Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:759/16.3 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:04/28/2022
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:AVALIAÇÃO DIRECTA
MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:I - A discordância da Recorrente, quanto aos elementos de prova recolhidos pelos Serviços de Inspecção Tributária e procedimentos aplicados não transforma a fundamentação da liquidação numa falta de fundamentação, nem sequer mesmo numa fundamentação insuficiente, podendo revelar a existência de violação de lei (e não vício de forma por falta de fundamentação), sendo apreciado em sede de erro de julgamento.
II - O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma ultima ratio, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2 da CRP).
III - A forma privilegiada para determinação dos rendimentos sujeitos a tributação é a avaliação directa, baseada na auto confissão do sujeito passivo (artºs. 82.º, n.º 1 e 81.º LGT), assente na presunção de verdade que gozam as declarações do contribuinte (cfr. artigo 75.º, n.º 1, da LGT).
IV - Porém, esta presunção é ilidível. Se a contabilidade for infiel, isto é, se não reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo (cfr. artigos 17.º, n.º 3, alínea b) e 123.º, n.º 2, alínea a), ambos do CIRC em conjugação com o n.º 2 do artigo 75.º da LGT), falece a credibilidade nela depositada, arredando-se a presunção de verdade inicial creditada ao contribuinte (cfr. artigo 75.º da LGT).
V - A omissão, erros ou inexactidões na contabilidade e nas declarações do contribuinte não é bastante para sustentar o recurso a métodos indirectos. Para tal seria necessário que se extraísse da fundamentação o outro requisito legitimador: a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de acordo com as prescrições legais.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. H...., G....., Lda., veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios, referentes ao exercício fiscal de 2012, no valor global de 92.066,02.

2. A recorrente, inconformada, interpõe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, o qual decide declarar a sua incompetência, em razão da hierarquia, para decidir o recurso interposto, indicando como tribunal competente este Tribunal Central Administrativo Sul.

3. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. Nos termos do artº 104º nº 1 da CRP a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

2. Nos termos do artº 75º da LGT, já atrás enunciado, presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. A presunção aqui referida poderá ser elidida nos termos do n.º 2 do mesmo artigo caso se verifiquem algumas das quatro situações aí referidas.

3-Nos termos da Inspecção realizada pela AT em 2013 e 2014, esta considerou a Contabilidade da Recorrente como não credível no período de 2009 a 2012 inclusive. Deste modo avançou para aplicação de métodos indirectos no ano de 2011 e de correcções aritméticas nos anos de 2009, 2010 e 2012.

4. As liquidações adicionais de 2012, em sede de Iva, no montante de Euros 92.066,02, foram obtidas pela AT através de análise informática da composição das mesas e dos seus outputs em sede de eventual facturação (não produzida no seu entendimento), pondo em causa o sistema informático da Recorrente e não o próprio sistema de facturação certificado pela AT.

5. Ora contrariando o que seria razoável e como é expresso na pág 9 do Relatório, a utilização de métodos indirectos cingiu-se apenas ao exercício de 2011, procurando a AT por em causa a Margem bruta do negócio e os resultados tomando por base as chamadas correcções aritméticas, quer as mesmas se consubstanciem em presunções de vendas com base em depósitos, quer, como no caso do exercício de 2012, em que não sendo suficiente o acréscimo de proveitos por via de tal processo, utilizaram a análise informática das consultas de mesa versus vendas a dinheiro emitidas, (informação 3…./2013) e ainda o valor médio por documento versus número de cafés por documento, numa análise ficcional e insuficientemente fundamentada, com estimativa de custos para o acréscimo de vendas, este, conjuntamente com as vendas declaradas, acima dos depósitos realizados.

6. O subjectivismo dos pressupostos e critérios utilizados pelos serviços informáticos da AT, que não põem em causa a facturação certificada, mas antes procuram descredibilizar os serviços informáticos da empresa, demonstram o desconhecimento da estrutura do software para chegar a conclusões que no fundo põem em causa o mesmo.

7. Não é correcto afirmar que o software não garante a integridade da informação pois eram criadas séries por dia e mesa. Por um lado apenas as séries de consultas de mesa são por mesa. As séries de documentos são por posto. Tal prática, além de ser legal, permite que na mesma série seja mantida a integridade de todos os documentos através da chave hash prevista por decreto-lei.

8. Por outro lado, a AT afirma que os registos foram manipulados devido aos campos de referência (números ID) não terem uma estrutura crescente. Isto não é uma verdade indiscutível, pois se existir em determinado momento no tempo uma reposição de alguma cópia de segurança, é possível que os registos não sejam repostos pela mesma ordem em que foram criados. Só por si a análise dos ID'S não é suficiente para garantir uma verdade inquestionável, pois existe pelo menos uma possibilidade dos factos terem acontecido de outra forma, o que gera dúvidas globais sobre as conclusões tiradas.

9. A análise da relação entre as consultas de mesa e os correspondentes documentos, esquece um factor que tem uma importância determinante no valor real a que se pode chegar. O facto de mesas terem sido transferidas pode não dar origem a um documento final, o mesmo acontecendo com mesas agrupadas. Esta situação põe em causa alguns valores determinados. 0 único sintoma que existe de uma transferência ou agrupamento de mesa, é precisamente o facto de que as consultas tiradas antes dessa acção não irão ter uma correspondência directa nos documentos emitidos.

10. Ao acréscimo de proveitos gerado pela análise informática da AT, de que aqui se reclama, foi acrescentada a presunção de custos adicionais, em que se desconhecem quais as provas da sua existência e da sua justificação documental e financeira.

11. Como decorre do atrás exposto, as chamadas correcções aritméticas, baseadas em análise informática da AT, assentam em pressupostos não exactos, questionáveis e duvidosos, acrescentados de presunções e estimativas próprias de métodos indirectos aqui não aplicados pela AT, ao contrário do que realizou em 2011 e que se contestam vivamente.

12. Diz o Acórdão de 13/9/2013 do TAF do Porto no processo 00120/03 -2.ª secção do contencioso tributário que "são correcções meramente aritméticas da matéria tributável aquelas em que a AT não recorre a qualquer método de avaliação da matéria colectável (directo ou indirecto) para determinar o imposto devido e se limita a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações".

13. Com o devido respeito, tal conceito legal nada tem a ver com o aplicado pela AT e que foi sufragado indevidamente pelo Tribunal a quo.

14. A Douta Sentença do Tribunal a quo disserta do ponto de vista da aplicação de métodos correctivos por parte da AT, afirmando, o que já é conhecido, que a AT pode utilizar métodos indirectos e correcções aritméticas em simultâneo.

15. Na página 29 de tal Sentença é dito que nada impede que em relação a exercícios distintos sejam utilizados métodos diferentes, desde que devidamente justificados.

16. 0ra o exposto em 15) seria verdadeiro se a realidade de partida em cada um dos anos fosse diferente. Ora o que aconteceu é que o Relatório Inspectivo declara taxativamente que a Contabilidade da Recorrente não era credível no período entre 2009 e 2012. Não há qualquer alteração ano a ano para o exposto.

17. Mas mesmo admitindo que tal fosse verdade, aquilo que a AT e o Tribunal a quo não podem fazer ou permitir é fazer avaliações de base informática às mesas e indiciar omissões de facturação e vendas, sem por em causa o sistema certificado pela AT e afirmar que os valores assim obtidos, em contradição com a empresa informática que apoia o sistema da Recorrente, são correcções aritméticas.

18. Ao invés do que foi afirmado, a AT está a proceder a avaliação indirecta, sem o reconhecer, como já foi dito nas questões prévias. Aliás a Douta Sentença do Tribunal a quo, na página 29, linha 19, diz sobre o procedimento da AT "... restringindo deste modo e como legalmente se lhe impunha, ao mínimo essencial, o recurso à avaliação indirecta.".

19. Então é também a Douta Sentença que reconhece o recurso da AT à avaliação indirecta, na sua óptica em dose mínima, na da Recorrente em dose máxima, em contravenção com o que afirmam, ou seja que as correcções foram obtidas por correcções aritméticas.

20. Como não deve ser desconhecido do Tribunal a quo, o recurso à avaliação directa ou indirecta está fora do conceito de correcções aritméticas e no caso de avaliação indirecta terá de ser fundamentada a sua aplicação e conceder à Recorrente todo o direito de defesa inerente nomeadamente o pedido de revisão da matéria colectável, o que não foi feito.

21. Ora o que verdadeiramente aconteceu, foi que a AT ao arrepio das suas próprias conclusões inspectivas e do explicitado na lei, e ao invés do aplicado no ano de 2011, aplicou avaliação indirecta aos anos de 2009 e 2010 e ao de 2012 aqui em Recurso, chamando-lhe de correcções aritméticas, dentro daquele princípio conhecido de sacar impostos passando por cima de tudo e todos. Em relação a 2012 utilizaram a análise informática que contradiz os próprios meios financeiros.(o acréscimo de vendas gerado é maior que os depósitos efectuados), assentes em critérios e pressupostos subjectivos, não condizentes com a realidade da empresa e com o tratamento do seu próprio sistema informático, gerando elevada dúvida sobre a sua razoabilidade.

22. Só que a utilização de métodos directos, incluindo as correcções aritméticas, para além de ter por base a contabilidade do contribuinte, têm de se consubstanciar em correcções e ajustamentos efectuados concretamente à contabilidade do mesmo, aplicadas de forma objectiva e não eivada de insuficiente fundamentação.

23. Mas para além da contradição de procedimentos aplicados a realidades iguais, torna- se necessário que a fundamentação dos actos de liquidação seja expressa, no sentido de explícita e contextuai, não podendo ser tácita ou implícita, como decorre do nº 3 do artº 268º da CRP (Ver Acórdão do STA de 1/3/2000). Por seu lado, o artigo 125º do CPA define "equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição, ou insuficiência, não esclareçam a motivação do acto." Ou seja, a fundamentação tem de ser adequada ao acto tributário e aos casos concretos.

24. No entendimento da Reclamante, a violação alegada dos artºs. 17º e 120º do CIRC, por omissões e inexactidões nas declarações modelo 22, constitui uma fundamentação contraditória e insuficiente. Contraditória porque o método seguido é aplicado sobre uma contabilidade que não merece confiança e diverge do aplicado à mesma contabilidade no ano de 2011 e é insuficiente porque não está apta completamente a justificar as correcções em concreto. Uma fundamentação insuficiente não é fundamentação e a falta de fundamentação gera a anulabilidade dos actos, o que aqui se requer.

25. Por outro lado, atendendo à especificidade do IVA, não pode a Administração Fiscal operar alterações à base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras e vendas do sujeito passivo em causa. (Acórdão do TCAS de 13/3/2014 no processo 07216/13 -CT 2º Juízo), prova não efectuada.

26. Nos termos do Acórdão do STA de 24/4/02 proferido no processo nº 026679, no caso de aplicação de métodos indiciários, o próprio método de quantificação, baseado em presunções e estimativas, nunca pode garantir a correspondência entre a matéria tributável quantificada e a realidade, pelo que, pela sua própria natureza, não podedeixar de conduzir a uma situação de dúvida sobre aquela quantificação. Nestas condições é de concluir que, no caso de utilização de métodos indiciários. só se estará numa situação de fundada dúvida, para efeitos do artº lOOº do CPPT, quando positivamente se prove que tal quantificação é errada, ou pelo menos, quando haja indícios de que o seja.

27. Atendendo ao exposto nos pontos 10 a 15 da matéria de facto, é convicção da Recorrente existir fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, onde a AT, sem por em causa o programa certificado de facturação, pretende, por caminhos não isentos de dúvida e contestação, acrescentar às vendas declaradas quase mais 40%, deverá o acto reclamado ou impugnado ser anulado, nos termos do artº 100º nº 1 do CPPT.

Foram violadas ou não aplicadas as seguintes normas:

- Artº 104º nº 2 da CRP

-Artº 75º da LGT.

- Artº 77º nº 4 da LGT

- Arte 87º e 89º da LGT.

- Arte 90º da LGT.

- Conceito de correcções aritméticas - Acórdão de 13/9/2013 do TAF do Porto no processo 00120/03 -22 secção do contencioso tributário.

- Acórdão do STA de 26/4/2007 no processo 037/2007.

- Acórdão do TCAS de 13/3/2014 no processo 07216/13 -CT 2º Juízo.

- Acórdão do STA de 24/4/02 proferido no processo nº 026679

- Artº 100º do CPPT.

TENDO EM CONTA A DEFICIENTE INTERPRETAÇÃO DOS FACTOS E PRINCIPALMENTE DA-APLIGAÇÃQ DO DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E SER REVOGADA A SENTENÇA DO TRIBUNAL A QUO, SENDO SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE CONTEMPLE A PRETENSÃO DA RECORRENTE, NOMEADAMENTE:

A) SER DECLARADA A NULIDADE DO PROCEDIMENTO DA AT NO APURAMENTO E LIQUIDAÇÃO ADICIONAL DO IVA EM CAUSA, POR CLARA VIOLAÇÃO DA LEI.

B) SER ANULADA A LIQUIDAÇÃO DE IVA DE 2012 E ACRESCIDO, COM AS INERENTES CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.»

4. Na sequência de notificação do STA para correcção de deficiências das conclusões das alegações de recurso, a Recorrente apresentou os seguintes esclarecimentos:

«Questão1 - De acordo com o artº 104º nº 2 da CRP o imposto sobre as empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. Esse rendimento real é apurado nos termos da lei contabilística expressa no SNC, pela diferença entre os rendimentos obtidos e os gastos suportados num determinado período, normalmente um ano civil. Tal rendimento real é obtido em sentido económico, isto é quando se fazem os negócios e se incorrem em gastos, independentemente do seu recebimento ou pagamento em termos financeiros.

Por seu lado o artigo 75º nº 1 da LGT afirma que se consideram verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes, situação que pode ser elidida em casos determinados.

No âmbito da acção inspectiva a AT veio a dizer no seu Relatório que o rendimento expresso pelo contribuinte e de acordo com a sua facturação emitida através de programa certificado pela AT, não era real. Para o efeito, foram indicadas no Relatório, na sua folha 10, as várias razões para a desconsideração da contabilidade da sociedade, a saber:

1) Diferença de margens brutas em relação ao ano de 2004 (Oito anos antes e quando ainda não era notória a crise que assolou o País a partir de 2008/2009 e o aumento do Iva para 23%, que obrigou a alteração de margens).

2) Inexistência de informação relativa ao detalhe de vendas (Devido a problema com ficheiro informático).

3) Existência de uma TPA associado a uma conta bancária em nome do sócio-gerente (Ainda que os saldos fossem posteriormente encaminhados para as contas DO da empresa).

4) Empresa familiar que não debitava os custos de utilização dos edifícios de sua propriedade à actividade prosseguida.

5) Fragilidade da contabilidade, devido à inexistência de extractos de fornecedores, lançamento dos pagamentos sempre na conta 1…..-Caixa, mesmo quando os pagamentos são efectuados por Bancos, (através do mecanismo prévio de dar entrada em Caixa dos cheques emitidos), inexistência de reconciliações bancárias, falta de contabilização da alegada distribuição de resultados para os sócios e dos movimentos destes com a contabilidade.

6) Inventários irreais (ainda que materialmente irrelevantes).

De tudo o exposto no Relatório, se deduz facilmente que a AT não considera credível a contabilidade da sociedade, de forma transversal a todo o período em análise ou seja de 2009 a 2012, mas curiosamente nem uma palavra sobre a facturação, génese dos rendimentos postos em causa, que era efectuada através de programa certificado pela AT.

Perante a situação resultante do Relatório e a não aceitação dos resultados apresentados pelo Contribuinte, teria a AT de usar outros meios, de acordo com a lei para a obtenção de resultados adicionais.

Vejamos então os meios possíveis:

a) Meras correcções aritméticas

O conceito de correcções meramente aritméticas resulta inequívoco do Acórdão de 13/9/2013 do TAF do Porto no processo 00120/03 -2ª Secção do Contencioso Tributário em que se lê : "São correcções meramente aritméticas da matéria colectáve! aquelas em que a AT não recorre a qualquer método de avaliação da matéria colectável (directo ou indirecto) para determinar o imposto devido e se limita a corrigir erros de cálculo das declarações- liquidações."

Parece claro a um leitor atento que a aplicação de correcções meramente aritméticas pressupõe que a Contabilidade do Contribuinte tenha um mínimo de credibilidade, em que a AT não faça qualquer avaliação directa ou indirecta e se limite a corrigir erros de cálculo. Por ex: A AT descobre na sua inspecção que há um núcleo de facturação que não foi considerado como Rendimentos, ou há um gasto contabilístico que não pode ser considerado fiscalmente. Isto são correcções aritméticas.

Vejamos no caso concreto se estavam criadas as condições e se foram efectivamente aplicadas correcções meramente aritméticas:

- A Contabilidade da sociedade não mereceu a confiança da AT e portanto não estavam reunidas à partida as condições mínimas para aplicação de correcções meramente aritméticas.

- A AT procedeu a análise informática das mesas utilizando premissas e presunções e pondo em causa a integridade da informação criada em séries por dia e mesa, esquecendo um factor determinante no valor real a que se pode chegar como o facto das transferências de mesas poder não dar origem a um documento final, o mesmo acontecendo com mesas agrupadas, o que põe em causa alguns valores determinados. Ao acréscimo de proveitos que, registe-se, não pôs em causa a facturação emitida, foi acrescentada a presunção e estimativa de custos adicionais, em que se desconhecem quais as provas da sua existência e da sua justificação documental e financeira.

Como qualquer cidadão médio pode inferir, este método de cálculo assenta em pressupostos não exactos, questionáveis e duvidosos, acrescentados de estimativas e presunções que nada têm a ver com correcções aritméticas mas sim com avaliação directa e indirecta da matéria colectável que está fora do conceito acima definido.

b) Métodos Indirectos

- O recurso a métodos indiciários para a determinação do imposto é uma faculdade que assiste ao Fisco, com a margem de livre apreciação conferida pelos art.ºs 57.º e ss do CIRC e 87º e ss da LGT quando haja razões fundadas para concluir que não é possível a comprovação e a quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável nas situações que estão expressamente tipificadas no CIRC e que assumem um carácter excepcional.

- Tem por isso a AF de demonstrar, sem margens para dúvidas, a existência de erros, omissões ou inexactidões na contabilidade da impugnante, já que a previsão dos artºs 57º a 61º do CIRC e 77º nº 4, 87º a 90º da LGT, aponta para a necessidade de recorrer a presunções ou estimativas por carência de elementos que permitam apurar claramente o imposto, procedendo à rectificação de declarações ou à correcção oficiosa, de acordo com os artigos referidos.

- A utilização de métodos indirectos tem de ser notificada ao sujeito passivo, nos termos do artº 60º do CIRC, podendo os contribuintes efectuar o pedido de revisão da matéria tributável nos termos previstos no artigo 91º da LGT.

- O prazo de caducidade, nos termos do art2 45º nº 2 da LGT é reduzido para três anos quando há erro na declaração do sujeito passivo.

Perante o atrás exposto, parece não haver dúvidas que face à situação descrita pela AT deveriam ter sido aplicados métodos indirectos de acordo com os indicadores objectivos de actividade em todo o período em inspecção e não somente em relação a 2011 como foi o caso, aplicando falaciosamente correcções aritméticas a 2009, 2010 e 2012 aqui em recurso.

Em resumo:

- o recurso aqui expresso cinge-se ao procedimento seguido pela AT que falsamente apelidaram de correcções meramente aritméticas quando utilizaram avaliações directas e indirectas da matéria colectável sem o assumir e sem por em causa o sistema certificado de facturação ou notificar o contribuinte de tal situação, em clara violação da lei, o que gera a sua nulidade.

- Igualmente se põe em causa os valores de liquidações adicionais em sede de Iva com base em presunções e estimativas que contrariaram a forma objectiva de operação da empresa, pondo em causa o seu sistema informático e não cumprindo, dada a especificidade do imposto o disposto no Acórdão do TCAS de 13/3/2014 no processo 07216/13-CT 2º Juízo que diz que não pode a AT operar alterações à base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras e vendas do sujeito passivo.

Foram violados ou não aplicados como devido os artigos:

104º nº 2 da CRP, 45º, 75º, 77º nº 4 e 87º a 90º da LGT, 57º a 61º do CIRC e bem assim os acórdãos referidos de 13/9/2013 do TAF do Porto no processo 00120/03-22 Secção e do TCAS de 13/3/2014 no processo 07216/13-CT 2º juízo.

c) Métodos Indirectos / Correções aritméticas

A douta Sentença do Tribunal a quo veio afirmar que é perfeitamente possível utilizar em conjunto métodos indirectos e correcções aritméticas. A aqui Recorrente não pôs em causa tal possibilidade. O que a Recorrente afirmou e afirma é que a utilização de métodos indirectos singularmente ou em conjunto com correcções aritméticas tem de ser devidamente fundamentada nos termos dos artigos 87º a 90º da LGT e têm os contribuintes de ser informados dos critérios e cálculos utilizados nos termos do artº 60º do CIRC, para poderem pedir a Revisão da Matéria Colectável de acordo com o arts 91º da LGT. Mas a sentença do Tribunal a quo veio sufragar que o que foi aplicado foram correcções aritméticas, mas acabou na página 29, linha 19 por afirmar que o procedimento da AT restringiu ao mínimo essencial o recurso à avaliação indirecta.

Então reconhece, sem retirar qualquer ilação, que houve avaliação indirecta, que está fora de qualquer conceito de correcções meramente aritméticas e que não cumpriu, na sua aplicação, o estipulado na lei.

Questão 2 - Na douta Sentença do Tribunal a quo, letras M e N vêm indicadas as liquidações oficiosas de Iva e acrescido referentes ao ano de 2012. Procurando obter legitimidade com base noutra sentença, o Tribunal a quo acaba por cometer um erro afirmando na página 28 que o procedimento da AT de 2012 foi semelhante ao praticado aos anos de 2009 e 2010, ou seja que as liquidações adicionais tiveram por base a análise de depósitos globais e a diferença destes para as declarações do contribuinte baseadas na sua facturação certificada pela própria AT. Ora nada disto corresponde à realidade. No ano de 2012, a AT procedeu, através dos seus serviços informáticos à análise do detalhe das consultas de mesa versus vendas emitidas e ainda o valor médio por documento versus número de cafés por documento, numa análise ficcional e insuficientemente fundamentada, sem ter em conta a actividade objectiva e substantiva do restaurante, com estimativa de gastos para o acréscimo de vendas que ninguém sabe quem os forneceu ou pagou, sendo certo que tal acréscimo mais as vendas declaradas foram superiores em termos significativos aos próprios depósitos efectuados. Se isto são correcções aritméticas, então terão de ser alterados todos os manuais de direito tributário e anular Acórdãos que sobre esta matéria se pronunciaram. Assim os pontos 10 a 15 da matéria de facto constantes do Recurso procuraram detalhar os procedimentos informáticos efectuados pela AT e resumir as presunções e estimativas realizadas que contrariam o disposto no conceito de correcções aritméticas e traduzem omissões e inexactidões. Omissões pois o que foi realizado foi uma avaliação directa e indirecta da matéria tributável sem que tenha sido previamente fundamentada a recorrência a tal avaliação, nem notificada ao contribuinte nos termos do artº 60º do CIRC. Inexactidões pois os procedimentos seguidos não estão isentos de fundadas dúvidas sobre a sua concordância com a realidade e por exemplo com o sistema de quebras que acontecem na empresa. Por outro lado e daí a ligação com os nºs 25 a 27 do RESUMO, já que não resultou prova de terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras e vendas do sujeito passivo, de forma a poder ser alterada a base tributável do imposto, face à sua especificidade, bem como a divisão no tempo aleatória que foi feita do acréscimo de iva sem qualquer fundamento.

Questão 3 - Terá de entender-se as normas indicadas, como violadas, nalguns casos, como não aplicadas noutros e ainda estando em desacordo com alguns acórdãos noutras situações. Assim foi utilizada avaliação indirecta sem cumprir o disposto nos artigos 57º a 61º do CIRC e 77º nº 4, 87º a 90º da LGT, com o devido impacto nos mecanismos de defesa do contribuinte por exemplo configurados no artigo 91º da LGT. A matéria contida nos Acórdãos referidos está em contradição com a defendida na Sentença do Tribunal a quo, pelo que se considera que o artigo 104º nº 2 da CRP e 75º da LGT foram violados sem a devida fundamentação nos procedimentos seguidos.»

5. A recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

6. Por acórdão proferido em 01/07/2020 do STA, foi esse tribunal declarado incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso, indicando-se como competente o Tribunal Central Administrativo Sul, Secção do Contencioso Tributário.

7. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador – Geral Adjunto, emitiu parecer, entendendo renovar o parecer elaborado junto do STA, por com o mesmo concordar, no sentido de julgar improcedente o recurso.

8. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento (i) de facto e de direito ao decidir inexistir erro nos pressupostos de facto e de direito das correcções aritméticas (conclusões 4. a 21 e 25 e 26) e (ii) quanto à falta de fundamentação das correcções (conclusões 22. a 24.)


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«A) A sociedade “J....., Lda.”, dedicava-se à exploração de um restaurante de tipo tradicional, localizado na cidade de Almeirim – cf. o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), concretamente, fls. 106 vv do processo de reclamação graciosa (RG) apenso.

B) Em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI20….. e OI20…., ambas de 03.10.2013, foi despoletado um procedimento de inspeção à sociedade J....., Lda., de âmbito geral, relativo aos exercícios de 2009, 2010 e 2012 – cf. o RIT, concretamente, fls. 106 da RG apensa.

C) Em 11.10.2013 foi assinada a Ordem de Serviço n.º OI20…, por J....., na qualidade de representante legal da sociedade “J....., Lda.” – cf. fls. 122 da RG apensa.

D) Em 28.03.2013 a sociedade “J....., Lda.” foi notificada do teor do despacho de 25.03.2014, do Chefe de Divisão de Inspeção Tributária I, no sentido da prorrogação do prazo para o procedimento externo, ao abrigo das ordens de serviço n.ºs OI20….. e OI20….., por um período de mais três meses – cf. fls. 125 da RG apensa.

E) Em 13.05.2013 foi assinada a Nota de Diligência associada à OI20…., por J....., na qualidade de representante legal da sociedade “J....., Lda.” – cf. fls. 124 da RG apensa.

F) Em 29.01.2014 a sociedade “J....., Lda.” cessou atividade com data reportada a 31.12.2013, por fusão por incorporação na sociedade Impugnante – cf. o RIT, concretamente, fls. 106vv da RG apensa.

G) Por ofício n.º 2…., de 20.05.2014, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, dirigido à sociedade “J....., Lda.”, foi remetida notificação do teor do projeto de relatório de inspeção tributária – cf. fls. 134 da RG apensa.

H) Por ofício n.º 28….., de 20.05.2014, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, dirigido à Impugnante na qualidade de sociedade incorporante da “J....., Lda.”, foi a mesma notificada do teor do projeto de relatório de inspeção tributária – cf. fls. 133 da RG apensa.

I) Em 17.06.2014 foi superiormente sancionado o Relatório de Inspeção Tributária onde consta nomeadamente o seguinte:

“[…]

II – 2 – MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL

A presente ação foi originada pelo facto de terem sido constatadas distribuições de lucros aos sócios do sujeito passivo de montantes muito superiores aos resultados líquidos apurados nas demonstrações financeiras, apresentadas pela sociedade (sujeito passivo).

A ação inspetiva é de âmbito geral nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 14.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT).

A presente ação inspectiva incidiu sobre os períodos dos anos de 2009, 2010 e 2012.

[…]

3.4. Diligências efetuadas

1. Antes do início do procedimento de inspeção foi elaborada uma Informação Preliminar onde foram relatados factos que indiciam a presumível prática de crimes de fraude fiscal e abuso de confiança fiscal. Essa informação deu origem à instauração processo de Inquérito NUIPC 1…../2013.0IDSTR no Serviço de Investigação Criminal Fiscal (SICF) da Direção de Finanças de Santarém. Em cumprimento o disposto no n.º 3 do artigo 40.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), foi efetuada a comunicação ao Digno Magistrado do Ministério Público junto da Comarca de Almeirim;

2. Não foi enviada a Carta Aviso, a que se refere o artigo 49.º do RCPIT, porque o fundamento do procedimento inspetivo foi participação que contém indícios de fraude fiscal o que implicou a dispensa de notificação prévia nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 50.º do RCPIT;

3. Em 2013-10-11 deu-se início ao procedimento inspetivo, procedendo-se à entrega de cópia da credencial (Ordem de Serviço) ao sujeito passivo e à recolha da assinatura do seu representante, conforme determinado no n° 1 e 2 do artigo 51.º do RCPIT. Procedeu-se também à entrega ao representante do sujeito passivo, na mesma data, do folheto informativo a que se refere o n.º 3 do artigo 49.º, conforme determina o n.º 2 do artigo 50.º, ambos do RCPIT;

4. No mesmo dia foi dado conhecimento aos sócios do sujeito passivo o teor das listagens que constam do anexo de fls. 2 a 30, onde são identificadas todas as transferências bancárias da sociedade para as contas bancárias dos sócios, abatidas das transferências bancárias das contas em nome do sócio-gerente para as contas bancárias da sociedade (sujeito passivo), todos os movimentos do TPA associado à conta em nome do sócio-gerente, bem como todos os depósitos em numerário nas contas pessoais dos sócios (anos 2009, 2010, 2011 e 2012);

5. Em 2013-11-08, os sócios do sujeito passivo, em declarações deduzidas a escrito, declararam o seguinte:

- Todos os valores depositados nas nossas contas bancárias pessoais, em numerário, durante os anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, tiveram como origem as receitas da atividade de restauração exercida pela sociedade J..... LDA, NIF 06….., da qual somos sócios. Estas transferências de dinheiro da sociedade para os sócios estão tituladas por um contrato de mútuo, estabelecido entre a sociedade e os sócios, datado de 31 de Dezembro de 2012, do qual juntamos cópia.

6. No dia 17 de dezembro de 2013, o sujeito passivo J..... LDA, na pessoa do seu sócio-gerente, autorizou a Autoridade Tributária e Aduaneira - Direção de Finanças de Santarém - Serviços de Inspeção Tributária a consultar ou solicitar, junto de qualquer Instituição de crédito ou financeira, todos os documentos bancários;

7. Com base na autorização referida no ponto anterior foram solicitados aos bancos, em que o sujeito passivo possui contas, extratos bancários referentes aos períodos em análise, e com base nestes foram pedidas cópias de comprovativos de alguns movimentos;

8. Foram elaboradas listagens, por anos, com os movimentos dos TPA's utilizados no restaurante, para o sujeito passivo receber dos seus clientes e associados a contas bancárias em nome do sujeito passivo e em nome do sócio; os depósitos de valores (numerário e cheques dos clientes) nas contas -bancárias em nome do sujeito passivo e do sócio. (listagens no anexo de fls. 31 a 81);

9. No dia 3 do mês de março de 2014, foi o sócio-gerente ouvido em auto de declarações, tendo declarado o seguinte:

- A sociedade J..... LDA em dois sócios que sou eu J..... e a minha esposa A..... NIF 121 ….., sendo que apenas eu sou gerente. Na prática as decisões, tais como gestão dos meios financeiros da sociedade, encomendas e pagamentos aos fornecedores, contratação de funcionários e pagamentos dos respetivos ordenados, decisões sobre realizações de investimentos tais como compras de máquinas ou obras de ampliação e manutenção do restaurante, são tomadas exclusivamente por mim. Todos os cheques emitidos sobre contas tituladas pela sociedade foram todos assinados por mim. Todos os documentos de suporte à contabilidade da sociedade, nomeadamente aturas de custos suportados pela sociedade, extratos bancários e informação dos proveitos extraída do sistema de faturação, foram por mim entregues ao Sr. C….. (TOC), bem como todos os esclarecimentos por este solicitados para execução da contabilidade;

- O imóvel onde está instalado o estabelecimento (restaurante e armazéns) encontra-se localizado junto à Praça de Touros na localidade de Almeirim e é propriedade dos sócios. A sociedade pela utilização do imóvel não paga aos sócios qualquer importância a título de renda. O referido imóvel está inscrito sob o artigo urbano 6…...º da freguesia de Almeirim;

- A atividade exercida pela sociedade J..... LDA, que foi de restaurante de tipo tradicional, caracterizava-se por ser uma atividade de caráter continuado, em que a qualidade dos serviços prestados aos clientes e a relação qualidade / preço não sofreu alterações ao longo dos anos;

- Confirmo, como foi declarado anteriormente em auto de declarações datado de 11 de janeiro do ano de 2013, ao abrigo do despacho n.º DI2012…., que no início do mês de janeiro do ano de 2012 perdemos toda a informação relativa ao detalhe das vendas dos períodos anteriores a essa data, porque o disco onde era armazenada toda essa informação avariou e segundo o informático não foi possível recuperar a informação. Não sabemos da localização do disco avariado porque na altura o sistema informático foi todo substituído e a empresa de informática recolheu o equipamento antigo e agora não o consegue localizar. Portanto relativamente aos anos de 2009, 2010 e primeiros dias o mês de janeiro de 2012 a única informação existente relativa às vendas / prestações de serviços é a que consta da contabilidade que é apenas o valor total diário e indicação do primeiro e último documento o dia;

- No restaurante as formas de recebimento dos clientes são através de numerário, cartão de débito ou crédito, cheque e eventualmente transferência bancária. Durante os anos e causa encontravam-se em funcionamento no restaurante quatro TPA's. Três dos quais associados a contas bancárias em nome da sociedade e um deles associado a uma conta em meu nome pessoal. Todos os movimentos dos quatro TPA's, bem como todos os depósitos em numerário quer nas contas bancárias em nome da sociedade quer nas contas bancárias em meu nome pessoal ou da minha esposa (sócia da sociedade), são relativos a receita provenientes do restaurante;

- Os pagamentos efetuados pela sociedade aos seus fornecedores, normalmente são efetuados por meio de cheque ou transferência bancária, no entanto residualmente existiram pequenos pagamentos em numerário. Estamos a falar de valores até € 1000,00 por mês;

- Os pagamentos ao pessoal são sempre efetuados por meio de cheque cujo montante correspondente ao valor os recibos de vencimento:

- Por lapso na declaração modelo 22 de substituição, relativa ao ano de 2012, entregue em 2013-10-25, inscritos nos campos 728 (multas, coimas, juros) e 751 (donativos não previstos ou além dos limites legais) do quadro 07, os montantes de € 55,00 e € 1.795, ao, respetivamente, que haviam sido a primeira declaração entregue.

10. No dia 28 do mês de março de 2014, foi o sujeito passivo notificado, na pessoa do representante de cessação, J....., de que o presente procedimento inspetivo foi prorrogado, nos termos do n.º 3 do artigo 36.º do RCPIT, por um período de mais três meses, conforme despacho do Chefe de Divisão da Divisão de Inspeção Tributária I, datado de 25 de março de 2014;

11. No dia 13 do mês de março de 2014, foi o sujeito passivo notificado, para apresentar os seguintes elementos e/o esclarecimentos:

• Relativamente aos suprimentos no montante de € 265.000,00, efetuados pelo sócio J....., e contabilizados com base no documento interno n.º 12…. de 31/12/2012, comprovativos dos valores entregues;

• Justificação para o facto de a contabilização dos suprimentos ter sido efetuada num único lançamento, quando as entregas foram efetuadas em diversas datas compreendidas entre 2012-05-02 e 2012-12-28;

• Justificação da proveniência do saldo da conta 27131 Adiantamento p/ fornecedores de investimentos, no montante de 562.000,00, que foi transferido para a conta 2682 Acionistas/Sócios - Outras operações pelo doe menta interno n.º 120…… de 31/12/2012.

• Justificação do valor de €100.314,73, transferido entre as contas 26….. Acionistas/Sócios - Outras Operações e 253….. Financiamentos obtidos - J....., com base no documento interno n.º 120….. de 31/12/2012;

Demonstração do cálculo do IRS retido no montante de € 88.787,01, contabilizado com base no documento Interno n.º 120…. de 31/12/2012;

• Demonstração do cálculo dos juros devidos pelo contrato de empréstimo, relativo aos anos de 2009 2010 e 2011, no montante de €37.838,00, contabilizado com base no documento interno n.º 120…. de 31/12/2012;

• Demonstração do cálculo dos juros devidos pelo contrato de empréstimo em 2012, no montante de € 31.695,0, contabilizado com base no documento interno n.º 120…..;

 Demonstração do cálculo do imposto do selo devido pelo contrato de empréstimo no montante de € 8.663,50 contabilizado com base no documento interno n.º 120….;

12. No dia 28 do mês de março de 2014, o Sr. J....., na qualidade de representante legal do sujeito passivo, no seguimento e em resposta à notificação efetuada no dia 13 de março, não tendo apresentado qualquer documento, declarou o seguinte:

- Apesar de não possuir qualquer documento comprovativo da realização de suprimentos no montante de total € 265.000,00, em diversas entregas compreendidas entre Maio e Dezembro de 2012, para além dos constantes da contabilidade, efetivamente esses suprimentos a dinheiro foram feitos. Nomeadamente não possuo comprovativos de levantamentos em numerário das minhas contas pessoais, nem existem comprovativos de depósitos em contas da sociedade para além do que é normal. Nesse período a sociedade não fez qualquer pagamento de montante significativo a nenhum fornecedor ou prestador de serviços.

- O contabilista só teve conhecimento desses suprimentos e das respetivas listagens que identificam os valores entregues e as respetivas datas, em reunião ocorrida em Outubro de 2013, razão pela qual o lançamento foi feito pela sua globalidade nessa altura com referência a 31 de Dezembro de 2012;

- O saldo de € 562.000,00 que existia na conta 27131 Adiantamentos para fornecedores de investimentos, no final do ano de 2012, resultou de transferências do saldo virtual da conta caixa, esta normalmente movimentada por contrapartida das contas de depósitos à ordem. A conta caixa apresentava um saldo elevado porque a sociedade fez empréstimos ao sócio que este utilizou a construção da sua casa de habitação:

- Relativamente ao valor de € 100.314,73 este foi calculado por forma garantir a conformidade das aplicações de fundos da sociedade nomeadamente por via de empréstimos a sócios com o valor global transferido para sócios de acordo com a inspeção da AT;

- O cálculo do IRS no montante de € 88.787,01 está errado por defeito uma vez que o seu cálculo foi efetuado com base nas taxas relativas aos anos em causa e não ao momento da retenção;

- O cálculo dos juros foi efetuado com base nos montantes transferidos da esfera da sociedade para a esfera pessoal do sócio, numa base semestral, aplicando a taxa de 5% do contrato;

- Relativamente ao valor de € 8.663,50, contabilizado com base no documento interno n.º 120…., trata-se de um erro de cálculo pois o valor correto deveria ter sido € 5.000,00.

- Quero reiterar que não tenho qualquer intenção de frustrar os créditos que eventualmente vierem a ser apurados pela AT e que inclusive foi constituída na empresa uma provisão para pagamento de impostos antes de a sociedade ser dissolvida por fusão.

13.No dia 27 do mês de março de 2014, o Sr. C....., na qualidade de Técnico Oficial de Conta do Sujeito Passivo, declarou o seguinte:

- Fui o TOC da sociedade J.....o, Lda., desde a data do seu início de atividade até á data de cessação da mesma, em 31/12/2013, e tenho conhecimento da distribuição de lucros da sociedade pelos seus únicos sócios, o sr. J....., o gerente, e a sra. A....., nos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012. Que essa distribuição de lucros consistiu em saídas de dinheiro, ao longo daqueles anos e com alguma regularidade, da esfera da sociedade para a esfera privada dos seus sócios. Por exemplo, tenho conhecimento de que uma das formas da sociedade receber de clientes era através de cartões de débito e crédito, associados a Terminais de Pagamento Automático (TPA's), e que no restaurante existem quatro TPA's em funcionamento, sendo que um deles estava associado à conta bancária particular do sócio-gerente J....., da Caixa ….. Sul.

- Confrontado com extrato de conta corrente da conta 27131 Adiantamentos para fornecedores de investimentos, movimentada em 2011 e que a 31/12/2011, apresentava um saldo de € 562.000,00 disse que a mesma foi criada com o objetivo de diminuir o saldo da conta 11 Caixa que refletia um valor virtual, uma vez que não correspondia à verdade, porque de facto não existia aquele valor em Caixa. A criação desta conta foi precedida de confronto da situação com o gerente e também sob opinião de um fiscalista. O gerente foi esclarecido de que a curto prazo teria que resolver a situação desta conta com a integração de bens pessoais no património da sociedade ou com a distribuição de resultados, com o qual o sr. J..... concordou por saber que estava a utilizar o dinheiro da empresa nas obras de construção da sua casa de habitação. Confirmou que os valores contabilizados na conta 27…. deveriam ter sido considerados distribuição de resultados pelos sócios nos anos de 2009, 2010 e 2011. A conta 27… foi saldada em 31/12/2012, por contrapartida da conta 2… Acionista/Sócios - Ativos Corrente, para espelhar mais correctamente a situação em concreto.

- Tenho conhecimento da existência do contrato de mútuo estabelecido entre a sociedade J..... Lda, e o Sr. J..... e esposa, sócios da sociedade, datado de 31/12/2012, em que sociedade empresta aos sócios, até um milhão de euros, com início retroactivo no início do ano de 2009, para financiamento da construção da sua residência futura e da família. Tomei conhecimento deste contrato durante o mês de outubro de 2013. Este contrato veio na sequência de reunião que o gerente da sociedade teve com o seu advogado para regularizar a situação, ou seja, a questão da falta de distribuição de resultados e regulariza a conta 27… Adiantamentos para fornecedores de investimentos, com o pagamento dos impostos devidos. A referida reunião foi potenciada pelas acções inspectivas quer à sociedade quer aos sócios e as respetivas constituições de arguidos. Pelo que, apesar de o contrato ser datado de 31/12/2012, foi redigido em outubro de 2013, conforme se prova pela autenticação, registo na ordem dos advogados e pagamento do imposto do seja respetivo. Os movimentos contabilísticos inerentes à regularização da situação em causa foram lançados em outubro de 2013, concretamente no dia 22, apesar de com referência a 31/12/2012.

- Confirmo também que as actas n.ºs 13 e 15 relativas à ratificação do contrato de mútuo e distribuição de resultados, datadas de 31/12/2012 e 30/09/2013, respetivamente, foram lavradas pelo advogado em outubro do 2013.

- Sobre documento interno n.º 12… relativo a suprimentos do gerente J..... à sociedade, no montante de € 265.000,00, contabilizados por Caixa, nunca me foram presentes quaisquer documentos bancários comprovativos da entrada de dinheiro nas contas bancárias da sociedade. Apenas me foram apresentadas várias relações de entradas de suprimentos.

- Sobre documento interno n.º 120…., referente a um perdão de suprimentos do sócio à sociedade, no montante € 276.527,72, não sei explicar a razão de ser do mesmo, já que se trata de uma decisão tomada pelo gerente por aconselhamento com o seu advogado.

- Quanto à distribuição de resultados explicitados nas atas n.ºs 13 e 15: de 2009 a 2011, foi transferido de reservas livres para resultados transitados o valor total de € 525.917,16, que foram transferidos para resultados atribuídos, de modo a fazer face à amortização do empréstimo. Para o ano de 2012 porque a sociedade apresentava um Resultado Líquido negativo de € 17.061,97, foi considerado no documento interno n.º 120… que o gerente J....., fez um perdão de suprimentos, à sociedade, no valor de € 276.527,72, que esta contabilizou como proveitos na conta 78…. Outros Rendimentos e Ganhos o que potenciou um apuramento de resultado líquido positivo, que permitiu a distribuição de lucros aos sócios em 2013, no valor de € 192.499,95, conforme aprovado na ata n.º 15.

- Relativamente ao documento interno n.º 120…., no valor de € 100.314,73, este tem o mesmo carácter do documento n.º 120…., ou seja um suprimento do sócio à sociedade, em que o mesmo assume dívida no mesmo valor à sociedade, por quanto foi registado o mesmo valor na conta 26… Acionistas/Sócios - Outras Operações activo corrente.

Questionado sobre o projecto de fusão da sociedade J….. Lda., na sociedade H….. Lda, afirmou ter conhecimento mas não teve qualquer intervenção na decisão.

Nota: Realces a negrito nossos.

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III - 1 Contextualização

III - 1.1 Recolha de informação do sistema de faturação

Dois Inspetores Tributários da Direção de Finanças de Santarém, no âmbito do despacho externo n.º DI20…., no dia 1 de janeiro de 2013 - dirigiram-se às instalações do sujeito passivo com o objetivo de efetuar a recolha das bases de dados do seu sistema de faturação, com referência aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012.

Após conversa com o sócio-gerente do sujeito passivo e com um técnico do fornecedor do sistema Informático (S..... LDA, NIF 503……), verificamos ser impossível copiar as bases de dados relativas à faturação anterior a janeiro de 2012, porque fomos informados que o disco onde era armazenada a informação tinha simplesmente avariado.

No seguimento do sucedido foi ouvido o sócio-gerente do sujeito passivo em auto de declarações, tendo o mesmo declarado o seguinte:

1. No início do mês de Janeiro do ano de 2012 tivemos um grave problema com o sistema informático de faturação, tendo o computador deixado simplesmente de funcionar. Chamamos o técnico da empresa S…., LDA, NIF 503….., que instalou um sistema completamente novo. Fomos informados pelo técnico que, o disco onde era armazenada a informação relativa à faturação se encontrava avariado e que não é possível fazer a recuperação de quaisquer dados.

2. Não tínhamos por hábito fazer cópias de segurança do sistema, por isso não temos qualquer possibilidade de facultar as bases de dados relativas à faturação anterior a Janeiro de 2012;

3. O hardware antigo que foi retirado foi levado pela S…. e esta, nesta data, não o consegue localizar, pelo que não nos é possível apresentar o disco "avariado" onde a informação armação era guardada.

4. O que aconteceu, agora, não voltará a acontecer porque o sistema novo está ligado a um servidor em que a informação está constantemente a ser guardada em segurança.

Foram recolhidas as bases de dados relativas à faturação posterior a 20 de janeiro de 2012.

Com base na informação recolhida o Gabinete de Auditoria Informática (GAI) da Direção de Finanças de Santarém produziu a informação n.º 3…/2013, da qual se junta cópia no anexo de fls. 82 a 91 (mais à frente vamo-nos servir desta informação para propor as correções relativas aos período de 2012).

Em relação ao exercício do ano de 2004, também haviam sido recolhidas as bases de dados do sistema informático de faturação, as conclusões da análise foram semelhantes à constante da informação n.º 3…/2013 referida, o que levou, na altura, o sujeito passivo a optar por regularizar voluntariamente.

III - 1.2 Procedimento inspetivo ao período de 2011

O Sujeito passivo foi objeto de procedimento inspetivo ao período do ano de 2011, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 0120…., da Direção de Finanças de Santarém, tendo sido iniciado em 2013-02-06 e foi assinada a nota de diligência em 2013-06-11.

Nesse procedimento inspetivo foram efetuadas correções em sede de IRC e IVA com recurso a métodos indirectos ao abrigo disposto no artigo 57º do Código do IRC, e em sede de IVA, ao abrigo do disposto no artigo 90º do Código do IVA, com os fundamentos previstos na alínea b) d artigo 87º e na alínea d) do artigo 88º da Lei Geral Tributária (LGT).

De seguida destacam-se alguns factos que motivaram a aplicação de métodos indiretos, que também se verificam em relação a parte ou totalidade dos períodos em análise no presente procedimento inspetivo:

A. Inspeção o exercício do ano de 2004 - Margens praticadas

O sujeito passivo no ano de 2005 foi alvo de uma inspeção ao exercício do ano de 2004, tendo sido efetuada uma recolha das bases de dados do sistema informático de faturação. Pela análise das referidas bases de dados apurou-se inequivocamente que os ficheiros informáticos foram alterados, que implicou uma falta de contabilização de proveitos no montante total de € 195.569,73 e falta de entrega ele IVA liquidado, não declarado e não entregue no montante total de € 23.438,56.

A referida inspeção também abrangeu parte dos exercícios dos anos de 2003 e 2005, onde se detetou o mesmo tipo de omissões/infrações por parte do sujeito passivo.

O sujeito passivo confrontado com as conclusões daquela ação inspetiva procedeu à regularização declarativa e efetuou o pagamento de todos os impostos que se mostraram devidos. Daqui concluímos que, também nos anos de 2003, 2004 e 2005, o sujeito passivo adulterava a informação constante dos ficheiros produzidos pelo programa de faturação para assim entregar ao Estado menos IVA do que aquele que recebeu dos clientes e pagar menos imposto sobre os lucros obtidos.

No ano de 2004, o sujeito passivo declarou inicialmente uma Margem Bruta sobre as Vendas (MBV) de 42,3 % [(prest. Serviços - Custo Matérias Consumidas)/Prest. Serviços x 100].

Após a inspeção e a regularização por parte do sujeito passivo a MBV do ano de 2004, por si declarada, mais próxima da realidade, foi de 53,06%.

A atividade do sujeito passivo caracteriza-se por uma atividade de caráter continuada, sendo que a qualidade dos serviços prestados aos clientes e a relação qualidade preço não sofre alterações ao longo dos anos, conforme declarado pelo sócio-gerente.

Relativamente ao período do ano de 2009 o sujeito passivo declarou uma MBV de 38,87%. Para o ano de 201 o sujeito passivo declarou una MBV de 37,71 % e sendo a MBV declara para o ano de 2012 de 42,49%. O que indicia que também nos anos de 2009, 2010 e 2012 o sujeito passivo terá omitido proveitos e não declarou nem entregou ao Estado todo o IVA liquidado e recebido dos seus clientes.

B. Inexistência de informação relativa ao detalhe das vendas – ficheiros informáticos (documentos fiscalmente relevantes)

Conforme assumido pelo sócio-gerente, o sujeito passivo não facultou informação relativa ao detalhe das prestações de serviços, nomeadamente a informação constante das faturas, vendas a dinheiro ou talões de venda, relativamente ao período anterior a 20 de janeiro de 2012.

O sujeito passivo, nos termos do n.º 4 do artigo 52.º do código do IVA, estava autorizado a arquivar em suporte eletrónico as faturas ou documentos equivalentes emitidos por via eletrónica, desde que garantisse o acesso completo aos dados e assegurasse a integridade da origem e do seu conteúdo.

O sujeito passivo nos períodos de 2009, 2010 e parte do mês de janeiro de 2012 em causa, emitia faturas (ou vendas a dinheiro) com recurso programa informático, arquivava as mesmas em suporte informático, arquivava as mesmas em suporte informático mas não garantiu o acesso completo aos dados.

Note-se que, independentemente de ter ocorrido uma avaria no disco do computador onde era armazenava a informação, o sujeito passivo não cumpriu o determinado nos artigos 6.º e 9.º da portaria 1370/2007 de 19 de outubro, a seguir transcritos:

Artigo 6.º - Cópias de segurança – 1- Os sujeitos passivos são obrigados a possuir cópias de segurança do suporte electrónico.

2- Os originais e as cópias de segurança devem ser armazenados em locais distintos e em condições de conservação e segurança necessários de modo a garantir a impossibilidade de perda dos arquivos.

Artigo 9.º - Acesso à informação arquivada – 1- Os sujeitos passivos devem facultar à administração tributária, no exercício da ação de inspeção, cópia dos respectivos suportes, reproduções legíveis em papel dos documentos arquivados, bem como permitir a realização de quaisquer tipo de análises e ou pesquisas ao arquivo que se refere o artigo 1.º.

2- Para efeitos do disposto no número anterior, devem os sujeitos passivos assegurar disponibilidade do equipamento que serviu para gravação dos seus documentos e de pessoal técnico habilitado para manuseamento do sistema utilizado.

Não tendo a inspeção tributária acesso à informação relativa ao detalhe das prestações de serviços, à informação contida nos documentos (faturas), não é possível comprovar a veracidade do valor das prestações de serviços declaradas. Torna-se impraticável testar consumos de matérias primas versus prestações de serviços. Por exemplo, no valor total das prestações de serviços declaradas não é possível saber quantos cafés estão lá incluídos e comparar com os quilos de grão de café adquiridos.

C. Existência de um TPA associado a uma conta bancária em nome do sócio-gerente

A sociedade utiliza diversos TPA para receber dos seus clientes, pelos serviços prestados através de cartões de débito ou crédito. Um desses TPA está associado à conta da Caixa ….. n.º 5472…., cujo titular é J....., sócio-gerente da sociedade. O sócio-gerente, pontualmente efetua transferências da referida conta para a conta n.º 401…., do mesmo banco, que está em nome da sociedade, mas não existe uma correspondência exata entre os valores recebido pelo sócio, via TPA, e os valores por si transferidos para a sociedade. Estas transferências não são evidenciadas na contabilidade.

D. Empresa familiar

O sujeito passivo, J..... Lda., trata-se de uma empresa familiar em que os sócios são casados entre si. São trabalhadores da sociedade, para além dos sócios, uma filha e um genro dos mesmos.

As instalações (restaurante e armazém) onde a empresa exercia atividade eram, nos anos em causa, da propriedade dos sócios, não sendo debitado qualquer valor relativo a compensação pela utilização do espaço. Isto é, o sujeito passivo não pagou qualquer importância a título de renda aos proprietários do imóvel, e consequentemente não suportou esse custo.

Não estando esses custos, inerentes à atividade desenvolvida considerados na contabilidade do sujeito passivo, o lucro tributável declarado elo sujeito passivo está influenciado positivamente por essa realidade.

Se esses custos inerentes à atividade estivessem com completamente refletidos na contabilidade sujeito passivo estaria a declarar uma rentabilidade fiscal inferior.

No que diz respeito às correções efetuadas pela AT, ao sujeito passivo, com referência ao período de 2011 foram tomadas por base as quantidades de produtos e matérias-primas consumidas pelo sujeito passivo, durante o ano de 2011, para ser calculado o valor total das prestações de serviços corrigido. Foi feita uma recolha exaustiva de todas as quantidades de produtos adquiridos elo sujeito passivo e, com a colaboração deste, com base nas quantidades compradas foi possível determinar as unidades vendidas, que ao serem multiplicadas pelos respetivos preços de venda, apurou-se o montante das prestações de serviços corrigido.

O sujeito passivo depois de notificado do Relatório Final da Inspeção Tributária, efetuou o pedido de revisão da matéria coletável, nos termos do artigo 91.º da Lei Geral Tributária.

O perito da administração e o perito do contribuinte não chegaram a acordo, tendo o órgão competente para a fixação da matéria tributável fixado correções ao Lucro Tributável para efeitos de IRC no montante de € 221.108,00, e IVA a entregar ao Estado no montante total de 19.222,03 (dividido pelos respetivos períodos mensais).

III - 2 Descrição dos factos e fundamentos das correções propostas

III - 2.1 Anos 2009 e 2010

Conforme referido no ponto 8. de II - 3.4 Diligencias efetuadas, foi recolhida em listagens, por anos, informação relativa a todos os montantes recebidos pelo sujeito passivo dos seus clientes, pelos serviços de restauração prestados, através de todos os TPA's em funcionamento no restaurante, bem como todos os depósitos em umerário e cheques recebidos dos clientes.

Dessas listagens constam os valores recebidos através dos TPA's associados a contas abertas em nome do sujeito passivo (sociedade) e também os valores recebidos através do TPA associado à conta bancária aberta e nome pessoal do sócio.

Independentemente dos TPA's estarem associados a contas bancárias em nome da sociedade ou em nome do sócio, os recebimentos efetuados através desses TPA's correspondem a receitas efetivas do restaurante.

Relativamente aos depósitos em numerário, também estes têm origem em valores recebidos dos clientes do restaurante pelos serviços prestados pelo sujeito passivo (sociedade). Ou seja, correspondem a receitas efetivas da atividade de restauração, independentemente desses depósitos, em numerário, terem sido efetuados em contas bancárias tituladas pela sociedade ou em contas tituladas pelos seus sócios (realidade confirmada pelas declarações do sócio-gerente).

Essas listagens que constam do anexo ao presente relatório de fls. 31 a 81, identificam a data de cada movimento, a descrição constante dos extratos bancários, a identificação da conta de destino (banco, n.º de conta e titular da conta), e o valor que deu entrada na conta pelo movimento identificado em cada linha.

Consta ainda das listagens a última coluna relativa às comissões bancárias. O sujeito passivo quando recebe dos clientes através de TPA, recebe o valor correspondente ao serviço prestado. No entanto só é creditado na sua conta bancária o valor líquido das comissões bancárias. Posteriormente o banco emite um documento mensal onde identifica o valor total das comissões, que o sujeito passivo utiliza para as contabilizar com gasto fiscal.

Assim, ao valor constante dos extratos bancários temos que somar o valor das comissões bancárias, para determinarmos o montante recebido dos clientes, correspondente ao valor das prestações de serviços com IVA incluído.

Se o sujeito passivo depositasse todo o dinheiro recebido dos seus clientes, em numerário e em cheque, e não efetuasse nenhum pagamento em numerário ou através de endosso de cheques, os montantes que davam entrada nas suas contas bancárias corresponderiam exatamente aos proveitos da sociedade com IVA incluído.

Dado o informado, tudo indicia que, os proveitos obtidos pelo sujeito passivo, referentes às prestações de serviços de restauração, foram superiores aos fluxos financeiros identificados nas listagens anexas (com IVA incluído). Uma vez que, o sócio-gerente admitiu fazer pagamentos em numerário a fornecedores, o sócio-gerente, assim como fez depósitos em numerário nas suas contas pessoais também pode ter efetuado pagamentos em numerário de despesas relacionadas com a sua esfera pessoal. Eventualmente o sujeito passivo pode ter efetuado pagamentos de gratificações aos seus trabalhadores, em numerário, extra recibos de vencimentos, para compensar o elevado número de horas de trabalho diárias.

Assim, vamos ter de determinar o valor das omissões de prestações de serviços e base tributável de IVA dos anos de 2009 e 2010, comparando os fluxos financeiros gerados pelo sujeito passivo, identificados nas listagens, com os valores por ele declarados, quer nas declarações periódicas do IVA quer na demonstração de resultados e declaração mod. 22 (apuramento do lucro tributável para efeitos de IRC).

[…]

Ano 2010

Relativamente ao ano de 2010, ordenando a listagem, constante do anexo de fls. 43 a 60, por datas, extraímos os fluxos financeiros entrados por mês (coluna (1) da tabela)

Notas:

- Os valores constantes da coluna (2) foram determinados a partir dos valores constantes da coluna (1), aplicando o método a que se refere o artigo 49.º do código do IVA, considerando a taxa de imposto em vigor ao tempo de 12% no primeiro semestre e de 13% no segundo semestre.

- Os valores constantes da coluna (3) correspondem aos valores declarados pelo sujeito passivo no campo 5 das correspondentes declaraç5es periódicas de IVA. O total da coluna corresponde ao valor de Prestações e Serviços, declara do pelo sujeito passivo no campo A5001 do quadro 03-A da IES - Declaração anual.

- Os valores constantes da coluna (4) correspondem às diferenças entre os valores da coluna (2) e os valores da coluna (3), quando positivos. O total da coluna corresponde ao montante mínimo de omissão de proveitos, por parte do sujeito passivo, na determinação do lucro tributável para efeitos de IRC.

- Os valores constantes da coluna (5) correspondem ao montante mínimo do IVA recebido pelo sujeito passivo dos seus clientes, não declarado à administração fiscal e não entregue nos cofres do Estado. Esses valores foram determinados aplicando a taxa do IVA em vigor ao tempo, de 12% no primeiro semestre e de 13% no segundo Semestre, ao montante mínimo das omissões constante da coluna (4).

Assim, ficado provado que o sujeito passivo omitiu rendimentos previstos na al. a) do n.º 1 do artigo 20º do código do IRC, relativos a omissões de prestações de serviços de pelo menos € 103.519,40.

O mesmo montante corresponde à omissão mínima de base tributável de IVA, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IVA, que implicou a omissão por parte do sujeito passivo de IVA liquidado, pelo menos, nos montantes, por declaração mensal, constantes da coluna (5) do quadro supra, corresponde do ao total anual de € 12.958,02.

Lucros distribuídos aos sócios/resultados líquidos declarados

Conforme está comprovado, nas listagens constantes do anexo de fls. 2 a 30 relativas às transferências bancárias das contas da sociedade para as contas pessoais dos sócios, os movimentos do TPA associado à conta pessoal do sócio e dos depósitos em numerário nas contas pessoais dos sócios, os sócios à medida que a sociedade vai gerando excedentes financeiros, transfere esses excedentes para a sua esfera pessoal.

Foi prática ao longo dos anos os sócios transferirem lucros gerados pela sociedade para a sua esfera pessoal, à medida que esses lucros são gerados, não esperando pelos encerramentos das contas, nem por deliberações da assembleia geral, nem pelo final do ano civil, nem sequer pelo final do mês. Isto está provado por todos os movimentos constantes das listagens referidas no parágrafo anterior, relativas aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2012.

Uma vez que o sujeito passivo é uma pequena ou média empresa familiar, em que os únicos sócios são um casal (marido e mulher), os sócios não diferenciavam os meios financeiros da sociedade dos seus meios financeiros pessoais, pelo que, era-lhes indiferente depositar as receitas a sociedade nas contas bancárias da sociedade ou nas suas contas bancárias pessoais. Existia apenas a preocupação por parte do sócio-gerente de manter liquidez nas contas bancárias da sociedade para fazer face aos cheques emitidos e aos débitos diretos ativados.

O sujeito passivo (sociedade) apesar de, na sua contabilidade possuir resultados transitados / reservas, saldos elevados na conta 11 Caixa no final do ano de 2010, ter transferido o saldo de caixa para a conta 27131 Adiantamentos a Fornecedores de Investimentos no ano de 2011 e saldo desta conta ter aumentado exponencialmente nesse ano, os valores constantes dessas rubricas contabilísticas são fictícios, uma vez que, são o reflexo de os resultados terem sido efetivamente distribuídos aos sócios e essas distribuições não terem sido corretamente contabilizadas.

A partir daquelas listagens onde são identificadas todas as transferências bancárias da sociedade para as contas bancárias dos sócios, abatidas as transferências bancárias do sócio-gerente para a sociedade, todos os movimentos do TPA associado à conta em nome do sócio-gerente, bem como todos os depósitos em numerário nas contas pessoais dos sócios foram determinados os montantes anuais transferidos da sociedade para os sócios constantes da coluna (1) da tabela seguinte:

Uma vez que a sociedade pagou aos sócios os respetivos salários processados, consideram-se distribuição de lucros o valor total das listagens abatido dos montantes relativos aos pagamentos dos salários, portanto consideram-se distribuição de lucros os montantes constantes da coluna (3).

No quadro seguinte é possível comparar os resultados líquidos dos períodos apurados e declarados pela sociedade, nos anos de 2009 e 2010, com os lucros distribuídos aos sócios, é apurada a respetiva diferença.

Conforme ficou provado a sociedade distribuiu receitas das prestações de serviços,

aos sócios, por conta de adiantamentos de lucros. A sociedade para poder distribuir

os lucros constantes do quadro supra teve que os obter nos anos em causa. Uma vez

que os custos inerentes à atividade desenvolvida se encontram documentados e

contabilizados, a diferença apurada no quadro supra, corresponde, ao mínimo da

omissão de proveitos, com IVA incluído, por parte da sociedade.

A sociedade na atividade de RESTAURANTE DE TIPO TRADICIONAL que

exerce, recebe dos seus clientes pelos servi os que presta, no entanto parte dessas

importâncias recebidas dos clientes são canalizadas directamente para as contas

particulares dos sócios, sem que sejam refletidas na contabilidade. Só esse facto

justifica a faculdade de a sociedade distribuir lucros aos sócios superiores aos

resultados líquidos apurados na contabilidade.

Assim, tendo ficado provado que o sujeito passivo omitiu rendimentos previstos na

al. a) do nº 1 do artigo 20.º do código do IRC, propõe-se correção ao valor das

prestações de serviços declaradas pelo sujeito passivo nos montantes de €

275.263,01 e € 230.471,77, respetivamente nos anos de 2009 e 2010,

correspondentes aos valores dos réditos, com exclusão do IVA, adiantados por conta

de lucros ao longo dos períodos (valor omitido em prestações de serviços à conta 72,

para efeitos de IRC).

[…]

III - 2.2 Ano 2012

A mesma análise efetuada para os anos de 2009 e 2010 também foi desenvolvida

relativamente ao ano de 2012, no entanto não vamos apresentar os resultados por

declaração mensal mas apenas os totais anuais.

Notas:

- O valor constante da coluna (1) é o valor total da listagem dos fluxos

financeiros entrados constante de fls. 61 a 81 do anexo ao presente relatório.

Nessa listagem do ano de 2012 não foram recolhidos os valores referentes às

omissões bancárias o que reduz o valor das receitas que se está a considerar

nesta análise.

- Os valores constantes das colunas (2), (4) e (5) foram determinados com base

nas fórmulas constantes das colunas.

- A coluna (3) corresponde ao valor declarado no campo A5001 do quadro 03-

A da IES - Declaração Anual e contabilizado a conta 72 Prestações de

Serviços.

À semelhança da análise efetuada para os anos de 2009 e 2010, o valor de €

273.276,30 seria o montante mínimo de omissões de proveitos, e base tributável de IVA, por parte do sujeito passivo relativamente ao ano de 2012. O que corresponde a IVA liquidado e não entregue de pelo menos € 62.853,55.

Conforme referimos anteriormente, relativamente ao período posterior a 20 de janeiro de 2012, foi possível obter a informação contida nas bases de dados do sistema de faturação do sujeito passivo.

Pelo Gabinete de Auditoria Informática (GAI) da Direção de Finanças de Santarém, foi efetuada a análise daquelas bases de dados, tendo sido produzida a informação n° 2…/2013, considerando-se aqui como integralmente reproduzida para todos os efeitos (informação constante do anexo de fls. 82 a 91).

Da referida informação conclui-se que o sujeito passivo declarou os valores correspondentes às Vendas a Dinheiro (VD) emitidas. Pelas prestações de serviços de restauração o sujeito passivo emitia consultas de mesa (CM). Todas as VD tiveram origem em CM, no entanto, nem todas as CM deram origem a VD.

Depois de diversos procedimentos para evitar erros, descritos na informação, foram apurados os valores dos serviços prestados e não declarados pelo sujeito passivo. Esses valores são os constantes do quadro 2.5 constante da página 8 da informação, do qual se extraíram os seguintes valores:

Daquela informação destaca-se ainda a sua conclusão que se transcreve:

A análise efectuada deve ser dividida em duas partes, o período compreendido entre 20 de Janeiro e 21 de Junho e desta data até ao final do ano.

Em ambas as partes parece evidente haverem valores não declarados, podendo ser identificadas com exactidão quais as operações em causa, mas relativamente ao primeiro período, parece que para além dessas omissões, existem valores que foram eliminados das bases de dados mas esses valores só podem ser apurados com base noutros elementos que não os registos informáticos.

Ou seja, existem fortes indícios de que as omissões de rendimentos por parte o sujeito passivo foram, em valor, superiores às detetadas /apuradas pelo Gabinete de Auditoria Informática.

Assim, tendo ficado provado que o sujeito passivo omitiu rendimentos previstos na al. a) do nº 1 do artigo 20.º do Código do IRC, propõe-se correção ao valor das prestações de serviços declaradas pelo sujeito passivo no montante de € 375.365,20.

O mesmo montante corresponde a omissão de base tributável de IVA, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 1.º do código do IVA, assim propõe-se correção ao IVA liquidado nos montantes, por declaração mensal, constantes do quadro supra, correspondendo ao total anual de € 86.333,22.

No procedimento inspetivo ao período de 2011, foi efetuada correção ao Custo das Matérias Consumidas (CMC) no montante de € 73.246,18, com o seguinte fundamento:

A atividade do sujeito passivo caracteriza-se por ser uma atividade de caráter continuado, com uma elevada rotatividade dos stocks de produtos e matérias primas adquiridas, justificada com o facto de grande parte desses bens ter um prazo de validade reduzido. Nesse sentido o valor total desses stocks nunca pode sofrer grandes alterações, salvo alguma compra em maiores quantidades de vinhos ou bebidas espirituosas, o que não foi o caso, no ano em análise.

Como foi admitido pelo sujeito passivo, em auto de declarações, o inventário reportado a 31/12/2011, no valor total de € 4.612,38, não foi corretamente elaborado, não constando desse inventário determinados produtos e matérias-primas que o sujeito passivo tem que ter sempre em stock. Tais como refrigerantes, águas, batatas, arroz, feijão, açúcar, café, etc.

Atendendo à falta de veracidade dos valores declarados para efeitos fiscais, relativamente aos inventários, situação confirmada pelo sujeito passivo, (…), vamos considerar a variação dos mesmos nula, ou seja, o valor das compras de produtos e matérias-primas é idêntico ao Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas, cumprindo assim com o determinado no n.º 1 do artigo 23.º do código do IRC.

Relativamente ao período de 2011 o sujeito passivo declarou Existências Iniciais no valor de € 84.103,89 e Existências Finais no valor de € 4.612,38.

Ao ter sido posto em causa o valor das Existências Finais declaradas pelo sujeito passivo, e o facto de se ter considerado urna variação dos inventários nula, o valor das Existências Finais de 2011 foi de € 84.103,89 (igual às Existências Iniciais).

As Existências Finais de 2011 correspondem às Existências Iniciais de 2012, assim há lugar à correção ao Custo das Matérias Consumidas do ano de 2012, favorável ao sujeito passivo, cumprindo o determinado no n.º 1 do artigo 23.º do código do IRC, no montante de € 73.246,18, conforme se demonstra no quadro seguinte:

III - 2.5 Resumo das correções propostas

[…]

III - 2.5.1 Ano 2012

Em relação ao período de 2012, em sede de IRC, propomos correção ao lucro tributável declarado pelo sujeito passivo, para € 289.336,79, conforme demonstrado no quadro seguinte:

Em sede de IVA são propostas as seguintes correções aos valores declarados, por

declaração periódica mensal, conforme referido anteriormente:

[…] – cf. o RIT, a fls. 106 a 121 da RG apensa.

J) Através do ofício n.º 3522, de 18.06.2014, dirigido à sociedade “J…..

, Lda.”, foi remetida notificação do teor do

relatório de inspeção – cf. fls. 127 da RG apensa.

K) A carta identificada no ponto anterior foi devolvida – cf. fls. 129 da RG apensa.

L) Através do ofício n.º 3…, de 17.06.2014, dirigido à Impugnante na

qualidade de sociedade incorporante da “J…..

Restauração, Lda.”, foi a mesma notificada do teor do relatório de inspeção,

recebido em 20.06.2014 – cf. fls. 131/132 da RG apensa.

M) Atos impugnados: Em 29.07.2014 foram emitidas as liquidações adicionais de IVA referentes ao exercício de 2012, identificadas com os n.ºs 908…, 908…, 908…, 908…, 908…, 908…, 908…, 908…, 908…, 908…, 908… e 908…, no montante total de € 86.333,99 – cf. fls. 63 a 73 da RG apensa.

N) Atos impugnados: Em 12.08.2014 foram emitidas as liquidações de juros compensatórios, em sede de IVA referentes ao exercício de 2012, identificadas com os n.ºs 213…, 213…, 213…, 213…, 213…, 213…, 213…, 213…, 213…, 213…, 213… e 213…, no montante total de € 5.732,03 – cf. fls. 39 a 62 da RG apensa.

O) A 26.09.2014 foram as liquidações identificadas em M) e N) supra notificadas à Impugnante – cf. fls. 23 do processo administrativo apenso.

P) Em 27.12.2014 foi pela Impugnante apresentada reclamação graciosa contra as liquidações identificadas em M) e N) supra, que deu origem à instauração do processo n.º 3166…. – cf. fls. 2 e 74 da RG apensa.

Q) Por despacho de 28.10.2015, da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, exarado sob a informação dos serviços da mesma data, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi indeferida a reclamação graciosa identificada no ponto anterior – cf. fls. 1502 a 1508 da RG apensa.

R) Por ofício n.º 81…, de 15.02.2016 da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, recebido a 17.02.2016, foi a Impugnante notificada da decisão identificada no ponto anterior – cf. fls. 1521 a 1523 da RG apensa.

S) A presente impugnação foi apresentada em 15.05.2016 – cf. registo dos CTT a fls. 20 do suporte físico dos autos.»


*

Não resultaram dos autos quaisquer outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que, como tal, importe julgar como provados ou não provados.

*

Motivação da decisão de facto:

Os factos dados como provados resultam dos documentos constantes dos autos e dos processos administrativo e de reclamação graciosa apensos, os quais não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade, tudo conforme referido em cada uma das alíneas.


*

2. DO MÉRITO DO RECURSO

2.1. Erro de julgamento de facto

A Recorrente questiona a matéria de facto fixada na sentença, por segundo alega, verificar-se uma errada desconsideração pela administração dos dados informáticos da empresa e da fiabilidade do software instalado no sistema informático da empresa para garantir a integralidade da informação registada, fundada dúvida sobre a existência e quantificação dos factos tributários e inconsistência dos factos convocados pela administração tributária para a formação das presunções e estimativas utilizadas nos métodos indirectos de determinação do valor tributável das prestações efectuadas (cfr. conclusões 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 21, 25 e 27 da alegação de recurso).

Vejamos.

O n.º 1 do artigo 662. ° do Código de Processo Civil (CPC), determina que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 640.º do mesmo diploma impõe que:

1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Precisa-se ainda que, quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, acresce aquele ónus do recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na perspectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2, alínea a) do artigo 640.º).

Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios.

O legislador rejeitou a possibilidade de repetição de julgamentos bem como de recursos genéricos sobre a matéria de facto impondo ao recorrente não só que indique os concretos pontos da matéria de facto em divergência bem como os concretos meios probatórios que constam do processo que permitam o julgamento pretendido.

Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11, proferido no processo 334/07.3 TBASL.E1): O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.

Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento. (disponível em www.dgsi.pt/).

Na situação dos autos, a Recorrente nas suas conclusões do recurso, questiona a sentença recorrida quanto à decisão sobre a matéria de facto, limitando-se a desvalorizar de forma conclusiva a prova produzida nos autos, contrapondo, em suma, que os registos contabilísticos, no ano de 2012, encontravam-se em dia, suportados por documentos emitidos em forma legal, não sendo correcto afirmar que o software não garante a integralidade da informação, assentando as correcções aritméticas em pressupostos não exactos, questionáveis e duvidosos, acrescentadas de presunções e estimativas próprias de métodos indirectos (cfr. pontos 4, 5, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 da motivação do recurso).

De referir que o STA notificou a Recorrente para suprir as deficiências das conclusões, nos termos constantes do parecer do Ministério Público, através da apresentação de novas conclusões, tendo a Impugnante correspondido com a apresentação de requerimento no qual, no que respeita à impugnação da matéria de facto continuou a emitir juízos conclusivos e a extrapolar raciocínios a partir da actividade desenvolvida, e misturando as fundamentações das liquidações dos diversos anos que foram sujeitos à acção de fiscalização, sendo que, a liquidação impugnada nos presentes autos respeita ao ano de 2012, não permitindo o Relatório de Inspecção Tributária dar como provado o que a Recorrente pretende.

A Recorrente não cumpre o ónus de impugnação da matéria de facto, que sobre ela recaía, especificando, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, como também os concretos meios de prova constantes do processo que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adoptada na decisão recorrida.

Em consonância com o supra exposto, não é admissível o recurso genérico contra a decisão da matéria de facto e não tendo a Recorrente cumprido o determinado na norma citada, a deficiência apontada é o bastante para importar a rejeição da apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto em vista da sua alteração.

De referir, por último, que o raciocínio da Recorrente tem por pressuposto que a Administração Tributária não cumpriu o seu ónus da prova, nos termos dos artigos 75.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 100.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) – cfr. ponto 25 das conclusões da alegação de recurso -, porém, como melhor se verá infra, o ónus da prova pertence à Recorrente.

Termos em que, rejeita-se o recurso nesta parte, por não se mostrar cumprido o artigo 640.º do CPC.


*

Estabilizada a matéria de facto, avancemos para a questões que nos vem colocada.

*

2.2. DE DIREITO

2.2.1. Da falta de fundamentação da liquidação

A Recorrente alega que a fundamentação da liquidação é contraditória e insuficiente. Contraditória porque o método seguido é aplicado sobre uma contabilidade que não merece confiança e diverge do aplicado à mesma contabilidade no ano de 2011 e é insuficiente porque não está apta completamente a justificar as correcções em concreto. Requerendo a anulação dos actos impugnados (cfr. pontos 22, 23 e 24 das conclusões da alegação de recurso).

Relembremos que está em causa o IVA do ano de 2012, acrescido de juros compensatórios, no montante global de € 92.066,02, apurado na sequência de acção inspectiva onde foram realizadas correcções meramente aritméticas ao volume das prestações de serviços declaradas.

Vejamos.

A exigência legal de fundamentação do acto tributário decorre dos artigos 268.º da CRP e 77.º da LGT.

A fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer ou não o contribuinte destinando-se, acima de tudo, a permitir-lhe o controlo do acto.

O contribuinte deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, deve dar-se-lhe, ainda que de forma sucinta, nota do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para a tomada da decisão.

Só assim o contribuinte pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo. Também só por essa via, ele fica munido dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão, uma vez que, só sabendo quais os factos concretos considerados pela Administração, ele pode argumentar se eles se verificam ou não, só conhecendo os critérios valorativos da Administração sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma, e, finalmente, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso.

Em suma, pretende-se que o contribuinte fique ciente do modo e das razões por que foi tributado em determinado imposto ou quantia.

À ausência ou deficiência de fundamentação interessa apenas, os elementos de facto e a descrição do raciocínio utilizado na avaliação desses factos.

Para apurar se um acto está ou não fundamentado, importa fazer a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material.

«Podemos falar em fundamentação em sentido formal e fundamentação em sentido material. A primeira traduz-se na exigência de indicação de factos que levaram a administração a decidir em determinado sentido e deve ser suficiente, clara e congruente, de modo a poder ser entendida pelo administrado; caso contrário, estaremos perante um vício de forma, tendo como consequência a anulação do acto que, não obstante, poderá ainda ser renovado sem o vício. A segunda tem já a ver com o mérito da decisão e com a legalidade “stricto sensu” do próprio acto; a sua falta conduz também à anulação do acto, o qual não pose ser renovado. (Neste sentido, acórdão do STA, de 14.10.2009, processo nº 0740/09.)» (Ac. do STA de 23/04/2014, processo n.º 01690/13, disponível em www.dgsi.pt/).

Na situação dos presentes autos está em causa a apreciação da fundamentação em sentido formal.

No caso sub judice a liquidação em causa foi precedida de uma acção de fiscalização que deu origem ao relatório da inspecção tributária junto aos autos e em devido tempo dado a conhecer à Recorrente. É, pois, através da inspecção efectuada que se procede à confirmação, correcção ou apuramento da matéria colectável, que depois será objecto de liquidação.

Na fundamentação constante do relatório de inspecção descrevem-se os factos concretos, as razões e o raciocínio expendido pela administração para efectuar as correcções (cfr. alínea I) do probatório).

Neste domínio a sentença exarou o seguinte:

Ora, in casu, analisado o Relatório de Inspeção Tributária [cfr. al. I) da fundamentação de facto] salta à evidência que a Administração Fiscal cuidou de expor com detalhe as razões pelas quais procedeu a correções na matéria tributável e, em consequência, apurou o valor do IVA que considera devido.

Assim, da conjugação das notificações do relatório de inspeção e das liquidações torna-se claro que a Impugnante teve acesso a toda a informação necessária para a compreensão dos atos de liquidação de IVA, relativos ao ano de 2012, que lhe foram notificados.

Tudo está devidamente explicitado e a Impugnante compreendeu qual foi, exatamente, o iter cognoscitivo da Administração Tributária para chegar ao resultado a que chegou. Prova disso mesmo é a forma como vem a juízo atacar as liquidações. Demonstra claramente na sua alegação que conhece as razões de facto e de direito pelas quais a Administração Tributária procedeu às correções relativas ao IVA apurado e, consequentemente, liquidado adicionalmente, apenas pondo em causa que a AT usou metodologias diferentes com base, alegadamente, em pressupostos idênticos.

Concordamos com este entendimento.

Como bem decidiu a sentença recorrida o RIT esclarece as razões pelas quais a AT procedeu a correcções aritméticas na matéria colectável do ano de 2012, apurando IVA que considerou devido,

Que as considerações que levaram à liquidação sejam eventualmente incorrectas e não bastantes para a ter alicerçado na metodologia da avaliação directa, é já outra questão que nada tem a ver com a fundamentação bastante, mas sim com o mérito da questão.

A discordância da Recorrente, quanto aos elementos de prova recolhidos pelos Serviços de Inspecção Tributária e procedimentos aplicados não transforma a fundamentação da liquidação numa falta de fundamentação, nem sequer mesmo numa fundamentação insuficiente, podendo revelar a existência de violação de lei (e não vício de forma por falta de fundamentação), sendo apreciado em sede de erro de julgamento.

Improcede, portanto, este fundamento do recurso.


*

2.2.2. Do erro de julgamento quanto aos pressupostos de facto e de direito das correcções aritméticas

A Recorrente insurge-se contra o segmento decisório que apreciou de forma improcedente a impugnação e mantem a liquidação por não padecer do vício de violação de lei por falta de verificação dos pressupostos de facto e direito necessários às correcções efectuadas por aplicação da avaliação directa.

Na perspectiva da Recorrente a AT devia ter aplicado nas correcções o método indirecto, como no ano de 2011, por se estar perante realidades iguais, mais, alegando, que no ano de 2012 a AT utilizou a análise informática que contradiz os próprios meios financeiros, assente em critérios e pressupostos subjectivos, pelo que aplicou avaliação indirecta chamando-lhe correcções aritméticas.

Como já se deixou expresso, a Administração Tributária recorreu a avaliação directa para apurar, no ano de 2012, correcções ao volume das prestações de serviço declaradas, para efeitos de IRC e IVA, e a questão que se coloca é a de saber se ao contrário do seguido se impunha à Administração Tributária determinar as correcções de IVA, exclusivamente por métodos indirectos.

Vejamos.

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 85.º da LGT a avaliação indirecta é uma forma subsidiária da avaliação directa de determinação do lucro tributário dos contribuintes, apenas podendo ser aplicada aquela primeira forma de avaliação nos casos expressamente previstos na lei e quando estejam reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos para o efeito (cfr. artigo 81.º, n.º 1 da LGT).

O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma ultima ratio, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2 da CRP).

Aplica-se, sempre que possível, as regras próprias da avaliação directa baseando-se sempre em critérios objectivos (artigos 84.º, n.º 1 e 85.º, n.ºs 1 e 2 da LGT.

A forma privilegiada para determinação dos rendimentos sujeitos a tributação é a avaliação directa, baseada na auto confissão do sujeito passivo (artºs. 82.º, n.º 1 e 81.º LGT), assente na presunção de verdade que gozam as declarações do contribuinte (cfr. artigo 75.º, n.º 1, da LGT).

Porém, esta presunção é ilidível. Se a contabilidade for infiel, isto é, se não reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo (cfr. artigos 17.º, n.º 3, alínea b) e 123.º, n.º 2, alínea a), ambos do CIRC em conjugação com o n.º 2 do artigo 75.º da LGT), falece a credibilidade nela depositada, arredando-se a presunção de verdade inicial creditada ao contribuinte (cfr. artigo 75.º da LGT).

A expressão métodos indiciários mais não é do que um dos métodos de prova indirecta a que recorre a Administração Fiscal, sempre que não pode basear a existência ou quantificação de uma obrigação fiscal nos elementos voluntariamente fornecidos pelo sujeito passivo no cumprimento dos deveres que lhe são imputados pela lei.

Assim, o recurso a presunções ou valores estimados só está legitimado desde que se verifiquem dois pressupostos:

- a existência de anomalias ou irregularidades na contabilidade;

- e que não seja possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis á determinação da matéria colectável de acordo com as prescrições legais.

A questão a conhecer no presente recurso é a de saber se a sentença errou ao considerar legitima a avaliação directa.

Passando à análise da situação dos autos em concreto, e atendo-nos à fundamentação corporizada no relatório de inspecção, temos de concluir, desde já, ser a mesma suficiente para a Administração proceder ao apuramento da matéria colectável pelo método de quantificação directa, no ano de 2012, não se mostrando verificado os pressupostos para a avaliação indirecta.

Conforme resulta do probatório (cfr. alínea I), a Administração Tributária procedeu a correcções técnicas à matéria colectável aos anos de 2009, 2010 e 2012.

Nos presentes autos apenas está em causa as liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios do ano de 2012.

Refere-se no RIT que no ano de 2012, no período posterior a 20 de Janeiro de 2012, foi possível obter informação contida nas bases de dados do sistema de facturação do sujeito passivo, ao contrário dos anos de 2009, 2010 e primeiros dias de Janeiro de 2012 em que a informação relativa às vendas/prestações de serviços é a que consta da contabilidade que é apenas o valor diário e indicação do primeiro e último documento do dia, por motivo do disco onde era armazenada toda essa informação ter avaliado, de acordo com declarações prestadas pelo sócio-gerente da Impugnante.

Os serviços de inspecção tributária recolheram listagens, por anos, de todos os montantes recebidos pelo sujeito passivo dos seus clientes, pelos serviços de restauração prestados, através de todos os TPA’s em funcionamento no restaurante, bem como todos os depósitos em numerário e cheques recebidos os clientes.

Assim, tais correcções resultam de elementos constantes da contabilidade, das declarações do legal representante e da analise de todos os demais elementos disponíveis, pelo que ao contrário do afirmado pela Recorrente, não assentam em critérios e pressupostos subjectivos, nem em indicadores ou presunções de rendimentos.

Acresce que, a Impugnante não põe em causa o valor apurado pela Administração Tributária quanto aos fluxos financeiros entrados no ano de 2012, identificados nas listagens, com base nos quais procedeu às correcções técnica através da diferença apurada entre aqueles valores e o montante dos serviços declarados.

A Recorrente continua a insurgir-se contra o facto de a AT em 2011 ter recorrido a métodos indirectos e em 2012 à avaliação directa, no entendimento que também estas correcções são feitas através de métodos indirectos, por a realidade da Recorrente ser a mesma.

Mas não tem razão.

Como se viu, a AT procedeu a correcções aritméticas tendo por base os elementos da contabilidade do contribuinte e os fluxos financeiros gerados pela actividade e comparados com os valores declarados.

Ora, a lei privilegia a determinação da matéria tributável mediante recurso à avaliação directa (cálculo directo), nos termos dos artigos 81.º, 82.º, 83.º e 84.º da LGT; sendo a avaliação indirecta meramente subsidiária daquela, deve ser adoptada nos casos legalmente tipificados (artigos 85.º e 87.º LGT), e nas situações em que a directa não é possível, ainda que no mesmo exercício.

Nas palavras de Saldanha Sanches, há que ter sempre presente que a avaliação indiciária, «Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação, tem que se conservar como a última ratio fisci, pois um uso indevido e banalizado conduz necessariamente a uma denegação das garantias que devem acompanhar a sua utilização.» (“A quantificação da obrigação tributária, Deveres de Cooperação Autoavaliação e Avaliação Administrativa” in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 173, págs. 396 a 397).

Como se deixou expresso no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 25/10/2018, proferido no processo n.º 1621/07, cujo discurso fundamentador sufragamos:

«A A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional. Mais deve chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/5/2012, proc.2956/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.3216/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/09/2017, proc.918/06.7BESNT).
A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação. Mais se dirá que a avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que é mester recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/09/2017, proc.918/06.7BESNT; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.201 e seg.).

A tributação por métodos indirectos não só não constitui o meio normal, como a possibilidade do seu uso está restringida aos casos em que a lei expressamente a admite, verificados que estejam determinados pressupostos (cfr.artºs.81, nº.1, 87 e 88, da L.G. Tributária). O que vale por dizer que nem a Fazenda Pública, nem o contribuinte, podem, de seu livre alvedrio, optar pela tributação indiciária, ainda que aquela cuide assim arrecadar receita maior, ou este acredite furtar-se a uma tributação mais pesada. Por outras palavras, o apuramento alternativo pela A. Fiscal deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo, e só pode haver recurso a métodos presuntivos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável, não gozando a Fazenda Pública de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável. Em suma, o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2006, rec.1011/05; ac.T.C.A.Sul, 15/5/2012, proc.2956/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.5721/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2014, proc.7546/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/09/2017, proc.918/06.7BESNT; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.303).

O recurso ao método indirecto está legitimado por força do princípio da capacidade contributiva que só se respeita fielmente quando se mede directamente a matéria tributável e sendo, por isso, uma faculdade da A. Fiscal (cfr.artº.82, nº.2, da L.G.T.) no exercício do seu poder/dever de liquidar impostos quando, comprovadamente, demonstre não poder, por via directa, calcular o rendimento tributável/matéria colectável do sujeito passivo em causa.

As situações em que a matéria colectável é fixada por métodos indirectos são as taxativamente indicadas no actual artº.87, da L. G. Tributária. Subjacente a todas elas encontra-se uma de duas situações: ou a inexistência de elementos de escrituração ou a sua não idoneidade para comprovarem o lucro revelado pela escrita do contribuinte. De notar a preocupação do legislador em objectivar as aludidas situações, por forma a evitar valorações subjectivas por parte da A. Fiscal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/7/2012, proc.4397/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2014, proc.7546/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/09/2017, proc.918/06.7BESNT).» (disponível em www.dgsi.pt/).

Prosseguindo.

Nos presentes autos, não se demonstrou a impossibilidade de comprovação e quantificação directa exigida pela lei, pelo contrário, ficou demonstrado que os Serviços de Inspecção Tributária possuíam elementos que permitiram a determinação da matéria tributável por avaliação directa.

Com efeito, a AT verificou que a impugnante não contabilizou proveitos, o que constitui, para além do mais, irregularidades de índole contabilística. Correspondendo a esses proveitos IVA liquidado e não entregue ao Estado.

A omissão, erros ou inexactidões na contabilidade e nas declarações do contribuinte não é bastante para sustentar o recurso a métodos indirectos. Para tal seria necessário que se extraísse da fundamentação o outro requisito legitimador: a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de acordo com as prescrições legais.

As correcções aritméticas de 2012 não se confundem, como pretende a Recorrente, com as correcções levadas a efeito ao exercício de 2011, com recurso a métodos indirectos.

De referir que este Tribunal Central Administrativo Sul em acórdão de 30/09/2019, proferido no processo n.º 747/15, confirmou a sentença que julgou improcedente a impugnação deduzida contra as liquidações de IRC do ano de 2011, negando provimento ao recurso da aqui também Recorrente, considerando devidamente justificado e fundamentado o recurso à avaliação indirecta pela AT, e que a Impugnante não logrou provar o excesso na quantificação, remetendo-se para o seu discurso fundamentador, disponível em www.dgsi.pt/.

Acresce referir que na situação dos presentes autos a Recorrente não alegou nem demonstrou o excesso de quantificação. Nem, tão pouco, conseguiu suscitar a dúvida sobre os pressupostos em que assentou a quantificação levada a efeito pela Administração Fiscal.

Com efeito, embora a Recorrente invoque que é sua convicção existir fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, não alega, nem prova qualquer razão material que suporte tal alegação.

Resulta do RIT que toda a analise foi efectuada com base nos ficheiros informáticos obtidos da Recorrente e fluxos financeiros entrados nas contas bancárias associadas ao exercício da actividade.

Assim, perante alguma irregularidade ou adulteração, seria fácil à Recorrente demonstrar divergências em relação aos seus próprios ficheiros informáticos e extractos de contas bancárias, o que não logrou efectuar.

Na verdade, a Recorrente coloca em causa a tributação por métodos directos e não os concretos critérios utilizados para a quantificação.

Ao contrário do alegado pela Recorrente, a sentença recorrida não reconhece que a AT recorreu à avaliação indirecta no ano de 2012, desde logo, porque a AT não utilizou métodos indirectos nas correcções de 2012. Na página 29, linha 19 da sentença, esclarece-se a admissibilidade da aplicação de correcções técnicas e métodos indirectos, por parte da AT, ao mesmo exercício, ou a aplicação de diferentes métodos a exercícios distintos, por a lei impor ao «mínimo essencial, o recurso à avaliação indirecta.» (cfr. pontos 18 e 19 das conclusões da alegação de recurso).

A sentença recorrida analisou ponderadamente a questão que lhe foi suscitada, expendendo o seguinte:

«Como resulta da fundamentação do Relatório de Inspeção, parcialmente transcrita na alínea I) da fundamentação de facto, os serviços de inspeção decidiram, para o ano em análise, tal como o fizeram para os exercícios de 2009 e 2010, recorrer à listagem dos valores recebidos através do TPA’s associadas a contas abertas em nome do sujeito passivo (sociedade) e também os valores recebidos através do TPA associado à conta bancária aberta em nome pessoal do sócio, bem como os depósitos em numerário, optando por determinar o valor das omissões de prestações de serviços e base tributável de IVA do ano de 2012, comparando os fluxos financeiros gerados pelo sujeito passivo, identificados nas listagens, com os valores por ele declarados, quer nas declarações periódicas do IVA quer na demonstração de resultados e declaração mod. 22 (apuramento do lucro tributável para efeitos de IRC).

Como foi evidenciado na sentença atrás mencionada, por referência ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13.03.2014, proferido em sede do processo n.º 07215/13, “[a] circunstância da contabilidade ser una não colide com a sua correcção, por parte da A. Fiscal, através da utilização simultânea de correcções técnicas e métodos indirectos, como acontece no caso "sub judice". A utilização simultânea de tais metodologias alternativas quando, em face dos factos patrimoniais sujeitos a registo, se apresente possível, torna-se, não só uma faculdade, mas um poder/dever da Fazenda Pública na medida em que impliquem uma maior proximidade à realidade a tributar (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/6/2009, proc.2803/08).”.

Ora, sendo legalmente admissível a aplicação de simultânea de correções técnicas e métodos indiretos por parte da Administração Tributária, no mesmo exercício, sempre será admissível a aplicação de diferentes métodos de apuramento em exercícios distintos, desde que devidamente justificados, como sucedeu in casu: resulta do teor do Relatório de Inspeção que, nos casos em que foi possível, a Administração Tributária procedeu a correções técnicas, fundando-se nos elementos constantes da contabilidade, nas próprias declarações prestadas pelo representante legal da sociedade inspecionada e pelo respetivo TOC, bem como pela análise de outros elementos que lhe foram disponibilizados, restringindo, deste modo, e como legalmente se lhe impunha, ao mínimo essencial, o recurso à avaliação indireta.

Além do mais, a Impugnante não põe em causa, de modo devidamente concreto (indicando, justificadamente, outros valores diferentes dos apurados pela AT), os valores apurados, justificando o seu afastamento do rendimento real, mas tão somente a aplicação de diferentes metodologias no apuramento do lucro tributável para os anos de 2011 e 2012, e ainda, com o fundamento absolutamente genérico, sem qualquer concretização do ponto de vista dos factos que poderiam “compor” a sua concreta situação tributária, nas alegadas “condicionantes” do setor da restauração ocorridas desde 2004 até 2012.

Verificando-se ser possível a adotação de critérios diferentes, com base em pressupostos distintos, e tendo a AT fundamentado essa diferença, impõe-se julgar improcedente o vício invocado pela Impugnante.»

Concordamos inteiramente com o entendimento vertido na sentença recorrida.

Aqui chegados, teremos de concluir que falece a pretensão da Recorrente de ilegalidade da actuação da AT na determinação e liquidação do tributo impugnado.

Destarte, na improcedência da totalidade das alegações de recurso, impõe-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, que, assim, se mantém inalterada na ordem jurídica.


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Conclusões/Sumário:

I. A discordância da Recorrente, quanto aos elementos de prova recolhidos pelos Serviços de Inspecção Tributária e procedimentos aplicados não transforma a fundamentação da liquidação numa falta de fundamentação, nem sequer mesmo numa fundamentação insuficiente, podendo revelar a existência de violação de lei (e não vício de forma por falta de fundamentação), sendo apreciado em sede de erro de julgamento.

II. O recurso a métodos indirectos de determinação da matéria colectável é uma ultima ratio, apenas podendo ser aplicado quando não seja possível que esta avaliação seja feita por via da avaliação directa, em conformidade com o princípio constitucional segundo o qual a tributação das empresas recai fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2 da CRP).

III. A forma privilegiada para determinação dos rendimentos sujeitos a tributação é a avaliação directa, baseada na auto confissão do sujeito passivo (artºs. 82.º, n.º 1 e 81.º LGT), assente na presunção de verdade que gozam as declarações do contribuinte (cfr. artigo 75.º, n.º 1, da LGT).

IV. Porém, esta presunção é ilidível. Se a contabilidade for infiel, isto é, se não reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo (cfr. artigos 17.º, n.º 3, alínea b) e 123.º, n.º 2, alínea a), ambos do CIRC em conjugação com o n.º 2 do artigo 75.º da LGT), falece a credibilidade nela depositada, arredando-se a presunção de verdade inicial creditada ao contribuinte (cfr. artigo 75.º da LGT).

V. A omissão, erros ou inexactidões na contabilidade e nas declarações do contribuinte não é bastante para sustentar o recurso a métodos indirectos. Para tal seria necessário que se extraísse da fundamentação o outro requisito legitimador: a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria colectável de acordo com as prescrições legais.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimentos ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente

Notifique.


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Após trânsito em julgado, remeta cópia do presente acórdão ao processo de instrução criminal n.º 61/13.2(DSTR – Fls. 494 e segs. do processo electrónico na plataforma informática SITAF.

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Lisboa, 28 de Abril de 2022.


Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Vaz Fernandes – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)