Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2668/12.6BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/18/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO;
NULIDADE DA CITAÇÃO;
ERRO NA FORMA DO PROCESSO;
CONHECIMENTO DOS RESTANTES VÍCIOS INVOCADOS.
Sumário:1. O erro na forma de processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, de acordo com o pedido formulado pelo autor.
2. Deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição, e outros de arguição de nulidade ou reclamação, incumbe ao juiz conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição.
3. Quer o pedido de extinção, quer o pedido de suspensão da execução são adequados à forma do processo de oposição.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO


O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por “Massa Insolvente de J.......... - C.........., S.A.”, à execução fiscal n.º3107201201016…., instaurada por dívidas provenientes de IVA e juros de mora referentes aos anos de 2007 e 2009, no montante de 97.960,50 Euros.
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo.
O Recorrente conclui as alegações assim:
«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença proferida em primeira instância,
porquanto a mesma julgou procedente a oposição, determinado a sustação da instância fiscal executiva.

B. Ora, na perspectiva da Fazenda Pública, a decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub judice.

C. A Representação da Fazenda Pública suscitou, alternativamente, a questão do erro da forma do processo, como exceção, com a inerente consequência da absolvição da instância.

D. O Ilustre Tribunal “a quo” aprecia as exceções invocadas pela Fazenda Pública, deferindo que o meio próprio para o impulso da ora Recorrida deveria ter sido por via de requerimento no processo de execução fiscal, e em caso de situação desfavorável, a inerente reclamação nos termos do art.276.º do CPPT, para depois dizer que não estar em causa o erro na forma de processo, depreendendo-se não dar por verificado o erro na forma de processo, atento ter prosseguido no julgado e vindo a decidir-se pela procedência da oposição à execução fiscal.

E. Ora, dúvidas não há que a forma processual indicada para a impugnação de um ato tributário deve ser aferida através da relação subjacente, ou seja, se o acto impugnado tiver subjacente a apreciação da legalidade será aplicável o processo de impugnação judicial, se não comportar tal apreciação, é aplicável o recurso contencioso, que segue a forma de ação administrativa.

F. De harmonia com o disposto no art.2, n.º2 do CPC, subsidiariamente aplicável no contencioso tributário, por força do disposto no art.2.º. al.d) da LGT e art.2.º, al.e) do CPPT, “ a todo direito excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.”

G. Em face dessa correspondência entre direito e a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo haverá apenas um determinado meio processual que, em cada caso, pode ser utilizado para obter a tutela judicial, a não ser que, excecionalmente, a lei determine o contrário.

H. A nulidade da citação, assim como um pedido de suspensão da execução fiscal, teriam que ser arguidos por requerimento junto do órgão de execução fiscal, podendo ser deduzida reclamação nos termos do art.276.º do CPPT, caso a mesma seja indeferida.

I. Logo não sendo a oposição à execução fiscal o meio próprio para tal efeito, como bem entendeu o Ilustre Tribunal “a quo”, então é patente o erro na forma do processo que foi invocado por exceção pela Fazenda Publica.

J. Entendendo-se por verificada a referida exceção de erro na forma do processo e expressamente invocada pela Fazenda Pública, então estamos perante uma defesa indireta por via de factos que obstam à apreciação do mérito da ação, por se tratar de uma exceção dilatória.

K. Em termos práticos, significa que o Ilustre Juiz deve abster-se de conhecer do peticionado pela demandante, nos termos do art.278.º do CPC, não fazendo qualquer juízo de mérito sobre a causa.

L. Nessa consonância, o Ilustre Tribunal “a quo” ao reconhecer que não estávamos perante o meio próprio, deveria ter dada a questão por “resolvida”, por estarem prejudicadas as restantes questões.

M. O Ilustre Tribunal “a quo” não podia conhecer diretamente do pedido pois ficou esgotado o seu poder jurisdicional, ou seja, deve efetivamente abster-se de conhecer qualquer outra matéria do processo.

N. Mais, não se compreende o alcance da afirmação do Ilustre Tribunal “a quo” quando refere que não está em causa o erro na forma do processo, “ mas caso assim seja, sempre se atentará que a falta de apreciação de alguma exceção dilatória quando devam ser apreciadas, como a presente erro na forma de processo, importaria a nulidade, por falta de pronúncia sobre estas matérias, nos termos do disposto no art.613.º e 615.º do CPC.

O. Com base no raciocínio e argumentos supra expostos, deveria a douta sentença proferida ter considerado provada a exceção dilatória de erro na forma de processo, e a inerente absolvição da instância.

P. Assim sendo, é entendimento da Representação da Fazenda Pública que o Tribunal “a quo”, com a decisão ora em crise, violou o disposto no art.204.º do CPPT, art.95.º e 97.º da LGT, art.278,º do CPC, ao considerar, procedente a oposição e determinado a sustação da execução fiscal executiva.

Q. Com o devido respeito e salvo melhor opinião, o disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da Lei Geral Tributária, assim como art.204.º do CPPT, art.95.º e 97.º da LGT, art.278,º do CPC. deveriam ter sido interpretados no seguinte sentido que a invocação preconizada da exceção dilatória do erro na forma de processo, nos artigos 18.º a 34.º da contestação, importa a absolvição da instância, com a inerente abstenção de conhecer o peticionado pela Oponente, ora Recorrida, não fazendo qualquer juízo sobre o mérito sobre a causa.

R. A Fazenda Pública entende que dever-se-á considerar que a solução mais acertada no caso concreto é a de que se verifica a exceção dilatória de erro na forma de processo, promovendo-se a absolvição da Fazenda Pública da instância, com as devidas consequências legais, devendo ainda os Recorridos ser condenados em custas, por darem causa à ação.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada
JUSTIÇA!».
A Recorrida apresentou contra-alegações que culmina com as seguintes Conclusões:
«
a. Vem a ora Recorrente alegar que deveria a douta sentença proferida em primeira instância “ter julgado de outra forma os factos dados como provados, incorrendo em erro de julgamento na apreciação dos factos provados 1), 2), 3), no seu cômputo”.

b. Todavia, não assiste razão à ora Recorrente, como iremos de seguida demonstrar.

c. O Tribunal a quo fundou a sua convicção para a resposta à matéria de facto impugnada com base na análise crítica e global dos documentos juntos aos autos, tudo ponderado à luz das regras atinentes à repartição do ónus da prova e das regras da experiência e do senso comum.

d. Tendo, na sentença ora recorrida, o Tribunal a quo fundamentado a sua resposta aos factos provados (e não provados), demonstrando sempre uma análise crítica das provas produzidas sobre a matéria de facto e explicitando racionalmente os motivos que o conduziram a optar por uma concreta resposta.

e. Pelo que foi assim respeitada a justiça do caso material.

f. Ao contrário do que a ora Recorrente quer fazer crer, a sentença recorrida fez uma correcta aplicação da matéria das mais elementares normas de direito ao caso aplicáveis. Ora, vejamos:

g. O Tribunal “a quo” iniciado a fundamentação de direito da decisão objecto do presente recurso pela análise da questão da nulidade da citação, entendendo que a ocorrência de vícios que afectem a citação deverá ser alegada junto do órgão de execução fiscal, aí se arguindo a respectiva nulidade, não sendo susceptível de apreciação judicial sem que ao órgão de execução fiscal seja dada oportunidade de se pronunciar e eventualmente revogar o acto lesivo e eventualmente revogar o acto lesivo ou praticar o acto legalmente devido, nos termos do art.º 277.º, n.º 2 do CPPT,

h. pelo que julgou improcedente tal invocação, por erro na forma do processo.
i. Seguidamente, o Tribunal “a quo” debruçou-se sobre a ilegalidade da prossecução da execução fiscal contra a ora Recorrida, atenta a sua declaração de insolvência, dando por assente que a execução fiscal deveria ter sido sustada logo após a sua instauração, por força do disposto nos arts.º 88.º do CIRE e 180.º do CPPT.

j. Inconformada, veio a Recorrente interpor recurso da douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, com vista à absolvição da instância, alegando para tanto a excepção dilatória do erro na forma de processo, uma vez que “a nulidade da citação, assim como o pedido de suspensão da execução fiscal, teriam que ser arguidos por requerimento junto do órgão de execução, podendo ser deduzida reclamação nos termos do art.º 276.º CPPT, caso a mesma seja indeferida”.

k. O erro na forma de processo (artº 193º do novo CPC) ocorre quando o autor usa de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão. Por isso, como é entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico, a sua ocorrência tem de aferir-se pelo pedido formulado na acção, sendo pelo pedido final formulado, pela pretensão que o requerente pretende fazer valer, que se determina a propriedade ou impropriedade do meio processual empregue para o efeito.

l. In casu, o erro na forma do processo apenas poderia subsistir quanto à nulidade da citação, invocação essa que, aliás, não foi julgada procedente pelo Tribunal “a quo”.

m. Isto porque, o pedido de sustação da execução é obviamente fundamento de oposição à execução e nada tem a ver com a nulidade da citação.

n. Assim, a Administração Tributária confunde ou pretende confundir os diversos fundamentos da oposição à execução, nomeadamente a nulidade da citação e a sustação da execução, com vista a “ceifar” os direitos de defesa do ora Recorrente, sob o pretexto de erro sob a forma do processo.

o. Pelo que, em face do exposto, deve negar-se provimento ao recurso interposto a fls…, confirmando-se integralmente a sentença recorrida, tudo com as legais consequências.».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso porquanto e, nomeadamente, “como decorre da análise da decisão recorrida o erro na forma do processo apenas é decidido quanto à invocada nulidade da citação, não tendo virtualidade de esgotar o poder jurisdicional em relação aos fundamentos de Oposição invocados pela Oponente, ora Recorrente”.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida reconduz-se a indagar se julgado improcedente, por impróprio, um dos fundamentos da P.I. de oposição, deverá o tribunal limitar-se a absolver a Fazenda Pública da instância ou prosseguir na apreciação dos demais fundamentos para que o processo de oposição se mostra o próprio, como fez.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
Factos Provados
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:

1. Em 30 de Janeiro de 2012, foi judicialmente declarada a insolvência da sociedade comercial J....... - C......., S.A., tendo sido nomeado Administrador da Insolvência, R....... – cfr. sentença do 1.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa proferida no processo n.º 1738/11.2TYLSB;

2. Em 31 de Janeiro de 2012 foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3107201201016..., que tramita pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 8, tendo por objecto a cobrança de dívidas de IVA referentes aos anos de 2007 e 2009 (e respectivos juros compensatórios), no montante de Euros 92.500,44;

3. Através de carta registada com aviso de recepção datada de 27 de Fevereiro de 2012, intitulada de “Citação”, endereçada a “J....... - C......., S.A., na pessoa de: R......., Administrador Judicial”, a Autoridade Tributária e Aduaneira informou a ora Oponente da instauração do processo de execução fiscal referido em 2.
*
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão a proferir.
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, juntos aos autos de oposição.».


4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Como ressalta das conclusões do recurso, entende o Recorrente que a sentença enferma de erro de julgamento na medida em que, após considerar não ser a oposição o meio próprio para se conhecer da nulidade da citação, veio depois a decidir do mérito da oposição por outro fundamento invocado na P.I., o que não podia fazer por se ter esgotado o seu poder jurisdicional, devendo o constatado erro na forma do processo determinar a absolvição da Fazenda Pública da instância, conforme pedido na contestação.

Salvo o devido respeito, os fundamentos do recurso não permitem abalar os fundamentos factuais e jurídicos da sentença. Ora vejamos.

Ressalta da P.I. que foram invocados pela oponente, ora Recorrida, com relação à execução vários vícios, entre os quais, a nulidade da citação e a ilegalidade decorrente da não sustação da execução, nos termos do disposto no art.º88.º, n.º1, do CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS.

O Mmo. Juiz a quo, depois de concluir não ser a oposição o meio próprio para se conhecer da nulidade da citação em processo executivo, julgou improcedente esta causa de pedir e passou a conhecer dos restantes vícios invocados.

Refere o Recorrente uma contradição nos fundamentos jurídicos da sentença. Mas ela, a existir, é só aparente.

Com efeito, refere o Mmo. Juiz a quo na sentença que, «Aqui chegados, importa que se diga que o erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual ao pedido que se pretende fazer valer (vd. Acórdão do STA, de 05.02.2014, proferido no processo n.º01803 /13).
Ora, constitui pretensão da Oponente, expressa pela dedução da oposição, a extinção da execução fiscal ou a sua sustação, pretensão esta para a qual o presente meio processual se afigura idóneo.
Todavia, como se deixou expresso, embora não estando em causa o erro na forma do processo, a causa de pedir invocada pela Oponente, pelas razões expostas, não poderá conduzir à procedência do pedido que formulou».

Ora, esse trecho da sentença não tem nada de contraditório, porquanto, constitui jurisprudência assente do STA que o erro na forma do processo ocorre quando o pedido não se mostra idóneo.

E como bem nota o Mmo. Juiz a quo, a extinção ou suspensão da execução fiscal são pedidos (pretensões jurídicas) para que o meio processual da oposição à execução fiscal se mostra idóneo.
Como se refere no Acórdão do STA, de 05/17/2017, tirado no proc.º01015/16, «Note-se que, como a jurisprudência vem afirmando há muito, embora em regra a oposição vise a extinção, total ou parcial, da execução fiscal, ela pode também, em casos contados, ter por objecto a suspensão da execução quando a exigibilidade da dívida seja determinada por motivo meramente temporário, como, v.g., concessão de uma moratória (como as que têm vindo a suceder nos diplomas que prevêem regimes especiais de regularização de dívidas), existência de processo de insolvência ou recuperação de empresas, ter sido decidida, por via administrativa, a suspensão da eficácia do acto de liquidação ou a própria suspensão da execução (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 39 ao art. 204.º, pág. 502, de onde extraímos os exemplos referidos.).».

E, por isso mesmo, a impropriedade de um dos fundamentos do pedido (ou causa de pedir, no caso, a nulidade da citação) não podia conduzir ao resultado pretendido na contestação de erro na forma do processo, com absolvição da Fazenda Pública da instância, unicamente levando à improcedência desse concreto fundamento ou causa de pedir.

Por outro lado, note-se, se um dos fundamentos do pedido se apresenta inidóneo e outros adequados à forma processual em causa (no caso, oposição à execução fiscal), o tribunal não pode deixar de conhecer destes últimos, como bem fez o Mmo. Juiz a quo.

Trata-se de jurisprudência uniforme e consolidada do STA (vd., entre muitos outros, os Acórdãos do STA, de 11/06/2019, tirado no proc.º01300/16.3BELRS 01397/16; de 02/24/2016, tirado no proc.º0677/15; de 11/25/2015, tirado no proc.º0944/15; de 09/14/2016, tirado no proc.º0514/16).

Tanto quanto se alcança das conclusões da alegação, o Recorrente não pretende questionar os fundamentos do julgado quanto à suspensão da instância executiva, apenas e só que o decidido pelo Mmo. Juiz a quo quanto à invocada nulidade da citação tem virtualidade de esgotar o poder jurisdicional com relação aos demais fundamentos da oposição, o que, como ressalta da análise efectuada e da jurisprudência citada, é argumento que não procede.

5– DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, em ambas as instâncias.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2019



Vital Lopes


Anabela Russo


Tânia Meireles da Cunha