientemente fundamentado, se simultaneamente menciona a alínea a) e a alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, quando se desconhece qual a alínea que concretamente se aplica ao responsável subsidiário, acórdãos que aqui seguimos de perto, dada a identidade das situações.

De igual modo, se entendeu ainda no acórdão do STA de 09/04/2014 – rec. 0954/13, em cujo sumário é o seguinte: “I – Um dos requisitos constitutivos do direito à reversão da execução fiscal é o exercício efectivo da gerência, o qual, se estiverem em causa situações susceptíveis de enquadramento na previsão das alíneas a) e b) do nº 1 do art. 24º da LGT, impõe a circunstanciada indicação do período do exercício do cargo: se na data da constituição das dívidas, se na data do pagamento ou entrega do respectivo tributo, se em ambos os períodos. II – Tais pressupostos têm de ser alegados/incorporados no despacho de reversão, com a obrigatoriedade de indicação das concretas normas legais em que o órgão da execução faz apoiar a responsabilidade subsidiária imputada ao revertido, para lhe permitir conhecer e questionar, atacando se necessário, os concretos pressupostos determinantes da reversão da execução contra si, habilitando-o a reagir eficazmente, pelas vias legais, contra a lesividade do acto caso com ele não se conforme. III – Limitando-se o despacho de reversão a reproduzir todo texto do art. 24º da LGT sem subsumir a situação do revertido numa das suas alíneas, assim fundamentando a reversão simultaneamente nas alíneas a) e b) do seu nº 1, pese embora elas tenham âmbitos de aplicação distintos, e não constando desse despacho a indicação do período de exercício do cargo pelo revertido, não merece censura a sentença recorrida quando decidiu pela falta de fundamentação do despacho de reversão por se desconhecer a que título é imputável a culpa ao revertido.”

Por conseguinte, não se verifica erro de julgamento da sentença recorrida que entendeu que o despacho de reversão não se encontra fundamentado, improcedendo a conclusão E) das alegações de recurso.

Como última referência, em sentido semelhante, relativamente às mesmas partes dos presentes autos, e mesma matéria, decidiu-se recentemente no acórdão do TCAS de 19/11/2020, proc. n.º 1971/11.7BELRS, em cujo sumário se escreveu: “A suficiência e congruência da fundamentação tem que ser analisada em função do que está declarado no despacho de reversão, ainda que se possa colher elementos esclarecedores nos precedentes actos externos do procedimento de reversão.
2. Se a Administração tributária não dá a conhecer no despacho de reversão os motivos que a levaram a actuar como actuou, as razões concretas em que fundou a sua actuação, nem tal se apreende acessivelmente dos elementos externos do procedimento e do processo, o acto está inquinado na sua validade formal por falta de fundamentação.”

Pelo exposto, improcedem in totum as conclusões de recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Em matéria de custas o artigo 527.º do CPC consagra o princípio da causalidade, de acordo com o qual paga custas a parte que lhes deu causa. Vencida na presente causa a recorrente, esta deu causa às custas do presente processo (n.º 2), e, portanto, deve ser condenada nas respetivas custas (n.º 1, 1.ª parte).”

Efetivamente, a decisão reclamada seguiu jurisprudência pacífica e uniforme na matéria, pelo que que é de manter o decidido e indeferir a reclamação.


Sumário (art. 663.º, n.º 7 do CPC)


O despacho de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário não se encontra devidamente fundamentado se simultaneamente menciona a alínea a) e a alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, e não é possível determinar, face aos elementos que dele constam ou da informação para a qual o mesmo remete, qual a alínea concretamente aplicada.

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III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em indeferir a reclamação para a conferência, mantendo a decisão sumária da Relatora negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida.
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Sem custas.

D.n.

Lisboa, 11 de março de 2021.


A Juíza Desembargadora Relatora

Cristina Flora

A Juíza Desembargadora Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo art. 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Juízes Desembargadores Tânia Meireles da Cunha e Susana Barreto.