Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:42/16.4BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:12/07/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:REVERSÃO. JUÍZO DE CULPA
Sumário:Não obsta ao juízo de imputação da falta de fundos na devedora originária ao gerente o requerimento de declaração de insolvência daquela no prazo limite do pagamento voluntário das dívidas exequendas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório

A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 75/83, que julgou procedente a Oposição à Execução Fiscal intentada por F…………………………, contra o processo de execução fiscal n.º ………………..e apensos, instaurado por reversão de dívidas de IMI no valor de € 30.705, da sociedade P………….– Construções Ibéricas ……………, Unipessoal, Lda.
Nas alegações de recurso de fls. 92/94, a recorrente formula as conclusões seguintes:
«1 – Os factos apurados na instância são insuficientes para aplicar o regime jurídico que Mmo. Juiz a quo entendeu ser o adequado e concluir nos termos em que o fez.
2 Com efeito, se pelo preceito do art. 24/1-b) LGT a prova de que não houve culpa na falta de pagamento das dívidas fiscais recai sobre os gerentes; ponto sobre que não são hoje legítimas quaisquer dúvidas.
3Naturalmente seria mister que o autor alegasse e provasse factos que evidenciassem a incapacidade da sociedade para efectuar o pagamento dos tributos em falta, e, que na condução do destino da empresa se comportou por maneira a não merecer censura.
4 - Ora, o probatório nada revela quanto à postura adoptada pelo oponente face aos alegados problemas que supostamente terão conduzido à falta de meios financeiros para solver os impostos.
5Portanto, o Tribunal a quo ao bastar-se com tomar em consideração a circunstância de o último crédito bancário ter sido obtido em 2011 para concluir que o oponente logrou afastar a presunção legal de culpa, não julgou de harmonia com a lei e com a prova dos autos. // Assim, de harmonia com o exposto, e max. ex. supl., deve ser concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida, e, em substituição, julgar improcedente a oposição…»

X
A fls. 96/109, o recorrido proferiu contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado. Formulou as conclusões seguintes:
«(…) II - A Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo julgou procedente a Oposição à Execução apresentada pelo Recorrido, por entender que este logrou afastar a presunção de culpa que sobre si recaía, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
III - Nesta sequência veio a Recorrida Fazenda Pública interpor recurso da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, começando por afirmar que dos autos, não resulta a alegação e prova de factos concretos com aptidão para relevar a adequação da postura do Recorrente na condução da Sociedade Devedora Originária.
IV - Ora, saldo o devido respeito e com a devida vénia, a Sentença Recorrida não merece qualquer censura, pelo que, não pode o Recorrido concordar com o entendimento perfilhado pela Digna Fazenda Pública.
V - Em primeiro lugar, refira-se que para que se possa dar por verificada a responsabilidade subsidiária dos gerentes, para efeitos da alínea b), do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, é necessário que, para além da efectiva gerência, tenha havido culpa dos mesmos na falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma haja terminado no período de exercício do cargo.
VI - Sendo que, compete ao Gerente, in casu, nos termos do preceito acima vertido, fazer prova de que a falta de pagamento da dívida não lhe é imputável, i.e., que não se verifica o requisito da culpa, e que, consequentemente, sem tal verificação, não será possível operar a reversão.
VII - Pois, sendo uma microempresa, esta sofreu com enorme impacto as consequências da crise económica, que se traduziram numa drástica redução do seu volume de facturação, assim como numa dificuldade acrescida de cobrança dos seus créditos.
VIII - Nesta sequência, a Devedora Originária, “P ……………… – CONSTRUÇÕES IBÉRICAS ………………….., UNIPESSOAL, LDA”, foi declarada Insolvente por Sentença datada de 30 de Janeiro de 2015, no âmbito do Processo n.º ………../15.3T8OLH, que correu termos na Secção de Comércio da Instância Central de Olhão, Tribunal de Comarca de Faro, conforme os Documentos n.º 1 e 2 juntos com a Petição Inicial.
IX - No âmbito do Processo de Insolvência supra identificado, não foi aberto incidente de qualificação da insolvência como culposa, por não existirem indícios da prática dos factos descritos nos artigos 186.º e seguintes do CIRE, conforme o determinado na alínea f) do ponto IV da parte dispositiva da Sentença que declarou a Insolvência da P ……………………. – CONSTRUÇÕES IBÉRICAS ……………….., UNIPESSOAL, LDA, conforme o Documento n.º 2 junto com a Petição Inicial.
X - Ora, não se tendo verificado nenhum das situações previstas no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, seria necessária a existência de dolo ou culpa grave na actuação do devedor, passível de originar a sua situação de insolvência, o que in casu, não sucedeu.
XI - Pois, a situação de insolvência da Devedora Originária não foi criada ou agravada em consequência de uma actuação dolosa ou com culpa grave do seu Sócio-Gerente, provindo, ao invés, de razões objectivas, não imputáveis ao Sócio-Gerente, designadamente do incumprimento contratual do seu maior parceiro de negócios, conforme se alcança pelo conteúdo do Relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE, elaborado pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência, de acordo com o Documento n.º 2 junto com a Petição Inicial.
XII - Daqui resulta que, e conforme é defendido pela Douta Sentença, só pode ficar demonstrado que o mesmo sempre teve uma postura proactiva e tentou promover o seu negócio tentando consequentemente proteger os seus Credores do enorme impacto que a crise económica teve na laboração da sociedade.
XIII - Como já tivemos oportunidade de referir, o Recorrido sempre fez tudo o que estava ao seu alcance para gerir da melhor forma a sua sociedade num contexto de grave crise económica.
XIV - O que desde logo resulta nitidamente do facto de no processo de insolvência não ter sido aberto o incidente de qualificação de insolvência.
XV - E, importa referir que a prova a fazer no presente processo deve focar-se na existência de uma actuação censurável e não propriamente na existência de uma actuação diligente.
XVI - Ainda que resulte provado que o Recorrido actuou cumprindo os deveres que lhe incumbem enquanto um bonus pater familiae, realce-se que o único ónus que lhe compete cumprir é o de demonstrar que não foi por culpa sua que se verificou a insuficiência dos bens da sociedade para fazer face aos créditos tributários.
XVII - Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 17 de Dezembro de 2003, proferido no âmbito do Processo n.º 00854/03 (Relator Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa): “(…) No caso sub judicio, prova-se que a dívida exequenda, a cuja execução fiscal nos presentes autos se faz oposição à execução, diz respeito a liquidações de IVA, e respectivos juros compensatórios, referentes ao ano de 1989, da responsabilidade originária da sociedade "Manuel ...., Exploração Florestal, Lda." - conforme se colhe de fls. 16 a 27. // Para haver responsabilidade executiva do oponente, ora recorrido, enquanto gerente da sociedade executada, como se viu, era preciso provar-se positivamente ter havido por banda dele uma actuação censurável, no tocante ao incumprimento de disposições legais destinadas à protecção dos credores, de que, em nexo de causalidade adequada, tivesse resultado insuficiência do património da sociedade para o pagamento das suas dívidas ao Estado. // E o que vemos no presente caso é que não se prova que o oponente tenha tido uma actuação censurável, não se provando positivamente que tenha sido por culpa sua que o património da sociedade executada se tornou insuficiente para satisfazer os débitos desta (...)” (negrito e sublinhado nossos).
XVIII - De onde se conclui que, não poderá o Sócio-Gerente ser responsabilizado por efeito de Reversão operada à luz do artigo 24.º da LGT, por não se encontrarem verificados os seus pressupostos da sua aplicação.
Nestes termos, requer-se a V. Exas. que seja julgado improcedente, por não provado, o Recurso interposto pela Fazenda Pública, mantendo-se a Sentença recorrida nos seus exactos termos.»
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A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 117/118), no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
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II- Fundamentação.
2.1. De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:

«1.
Em Junho de 2015, o Processo de Execução Fiscal n.º ……………………….., instaurado no Serviço de Finanças de Faro contra P ………….. – Construções Ibéricas …………………, Unipessoal, Lda., reverteu, contra F ……………………., ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da Lei Geral Tributária – cfr. fls. 109-110 do apenso.

2.

Em causa está a cobrança de € 30.795, relativos a IMI de 2013 e 2014, cujas datas limite de pagamento ocorreram entre 30 de Abril de 2013 e 30 de Novembro de 2014 – cfr. fls. 111 do apenso.

3.
No dia 30 de Janeiro de 2015, P …………….. – Construções Ibéricas ……………, Unipessoal, Lda., foi declarada insolvente ficando afirmado “que nos autos não existem elementos que justifiquem a imediata abertura do incidente de qualificação da insolvência” – cfr. fls. 16-22 dos autos.

4.
No âmbito daquele processo, o Administrador da Insolvência elaborou o relatório de fls. 24-31 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:
“Causas da Insolvência

De acordo com a PI apresentada, em 2006 a sociedade ora insolvente adquiriu à sociedade C............ (…) alguns lotes de terreno destinados à construção. (…) No mesmo ano, a sociedade ora insolvente adjudicou a construção de um edifício de apartamentos, destinados à habitação, a edificar num dos lotes de terreno, à sociedade C............ (…), empreitada que foi sujeita a alguns adiamentos. Desta forma, a C............ (…) foi constituída como empreiteira na construção de um dos lotes de terreno e o Banco Popular como entidade financiadora.
Consta da PI que a sociedade ora insolvente se considera prejudicada devido às constantes interrupções das obrigações contratuais por parte dos seus parceiros de negócio, quer na construção quer no financiamento da empreitada em curso, estando um necessariamente dependente do outro. // (…)

Na derradeira tentativa de retomar o negócio em 2011, a sociedade ora insolvente contraiu novo mútuo com hipoteca com intuito de reforçar o financiamento da obra e para permitir o pagamento dos valores vencidos.

Assim, no entendimento da insolvente, pese embora o seu esforço, não houve alternativa, senão resolver com justa causa o contrato de empreitada devido ao incumprimento reiterado e injustificado por parte da empreiteira, o que determinou a suspensão da obra.

Após a referida resolução de modo a defender a obra de furtos e deteriorações, desde logo a insolvente reclamou a sua posse, posse essa que se encontra hoje atribuída ao Administrador da Insolvência, que logo contratou segurança privada para garantir os bens da massa insolvente. Actualmente, a sociedade encontra-se sem capacidade económica para suportar as despesas inerentes à actividade e para reatar a construção do principal activo – prédio de apartamentos no lote 20, sito em Alto Pacheco, Portimão. (…)”».

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Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:

«Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade.»

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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:

5. Desde 2011 que a sociedade devedora originária não efectua qualquer transação – Relatório do Administrador da Insolvência.

6. Na data do requerimento de insolvência, a sociedade devedora originária era proprietária dos imóveis seguintes: i) Lote de terreno destinado a construção urbana, sito em Alto ……………., …….309 …………., com 1.060,00 m2, descrito na CRP sob o n.º ……. e na matriz predial urbano sob o artigo ………..; ii) Lote de terreno, onde se encontra construído edifício, composto por 47 estacionamentos, 24 apartamentos T0, 48 apartamentos T1 e 22 apartamentos T2, sito em Alto…….., ……….-309 P…….., descrito na CRP sob o n.º ……….. e na matriz predial urbano sob o artigo …………... - Relatório do Administrador da Insolvência.

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2.2. De Direito
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento em que terá incorrido a sentença sob recurso ao julgar comprovada a falta de culpa do oponente na falta de pagamento das dívidas exequendas.
2.2.2. Para julgar procedente a presente oposição, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«(…) Quanto aos factos que foi possível apurar dos três documentos que o Oponente ofereceu como prova (a sentença da insolvência, o anúncio respectivo e o relatório do Administrador da Insolvência), dos autos apenas resulta que em 2011 a devedora originária ainda tinha capacidade para recorrer a crédito bancário e que a insolvência foi requerida no ano de 2015 – cfr. pontos 4 e 3 do probatório. // De acordo com as regras da experiência é possível afirmar, com grau de probabilidade suficiente, que o gerente que conseguiu um último crédito bancário em 2011, não pudesse pagar € 7.430,38 em Abril, Agosto e Novembro de 2013, bem como € 4.251,93 em Julho e Novembro de 2014. // Tanto mais que em causa estão dívidas de IMI de uma sociedade que se dedicava à construção e que desde 2011 não efectuava qualquer transacção (cfr. fls. 30 dos autos), sendo que poucos meses depois do vencimento das últimas dívidas o Oponente apresentou a sociedade à insolvência».
2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância. Assaca-lhe erro de julgamento. Afirma que: «seria mister que o autor alegasse e provasse factos que evidenciassem a incapacidade da sociedade para efectuar o pagamento dos tributos em falta, e, que na condução do destino da empresa se comportou por maneira a não merecer censura». // «o probatório nada revela quanto à postura adoptada pelo oponente face aos alegados problemas que supostamente terão conduzido à falta de meios financeiros para solver os impostos».
Apreciação. Está em causa a cobrança de dívidas de IMI de 2013 e 2014, com datas limites de pagamento de Abril de 2013 a Novembro de 2014. A reversão da execução contra o oponente operou ao abrigo do disposto no artigo 24.º/1/b), da LGT.
O preceito do artigo 24.º/1/b), da LGT estatui que «[o]s administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: (…) // b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento». O ónus da prova, neste caso, é do gestor, cabendo-lhe provar que a falta de pagamento não lhe é imputável. A lei assenta na presunção de que, terminando o prazo de pagamento do tributo durante o exercício do seu cargo, o gestor, em princípio, «não pode desconhecer a existência da dívida e, portanto, ao colocar a empresa na situação de insuficiência patrimonial está a causar danos ao Fisco». «Assentando a responsabilidade subsidiária numa actuação ilícita e culposa, que se presume, cumpre ao gestor elidir tal presunção, demonstrando que à época do vencimento da obrigação tributária usou da diligência de um bónus pater familiae, não violando quaisquer regras de gestão (designadamente as do art. 32º da LGT e 64º do CSC), mas apesar disso a empresa não tinha meios financeiros para a pagar» (1).
Mais se refere que «há que verificar, operando com a teoria da causalidade, se a actuação do gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. E, nesse juízo, haverá que seguir-se o processo lógico da prognose póstuma. Ou seja, de um juízo de idoneidade, referido ao momento em que a acção se realiza ou a omissão ocorre, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, de um juízo ex ante. Por outras palavras, o acto ilícito e culposo que se presume praticado pelo gestor não se fica pela omissão de pagamento do imposto vencido. O que se presume é que o gestor não actuou com a diligência de um bonus pater familiae, com a observância das disposições legais aplicáveis aos gestores, em especial ao do artº.64, do Código das Sociedades Comerciais, que lhe impõe a observância de deveres de cuidado, de disponibilidade, de competência técnica, de gestão criteriosa e ordenada, de lealdade, no interesse da sociedade e dos sócios que sejam relevantes para a sustentabilidade da sociedade. Apesar da dificuldade que existe na prova de um facto negativo, como é o caso da ausência de culpa, o oponente não pode deixar de alegar e provar factos concretos de onde se possa inferir que a insuficiência patrimonial da empresa se deveu a circunstâncias que lhe são alheias e que não lhe podem ser imputadas. Para afastar a responsabilidade subsidiária por dívidas de impostos cujo prazo de pagamento terminou durante a gestão, o gestor tem, pois, que demonstrar que a devedora originária não tinha fundos para pagar os impostos e que a falta de meios financeiros não se deveu a qualquer conduta que lhe possa ser censurável» (2).
No caso em exame, não é controvertido que o recorrido tenha exercido a gerência no período relevante em que as dívidas são postas a pagamento. Mais resulta do probatório que a sociedade devedora originária enfrentou dificuldades de tesouraria e económicas a partir de 2011. A questão que se suscita nos autos consiste em saber se o oponente, enquanto gerente, realizou as diligências devidas por um gestor criterioso com vista a garantir a solvabilidade da empresa, quer através da reestruturação económica da mesma, quer através de medidas atempadas de garantia dos débitos incorridos. A resposta à presente questão é negativa, porquanto não existem elementos nos autos que demonstrem a diligência do gerente no sentido do cumprimento dos créditos tributários ou no sentido da reestruturação da sociedade. A insolvência foi requerida apenas em 2015, quando as dificuldades financeiras da empresa ocorreram em 2011, sem que se conheça qualquer plano ou resposta por parte da gerência da sociedade devedora originária para fazer face às dificuldades financeiras e de tesouraria encontradas. Nesta medida, a situação de incumprimento em que se encontrava a sociedade devedora originária tem uma relação directa com a falta de diligência e zelo por parte do gerente na garantia da solvabilidade da empresa, através de adopção de medidas adequadas e atempadas que permitissem assegurar a recuperação económica da empresa e-ou o cumprimento dos débitos pendentes.
O argumento de que a insolvência não foi qualificada como culposa não releva no plano da aferição da culpa do gerente pela falta de fundos que permitam liquidar as dívidas exequendas, no prazo de pagamento voluntário. Constitui jurisprudência fiscal assente a de que «[s]eja porque a qualificação de uma insolvência como fortuita não tem efeitos externos ao processo de insolvência, seja porquanto a averiguação ali feita tem pressupostos e enquadramento processual e temporal diversos do processo de Oposição Judicial, a qualificação de insolvência como fortuita não equivale à demonstração de inexistência de culpa em processo de Oposição Judicial». (3)
A situação económica e financeira da empresa, os registos na contabilidade da mesma e as medidas que terão, porventura, sido adoptadas pela gerência, com vista à superação daquela, não se mostram documentados nos autos. Elementos que cabia ao oponente carrear, atendendo a que o ónus da prova da ausência de culpa na falta de pagamento recai sobre o mesmo (artigo 24.º/1/b), da LGT). A crise económica que assolou o país, à data, só por si, não constitui eximente da responsabilidade dos gestores pela condução diligente e criteriosa da actividade societária (artigo 78.º/1, do Código das Sociedades Comerciais). O requerimento da insolvência no prazo limite do pagamento voluntário das dívidas exequendas também não tem essa virtualidade, dado que o contexto do exercício da gerência e a sua repercussão na actividade societária não se mostram esclarecidos nos autos, de modo a permitir a formulação de um juízo de inexigibilidade.
Em face do exposto, impõe-se concluir que o oponente não logrou demonstrar a falta de culpa na ausência de fundos na devedora originária para pagamento dos créditos tributários, pelo que a reversão da execução não merece reparo.
Ao julgar em sentido discrepante, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue improcedente a oposição.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição.
Custas pelo recorrido.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)

(1º. Adjunto- Hélia Gameiro Silva)

(2º. Adjunto –Ana Cristina Carvalho)


(1) Acórdão do STA, de 20.06.2012, P. 01013/11.
(2) Acórdão do TCAS, de 06.04.2017, P. 456/13.1BELLE.
(3) Acórdão do TCAS, de 21-05-2015, P. 06381/13.