Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:373/17.6BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRS;
EXCLUSÃO DA TRIBUTAÇÃO;
HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE;
DOMICÍLIO FISCAL.
Sumário:I. Embora beneficiando as declarações das contribuintes de presunção legal da veracidade (cfr. artigo 75.º da LGT e artigo 65.º n.º1 do CIRS) o legislador admite, contudo, a sua ilisão através da produção, por parte da Administração Tributária, de prova em sentido contrário.

II.O artigo 10º n.º5 do CIRS exclui da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a «habitação própria e permanente» do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

III.Para efeitos do disposto neste normativo, o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra) que, julgou procedente a Impugnação Judicial deduzida por M........... contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) respeitante aos rendimentos do ano de 2015.

Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos identificados, e nos quais é julgada procedente a impugnação deduzida, pela impugnante identificada nos autos, da liquidação de IRS n.º ………… referente ao ano de 2015, no montante de € 9.231,00, por discordar a Fazenda Pública do entendimento sufragado na douta sentença.

B. É entendimento da Fazenda Pública constituírem-se adicionais factos aos constantes no probatório como pertinentes para a decisão da causa, a saber: (i) a impugnante declarou-se na declaração de rendimentos Modelo 3 que apresentou relativamente ao ano de 2015 como não residente, conforme consta dos autos – doc. 2 junto com a p.i. (campo 4 do quadro 8-B da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2015); (ii) de tal declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS/2015 consta menção ao representante legal, com o NIF………… , conforme resulta dos autos – doc. 2 junto com a p.i. (campo 5 do quadro 8-B da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2015); (iii) a impugnante do registo cadastral da Autoridade Tributária e Aduaneira como não residente em Portugal desde 23/04/2010, constando como país de residência a Holanda – Hilversum, conforme fls. 36 a 39 do processo de reclamação graciosa apenso ao processo administrativo tributário apenso aos presentes autos de impugnação; (iv) tendo a impugnante adquirido em 28/04/2010, pelo preço de € 250.000,00, o prédio urbano em questão nos presentes autos de impugnação, alienou-o em 30/07/2015, pelo preço de € 310.000,00, e da escritura de alienação do dito imóvel consta que o imóvel alienado não constitui, de acordo com declaração da impugnante, casa de morada de família, conforme fls. 2 do doc. 1 junto com a p.i. e fls. 5 do processo de reclamação graciosa apenso ao processo administrativo tributário apensos aos presentes autos.

C. Os factos supra referidos deveriam ter sido levados ao probatório, na medida em que se mostram documentalmente provados e são susceptíveis de contribuir para a decisão da causa, pois que, do facto assente relativo ao estatuto de não residente da impugnante, por si assumido e de que deu notícia à AT, de cuja base de dados consta a não residência desde 23/04/2010, resulta não ser aplicável ab initio a exclusão de tributação ínsita no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.

D. E se a impugnante se declara como não residente, na declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS/2015 e desde 23/04/2010 (repare-se que aquando da compra do imóvel em causa nos autos não era já a impugnante residente em território nacional), não se pode constituir o imóvel alienado como sua habitação própria e permanente, facto reforçado pela impugnante através de menção na escritura de alienação do imóvel de que não constituía tal imóvel a casa de morada de família, não se aplicando pois a exclusão tributária derivada do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.

E. Nessa sequência, e dando-se como provada a não residência da impugnante, constatamos que não estamos afinal perante um eventual processo de divergências que a AT não impulsionou, como sufragado na douta sentença, mas antes perante uma liquidação de IRS efectuada de acordo com o quadro legal vigente e decorrente das normas de incidência do imposto, tendo por base as declarações da impugnante.

F. Notemos que em sede de IRS a competência para a liquidação do imposto compete à Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto no artigo 75.º do Código do IRS, devendo ter por objecto o rendimento colectável determinado com base nos elementos declarados e sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 65.º do Código do IRS.

G. Tendo, ademais, em consideração o disposto no artigo 75.º da LGT, a liquidação é efectuada tendo por base os elementos declarados que se constituam como relevantes para efeitos de tal liquidação, e assim foi no caso sub judice, porquanto a liquidação é feita de acordo com a declaração da impugnante, e apenas foi desconsiderado elemento que não era relevante para efeitos de liquidação, de acordo com o quadro legal de normas vigente e de acordo com a declarada não residência da impugnante em sede da declaração de rendimentos e em sede de declaração de registo cadastral da AT.

H. Efectivamente, o n.º 5 do artigo 10.º do Código de IRS determina que em sede de tributação de rendimentos de mais-valias sejam excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas cumulativamente as condições enunciadas nas suas várias alíneas, mas da declaração de rendimentos, conjugada com o registo cadastral da impugnante, conclui-se manifestamente que o imóvel em causa não se constituía à data da transmissão (nem antes) como habitação própria e permanente da impugnante, que declaradamente residia na Holanda, designadamente em Hilversum.

I. Pelo que, não se mostra compatível o declarado reinvestimento com a declarada e constatada não residência da impugnante, o que determinou que fosse tal elemento desconsiderado para efeitos da liquidação de IRS do ano em apreço, e vejamos, assim, que não nos deparamos com qualquer divergência susceptível de determinar, como entende a douta sentença, a abertura de procedimento de divergências no sentido de correcção dos elementos declarados, pois na verdade prevaleceram aqui os elementos declarados pela impugnante, sendo apenas e só, e de acordo com tais elementos, desconsiderado o reinvestimento, que se revelava face a tais elementos como não exequível.

J. Nos mesmos termos, e com os mesmos fundamentos, não estamos perante uma correcção oficiosa da declaração periódica de imposto do contribuinte, mas antes perante a consideração para efeitos de liquidação de IRS dos elementos declarados pelo contribuinte considerados relevantes, e subsequente e incontornável desconsideração do mencionado reinvestimento por, reitere-se, objectivamente inadmissível à luz das normas legais aplicáveis.

K. E, mesmo que assim não se entenda, quando muito estaremos perante uma alteração dos elementos declarados por via da desconsideração de elemento inócuo – o reinvestimento – e não condizente com o estatuto assumido de não residente da impugnante, alteração essa que lhe foi notificada por via da notificação da liquidação de IRS aqui impugnada, tudo nos termos dos invocados pela douta sentença n.º 4 do artigo 65.º e n.º 2 do artigo 66.º do Código do IRS.

L. Com efeito, e conforme jurisprudência sufragada nos tribunais superiores, da qual decorre a equiparação da notificação da liquidação de IRS à notificação dos actos de fixação ou alteração de rendimentos, em termos da sua simultaneidade e de subsunção da segunda na primeira notificação referida, deverá admitir-se que o acto de fixação/alteração do rendimento tributável declarado pelo contribuinte é materializado na liquidação oficiosa que lhe é consequente, e que lhe é notificada por essa via.

M. Vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15/06/2016, proferido no processo n.º 0297/16, no qual está patente tal entendimento (de notificação do acto de fixação/alteração da matéria tributável através da notificação da liquidação oficiosa) quando afirma que «II. Uma liquidação oficiosa que materialize ou revele um acto de fixação ou alteração da matéria tributável declarada pelo contribuinte deve obrigatoriamente ser notificada por carta registada com A/R, em conformidade com o disposto nos arts. 65º nº 4,66º e 149º nº 2 do CIRS.” (sublinhado nosso)

N. Ora, no caso sub judice verificamos que a impugnante entregou a declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS com a junção de um anexo apenas, o anexo G, em virtude da percepção de rendimentos enquadráveis na categoria G do IRS – Mais- Valias, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS.

O. O que deu origem à tributação em sede de IRS, pelos rendimentos correspondentes aos ganhos decorrentes da transmissão onerosa do imóvel em questão nos autos, não se considerando o reinvestimento, nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS a contrario, por ser a impugnante, tal como afirma, não residente, logo, a liquidação decorrente de tal enquadramento nenhuma surpresa traz à impugnante, na medida em que se estriba nas suas declarações, conjugadas com a declaração da percepção de ganhos com a transmissão onerosa de imóvel não destinado a habitação própria e permanente, o que lhe foi notificado por via da notificação da liquidação de IRS correspondente.

P. Vejamos ademais resultar da p.i. que a impugnante percepcionou a motivação de facto em que assentou a liquidação, uma vez que se refere à aplicação da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, identificando desse modo, o que esteve na origem do rendimento constante da liquidação de € 32.968,00.

Q. Concluindo, de acordo com a factualidade entendida provada não se encontram, manifestamente, reunidos os requisitos para accionar a exclusão de incidência tributária prevista na alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, relativamente ao ano de 2015 e com referência à impugnante, o que legitima a liquidação oficiosa nos termos em que se concretizou; e a notificação da liquidação oficiosa que o reflecte (a não aplicação da exclusão de tributação), com a correspondente demonstração da liquidação, sempre cumprirá os requisitos de fundamentação do acto que emergem do disposto no n.º 2 do artigo 66.º do CIRS.

R. Nestes termos, incorreu a douta sentença em erro de julgamento de facto pela não consideração como provados dos factos supra enunciados em 6., 7., 8., 9. e 10., bem como em erro de julgamento de direito por errónea interpretação do disposto no artigo 75.º da LGT, no n.º 4 do artigo 65.º conjugado com o n.º 2 do artigo 66.º, n.º 1 do artigo 76.º e do n.º 5 do artigo 10.º, todos do Código do IRS.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., concedendo-se provimento ao recurso, deverá a douta sentença ser revogada, com o julgamento totalmente improcedente da impugnação, com as legais consequências.

Sendo que, V. Exas. decidindo, farão a Costumada Justiça.»


**

Não foram apresentadas contra-alegações.



**

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
**

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

**

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Com este pano de fundo, as questões a decidir são as seguintes:
(i)se a sentença padece de erro de julgamento de facto, por não ter levado ao probatório factos que a recorrente entende documentalmente comprovados e relevantes para apreciar e decidir a causa;
(ii) se a sentença padece de erro de julgamento de direito por errónea interpretação do disposto no artigo 75.º da LGT, bem como dos artigos 65.º n.º4 (conjugado com o n.º 2 do artigo 66.º, n.º 1 do artigo 76.º) e do artigo 10.º n.º5 todos do Código do IRS.

**

III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«A) Em resultado da apresentação de declaração de rendimentos de IRS do ano de 2015, o qual continha um anexo “G” relativo a mais-valia apurada em resultado da venda de um imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artº……., da freguesia de Cascais, na qual foi indicado a verificação de reinvestimento naquele ano do valor de venda na aquisição de outro imóvel aí identificado sito em território da U.E..- cfr cópia da D.P. Modelo 3, de fls 8 a 12, do Proc. Recl. Graciosa apenso aos autos.
B) Com base na declaração referida supra, foi efectuada a liquidação oficiosa de imposto do ano de 2015, na qual foi considerado os elementos constantes do “Quadro 4”, não tendo sido considerado os elementos incluídos pelo contribuinte do reinvestimento do valor de realização insertos no “Quadro 5” da mesma D.P., não tendo sido aberto um procedimento de divergência no sentido de correcção dos elementos declarados, nem tendo-se procedido à correcção oficiosa da declaração periódica de imposto ao contribuinte. – cfr “ Prints Informáticos” de fls 11 a 13do P.A. apenso.
C) Do acto de liquidação referido supra, foi emitido em 29.11.2016, nota de liquidação , a qual foi enviada por simples registo postal em 05.12.2016, do qual foi apresentado reclamação graciosa, a qual não foi apreciada, tendo sido enviada a este Tribunal para efeitos de apensação aos presentes autos.. – cfr requerimento de fls 2 e segs, “Print Informático” de fls 19 e 20, Despacho aposto sobre Parecer e Informação dos serviços, de fls 49 e 50, do Proc. Recl. Graciosa apensa.

X
Factos Não Provados
Dos factos constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
X
Motivação da Decisão de Facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos contam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, sendo certo que as circunstâncias relativas á pretensa inexistência de habitação própria e permanente da Impte no prédio alienado e sujeito a mais-valias invocado pela F.P., não pode relevar nesta sede por o acto de liquidação controvertido não ter resultado de quaisquer correcções decorrente de erros, omissões, ou de divergências apuradas e evidenciadas na declaração periódica de rendimentos e em razão da prova da inexistência de acto de alteração dos elementos declarados pelo contribuinte constante do probatório.»
**

AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Pretende a recorrente ver aditada ao probatório a factualidade que inscreveu na Conclusão B. por, no seu entender, se mostrar susceptível de afectar a bondade da sentença proferida em causa.
Como é sabido, por força do artigo 640.º n.º 1 do CPC, cabe ao recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição - os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas
No caso, é inquestionável que a recorrente especificou os concretos pontos de facto que pretende ver aditados e indicou os respectivos meios probatórios que suportam a decisão que propõe.
Nesta perspectiva, a recorrente observou o formalismo legalmente exigido para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, conforme exigido no supra mencionado dispositivo legal.
Por isso, e por se entender relevante à decisão de mérito a proferir, impõe-se o pretendido aditamento, nos seguintes termos:

D. A impugnante inscreveu no campo 4 do quadro 8-B da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2015 - não residente –e consta menção ao representante legal, com o NIF ……… (doc. 2junto à p.i.).
E. A impugnante do registo cadastral da Autoridade Tributária e Aduaneira como não residente em Portugal desde 23/04/2010, constando como país de residência a Holanda (fls. 36 a 39 do PAT).
F) Mediante escritura pública outorgada em 30.07.2015, lavrada no cartório Notarial de Cascais, a Impugnante alienou o imóvel correspondente à fracção autónoma designada pela letra “D” sito na freguesia de Cascais (actualmente extinta) e inscrito na matriz predial sob o artigo …….. (imóvel que passou a constar da União de freguesias de Cascais e Estoril, inscrito na matriz predial sob o artigo……..), pelo preço de € 310.000,00 (fls. 4 a 7 do PAT).
Termos em que procede neste aspecto o recurso, justificando-se, por isso, a ampliação da matéria de facto, nos termos supra apontados.

B. DO DIREITO

A ora recorrida, por não concordar com a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) respeitante aos rendimentos do ano de 2015, no montante de 9.231,04 €, emitida na sequência da apresentação da declaração de rendimentos Modelo 3, apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra impugnação judicial visando obter a sua anulação.

Como fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese, que procedeu à venda do imóvel correspondente à fracção autónoma designada pela letra D, 3.º piso -2 CV Dt., do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º …… da freguesia de Cascais e inscrito na matriz sob o artigo……., que constituía a sua habitação própria e permanente, tendo procedido ao reinvestimento do valor de realização daquela alienação, na compra de um imóvel, destinado à sua habitação, na localidade de Hilversum, na Holanda.

Por estas razões, a recorrida concluiu que por força da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, tem direito à exclusão da tributação em sede de IRS, dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel afecto à habitação própria e permanente na medida em que afetou esse valor à compra de outro imóvel também este afecto à sua habitação permanente.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou improcedente a impugnação no entendimento de que:

« Atento a apresentação da D.P de rendimentos por banda da Impte, não tendo a Adm. fiscal procedido á alteração dos elementos declarados ao abrigo do disposto no nº4 , do artº 65º, nem procedido á necessária fundamentação de tal alteração, nos termos, do nº 2, do artº 66º, todos do CIRS, a liquidação do tributo teria que ser determinada com base nos elementos declarados, nos termos do disposto na 1ª parte da alínea a), do nº1, do artº 76º, do CIRS, atento para mais o principio da presunção da veracidade de tal declaração não afastado pela Adm. Fiscal (cfr artº 75º da LGT e artº 59º do CPPT)».

Com base em tal argumentação, considerou o Tribunal «a quo» que: « (…) não era lícito proceder á referida liquidação de imposto desconsiderando aquela declaração de reinvestimento do valor de realização para efeitos de exclusão da tributação, ao abrigo do disposto na alínea a), do nº 5, do artº 10º do CIRS.».

Nas conclusões da alegação de recurso a recorrente insurge-se contra o decidido, por considerar que a liquidação de IRS sindicada foi elaborada tendo por base os elementos declarados pela recorrida aquando da apresentação da Declaração Model.3 e, por outro lado, considerou o reinvestimento como não exequível, por ser o reinvestimento admitido somente no caso de transmissão onerosa de imóvel destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo.

Posto isto, vejamos a sorte do recurso.

Sob a epígrafe «Início do procedimento, prescreve o artigo 59.º do CPPT, no seus n.ºs 1 e 2:

«1.O procedimento de liquidação instaura-se com as declarações dos contribuintes ou, na falta ou vício destas, com base em todos os elementos de que disponha ou venha a obter a entidade competente.

2 - O apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária.».

E, decorre do artigo 76.º do CIRS que a liquidação do IRS é emitida com base na declaração apresentada pelo sujeito passivo de imposto ou agregado familiar, mediante o rendimento coletável determinado com base nos elementos declarados, sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 65.º do CIRS ou, à míngua de declaração, a liquidação terá por base os elementos de que a Administração Tributária disponha ou, sendo superior ao que resulta daqueles elementos, a totalidade do rendimento líquido da categoria B obtido pelo titular do rendimento no ano mais próximo que se encontre determinado, quando não tenha sido declarada a respetiva cessação de actividade.

Embora beneficiando as declarações das contribuintes de presunção legal da veracidade (cfr. artigo 75.º da LGT e artigo 65.º n.º1 do CIRS) o legislador admite, contudo, a sua ilisão através da produção, por parte da Administração Tributária, de prova em sentido contrário.

Ou dito de outra forma, apenas se admite o afastamento da veracidade das declarações apresentadas quando a Administração Tributária demonstre inequivocamente a existência de um facto tributário não refletido nessas declarações ou divergente do declarado, através de elementos carreados para o procedimento, tendo em vista ilidir a presunção da veracidade das mesmas.

Assim, há que concluir que, a Administração Tributária não está vinculada, a aceitar a qualificação dos rendimentos tal como sejam declarados pelos respetivos titulares, podendo exercer um controlo e fiscalização posterior da verdade da declaração ( cfr. artigo 66.º. n.º1 do CIRS e artigo 76.º da LGT).

Questão diferente é a de saber se a liquidação sindicada padece ou não da ilegalidade que lhe foi diagnosticada pela recorrida quanto ao segmento que desconsiderou o reinvestimento do valor de realização para efeitos de exclusão da tributação, ao abrigo do disposto na alínea a), do nº 5, do artigo 10º do CIRS.

Neste ponto, entende a recorrente que o local da habitação própria e permanente da recorrida é o correspondente ao seu domicílio fiscal e, assim, não poderia o valor declarado considerar-se como reinvestido para efeitos do disposto no artigo 10.º do CIRS), no ano de 2015.

Antecipando desde já a conclusão, diremos que não assiste qualquer razão à recorrente neste ponto particular.

Vejamos, então, porque assim o entendemos.

Dispõe a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, que «Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis».

Dispondo o n.º 5 do referido compêndio legal que «São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar».

Conforme decorre da mera leitura do mencionado normativo, configura-se, aqui uma exclusão da tributação do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo).

Trata-se de um entendimento pacificamente consolidado na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, entendendo-se que (tomando de empréstimo as palavras do Acórdão de 14.11.2018, proferido no processo n.º 1077/11.9BESNT (01448/17): «No nº 5 deste art. 10º do CIRS prevê-se, pois, uma exclusão tributária que encontra razão de ser na protecção e favorecimento fiscal da aquisição de habitação própria e permanente [é claro o objectivo da lei: «eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias» (Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, 2ª edição, p. 142.)], desde que verificados os demais requisitos ali também especificados: o ganho, proveniente da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, deve ser reinvestido, no prazo de 24 meses, na aquisição de outro imóvel (ou de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel) e este deve destinar-se, igualmente, a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar. ( Sobre esta matéria cfr., igualmente, José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pp. 412/420; bem como Paula Rosado Pereira, Estudos Sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Almedina, 2005, pp. 99 a 101.) Impondo-se, portanto, que ambos os imóveis (o de partida e o de chegada) tenham a mesma destinação: habitação própria e permanente.» ( disponível em texto integra em www.dgsi.pt).

Presentes os considerandos que antecedem, importa apurar se imóvel de «partida» do qual resultaram as mais-valias constitui ou não a habitação própria e permanente seja da recorrida ou do seu agregado familiar, levando-se em linha de conta que o conceito de «habitação própria e permanente» previsto no artigo 10.º n.º 5 do CIRS « (…) assume uma especificidade própria que não se confunde com residência habitual ou domicílio fiscal, ainda que possa comungar destes dois conceitos» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01.07.2020, proferido no processo n.º 0114/15.2BELLE, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

No caso, temos que, não se mostra controverso, que recorrida consta no registo cadastral da Administração Tributária como não residente em Portugal (país de residência a Holanda) e que de declarou tal facto na sua Declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2015.

Porém, afirma a recorrida na sua petição inicial que o imóvel de partida «constituía a única residência habitual (…) que até venda, residia permanentemente em Portugal.», tendo para o efeito, para além do documento junto, arrolado duas testemunhas, as quais não vieram a ser inquiridas, por o Mmº Juiz do Tribunal «a quo», pelo seu despacho de 30.01.2018, ( Ref.ª Sitaf 003410144) ter entendido que o processo « fornece os elementos necessários a uma decisão conscienciosa» tendo assim, desde logo, ordenado a produção de alegações pré-sentenciais.

Ora, da análise do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS resulta que o legislador não remete para o conceito jurídico-fiscal de «domicílio fiscal», como sucede, por exemplo, para efeitos da concessão da isenção de IMI relativamente a imóveis destinados à habitação própria permanente prevista no n.º 1 do artigo 46.º do EBF considera-se ter havido afectação do prédio à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicilio fiscal (cfr. n.º 9 daquele preceito legal).

Mas mesmo nesse caso em que se remete para o conceito de domicílio fiscal, mesmo assim, «(…) II. O facto dos sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio. III - A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal(Acórdão do STA de 23.11.2011, proferido no processo n.º 0590/11, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Do que vem dito, resulta assim, que o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de «factos justificativos», tanto mais que o n.º 5 do artigo 10.º do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal.

Face ao circunstancialismo descrito resulta a necessidade de os autos serem instruídos, nomeadamente através da produção de prova testemunhal e demais diligências que se afigurem úteis na decorrência daquela. Com efeito, encontrar-se o julgamento da matéria de facto, inscrito na sentença, inquinado por défice instrutório, porquanto existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta implicar o estabelecimento de outro, sobretudo, mais alargado cenário factual, capaz de, pela sua amplitude, esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão do mérito da causa e no âmbito dos poderes consignados nos artigo 13.º do CPPT e 99.º da LGT competia ao Juiz realizar as diligências para apuramento da situação concreta e só após isso conhecer das mencionadas correcções técnicas. Não o tendo feito, verifica-se insuficiência de instrução determinante de anulação da decisão tal como se prevê no artigo 662.º do CPC.

IV.CONCLUSÕES

I. Embora beneficiando as declarações das contribuintes de presunção legal da veracidade (cfr. artigo 75.º da LGT e artigo 65.º n.º1 do CIRS) o legislador admite, contudo, a sua ilisão através da produção, por parte da Administração Tributária, de prova em sentido contrário.

II.O artigo 10º n.º5 do CIRS exclui da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a «habitação própria e permanente» do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

III.Para efeitos do disposto neste normativo, o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal.

V.DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida por défice instrutório e ordenar a baixa dos autos para a produção da prova testemunhal, devendo os autos, após, seguir os demais trâmites legais.

Sem custas.


Lisboa, 30 de Setembro de 2020


[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Benjamim Barbosa]