Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 10857/14 |
Secção: | CA- 2º JUÍZO |
Data do Acordão: | 03/20/2014 |
Relator: | PAULO PEREIRA GOUVEIA |
Descritores: | CONTRATAÇÃO PÚBLICA, PREÇO DUVIDOSO, TSU |
Sumário: | Se todos os candidatos podem utilizar o mecanismo do DL 89/95 e não há na conduta do concorrente interessado no DL 89/95 um desrespeito por qualquer regra destinada a assegurar que o procedimento decorreria de maneira aberta ao mercado e de acordo com as regras do jogo pré-anunciadas, não pode o tribunal entender, quanto à legalidade do preço proposto, o oposto da actividade técnico-administrativa do júri exigida no artigo 71º/3-4 do CCP, sob pena de violar os artigos 111º/1 da Constituição e 3º/1 do CPTA. |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO · S……..– SERVIÇOS …………….., SA, com sede na Rua …………, n° 2, Edifício ………….s, em Linda-a-Velha, intentou processo de contencioso pré-contratual contra · MINISTÉRIO DA SOLIDARIEDADE E DA SEGURANÇA SOCIAL. São CONTRA-INTERESSADOS: · S………….. – S…………., SA; · ……… – Empresa ……………….., SA; e · G………. – Empresa ……, SA. Pediu ao tribunal da 1ª instância (T.A.C. de SINTRA) o seguinte: - Anulação do ato de adjudicação da proposta apresentada pelo concorrente 2045 – G……., para os lotes 8 e 24, praticado em 18.3.2013; - Anulação do contrato de prestação de serviços de vigilância, caso este já tenha sido outorgado entre o Ministério e o consórcio ……. – G……… ou venha a ser na pendência da presente acção; - Condenação da entidade adjudicante a proferir decisão de exclusão da proposta inicial apresentada pelo concorrente S……….., para os lotes 8 e 24, seleccionada para a fase de negociação; - Condenação da entidade adjudicante a proferir decisão de exclusão da proposta final apresentada pelo consórcio 2045 – G……….. para os lotes 8 e 24; - Condenação da entidade adjudicante a proferir decisão de selecção da proposta apresentada pela Autora, para os lotes 8 e 24, para a fase de negociação, tendo o procedimento de recuar até à fase de selecção de propostas para negociação. * Por despacho de 27-9-2013, o referido tribunal decidiu indeferir o pedido. * Inconformada, a requerente recorre para este Tribunal Central Administrativo Sul, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
«(…)». * O recorrido Ministério contra-alegou, concluindo assim: «(…)» * O Exmº representante do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado para se pronunciar como previsto na lei de processo. Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência. Teremos presente o seguinte: (i) o primado do Estado democrático e social de Direito material, num contexto de uma vida económica que serve a dignidade humana e o bem comum; (ii) os princípios jurídicos fundamentais, morais ou sobre-princípios vigentes; (iii) o tipo de sociedade plural reflectido na nossa Constituição (=estatuto jurídico fundamental da concreta comunidade de pessoas, com igual dignidade e socialmente organizadas, que compõem o Estado) e nos vários catálogos de direitos fundamentais, incluindo sobretudo a C.D.F./U.E., e ainda (iv) o primado do direito da U.E. como definido pelos juizes do TJUE. * II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. FACTOS PROVADOS
«(…)».
II.2. APRECIAÇÃO DO RECURSO OBJECTO DO RECURSO Os recursos, que devem ser dirigidos contra a decisão do tribunal a quo e seus fundamentos, têm o seu âmbito objectivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, alegação que apenas pode incidir sobre as questões que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser oficiosamente conhecidas. Assim, o presente recurso demanda a apreciação, ante a decisão recorrida, do seguinte: -A sentença recorrida errou de direito, quando considerou que o preço proposto neste procedimento pré-contratual por “……, G….. e S….”, fundado no futuro e hipotético apoio financeiro previsto no DL 89/95, não é comprovadamente anormalmente baixo? A recorrente/autora considera que, atento o teor dos artigos 70º e 71º do CCP, a Entidade adjudicante deveria ter excluído aquela proposta, por esta conter um preço anormalmente abaixo nos termos previstos nos artigos conjugados 70º/2-e) e 71º/3/4 do CCP, havendo assim um erro notório ou grosseiro por parte da A.P. contratante. O MÉRITO DO RECURSO Aqui chegados, há melhores condições para se compreender o recurso e para, de modo facilmente sindicável pelas partes e eventualmente pelo STA, apreciarmos o seu mérito, preocupados com a aceitabilidade racional da decisão e tendo presente o Direito como uma ordem fundada numa auto-pressuposição axiológica dos cidadãos enquanto pessoas de certa comunidade política. (1) O tribunal fá-lo de acordo com os valores, os princípios estruturantes do Estado, as normas jurídicas e os postulados ou máximas da ordem jurídica, sob a luz de um sentido universal-recíproco da ideia de imparcialidade. Atendemos logicamente aos princípios e às regras pertinentes; estas normas descobrem-se em concreto sob postulados hermenêutico-metódicos sujeitos à máxima da coerência aplicativa (2) (vd. os arts. 2º, 13º, 18º e 266º da CRP, o art. 52º da CDF/UE e os arts. 9º e 335º do CC), normas aquelas próprias dum sistema jurídico racional encimado (i) pelos valores ético-jurídicos da Justiça e da igual dignidade de cada ser humano, (ii) pela Constituição e (iii) pelos direitos e garantias fundamentais (cf. a DUDH, a CDF/UE e os arts. 2º e 13º da CRP). Vejamos, pois. Do preço total anormalmente abaixo nos termos previstos nos artigos 47º/1/5, 70º/2-e) e 71º/3/4 do CCP Devemos desde já referir que não ocorre aqui qualquer factualidade que aponte minimamente para o previsto nos artigos 3º e 4º-A do DL 370/93 e no artigo 70º/2-g) do CCP (3). O mesmo afirma-se quanto aos artigos 44º, 46º e 53º do C. das Contrib. e ao artigo 70º/2-f) do CCP, também ligeiramente invocados no recurso. Estamos em sede de “preço total anormalmente baixo” (ou anormal) no caso específico integrado pela lei na margem de livre decisão da A.P., a subespécie do “preço anormalmente baixo” prevista no artigo 71º/2/3 CCP (4). Trata-se dum preço que, segundo o regime da “discricionariedade administrativa”, não é sério, coerente e fiscalizável sob a égide da igualdade e da concorrência numa economia de mercado livre. Ora, aqui, o júri, após ouvir as dúvidas da ora recorrente, pediu esclarecimento justificativo quanto ao preço apresentado pelo consórcio que veio a ser ganhador, não sendo o caso previsto no nº 1 do artigo 71º citado, mas sim o caso da dúvida latente ou pressuposta, ou implícita, à situação pressuposta nos nº 3 e 4 do artigo 71º, a qual pode ocorrer mesmo que a entidade adjudicante tenha previsto a automaticidade do nº 1 do artigo 71º. Foi isto, aliás, o que aqui aconteceu. Como vimos, está sobretudo em causa a integração do caso em apreço (em que o preço “duvidoso” resulta do recurso pelo concorrente a futuro apoio estatal em sede do DL 89/95 (5), com vantagens em termos de custos de trabalho e de TSU) na al. e) do nº 4 do artigo 71º cit. A ora recorrente considera que a apreciação feita pelo júri foi notoriamente errada; tal como, portanto, a sentença que com ela concordou. A recorrente considera que isso viola as máximas da igualdade e da concorrência, por se aceitar um preço “duvidoso” ou anormal, com base na obtenção de um apoio estatal meramente futuro e hipotético. O júri, que pedira explicações de modo já muito vago, decidiu que, face àquela justificação (recurso pelo concorrente a um futuro apoio estatal em sede do DL 89/95, com vantagens em termos de menos custos de trabalho e de TSU), não poderia deixar de aceitar a proposta com o preço baixo apresentado; e depois ganhador. Ora, o que a cit. al. e) do nº 4 do artigo 71º quer dizer é que a A.P. ou o júri pode aceitar um preço duvidoso, fora da automaticidade dos casos do nº 1 do artigo 71º, se o júri julgar, fundadamente, que há legalidade na possibilidade de obtenção do apoio estatal em causa. Sendo assim, como tem de ser (vd. artigo 9º CC), teremos de ver se a fundamentação aqui apresentada pelo júri para, a final, aceitar o preço que implicitamente considerara “duvidoso”, violou ou não algum dos vínculos legais e algum dos limites imanentes da “discricionariedade administrativa pré-contratual”, em termos coincidentes com o invocado nas conclusões deste recurso. Ora, o júri, após obter as explicações solicitadas (ver facto JJ)), entendeu (ver factos II) e segs.): «…o procedimento de negociação deveria prosseguir os seus termos, uma vez que o Júri não dispunha, nesta fase, de elementos suficientes que lhe permitam aferir pela existência ou não da prática de dumping por parte do concorrente S………. Considera ainda o Júri, atentas as justificações apresentadas pelo concorrente S………., que não pode provar, nesta fase, de forma inequívoca, a eventual prática de dumping. Apenas em fase de execução do contrato será possível verificar o cumprimento do pagamento das prestações obrigatórias face ao quadro de pessoal alocado à prestação – ver fls. 84 e 85 do processo administrativo apenso». Antes de mais, devemos determinar o significado destas palavras. Isto quer dizer que o júri, “pobre de linguagem”, concluiu, face às justificações apresentadas, onde se incluiu a situação prevista na cit. al. e) do artigo 71º/4 CCP, que o preço em causa não era inequivocamente duvidoso. Ou que não tinha elementos para afirmar a ilicitude do recurso ao DL 89/95 ou a ilicitude do preço, o qual, note-se respeitava o nº 1 do artigo 71º. Isto mostra que não foram violados os princípios da igualdade e da concorrência em matéria pré-contratual. Todos os candidatos poderiam utilizar, em princípio, o mecanismo do DL 89/95, e não houve ali, na conduta do concorrente interessado no DL 89/95, desrespeito por qualquer regra destinada a assegurar que o procedimento decorreria de maneira aberta ao mercado e de acordo com as regras do jogo pré-anunciadas. Neste quadro concreto, se o tribunal entendesse o oposto, estaria a ir contra tais conclusões que temos como as certas e ainda a exercer a actividade técnico-administrativa do júri exigida no artigo 71º/3/4 CCP, violando os artigos 111º/1 da Constituição e 3º/1 do CPTA. * III. DECISÃO Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com o disposto nos arts. 202º, nº 1 e 2, e 205º, nº 2, da CRP, acordam os Juizes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso. Custas a cargo do recorrente. (Acórdão processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator) Lisboa, 20-3-2014 Paulo Pereira Gouveia Carlos Araújo Fonseca da Paz
(5) Atribuição de incentivos à contratação de jovens à procura do primeiro emprego e de desempregados de longa duração. |