Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06280/12
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:04/16/2013
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA.
ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE 1ª. INSTÂNCIA RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO. ÓNUS DO RECORRENTE.
MECANISMOS DE DEDUÇÃO DO I.V.A.
OBRIGAÇÃO GERAL DOS SUJEITOS PASSIVOS DISPOREM DE CONTABILIDADE ORGANIZADA.
ARTº.35, Nº.5, DO C.I.V.A. FORMALIDADES “AD SUBSTANTIAM”.
NATUREZA SUBSIDIÁRIA DO MÉTODO DE AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA COLECTÁVEL.
DEVER DE CUIDADA FUNDAMENTAÇÃO QUANTO À OPÇÃO PELA SUA UTILIZAÇÃO POR PARTE DA A. FISCAL.
PRINCÍPIO DA TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS PELO RENDIMENTO REAL (CFR.ARTº.104, Nº.2, DA C.R.P.).
O REENVIO PREJUDICIAL É UM INCIDENTE DE INSTÂNCIA.
PRESSUPOSTOS DA FORMULAÇÃO DE PEDIDO DE REENVIO PREJUDICIAL.
Sumário:1. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
2. Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr.artº.655, nº.1, do C.P.Civil). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
3. O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida.
4. No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário).
5. O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito à dedução.
6. Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema.
7. Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g), do mesmo diploma. Assim se explica que os sujeitos que face à lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo.
8. É ao contribuinte que incumbe o ónus da prova do direito que invoca, no caso, o direito à dedução do I.V.A. suportado com aquisições de bens e serviços a terceiros (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.). Sendo que, nos termos do artº.19, nº.2, do C.I.V.A., só confere direito à dedução, além do mais, o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal. Não fazendo o sujeito passivo prova desses documentos de suporte não lhe assiste o direito à dedutibilidade do I.V.A. (cfr.artºs.19, nº.2, e 35, nº.5, do C.I.V.A.).
9. Contrariamente à dedutibilidade em sede de I.R.C., inexistindo factura ou documento equivalente com os requisitos do artº.35, nº.5, do C.I.V.A., fica logo afastada a dedutibilidade do I.V.A. E recorde-se que é posição unânime na jurisprudência dos Tribunais Superiores que tais requisitos consubstanciam verdadeiras formalidades “ad substantiam”.
10. A avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que se deve recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.).
11. Nem a Fazenda Pública, nem o contribuinte, podem, de seu livre alvedrio, optar pela tributação indiciária, ainda que aquela cuide assim arrecadar receita maior, ou este acredite furtar-se a uma tributação mais pesada. Por outras palavras, o apuramento alternativo pela A. Fiscal deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo, e só pode haver recurso a métodos presuntivos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável, não gozando a Fazenda Pública de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável.
12. A desconsideração contabilística do I.V.A. deduzido constantes de facturas que não reuniam os requisitos legais deve ter fundamento nos artºs.19, 20, nº.1, e 35, nº.5, do C.I.V.A., operar-se através de correcções meramente aritméticas à matéria colectável (que não através de métodos indirectos) e tal modo de proceder não violando (antes sendo imposto pelo) o princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real (cfr.artº.104, nº.2, da C.R.P.).
13. O reenvio prejudicial é um incidente de instância que se desenrola a nível nacional. Inicia-se com a suspensão da instância e a colocação de uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça (T.J.U.E.), tendo em vista a interpretação de uma norma (ou normas) comunitária ou a apreciação da validade de um acto comunitário e termina com o acórdão, retomando-se nessa altura a instância principal e incumbindo ao Juiz nacional resolver o litígio de acordo com a decisão da jurisdição comunitária.
14. A figura do reenvio prejudicial pode ter por objecto a resposta a uma de duas questões, tudo conforme se encontra consagrado no actual artº.267, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (cfr.anteriormente o artº.234, do Tratado C.E.):
a-A interpretação de uma disposição de direito comunitário;
b-A apreciação da validade de um acto emanado das instituições comunitárias.
15. O mecanismo do reenvio comporta, assim, duas variantes de competência prejudicial do Tribunal de Justiça. A primeira abarca a função de fixar a interpretação das normas comunitárias e os princípios que lhe subjazem. E a segunda o controlo da legalidade dos actos praticados pelas instituições, órgãos e organismos da União. Os vectores mencionados, podem surgir combinados num mesmo reenvio, a tal hipótese não se vislumbrando qualquer entrave legal.
16. A questão do reenvio só se coloca se o juiz nacional se confronta com uma dúvida sobre os termos em que tem que aplicar o direito comunitário e se a resolução de tal dúvida contribui para a solução do litígio que tem em mãos, ou seja, se se mostra necessária para o julgamento da causa.



O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
“A...- TERRAPLANAGEM E CONSTRUÇÃO CIVIL, L.DA.”, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. do Funchal, exarada a fls.242 a 283 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação pela recorrente intentada, visando actos de liquidação de I.V.A. e juros compensatórios, relativos aos anos de 2003 a 2005 e no montante total de € 647.984,89.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.300 a 320 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Considera a ora recorrente que andou mal o Tribunal “a quo” por não ter considerado a totalidade da prova produzida, quer no que respeita aos depoimentos das testemunhas, quer à comparação crítica entre as facturas emitidas pela impugnante e as facturas emitidas pelos subempreiteiros “B.... Lda.”, “C...Unipessoal, Lda.” e “D...Construções, Lda.” que têm exactamente a mesma descrição dos serviços, pelo que nesta parte se impugna a decisão relativa à matéria de facto;
2-Com efeito, quer da prova produzida pela impugnante, quer pela informação prestada nos autos pela sociedade principal cliente da ora recorrente - E...S.A (cfr.fls.240 dos autos de impugnação nº.110/09.9BEFUN), resulta demonstrado que a recorrente suportou encargos com subcontratação de meios humanos e máquinas para obter os proveitos sujeitos a I.R.C. e que as facturas questionadas em sede inspectiva titulam operações efectivamente realizadas, devendo, por isso ser aceite a dedução do I.V.A. suportado;
3-Caso assim não se entenda e atenta relevância dos custos não aceites, que representam cerca de 93% da totalidade dos custos registados na contabilidade da ora recorrente, então deveria ter prevalecido o princípio da tributação pelo lucro real, previsto no artº.104, nº.2, da C.R.P.;
4-A única forma de assegurar a tributação da recorrente pelo lucro real era a adopção do método indirecto de tributação do lucro tributável;
5-Pois, se na tese da Administração Fiscal, a recorrente, não despendeu as quantias em causa porque as operações foram consideradas inexistentes, e, como tal, não pode assumir tais custos, então deverão igualmente retirar-se as devidas conclusões, que se impõem, no sentido de que também os seus proveitos têm de ser corrigidos;
6-Com efeito, se os proveitos foram mantidos, a Administração Fiscal assume, por um lado, que a ora recorrente prestou serviços de construção civil, mas, por outro, ficciona que apesar de ter que recorrer à subcontratação (facto provado através da prova testemunhal, cujos depoimentos foram transcritos, em cumprimento do disposto no artigo 685.°-B do CPC) não teve com esta quaisquer encargos;
7-O respeito ao princípio da tributação pelo rendimento real consagrado constitucionalmente no artº.104, nº.2, da C.R.P., no caso em apreço, apelava a uma adequada ponderação dos interesses em jogo, que não foi feita pelo Tribunal “a quo”;
8-Termos em que a sentença recorrida violou o disposto nos artºs.84, do Código do I.V.A., 39, 77, 85 e 87 e seguintes, da L.G.T., e 104, nº.2, da C.R.P., pelo que não deverá manter-se na ordem jurídica;
9-Por fim, a ora recorrente requer a submissão da questão constante dos artigos 69 a 72 do presente recurso ao Tribunal de Justiça, por entender que a interpretação das regras do sistema do I.V.A., em particular o artº.17, da Sexta Directiva, é fundamental para a boa decisão da causa;
10-Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, com todas as consequências legais.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.347 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.349 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.256 a 267 dos autos):
1-A impugnante iniciou a sua actividade em 1/01/2001, dedicando-se ao transporte de aluguer, terraplanagem, construção civil e obras públicas, compra e venda de materiais para construção, compra e venda de imóveis, comercialização de maquinaria, equipamentos para construção, compra e venda de automóveis, com o CAE 60 240 (cfr. documentos juntos a fls.78 e 82 a 93 dos presentes autos);
2-A impugnante cessou a sua actividade em 31/05/2007 (cfr.documento junto a fls.78 dos presentes autos);
3-A impugnante era sujeito passivo de I.R.C., enquadrada no regime geral de tributação, e, em sede de I.V.A., no regime normal trimestral de 1/01/2001 a 31/12/2004, passando, em 1/01/2005, para o regime normal mensal (cfr.cópia do relatório de inspecção junto a fls.82 a 93 dos presentes autos);
4-Em cumprimento da ordem de serviço externa nº.OI200700435, de 2007/07/18, com despacho de 2007/07/18, Código PNAIT 221,39 (SP's relativamente aos quais tenham sido suscitadas dúvidas ou verificado incoerências significativas decorrentes da análise interna das DR's) foi realizada inspecção tributária à impugnante com extensão aos exercícios de 2003 a 2005 (cfr.documento junto a fls.80 dos autos; cópia do relatório de inspecção junto a fls.82 a 93 dos presentes autos);
5-Em 23 de Novembro de 2007 foi elaborado o relatório de inspecção e, onde consta designadamente (cfr.cópia do relatório de inspecção junto a fls.82 a 93 dos presentes autos):
(...)
1.3 - DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
O sujeito passivo (SP) contabilizou, nos exercícios de 2003 a 2005, facturas emitidas em nome de entidades não declarantes, que não estão na forma legal e respeitam a custos com fortes indícios de não terem correspondência nos proveitos declarados, tendo infringido os nºs 2 e 3 do artigo 19 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e o artigo 23 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), o que é punível pelo artigo 103 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) - Fraude fiscal.
Foram apuradas as seguintes correcções, relativas aos exercícios de 2003 a 2005:
Correcções
Matéria Tributável (€)
IVA (€)
De natureza meramente aritmética
4.315.527,40
576.532,93
(...)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRTBUTÁVEL
De acordo com o valor declarado no anexo P da declaração anual do contribuinte objecto de inspecção, as empresas B..., Lda., C...Unipessoal, Lda., e D...Construções, Lda. - contribuintes não declarantes - foram, nos exercícios de 2003 a 2005, três dos seus maiores fornecedores, o que se confirmou mediante as facturas respectivas, recolhidas junto do SP.
Verificou-se que aquelas facturas, referentes a supostos subcontratos na área da construção civil, não estão emitidas na forma legal, não referindo a quantidade e denominação usual dos serviços prestados, nem dispondo de quaisquer anexos com os respectivos autos de medição ou orçamentos. Acresce ainda que o contribuinte não detém documentos comprovativos dos pagamentos das facturas em causa àqueles prestadores de serviços, uma vez que os mesmos se têm vindo a contabilizar por contrapartida da conta caixa.
Uma vez ouvido em auto de declarações, o Sr. F..., na qualidade de sócio, afirmou que o SP prestava serviços de intermediação na construção de obras, Para a execução dos trabalhos requeridos ao SP, eram subcontratadas entidades que se responsabilizavam pela execução das obras, afectando às mesmas quer a mão-de-obra quer o equipamento. Inquirido sobre as entidades subcontratadas - B..., Lda., C..., Unipessoal, Lda. e D...Construções, Lda. - afirmou desconhecer os trabalhadores em questão, contactando-os através de responsáveis cuja identidade não se recorda, mas que consta de um bloco de apontamentos de que não dispunha no momento (doc. 3). Até esta data, e apesar de ter voltado a esta Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, o Sr. F...não nos informou acerca da identidade das empresas subcontratadas em questão, cujos serviços representam a quase totalidade dos custos apresentados pelo SP nos exercícios em análise, nomeadamente 89,75%, 95,26% e 96,67%, em 2003, 2004 e 2005, respectivamente.
Ao analisar todas as facturas emitidas a clientes nos exercícios de 2003 a 2005 pelo SP, bem como as facturas relativas aos subcontratos em questão, detectou-se falta de correlação entre os custos contabilizados e proveitos facturados.
No exercício de 2003, foram contabilizados custos com trabalhos executados por C..., Unipessoal, Lda. e D...Construções, Lda., no valor de 663.449,30 €, devido por obras na Ponta do Sol, Calheta - Prazeres (ER 101) e na Vila da Calheta (estrada). Ora, os proveitos contabilizados no mesmo exercício relativos a estas obras totalizam apenas 573. 773,54 €.
No exercício de 2004, foi contabilizado um custo referente à subcontratação de B..., Lda. para execução de uma obra na Camacha, no valor de 30.120,00 €. No mesmo ano, o único proveito facturado na Camacha trata-se da ligação rodoviária Caniço-Camacha, no montante total de 22.762,506 €.
Em 2005, verificou-se que as obras do Campo do Marítimo, Creche Porto Moniz, Piscina da Calheta, ligação ER 101 e Seixal, implicaram um custo com a subcontratação de C...Unipessoal, Lda. e D...Construções, Lda. no valor de 698.763,06 €, tendo sido estas obras facturadas a clientes por um montante total de 501.440,57 €. Foram, ainda no exercício de 2005, contabilizados custos no valor de 103.308,90€, relativos à subcontratação de D..., Lda. para a Creche do Porto Moniz, Campo do Marítimo e obras no Massapês e Apresentação. Ora, no mesmo exercício, as facturas a clientes não fazem qualquer referência a obras no Massapês ou Apresentação.
As facturas contabilizadas de custos com subcontratos não fazem menção a horas de mão-de-obra ou horas máquina, pelo que não permitem comparações com o número de horas facturadas a clientes. Detectou-se nas facturas emitidas pelo SP a clientes terem sido facturadas horas de camião. No entanto, apurou-se que, em nome do SP, não existe qualquer camião mas apenas veículos ligeiros (docs. de 4 a 8). Quanto às entidades subcontratadas B..., Lda, C...Unipessoal, Lda. e D...Construções, Lda., não têm em seu nome qualquer veículo (docs. de 9 a 11), ainda que as facturas n°s 570, 571 e 565, emitidas em nome de B..., Construções, Lda., façam referência a “trabalhos de máquina e camião” facturados ao SP.
Uma vez analisada a estrutura de custos do SP, verificou-se que se tratam essencialmente de custos com fornecimentos e serviços externos, particularmente subcontratos. Os custos com o pessoal são reduzidos, bem como os custos das mercadorias vendidas e matérias consumidas, que são iguais a zero em 2003. No que respeita aos custos com amortizações registados são nulos desde 2003 a 2005, apesar de nos balancetes respectivos constarem valores relativos a imobilizado. Ouvida em auto de declarações, a responsável pela execução da contabilidade afirmou que os mapas de amortizações foram feitos e as amortizações calculadas para os exercícios em análise, no entanto, conforme instruções do Técnico Oficial de Contas, estes custos não foram contabilizados. Na sua opinião, esta decisão do TOC pretende evitar a apresentação de resultados líquidos ainda mais baixos ou mesmo prejuízos (doc. 12).
Desta forma, põe-se em causa a efectiva realização dos serviços e a necessidade dos custos contabilizados de subcontratos, das entidades B..., Lda., C...Unipessoal, Lda. e D...Construções, Lda., para a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas.
Através de consulta ao sistema informático dos serviços, verificou-se que D...Construções, Lda. não procedeu ao envio das Declarações Periódicas de IVA, nem das Declarações Anuais e Declarações de Rendimento Modelo 22 referentes a 2003 e exercícios seguintes. Esta empresa, de resto, foi cessada oficiosamente a 2001-12-31.
No que respeita a C...Unipessoal, Lda. e B..., Lda., estas entidades também não enviaram as Declarações Periódicas de IVA, Declarações Anuais e Declarações de Rendimento Modelo 22 referentes a 2003 e exercícios seguintes.
Acresce que, em relação ao fornecedor B..., Lda., o domicílio fiscal que consta das facturas (Funchal) não corresponde àquele que consta do seu cadastro (Tavira).
Uma vez notificadas para prestar declarações nesta Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, no âmbito de diversos processos em análise no sector da construção civil, não compareceu qualquer das entidades não declarantes em questão. Apurou-se ainda, através do Instituto da Construção e do Imobiliário - instituição competente na emissão de alvarás de construção - que estas três empresas subcontratadas, com a actividade de construção de edifícios, não dispõem de alvará de construção (documentos de 13 a 15), nem têm qualquer trabalhador inscrito na Segurança Social.
Atendendo a um conjunto de facturas disponíveis nesta Direcção Regional dos Assuntos Fiscais, emitidas em nome de D...Construções, Lda., verificou-se que esta entidade tem facturas impressas em várias tipografias (G..., Lda. e "H..." - I..., Lda.) bem como facturas redigidas a computador: o mesmo acontece com C..., Unipessoal, Lda., com facturas impressas pela tipografia G..., Lda. e pela tipografia J..., Lda.. Desta forma, há fortes indícios de utilização indevida destes documentos por diversos agentes económicos, em operações de negócio simulado.
III-1 IVA
Trata-se de um SP que, através da consulta ao sistema informático da DOCI, encontra-se enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral, nos exercícios de 2003 e 2004, estando enquadrado no regime normal de periodicidade mensal no exercício de 2005.
O SP deduziu IVA num montante total de 576.532,93 € inerente a facturas que não conferem o direito à dedução, nos termos dos n°s 2 e 3 do artigo 19.° do CIVA, nº. 1 do artigo 20.° e alínea b), n.° 5 do artigo 35. ° do mesmo diploma legal, conforme quadros constantes do relatório de inspecção a fls.87 a 89 dos presentes autos, cujo conteúdo se dá aqui por totalmente reproduzido;
(…)
IX - DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
O SP foi notificado por carta registada, com registo de saída em 2007-11-05, nos termos do artigo 60º. da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 60º. do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), para exercer o direito de audição, no prazo de 10 dias a contar do terceiro dia do registo efectuado nos CTT.
IX.1 - FACTOS DEFENDIDOS E FUNDAMENTADOS PELO SUJEITO PASSIVO
O SP exerceu o seu direito de audição, afirmando que o Projecto de Relatório sofre de ilegalidades, por vício de violação da lei e errónea aplicação do método de cálculo da matéria tributável de forma directa.
Defende, nomeadamente, que parecem estar reunidas as condições para a avaliação indirecta da matéria tributável, em conformidade com o artigo 81.º e seguintes da LGT. O caso em concreto, de acordo com o SP e atendendo aos factos descritos no Projecto de Relatório, parece enquadrar-se na alínea b) do artigo 87º da LGT, dada a alegada impossibilidade de "comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à, correcta determinação da matéria tributável", decorrente "da inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade (...) ", prevista no artigo 88° do mesmo diploma legal.
IX.2 - VERIFICAÇÃO DOS FACTOS DEFENDIDOS PELO SUJEITO PASSIVO
Conforme declarado pelo SP, a aplicação de métodos indirectos poderia decorrer da inexistência ou insuficiência dos elementos de contabilidade, o que não acontece no caso em concreto, uma vez que os documentos referentes a custos e proveitos considerados nas declarações apresentadas pelo SP estão disponíveis e são conhecidos pelos serviços de Inspecção Tributária, não se aplicando o artigo 88º da LGT. De resto, as regras de determinação da matéria colectável por métodos indirectos não têm aplicação sempre que seja possível o recurso às regras de avaliação directa, dado o carácter subsidiário daquelas, consagrado no n.° 1 do artigo 85.° da LGT.
A correcção aritmética resulta de se ter detectado a contabilização de um conjunto de documentos relativos a custos com subcontratos, que indiciam a celebração de negócios simulados, seja quanto à natureza ou por interposição, omissão ou substituição de pessoas - Fraude fiscal, nos termos do artigo 103º. do RGIT. Os valores destes documentos são conhecidos e quantificáveis de forma directa e como tal, comprova-se o seu efeito sobre a matéria tributável apresentada pelo SP em cada um dos exercícios em causa.
Admite-se que os proveitos declarados, e que não são postos em causa no Relatório, tenham implicado custos de natureza diversa dos contabilizados. No entanto, se por um lado o próprio Técnico Oficial de Contas optou por não considerar as amortizações dos bens do activo imobilizado, por outro o sócio gerente afirma, em auto de declarações, não se recordar da identidade dos responsáveis pela execução dos trabalhos subcontratados que, conforme se fundamenta, não terão sido as entidades emitentes das facturas contabilizadas e os valores não terão sido repartidos de forma correcta pelas obras a que efectivamente respeitam. Desta forma, inviabiliza-se a tributação das entidades que na realidade possam ter sido subcontratadas e a aceitação dos correspondentes custos assumidos pelo SP.
Em conformidade com o exposto, o Relatório foi elaborado de acordo com o Projecto, não se tendo procedido a qualquer alteração ao mesmo.
6-Dão-se por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais, as facturas constantes de fls.110 a 198 dos autos, que fazem parte integrante do relatório de inspecção e onde consta no geral:
Obra: Variante (...) (à Vila da Calheta, ER 101, Calheta - Prazeres, Campo do Marítimo, Porto Recreio, Calheta - Prazeres, Vila de Ponta do Sol, Variante Estrela da Calheta, Variante Ponta do Sol, ...)
Trabalho executado na obra ...
Mão de Obra
7-Na sequência da inspecção tributária a AT procedeu às seguintes liquidações de I.V.A. (cfr.documentos juntos a fls.18 a 37 dos presentes autos):

ValorPeríodo
0735458331.658,120303T
07354585 33.618,98 0306T
07354587 54.715,12 031 2T
07355068 48.010,86 0309T
07354589 49.098,51 0403T
07354591 57.695,64 0406T
07354593 51.218,41 0412T
07355060 57.654,74 0409T
07354595 10.051,05 0501
07354597 10.201,32 0502
07355062 10.266,16 0503
07354601 14.071,56 0504
07354607 14.280,06 0505
0735461 1 17.634,63 0506
07354613 20.577,67 0507
07355064 20.996,04 0508
07354615 21.300,30 0509
07354617 20.550,10 0510
07354619 18.588,68 0511
07355066 14.344,99 0512

8-Foram efectuadas as liquidações de juros compensatórios seguintes (cfr.documentos juntos a fls.38 a 57 dos presentes autos):

Valor Período
07354584 5.734,89 03/05/15 a 07/11/23
07354586 5.740,10 03/08/18 a 07/11/23
07355059 7.718,57 03/11/17 a 07/11/23
07354588 8.238,75 04/02/18 a 07/11/23
07354590 6.914,15 04/05/17 a 07/11/23
07354592 7.549,43 04/08/16 a 07/11/23
07355061 6.969,12 04/11/15 a 07/11/23
07354594 5.674,72 05/02/15 a 07/11/23
07354596 1.088,27 05/03/10 a 07/11/23
07354598 1.068,76 06/04/11 a 07/11/23
07355063 1.042,93 05/05/10 a 07/11/23
07354602 1.377,09 05/06/13 a 07/11/23
07354608 1.353,67 05/07/11 a 07/11/23
07354612 1.613,69 05/08/10 a 07/11/23
07354614 1.808,58 05/09/12 a 07/11/23
07355065 1.780,92 05/10/10 a 07/11/23
07354616 1.734,37 05/11/10 a 07/11/23
07354618 1.601,22 05/12/12 a 07/11/23
07354620 1.389,31 06/01/10 a 07/11/23
07355067 1.023,41 06/02/10 a 07/11/23

9-A impugnante deduziu reclamação graciosa tendo, em 16 de Março de 2009, sido notificada, por oficio nº.2324, datado de 10/03/2009 do indeferimento nos termos seguintes (cfr.documento junto a fls.15 a 17 dos presentes autos):

ASSUNTO: NOTIFICAÇÃO DA DECISÃO DO PROCEDIMENTO DE RECLAMAÇÃO GRACIOSA n.°279820084000455 - Liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios dos exercícios de 2003, 2004 e 2005
Na sequência do pedido de notificação dos elementos em falta na comunicação da decisão do procedimento de reclamação graciosa n.° 2798200804000, vimos pela presente e nos termos do artigo 77º, Nº.6 da Lei Geral Tributária (LGT) e 36° nº. 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), notificar V. Exª. da decisão do procedimento em causa.
mencionado, notificar V. Ex.a da decisão do procedimento em causa.
A reclamação graciosa deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, dos exercícios de 2003 a 2005, foi indeferida em 07.01.2009, por despacho da Subdirectora Regional dos Assuntos Fiscais, ao abrigo da competência delegada, conforme despacho de delegação de competências datado de 13.04.2007, publicado na II série do Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, n.° 171, com fundamento no facto de os argumentos avançados, pela reclamante, não serem susceptíveis de suscitar a ilegalidade das liquidações adicionais de IVA dos anos de 2003 a 2005.
Na petição de dedução da reclamação graciosa, o sujeito passivo invocou contra as liquidações adicionais essencialmente dois vícios:
1. Vício de violação de lei - falta de fundamentação das correcções;
2. Errónea aplicação do método de cálculo da matéria tributável - avaliação directa - correcções técnicas.
Relativamente ao primeiro ponto, após análise das questões suscitadas, chegamos à conclusão que a fundamentação legalmente exigida constava do relatório de inspecção validamente notificado à reclamante, e que os documentos que levaram ao conhecimento da reclamante as liquidações adicionais de IVA para os anos de 2003, 2004 e 2005, foram todos fundamentados de acordo com o disposto nos artigos 77° da Lei Geral Tributária (LGT) e 36.° do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), permitindo à reclamante conhecer a linha orientadora e razões de facto e de direito que levaram os serviços de inspecção tributária a efectuar as liquidações adicionais de IVA.
Pelo que, e tendo em conta a jurisprudência em vigor relativamente a esta matéria (neste sentido vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo 024/08, de 14.07.2008 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo 0166/04, de 03.02.2005), aos actos tributários não poderiam ser imputados o vício de falta de fundamentação.
No que à aplicação dos métodos de determinação da matéria tributável concerne, consideramos, salvo o devido respeito, que à reclamante não assistia razão, pelas seguintes considerações:
A escolha dos meios de determinação da matéria colectável, não consubstancia um poder discricionário da administração fiscal (AF), mas antes um poder vinculado aos princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa (CRP) e na lei, nomeadamente artigos 81º a 86. ° da LGT. Nos termos do artigo 81.° da LGT "a matéria tributável é avaliada ou calculada directamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei. "
Nos termos do artigo 85º nº 1 da LGT, "a avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa ". "Porque a tributação deve incidir sobre a matéria tributável real, a avaliação indirecta, porque envolve a apreciação de elementos de ordem subjectiva e, por isso, menos exactos, constitui meio subsidiário de determinação da matéria tributável (a última ratio fisco, que só pode ser utilizada nos casos e condições previstos na lei e aplicando-se-lhe, sempre que possível e a lei não dispuser em sentido diverso, as regras da avaliação directa".
Assim imponha-se à AF, "em primeira linha, a recolha de elementos objectivos, que lhe permitam com base nesses elementos e com base em operações matemáticas, calcular com exactidão a matéria tributável, só no caso de esses elementos faltarem, serem insuficientes ou não merecerem confiança pode a AF avaliar indirectamente, com base em indícios, presunções ou outros elementos de que disponha".
A avaliação indirecta é feita com base em indícios, presunções ou outros elementos de que a AT disponha, partindo-se de factos conhecidos para factos desconhecidos, através de uma máxima de experiência e impõe-se à administração fiscal, um dever de especial fundamentação, nos termos do artigo 77. ° n. ° 4 da LGT, onde à AF, deverá especificar os motivos da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável e de indicar o critério utilizado para a sua quantificação.
Ora, tendo em conta o exposto e tendo em conta que os serviços de inspecção recolheram junto do sujeito passivo elementos, facturas, que possibilitaram a correcção da matéria colectável com base em meras operações aritméticas de desconsideração dos custos, associados a essas facturas, referidas no relatório de inspecção, outro método não seria de aplicar senão o das correcções técnicas, sob pena de violação do disposto nos artigos 81º a 86º da LGT.
Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa cabe recurso hierárquico, nos termos do artigo 66. ° do CPPT, a apresentar no prazo de 30 dias a contar do dia útil seguinte ao da assinatura do aviso de recepção, ou impugnação judicial, a interpor no prazo de 15 dias, a contar do dia útil seguinte ao da assinatura do aviso de recepção, nos termos do artigos 97°, 99° e 102.° n.° 2 do CPPT.
10-A p.i. da presente acção deu entrada no T.A.F. do Funchal em 3 de Abril de 2009 (cfr.carimbo de entrada aposto no rosto de fls.1 dos presentes autos).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:
“…A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos juntos em cada ponto dos factos provados e na inquirição das testemunhas.
Da inquirição das testemunhas salienta-se o seguinte:
K..., é TOC e conhece a impugnante por ser cliente do gabinete de contabilidade onde trabalha. Era inicialmente uma empresa em nome individual. Acompanhei a inspecção que decorreu nas nossas instalações. Foi-me pedido balancetes, extractos, movimentos, facturas e justificação das facturas. A B..., C...e D...eram empresas construtoras. Conhece a empresa L..., era a principal cliente da A.... Eram pagos em dinheiro para ter a certeza que eram entregues aos funcionários. Era prática comum o pagamento em dinheiro. Na A...só havia o sócio e um funcionário. Havia carros, maquinaria, a A...era uma empresa de terraplanagem. Subcontratava pessoas de outras empresas para fazer os trabalhos. As obras estão lá. Não vi a A...fazer as obras. Nunca vi fazer os pagamentos. O nosso trabalho era fazer a classificação dos documentos. No que respeita ao IVA fazíamos os pagamentos nos correios. Não fazíamos as facturas. Custos do ano de 2005 - não facturados à M...- penso que foram facturados no ano seguinte. Nunca viu contratos de empreitada com a .... A margem de lucro da empresa era baixa: 2 ou 3%.
..., tenho uma empresa de venda de automóveis e a A...era cliente. É comerciante de peças de automóveis para veículos pesados e a A...comprava-lhes material para os seus veículos. Fazia estradas, subempreitadas, túneis, transporte de terras. Era uma pequena empresa que trabalhava para outras empresas que ficavam com as grandes obras. A A...trabalhava para a N.... C..., D..., B...eram empresas parecidas com a A.... A A...trabalhou para a ....... Fez obras à volta da ilha - Caniço, Camacha, Calheta.
José da Silva, está reformado e era empreiteiro de construção civil. Há 22 anos a A...fez as escavações do 1° bloco de apartamentos e mais tarde pequenos trabalhos. Fazia diversos trabalhos para outros empreiteiros, fizeram trabalhos para a …(...). Viu-os fazer trabalhos na Ribeira Brava, Ponta do Sol. Fazia serviços de estrada e túneis. A A...tinha alvará de construção. Quando era um trabalho maior a A...contratava subempreiteiros. Em escavações foi uma empresa que fez muitos trabalhos porque tinha máquinas próprias para rebentamentos de pedra, perfuração. Aqui na Madeira talvez 50% dos empreiteiros não tinham alvará nem sequer SS, recebia por metro, por dia, por hora…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude do insucesso dos fundamentos da mesma.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artºs.685-A, do C.P.Civil; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, desde logo, que andou mal o Tribunal “a quo” por não ter considerado a totalidade da prova produzida, quer no que respeita aos depoimentos das testemunhas, quer à comparação crítica entre as facturas emitidas pela impugnante e as facturas emitidas pelos subempreiteiros “B.... Lda.”, “C...Unipessoal, Lda.” e “D...Construções, Lda.” que têm exactamente a mesma descrição dos serviços, pelo que nesta parte se impugna a decisão relativa à matéria de facto (cfr.conclusão 1 do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo consubstanciar a existência de erro de julgamento da matéria de facto da sentença recorrida. Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.655, do C.P.Civil; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.508-A, nº.1, al.e), 511 e 659, todos do C.P.Civil) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).
O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/11/2012, proc.6011/12; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul, 27/11/2012, proc.6011/12; ac.T.C.A.Sul, 20/12/2012, proc.4855/11).
No caso concreto, não pode deixar de estar votado ao insucesso o fundamento do recurso em análise devido a manifesta falta de cumprimento do ónus mencionado supra, desde logo quanto aos concretos meios probatórios que deveriam fundamentar o alegado erro de julgamento da matéria de facto cometido pelo Tribunal “a quo”. Por outro lado, também quanto à concreta factualidade deficientemente julgada que o recorrente “chama” à colação. Tal factualidade não é minimamente concretizada.
Além disso, e no âmbito das suas alegações (que não conclusões), o recorrente alude a elementos que alega não terem sido ponderados pelo Tribunal “a quo” (depoimento de testemunhas e documentos), não se retirando das mesmas alegações dados que permitam colocar em crise o processo racional da própria decisão, sendo de notar que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
Concluindo, este Tribunal não tem obrigação de conhecer do presente esteio da apelação.
O recorrente dissente do decidido sustentando, igualmente e como supra se alude, que quer da prova produzida pelo impugnante, quer pela informação prestada nos autos pela sociedade principal cliente da ora recorrente - E...S.A (cfr.fls.240 dos autos de impugnação nº.110/09.9BEFUN), resulta demonstrado que o recorrente suportou encargos com subcontratação de meios humanos e máquinas para obter os proveitos sujeitos a I.R.C. e que as facturas questionadas em sede inspectiva titulam operações efectivamente realizadas, devendo, por isso ser aceite a dedução do I.V.A. suportado. Caso assim não se entenda e atenta relevância dos custos não aceites, que representam cerca de 93% da totalidade dos custos registados na contabilidade do ora recorrente, então deveria ter prevalecido o princípio da tributação pelo lucro real, previsto no artº.104, nº.2, da C.R.P. Que a única forma de assegurar a tributação do recorrente pelo lucro real era a adopção do método indirecto de tributação do lucro tributável. Se na tese da Administração Fiscal, o recorrente não despendeu as quantias em causa porque as operações foram consideradas inexistentes, e, como tal, não pode assumir tais custos, então deverão igualmente retirar-se as devidas conclusões, que se impõem, no sentido de que também os seus proveitos têm de ser corrigidos. Que o respeito ao princípio da tributação pelo rendimento real consagrado constitucionalmente no artº.104, nº.2, da C.R.P., no caso em apreço, apelava a uma adequada ponderação dos interesses em jogo, que não foi feita pelo Tribunal “a quo” (cfr.conclusões 2 a 7 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O exercício do direito à dedução do I.V.A. consubstancia uma das principais características deste tributo, tudo em conformidade com o regime consagrado na Sexta Directiva de 1977 (directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), mais exactamente no seu artº.17, preceito que consagra as regras de exercício do direito à dedução do imposto, contemplando diversos requisitos objectivos e subjectivos do exercício do mesmo direito. O sistema comum do I.V.A. instituído pela Sexta Directiva caracteriza-se pela existência de uma base de incidência uniforme, de regras comuns em matéria de incidência objectiva e subjectiva, isenções e valor tributável, pela harmonização de regimes especiais e pelo alargamento obrigatório da tributação ao estádio retalhista e à generalidade das prestações de serviços (cfr.Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2006, pág.10 e seg.).
Nos termos do C.I.V.A., a obrigação geral dos sujeitos passivos disporem de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto deriva do estabelecido no artº.28, nº.1, al.g). Assim se explica que os sujeitos que face a lei comercial e fiscal estão obrigados a dispor de contabilidade organizada, devam observar, igualmente, certas obrigações contabilísticas em ordem a obter segurança e clareza no registo das operações decorrentes da aplicação do Código do I.V.A. e necessárias ao cálculo do imposto, bem como para permitir o seu controlo (cfr.artºs.44 a 52, do C.I.V.A.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.114).
Os mecanismos de dedução do I.V.A. estão consagrados nos artºs.19 a 25, do C.I.V.A. Baseando-se o imposto em análise num sistema de pagamentos fraccionados e destinados a tributar o consumo final, a dedução do imposto pago nas operações intermédias do circuito económico é indispensável ao funcionamento do mesmo sistema. No entanto, nos termos do artº.19, nº.2, do referido diploma, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas ou documentos equivalentes passados em forma legal, sendo tais requisitos, além do mais, os consagrados no artº.35, nº.5, do C.I.V.A. Tal exigência do legislador visa manter a cadeia de deduções, que é a alma do sistema, obstaculizando às tentativas de dedução de imposto não suportado (situação de verdadeiro lucupletamento à custa do Erário Público), assim contrariando a evasão fiscal e tornando imperiosa a observância da forma legal na emissão de documentos, sob pena de os mesmos não conferirem direito à mencionada dedução. Para efeitos de apuramento do imposto devido ao Estado, os sujeitos passivos deduzirão ao I.V.A. liquidado nas suas facturas, o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram relativas à aquisição de bens e serviços (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.501; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, pág.112).
Vale isto por dizer que a determinação da parcela do imposto que cumpre entregar ao Estado assenta basicamente no mecanismo das deduções através do chamado método subtractivo indirecto - indirecto porque não implica a determinação do efectivo valor acrescentado do bem em todas e cada uma das fases do circuito económico, e subtractivo porque, não sendo cumulativo, ao imposto das vendas é subtraído o imposto das aquisições - pelo que não é demais realçar a enorme importância que as deduções têm no apuramento do imposto, pelos efeitos compensatórios entre o direito de crédito de que o sujeito passivo é titular pelo I.V.A. suportado nas operações a montante, e a dívida tributária pelas operações efectuadas a jusante (cfr.F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, Código do I.V.A. Anotado e Comentado, Editora Rei dos Livros, 4ª. edição, Janeiro de 1997, pág.564 e seg.; António Borges e Martins Ferrão, A Contabilidade e a Prestação de Contas, 8ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 2000, pág.124 e seg.; Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.172 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/2/2005, rec.860/04; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/6/2004, proc.6816/02; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/11/2012, proc.5637/12).
Por último, dir-se-á que tanto a dedução de I.V.A., como o seu reembolso, estão sujeitos a determinados condicionalismos previstos no C.I.V.A. que se podem considerar similares. O reembolso consiste na devolução ao sujeito passivo do imposto por ele suportado em excesso durante determinado período temporal. Por sua vez, o mecanismo de dedução de I.V.A. consiste na faculdade que o sujeito passivo tem de poder deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuou o tributo que lhe foi facturado nas suas aquisições de bens ou serviços por outros sujeitos passivos de I.V.A. (cfr.Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos do I.D.E.F.F., nº.1, 2ª.edição, Almedina, 2005, pág.157 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2004, rec.216/04).
Voltando ao caso concreto, na inspecção realizada à sociedade impugnante/recorrente aos anos fiscais de 2003 a 2005, a A. Fiscal detectou que a dedução de I.V.A. por parte do sujeito passivo não estava documentalmente suportada, dado que as respectivas facturas não conferiam o direito à dedução, nos termos dos artºs.19, nºs.2 e 3, 20, nº.1, e 35, nº.5, al.b), do C.I.V.A. (cfr.nº.5 do probatório).
E atente-se que é ao contribuinte que incumbe o ónus da prova do direito que invoca, no caso, o direito à dedução do I.V.A. suportado com aquisições de bens e serviços a terceiros (cfr.artº.74, nº.1, da L.G.T.). Sendo que, conforme mencionado supra, nos termos do artº.19, nº.2, do C.I.V.A., só confere direito à dedução, além do mais, o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal.
Não fazendo o impugnante/recorrente prova desses documentos de suporte não lhe assiste o direito à dedutibilidade do I.V.A. (cfr.artºs.19, nº.2, e 35, nº.5, do C.I.V.A.), não merecendo qualquer censura as decisões da Administração Tributária e da sentença recorrida que no mesmo sentido entenderam (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/12/2003, rec.1564/03; T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11).
Portanto, contrariamente à dedutibilidade em sede de I.R.C., inexistindo factura ou documento equivalente com os requisitos do artº.35, nº.5, do C.I.V.A., fica logo afastada a dedutibilidade do I.V.A.
E recorde-se que é posição unânime na jurisprudência dos Tribunais Superiores que tais requisitos consubstanciam verdadeiras formalidades “ad substantiam” (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 10/10/2007, rec.487/07; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/4/2009, rec.951/08; ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/3/2009, proc.2717/08; T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11).
Examinemos agora o vector do presente fundamento do recurso que tem a ver com a aplicação ao caso dos autos da avaliação indirecta da matéria colectável e da eventual violação do princípio da tributação pelo rendimento real consagrado constitucionalmente no artº.104, nº.2, da C.R.P.
A avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.artº.85, nº.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. Isto significa que, mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que se deve recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g.correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.; João Sérgio Ribeiro, Tributação Presuntiva do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria tributável, Almedina, 2010, pág.201 e seg.).
A tributação por métodos indirectos não só não constitui o meio normal, como a possibilidade do seu uso está restringida aos casos em que a lei expressamente a admite, verificados que estejam determinados pressupostos (cfr.artºs.81, nº.1, 87 e 88, da L. G. Tributária). O que vale por dizer que nem a Fazenda Pública, nem o contribuinte, podem, de seu livre alvedrio, optar pela tributação indiciária, ainda que aquela cuide assim arrecadar receita maior, ou este acredite furtar-se a uma tributação mais pesada. Por outras palavras, o apuramento alternativo pela A. Fiscal deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos directos ou correcções técnicas, isto é, pela determinação da matéria colectável através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo, e só pode haver recurso a métodos presuntivos quando aquele apuramento directo se mostre de todo inviável, não gozando a Fazenda Pública de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (directo ou indirecto) de avaliação da matéria tributável. Em suma, o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G.Tributária; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/2/2006, rec.1011/05; ac.T.C.A.Sul, 15/5/2012, proc.2956/09; J. L. Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª.edição, Lex, 2000, pág.303).
É esta a regra fundamental a ter em conta, sendo que a subsidiariedade da avaliação indirecta e a preferência pelos elementos objectivos de quantificação em detrimento dos subjectivos radica, afinal, no princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real (cfr.artº.104, nº.2, da C.R.P.).
Voltando ao caso concreto, tal como foi assumido pela A. Fiscal, só podemos apontar e aceitar o procedimento de desconsiderar os custos correspondentes aos montantes inscritos nas facturas que não reuniam os requisitos legais, nomeadamente, a exigência legal de que a facturação obedeça aos requisitos previstos no citado artº.35, nº.5, do C.I.V.A., em sede de dedutibilidade do mesmo tributo.
É que, atendendo à especificidade do I.V.A., não pode a A. Fiscal operar alterações à quantificação da base tributável deste imposto, sem que fique demonstrado terem sido praticadas omissões ou inexactidões no registo de compras ou no registo de vendas do sujeito passivo em causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª. Secção, 26/11/97, rec.21676, Ap.Dr., 30/3/2001, pág.3108 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/10/98, rec.20568, Ap. Dr., 21/1/2002, pág.2964 e seg.; ac.T.C.A.-2ª.Secção, 16/3/1999, proc.280/97, Antologia de Acórdãos, ano II, nº.2, pág.288 e seg.; ac.T.C.A.Sul, 3/7/2012, proc.4397/10).
Cabe ainda notar que a Fazenda Pública não relevou ou fez apelo a quaisquer outras facturas que não as integrantes da contabilidade do recorrente, pelo que, objectivamente, neste aspecto concreto, não se viu confrontada com qualquer motivo determinante da impossibilidade de quantificar exacta e precisamente os montantes que não podiam ser fiscalmente aceites para efeitos de dedutibilidade do I.V.A. relativo aos anos de 2003 a 2005.
Concluindo, a desconsideração contabilística do I.V.A. deduzido constantes de facturas que não reuniam os requisitos legais deve ter fundamento nos artºs.19, 20, nº.1, e 35, nº.5, do C.I.V.A., operar-se através de correcções meramente aritméticas à matéria colectável (que não através de métodos indirectos) e tal modo de proceder não violando (antes sendo imposto pelo) o princípio constitucional da tributação das empresas pelo rendimento real (cfr.artº.104, nº.2, da C.R.P.). Nestes termos, também não pode relevar-se o vector chamado à colação pelo recorrente relacionado com o facto de os proveitos terem sido mantidos nas correcções efectuadas pela Fazenda Pública.
Sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente fundamento do recurso, mais se confirmando a decisão recorrida, também neste segmento.
Por último, aduz o recorrente a submissão da questão constante dos artigos 69 a 72 do presente recurso ao Tribunal de Justiça, por entender que a interpretação das regras do sistema do I.V.A., em particular o artº.17, da Sexta Directiva, é fundamental para a boa decisão da causa (cfr.conclusão 9 do recurso).
Nos mencionados artºs.69 a 72 das alegações de recurso o apelante coloca a seguinte questão, alegadamente a submeter ao T.J.U.E. nos termos do artº.267, do Tratado da UE:
“O artº.17, nº.6, da Sexta Directiva, opõe-se a uma legislação nacional que exclua do direito à dedução o I.V.A. pago por um sujeito passivo a outro sujeito passivo, prestador de serviços, quando este não cumpra as suas obrigações declarativas, para efeitos deste imposto?
Mais alegando que a sentença recorrida, ao defender que o artigo 19, nº.3, do C.I.V.A., impede a dedução do I.V.A. suportado pelo recorrente pelo facto do fornecedor de serviços ser referenciado como emitente de facturação falsa e nunca apresentar qualquer declaração, procedeu a uma interpretação e aplicação da lei em flagrante violação do direito comunitário, mais exactamente do dito artº.17, nº.6, da Sexta Directiva.
O reenvio prejudicial é um incidente de instância que se desenrola a nível nacional. Inicia-se com a suspensão da instância e a colocação de uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça (T.J.U.E.), tendo em vista a interpretação de uma norma (ou normas) comunitária ou a apreciação da validade de um acto comunitário e termina com o acórdão, retomando-se nessa altura a instância principal e incumbindo ao Juiz nacional resolver o litígio de acordo com a decisão da jurisdição comunitária. Com efeito, a necessidade de o Direito Comunitário ser aplicado de modo uniforme em todo o território da Comunidade não se compadece com a aplicação discrepante das suas normas pelos diferentes Estados-Membros. Como o próprio Tribunal de Justiça salientou logo nos primeiros anos da sua actuação, o reenvio tende a assegurar a aplicação do Direito Comunitário, abrindo ao Juiz nacional um meio de eliminar as dificuldades que poderia trazer a exigência de atribuir ao Direito Comunitário o seu pleno efeito, no quadro dos sistemas jurisdicionais dos mesmos Estados-Membros (cfr.artº.8, nº.4, da Constituição da República Portuguesa, o qual consagra o princípio do primado do direito da U.E.).
Por força dos princípios da aplicabilidade directa e do primado, qualquer parte num litígio pode invocar em juízo, em apoio da sua pretensão, uma disposição comunitária e, se necessário for, solicitar a desaplicação de norma nacional com ela incompatível.
No âmbito do processo prejudicial, incumbe ao Tribunal de Justiça interpretar o direito da União ou pronunciar-se sobre a sua validade, e não aplicar este direito à situação de facto que está em discussão no processo principal, tarefa que incumbe ao Juiz nacional. Não compete ao Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre as divergências de opinião na interpretação ou na aplicação das regras de direito nacional (cfr.João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.429 e seg.; ac.T.C.A.Sul, 3/5/2011, proc.4420/10).
A figura do reenvio prejudicial pode ter por objecto a resposta a uma de duas questões, tudo conforme se encontra consagrado no actual artº.267, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (cfr.anteriormente o artº.234, do Tratado C.E.):
1-A interpretação de uma disposição de direito comunitário;
2-A apreciação da validade de um acto emanado das instituições comunitárias.
O mecanismo do reenvio comporta, assim, duas variantes de competência prejudicial do Tribunal de Justiça. A primeira abarca a função de fixar a interpretação das normas comunitárias e os princípios que lhe subjazem. E a segunda o controlo da legalidade dos actos praticados pelas instituições, órgãos e organismos da União.
Os vectores mencionados, podem surgir combinados num mesmo reenvio, a tal hipótese não se vislumbrando qualquer entrave legal (cfr.Wanda Martins, Guia Prático do Contencioso Comunitário, Rei dos Livros, 1988, pág.105 e seg.; Miguel Almeida Andrade, Guia Prático do Reenvio Prejudicial, Gabinete de Documentação e Direito Comparado, 1991, pág.30 e seg.; João Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 5ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.419 e seg.).
Concluindo, importa referir que a questão do reenvio só se coloca se o juiz nacional se confronta com uma dúvida sobre os termos em que tem que aplicar o direito comunitário e se a resolução de tal dúvida contribui para a solução do litígio que tem em mãos, ou seja, se se mostra necessária para o julgamento da causa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/11/2012, rec.222/12).
No caso “sub judice”, não vislumbra este Tribunal que se coloquem, directamente, problemas de interpretação da norma constante do artº.17, nº.6, da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17/5/1977), no âmbito do presente processo (e recorde-se que o citado artº.17, nº.6, da Sexta Directiva, se limita a prever que o Conselho deve regular a questão da delimitação do direito à dedução de imposto no prazo de quatro anos e por unanimidade, sendo que, a título transitório, as exclusões nacionais serão mantidas através da aplicação de uma cláusula de “standstill”), igualmente não se vislumbrando a necessidade de apreciação da validade de qualquer acto emanado das instituições comunitárias.
Relembre-se que está em causa nos presentes autos a impossibilidade de dedução de I.V.A. baseada em facturas sem a forma legal (cfr.artºs.19, nº.2, e 35, nº.5, do C.I.V.A.) e não o facto do concreto fornecedor de serviços ser referenciado como emitente de facturação falsa e nunca apresentar qualquer declaração, para efeitos do artº.19, nº.3, do C.I.V.A.
Face ao exposto, o Tribunal indefere o pedido de reenvio prejudicial sob apreciação.
Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 16 de Abril de 2013


(Joaquim Condesso - Relator)

(Eugénio Sequeira - 1º. Adjunto)


(Aníbal Ferraz - 2º. Adjunto