Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07628/14
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:06/26/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:REGIME DE ANULAÇÃO DA VENDA EM PROCESSO TRIBUTÁRIO.
PRAZO PARA DEDUZIR O INCIDENTE DE ANULAÇÃO DE VENDA É UM PRAZO JUDICIAL.
ERRO SOBRE O OBJECTO TRANSMITIDO. PRAZO PARA DEDUÇÃO DO INCIDENTE DE NOVENTA DIAS.
ARTº.257, DO C.P.P.T., NA REDACÇÃO ACTUAL, RESULTANTE DA LEI 64-B/2011, DE 30/12.
ERRO SOBRE AS QUALIDADES DO OBJECTO VENDIDO.
Sumário:1. O regime de anulação da venda em processo tributário encontra-se previsto no artº.257, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.328, do anterior C.P.Tributário), preceito que deve ser conjugado com os artºs.908 e 909, do C.P.Civil (cfr.artºs.838 e 839, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), onde se encontram enunciadas as causas de anulação.
2. O prazo para deduzir o incidente de anulação de venda é um prazo judicial, atento o disposto no artº.20, nº.3, do C.P.P.Tributário. Com efeito, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na sua globalidade, apesar de haver uma parte do mesmo que é processada perante órgãos da Administração Tributária (artº.103, nº.1, da L.G.T.). Tratando-se de prazo de natureza judicial, aplica-se-lhe o regime do C.P.Civil (cfr.art.20, nº.2, do C.P.P.Tributário), pelo que ele corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, mais se transferindo o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os Tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto, tudo nos termos do artº.138, nºs.1, 2 e 3, do C.P.Civil. Este prazo é contado desde a data da venda ou da data em que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento ao pedido de anulação da venda, competindo-lhe provar a data desse conhecimento (cfr.artº.257, nº.2, do C.P.P.T.).
3. Do exame o articulado inicial do presente processo, no qual o reclamante estrutura os fundamentos do pedido de anulação de venda, surge devidamente organizado o esteio que se consubstancia no erro sobre o objecto transmitido (cfr.artºs.2 a 22 da p.i.), o qual é enquadrável no citado artº.257, nº.1, al.a), do C.P.P.T., daí que se conclua que o prazo para dedução do incidente era de noventa dias.
4. De acordo com o regime constante do exposto artº.257, do C.P.P.T., na redacção actual, resultante da Lei 64-B/2011, de 30/12, aplicável ao caso "sub judice", o pedido de anulação de venda formulado pelo reclamante (em 25/3/2013) deve considerar-se tacitamente indeferido no dia 9/5/2013 (cfr.artº.257, nºs.4 e 5, do C.P.P.T.), sendo que a presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças do Montijo em 17/5/2013, portanto, sendo tempestiva (cfr.artº.277, nº.3, do C.P.P.T.).
5. Nos termos do artº.257, nº.1, al.a), do C.P.P.T., a anulação da venda poderá ser requerida, além do mais, no caso de se fundar na existência de algum erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado.
6. É que sendo os anúncios e editais os meios previstos para proporcionar aos potenciais compradores informação sobre as características do bem a vender, deverá entender-se que daqueles deverá constar toda a informação relevante para formação da vontade do comprador que não seja possível obter através do exame dos próprios bens. Trata-se de um exigência manifestamente imposta pelas regras da boa fé que deve caracterizar a generalidade das relações contratuais (cfr.artº.227, nº.1, do C.Civil) e toda a actividade da Administração Pública (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.P.).
7. O erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação tem de se consubstanciar numa divergência entre as qualidades do objecto da venda e o teor dos editais ou anúncios respectivos. Por outro lado, para justificar a anulação, não será necessário que o mesmo erro seja essencial, bastando o mero erro incidental (se não fosse o erro, a compra não teria sido efectuada pelo preço que foi) e será indiferente que o comprador tenha culpa na ocorrência do erro, podendo esta, no entanto, relevar ao nível da indemnização prevista no artº.838, do C.P.C. Por outras palavras, o comprador não tem de alegar, nem de provar, os pressupostos gerais da relevância do erro, designadamente o requisito da essencialidade do mesmo, previsto nos artºs.247, 251 e 252, do C.Civil. Acresce sublinhar que a "ratio" da anulação com base em erro sobre o objecto transmitido, por falta de conformidade com o anunciado, se coaduna com a protecção do comprador e com a segurança, certeza e boa fé que devem nortear os negócios jurídicos. Note-se que se trata de venda em processo judicial, logo com uma segurança acrescida.
O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu salvatério dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.141 a 166 do presente processo, através da qual julgou totalmente procedente o incidente de anulação de venda deduzido pelo recorrido, ... , mais tendo anulado a venda de imóvel urbano levada a efeito no âmbito da execução fiscal nº.2194-2011/100194.9 e apensos que corre seus termos no Serviço de Finanças de Montijo.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.173 a 200 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Salvo o devido respeito, que é muito, a Meritíssima Juiz não deveria ter concluído como concluiu, porquanto, com a devida vénia, o pedido é intempestivo, desde logo, porque a alegada factualidade não é subsumível no artigo 257, nºs.1 alínea a) e 2 do CPPT, nem nas restantes alíneas do nº.1 do mesmo preceito legal;
2-Efectivamente, decorre do artigo 257 do CPPT, sob a epígrafe "Anulação da venda":
"1 - A anulação da venda só poderá ser requerida dentro dos prazos seguintes:
a) De 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;
b) De 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do n.º l do artigo 203.º
c) De 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.
2 - O prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, ou do trânsito em julgado da acção referida no n.º 3.
3 - Se o motivo da anulação da venda couber nos fundamentos da oposição à execução, a anulação depende do reconhecimento do respectivo direito nos termos do presente Código, suspendendo-se o prazo referido na alínea c) don.s l no período entre a acção e a decisão.
4 - O pedido de anulação da venda deve ser dirigido ao órgão periférico regional da administração tributária que, no prazo máximo de 45 dias, pode deferir ou indeferir o pedido, ouvidos todos os interessados na venda, no prazo previsto no artigo 60.º da lei geral tributária.
5 - Decorrido o prazo previsto no número anterior sem qualquer decisão expressa, o pedido de anulação da venda é considerado indeferido.
6 - Havendo decisão expressa, deve esta ser notificada a todos os interessados no prazo de 10 dias.
7 - Da decisão, expressa ou tácita, sobre o pedido de anulação da venda cabe reclamação nos termos do artigo 276.9.
8 - A anulação da venda não prejudica os direitos que possam assistir ao adquirente em virtude da aplicação das normas sobre enriquecimento sem causa.";
3-Resultando do citado preceito legal que o prazo mais dilatado para requerer a anulação de venda, é o de 90 dias nos casos previstos no nº. 1;
4-Isto se, tratando-se, o que não se concede, de pedido de anulação fundado na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;
5-Nem de pedido de anulação de venda com fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo constante da alínea a), do nº.1, do artigo 203 do mesmo CPPT;
6-Consequentemente, nos restantes casos, o que também não se concede, o prazo mais dilatado que subjaria, ao ora reclamante, para requerer a anulação de venda, é o mais curto, 15 dias, e decorre da alínea c) do sobredito preceito legal;
7-Tal como decorre do anúncio, e bem, dado que o destino normal do imóvel é a habitação, o alegado vício não existe, cabendo, isso sim, ao reclamante provar o alegado erro sobre o objecto;
8-Ora , "in casu", a venda que se pretende ver anulada foi efectuada no dia 24/10/2012 e o requerimento do pedido de anulação da venda data de 25/03/2013, cento e cinquenta e dois dias (152) após a venda, tendo a reclamação (artº.276 do CPPT) dado entrada, no Serviço de Finanças do Montijo, em 17/05/2013, ou seja, duzentos e cinco dias (205) depois da venda;
9-Ficando assim provada a extemporaneidade/intempestividade do pedido de anulação da venda;
10- "Mutattis mutandis" quanto à existência de erro sobre o objecto;
11-Decorrendo do anúncio que o destino normal do imóvel é a habitação, logo inexistindo o alegado vício, cabe ao reclamante provar o erro sobre o objecto;
12-E como bem dito na douta sentença, ora recorrida, a extemporaneidade do pedido de anulação de venda deveria determinar a sua improcedência;
13-Por conseguinte, não é verdade que exista desconformidade entre o que foi anunciado e o que foi vendido;
14-Não tendo que constar do anúncio que a fracção, intra muros, se encontra em bom ou em estado, por se entender, neste particular, como decorre aliás da lei, que informação fidedigna só a resultante directamente do exame do próprio bem;
15-Sendo igualmente irrelevante, para efeitos de anulação, o entendimento subjectivo do comprador sobre as qualidades do objecto, só podendo a venda ser anulada se for de entender que o objecto transmitido não tinha as características que foram anunciadas;
16-O que não é, de todo, o caso, como provado;
17-Relativamente ao ano de inscrição na matriz, indicado no anúncio, 1987 e não, como, certamente por lapso, 1937, dada a parecença dos algarismos em questão (8 e 3), a justificação mais verosímil passa, certamente, pela ocorrência de um erro de escrita;
18-Erro acolhido no Código Civil Português, tal como decorre do artigo 249, sob a epígrafe "Erro de cálculo ou de escrita": "O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio texto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.";
19-Daí a nossa discordância com a douta sentença, ora recorrida, porque o Tribunal "a quo" ao julgar a reclamação procedente, está, a nosso ver, infundadamente, a acreditar na tese da existência do alegado erro sobre o objecto;
20-Com efeito, desde logo quanto à identificação do bem, o anúncio não deixa margem para dúvidas, dado dele constar:
- tratar-se de uma fracção autónoma
- número de matriz;
-a indicação da respectiva freguesia;
- o seu destino e o número de assoalhadas;
- e sua localização;
21-Como decorre do acórdão citado na douta sentença ora recorrida, " (...) com as devidas adaptações ao caso dos autos" (Acórdão do STA de 2-04-2009, Processo 0125/09) - "II - Só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, neste caso, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a sua extemporaneidade da reclamação ainda que não consequência a extemporaneidade da impugnação conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido.";
22-Logo a requerida anulação da venda não tem fundamento, tout court;
23-E, consequentemente, não tem acolhimento no artigo 257, nºs. 1, alínea a), e 2 do CPPT, ou seja, dentro do prazo de 90 dias a contar da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamentação à anulação;
24-Só se poderia subsumir com o fundamento na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;
25-O que, como já dissemos, e com a devida vénia por melhor opinião, não é, de todo, o caso;
26-Na verdade, vide, sff, a título exemplificativo, Acórdão do STA, de 6-04-2011, no processo nº. 106/11:
"- Tendo sido anunciada a venda de um estabelecimento de restaurante, mas estando, aquando da venda, o local licenciado apenas para a actividade de bar, conforme informação camarária posterior à venda, verifica-se o erro sobre as qualidades do bem vendido, por falta de conformidade com o que fora anunciado, devendo a venda ser anulada";
27-Situação que, como já dissemos, e igualmente com a devida vénia, não é comparável, no caso que nos ocupa, ao alegado erro sobre o objecto;
28-E ainda, Acórdão de TCA Sul, de 15-09-2010, processo 04008/10:
"IV) -No domínio da venda em processo executivo, o erro sobre as qualidades do objecto só releva se ocorrer falta de conformidade com o anunciado, como resulta do preceituado na parte final da alínea a) do nº.1 do artº. 257° do C.P.P.T., irrelevando, para efeitos de anulação, o entendimento subjectivo do comprador sobre as qualidades do objecto, só podendo a venda ser anulada se for de entender que o objecto transmitido não tinha as características que foram anunciadas.";
29-E a nosso ver bem, pois no caso que nos ocupa é por demais evidente que se trata de fracção autónoma para habitação;
30-Oferecendo a estrutura do prédio, ao invés do alegado [Vide (SFF) Doc. 1], solidez, não se encontrando, por esse motivo, em ruínas, porque falar de um edifício em ruínas é o mesmo que falar de edifício em desmoronamento e, "in casu", isso não corresponde à verdade;
31-É verdade, como salientado na douta sentença, ora recorrida, página 15, que "O reclamante nunca conseguiu contactar o fiel depositário do bem imóvel, Anselmo da Costa Diogo Couceiro.";
32-Não sendo menos verdade que Órgão de Execução Fiscal (OEF), não obstante os esforços e/ou tentativas habituais, também não o conseguiu contactar;
33-Como aliás vem salientado na douta sentença, página 18. - "Quanto ao depoimento da testemunha Paula Cristina Amador Fernandes o mesmo revelou-se claro e sem hesitações e relevante para a prova da factualidade constante nas alíneas P) e Q), esclarecendo, neste particular, que a própria procedeu à marcação de diversas vendas de bens imóveis do executado e que «não se recorda de que ninguém tenha conseguido falar com o fiel depositário ... ».";
34-Ou seja, decorre do depoimento supra que, não obstante o incumprimento do depositário, e que consistia na obrigação de mostrar os bens, a quem pretendesse examiná-los, ainda assim as vendas concretizaram-se, sem que ninguém haja visto esses mesmos bens;
35-Ora "in casu", fica assim provado que, na decisão da compra, o interessado e ora reclamante, ... , não considerou relevante, para a formação da sua vontade, o exame do próprio bem;
36-Salienta-se ainda que, em matéria de publicidade da venda, no nº. 5 do artigo 249, do CPPT, não se inclui entre os requisitos dos editais e anúncios a indicação prevista no nº. 4, do artigo 817 do Novo Código do Processo Civil (NCPC), ou seja: "4 - Se a sentença que se executa estiver pendente de recurso ou estiver pendente oposição à execução ou à penhora, faz-se menção do facto no edital e no anúncio.";
37-E como sublinhado por Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6º. Edição 2011, IV Volume, Página 121, "Porém, sendo os anúncios e editais aqui referidos os únicos meios previstos para proporcionar aos potenciais compradores informação sobre as características do bem a vender, é de entender que daqueles deverá constar toda a informação relevante para formação da vontade dos compradores que não seja possível obter através do exame dos próprios bens.";
38-Por conseguinte, não se tratou de anunciar um bem livre e arrematar um bem litigioso;
39-Situação que só aconteceria se se estivesse perante a existência de algum ónus real que, à data da venda, não tivesse sido tomado em consideração e não houvesse caducado ou erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado, como estatuído pela alínea a), do nº.1, do artigo 257, do CPPT;
40-Nada disso se verifica;
41-Como aliás (cfr. Ponto IV DISPOSITIVO) da douta sentença, ora recorrida, se conclui: - "Em face do exposto (...), ordenando-se a anulação de todo o processado, e (...) da venda da fracção autónoma correspondente à letra "B" do prédio urbano submetido ao regime de propriedade horizontal, inscrito actualmente na matriz predial urbana sob o artigo 599, da freguesia de Santa Iria da Ribeira de Santarém e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o número 69/1986731-B.";
42-Do que se tratou foi que, como referido, o interessado e ora reclamante, não considerou relevante, para a formação da sua vontade, o exame do próprio bem;
43-Na verdade, ou seja, perante uma situação, de todos conhecida, e que teve a ver com o facto de ninguém ter conseguido falar com o aludido fiel depositário, como poderia o Estado impedir a compra por parte do ora reclamante, ... , ou de terceiros?
44-Haveria, efectivamente, essa obrigação (jurídica?) de impedir a venda, por parte do Estado, sem que isso significasse uma intromissão nos direitos e liberdades individuais do Cidadão em questão?
45-O mesmo que dizer nos domínios da sua esfera jurídica, política e económica, típica de uma economia dirigida, onde os Governos tomam as decisões pelos cidadãos, tais como acerca da produção e distribuição dos bens e serviços?
46-Ao invés do que se passa numa economia de mercado, na qual estamos inseridos, onde indivíduos e empresas tomam as suas próprias decisões e assumem o risco imanente às mesmas?
47-Se sim, então o Estado, deveria ser responsabilizado por estar obrigado a impedir o alegado "dano" e não ter agido em conformidade?
48-Porém, "in casu", tanto quanto cremos, o Estado não só não foi o autor, nem estava obrigado a impedir o alegado "dano";
49-Logo também não terá incorrido em qualquer responsabilidade, tanto objectiva, como subjectiva;
50-E se não foi o autor do alegado "dano", nem estava obrigado a impedi-lo, também não fará sentido responsabilizá-lo pelo alegado evento lesivo;
51-Com efeito, feita a publicação da venda, o Estado não influenciou [nem podia (nem devia)] a compra em questão, sem o exame do próprio bem;
52-Por conseguinte, como é público e notório ninguém influiu na formação da vontade, do adquirente e ora reclamante;
53-Na verdade, atento o depoimento do Sr. ... Gonçalves Ferreira Valentim, Eng. Civil, da empresa municipal, "Viver Santarém", e depositária do 2º. andar (3º. e último piso do prédio), o estado em que se encontra o telhado é naturalmente visível do exterior;
54-E, por conseguinte, à data, e perante o incumprimento do fiel depositário, tudo aconselhava que o interessado procurasse, no mínimo, localizar o prédio a que respeitava a dita fracção autónoma, e pela qual se interessou, sendo suficiente, para o efeito, aceder ao denominado número de polícia e, assim, diligenciar antes da compra;
55-Não o fazendo e se, ainda assim, como diz, se sente lesado, caber-lhe-á fazer prova da culpa do autor da lesão;
56-É o que decorre do artigo 487 do Código Civil Português, "É ao «lesado» que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.";
57-Sendo que (como estatuído ainda pelo nº. 2, desta disposição legal) "A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.";
58-Efectivamente, tal como decorre também do artigo 818 do NCPC, ninguém nega que o depositário é obrigado a mostrar os bens a quem pretenda examiná-los;
59-Mas tal constatação, "in casu", e como referido, não poderá significar a transferência da responsabilidade para o Estado;
60-Isto é, pelo incumprimento do fiel depositário;
61-Porque a ninguém é garantido fazer valer um poder em contradição com seu comportamento anterior - Venire contra factum proprium non potest - como se pode retirar do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), de 24-04-2012, Processo 2725/08.3TBLRA.C1, votação: UNANIMIDADE - "Sumário:
I. O abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium pressupõe: i) uma primeira conduta (que se poderá traduzir numa declaração negociai), entendida como uma tomada de posição vinculante em relação ao futuro e, por essa razão, geradora de uma situação objectiva de confiança; ii) a boa-fé da contraparte, que justificadamente confiou nessa conduta; iii) uma segunda conduta, contraditória com a anterior, que frustra a confiança gerada.
II. Tendo os réus (locadores) assumido numa transacção judicial celebrada com os autores (locatários), o compromisso de autorizar a realização de obras no arrendado indispensáveis ao regular funcionamento do estabelecimento comercial ali sedeado, recusando mais tarde conceder autorização para a realização dessas obras, o que justificou o indeferimento camarário do pedido de licenciamento, vindo depois peticionar a resolução do contrato com fundamento na falta de licenciamento do estabelecimento (motivada pela sua recusa de autorização de obras), mostram-se verificados todos os pressupostos da litigando de má fé por abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.";
62-E do estatuído no Acórdão de 26/05/2004, do tribunal da Relação de Guimarães, processo 257/2002, do 3º. Juízo Cível: - "Sumário:
l - Para efeitos do disposto no artº. 334 C.Civ., o conceito de boa fé coincide com o princípio da confiança; por sua vez, este princípio da confiança tende para a preservação da posição do confiante; no conteúdo material da boa fé surge, como segundo princípio, o da materialidade da regulação jurídica, historicamente detectável na luta contra o formalismo.
II - Os quatro pressupostos de protecção da confiança através do venire contra factum proprium são: l - uma situação de confiança; 2 - uma justificação para essa confiança; 3 - um investimento de confiança, por parte do confiante; 4 - uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante.
III - Demonstrando as respostas à matéria de facto a existência de um acordo de cedência de terrenos, nulo por falta de forma, mas também que se verificou uma situação de confiança, originada pelo contrato e nas relações de amizade e familiares que as partes mantinham, um investimento de confiança no que concerne a efectiva utilização dos tractos de terreno, reciprocamente cedidos, pelas partes, ao longo de cerca de onze anos, bem como a imputação aos AA. da confiança na estabilidade do factum proprium, já que eles AA. viram integrada no seu prédio a parcela cedida pelos RR., agem em abuso de direito os AA., ao proporem contra os RR. uma acção de reivindicação tendo por objecto a parcela que eles AA. cederam aos RR., enquanto tal acção deixa incólume o benefício obtido com o negócio nulo.
IV - A paralização dos efeitos da nulidade do negócio leva a que se considere, pelo menos no contexto da presente acção, operante o efeito de transmissão da propriedade, efectuada a favor dos RR., ainda que afectada pelo vício da nulidade";
63-Com efeito, não se está perante um pedido de anulação da venda, requerida, designadamente nos termos do disposto no artigo 257, nº.1, alínea b), e 2 do CPPT, ou seja, dentro do prazo de 30 dias, com fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a), do nº.1, do artigo 203 do CPPT;
64-E, por maioria de razão, e ainda que se estivesse, o que não se concede, perante uma anulação de venda requerida, designadamente nos termos do disposto no artigo 257, nº.1, alínea c), e 2 do CPPT, ou seja, dentro do prazo de 15 dias, com fundamento nos restantes casos previstos no Código do Processo Civil, a extemporaneidade do pedido de anulação de venda seria ainda mais evidente;
65-Com efeito, como se verifica no Acórdão do TCA Norte, de 12-10-2010, processo 03589/09 - "Sumário:
I - Nos termos dos art. 257 nº.1 al. c) e 2, do CPPT a anulação da venda com fundamento nos casos previstos no Código de Processo Civil pode ser requerida no prazo de 15 dias e o prazo conta-se da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento.
II - Assumindo o processo de execução fiscal natureza judicial, por mor do disposto no artigo 103, nº.1, da Lei Geral Tributária (LGT), o prazo para a prática de qualquer acto no seu âmbito conta-se nos termos do Código de Processo Civil por injunção normativa contida no artigo 20, nº. 2, do CPPT.
III -Tendo o prazo de 15 dias para apresentação da oposição o seu termo «a quo» no dia 13/12/2007 e o seu termo «ad quem» no dia 09/01/2008, conclui-se que à data de entrada em juízo da petição inicial em 28/01/2008, já se havia esgotado o dito prazo de que a requerente dispunha para apresentação da petição.
IV -Em tal conspecto ocorreu, inexoravelmente, a caducidade do direito de acção, excepção peremptória, que implica a absolvição do pedido, nos termos previstos no artigo 493 nº.3, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2, al.e), do CPPT.";
66-Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto acórdão que julgue improcedente a presente reclamação, tudo com as devidas e legais consequências.
X
O recorrido produziu contra-alegações (cfr.fls.215 a 221 dos autos) pugnando pela manutenção do julgado, mas sem formular conclusões.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (cfr.fls.240 a 242 dos autos) no sentido de se negar provimento ao recurso.
X
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil; artº.278, nº.5, do C.P.P.T.), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.144 a 159 dos autos - numeração nossa):
1-No âmbito do processo de execução fiscal nº.2194-2011/100194.9 e apensos, do Serviço de Finanças do Montijo, foi penhorada, a 13 de Abril de 2012, a fracção autónoma correspondente à letra "B" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, inscrito actualmente na matriz predial urbana sob o artigo 599, da freguesia de Santa Iria da Ribeira de Santarém e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº.69/19860731-B (cfr.documento junto a fls.7 e verso do processo de execução fiscal apenso);
2-A 13 de Abril de 2012, foi efectuada a inscrição Ap.2810 de 2012/04/13, na Conservatória do Registo Predial de Santarém, da penhora referida no nº.1 (cfr.documento junto a fls.7 e verso do processo de execução fiscal apenso);
3-Foi emitido, com data de 9 de Julho de 2012, pelo Serviço de Finanças de Montijo, "edital de convocação de credores", constando quanto à identificação do bem o seguinte:

"IDENTIFICAÇÃO DO(S) BEM(NS)
N° da Venda: 2194.2012160-Prédio urbano sob o n° 599 fracção "B", da freguesia de Santa Iria da Ribeira de Santarém e concelho de Santarém, sito na Rua ... , 6, 2000-592 Santa Iria da Ribeira de Santarém. Registado na Conservatória do Registo Predial de Santarém com o n° 69/19860731-B. Destinado a habitação. Tipologia/Divisões: T3. Permilagem:312,50; Nº. de Pisos da fracção:1 Área bruta privativa:166,32 m2. Ano de inscrição na matriz:1987. Valor Patrimonial: € 37.298,13. Fiel Depositário: Anselmo da Costa Couceiro, residente na AVa Corregedor Rodrigo Dias, 314, 4° Dt°, 2870-153 Montijo"
(cfr.documento junto a fls.26 do processo de execução fiscal apenso);

4-Do teor do anúncio de venda judicial do bem imóvel penhorado e melhor referido no nº.1, no sítio electrónico da Autoridade Fiscal e Aduaneira consta a seguinte descrição do imóvel:

"Prédio urbano inscrito sob o n° 599 fracção "B", da freguesia de Santa Iria da Ribeira de Santarém e concelho de Santarém, sito na Rua de ... , 6, 1.° 2000-592 Santa Iria da Ribeira de Santarém. Registado na Conservatória do Registo Predial de Santarém com o n° 69/19860731-B. Destinado a habitação. Tipologia/Divisões: T3. Permilagem:312,50; N° de Pisos da fracção:1 Área bruta privativa:166,32 m2. Ano de inscrição na matriz:1987 Valor Patrimonial: € 37.298,13. Fiel Depositário: Anselmo da Costa Diogo Couceiro, residente na Avª Corregedor Rodrigo Dias, 314, 4° Dt°, 2870-153 Montijo".
(cfr.documento junto com a fls.10 dos presentes autos);
5-O reclamante adquiriu, através de venda judicial por meio de leilão electrónico, realizada em 24 de Outubro de 2012, a fracção autónoma penhorada correspondente à letra "B" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, inscrito actualmente na matriz predial urbana sob o artigo 599, da freguesia de Santa Iria da Ribeira de Santarém e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº.69/19860731-6, pelo preço de € 10.687,58 (cfr.título de adjudicação de bens imóveis-documento junto a fls.8 dos presentes autos);
6-Em 12 de Dezembro de 2012, o reclamante apresentou junto do Serviço de Finanças do Montijo requerimento no sentido de serem efectuadas "(...) as diligências necessárias com vista à entrega do bem, de acordo com o disposto nos n°s 2 e 3 do artigo 256.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como dos artigos 901, 840 n°2 do CPC, nomeadamente: notificação (final) por parte do v. Serviço de Finanças ao executado para entrega do bem sob pena de requisição de força pública e consequente arrombamento da porta" (cfr.requerimento junto a fls.47 do processo de execução fiscal apenso);
7-A 28 de Janeiro de 2013, foi lavrado auto de arrombamento da fracção autónoma adquirida pelo reclamante, inscrito actualmente sob o n°599 fracção "B", da freguesia de Santa Iria da Ribeira de Santarém e concelho de Santarém, sito na Rua ... , 6, 2000-592 Santa Iria da Ribeira de Santarém (cfr.auto de arrombamento junto a fls.51 do processo de execução fiscal apenso cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);
8-Em 25 de Março de 2013, o reclamante apresentou junto da Direcção de Finanças de Setúbal pedido de anulação de venda constando do seu teor, designadamente, o seguinte:
"(…)
3. Em 28/01/2013 o senhor ... , Funcionário do Serviço de Finanças de Santarém, fez entrega do imóvel e das chaves do mesmo ao ora requerente, que teve então oportunidade de visitar o imóvel.
4. Esta foi a primeira visita ao imóvel pois que antes da venda tal não foi possível por impossibilidade de contactar o fiel depositário.
5. Nesta primeira visita, o requerente constatou que nem a fracção em questão, nem as fracções do piso imediatamente superior, tinham portas e a estrutura dos pavimentos é de madeira aprodrecida em muito locais, com perigo de desabamento (doc. 3, 4, 5, 6 e 7).
6. O prédio não tem placa em cimento e e o telhado é suportado por uma estrutura de barrotes e vigas em madeira em estado muito precário (doc. 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9).
7. Quer na fracção em causa, quer na fracção superior existem buracos no pavimento que agravam o iminente risco de desabamento (doc. 4 e 6).
8. Estas características do imóvel não são detetáveis do exterior do edifício pois a observação da fachada não emergem sinais da situação de ruína em que o prédio se encontra no seu exterior.
9. Fica patente pelo tipo de estrutura e pela situação da mesma que o prédio não poderia ser de 1987, mas de muitas décadas atrás.
10. Veio posteriormente a ser constatado que o prédio na realidade foi inscrito na matriz em 1937 e não em 1987, conforme referia o anúncio de venda, tendo estado originariamente inscrito na matriz sob o artigo 317 (1937), posteriomente sob o artigo 593 (1984) e actualmente sob o artigo 599 (1987) (Esta informação foi obtida ao Balcão do SF Santarém e pode, portanto, aí ser confirmada petos serviços).
11. Por outro lado, pedida a certificação energética da fracção autónoma na descrição sucinta do edifício ou fracção autónoma consta que "O presente edifício encontra-se devoluto ou em ruína" (doc.10).
12. Em 28.02.2013 a Câmara Municipal de Santarém emitiu certidão respeitante ao imóvel donde consta que "não foi passada licença de habitação e/ou ocupação, por se verificar que a sua construção é anterior ao dia sete de agosto de mil novecentos e cinquenta e um, data em que devido à entrada em vigor do regulamento geral das edificações urbanas, se passou a exigir para as freguesias da cidade de Santarém a referida licença e/ou ocupação." (doc.11)
13. O art. 257 do Código de Procedimento e Processo Tributário consagra o direito à anulação da venda em caso de "erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado" (nº.1, al. a).
14. A realidade do imóvel não corresponde ao que foi anunciado para efeitos de venda em dois aspetos essenciais.
15. O primeiro é que foi anunciado um prédio destinado a habitação sendo que, na realidade, o imóvel não está apto para esta finalidade, uma vez que se encontra em ruínas.
16. Por outro lado, o valor patrimonial do imóvel foi apurado no pressuposto de estar apto para esta finalidade e não como prédio urbano em ruínas.
17. Os prédios urbanos em ruínas são objeto de valor patrimonial tributário específico e distinto dos demais prédios urbanos, não sendo considerados prédios habitacionais mas ficandos incluídos na categoria de "prédios urbanas da espécie "outros".
18. Com efeito, o art. 46 do Código do imposto Municipal sobre Imóveis, com a epígrafe "valor patrimonial dos prédios da espécie «outros»", determina no seu nº. 4 que "O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos em ruínas é determinado como se de terreno para construção se tratasse, de acordo com deliberação da Câmara Municipal".
19. Decorre claramente deste preceito e também do art. 6º, nº 2 do CIMI, que um prédio em ruínas não pode ser considerado um prédio habitacional ou destinado a habitação.
20. Ora, tendo sido anunciado uma fracção destinada a habitação verifica-se, inequivocamente, uma desconformidade das qualidades do objeto transmitido com o objeto anunciado, o que é fundamento de anulação da venda.
21. Ainda que assim não fosse, o que só hipótese de raciocínio e sem conceder se põe, tendo sido anunciado um imóvel inscrito na matriz no ano de 1987 quando na realidade o prédio foi construído em data indeterminada mas anterior a 1951, conforme certidão da Câmara Municipal de Santarém, mas mais concretamente antes do ano de 1937, pois este foi o ano da inscrição na matriz, conforme registo da matriz existente no SF Santarém, também aqui ocorreria uma falta de conformidade das qualidades do objeto transmitido com o objeto anunciado, que é fundamento de anulação da venda.
22. Com efeito, são realidade comptetamente distintas para efeitos da decisão de contratar tratar-se dum prédio inscrito na matriz em 1987 ou cinquenta anos antes.
23. O conhecimento dos factos que serve de fundamento a anulação ocorreu em 28.01.2013, dia da entrega do imóvel e das chaves e da primeira entrada do requerente no imóvel.
24. Nos termos do art. 257º, n.º 4 do CPPT é competente para a anulação da venda o Órgão Periférico Regional da Administração Tributária, no caso a Direcção de Finanças de Setúbal.

Termos em que se requer a anulação da venda nos termos do art. 257 do Código de Procedimento e Processo Tributário.";
(cfr.documento junto a fls.68 e seg. do processo de execução fiscal apenso);

9-Em 17 de Maio de 2013, deu entrada junto do Serviço de Finanças do Montijo, reclamação contra a decisão tácita de indeferimento do pedido de anulação de venda referido no número antecedente (cfr.carimbo de entrada aposto na p.i. a fls. 2 dos autos);
10-A 12 de Junho de 2013, foi proferida informação pelo Inspector Tributário da Direcção de Finanças de Setúbal, relativamente ao pedido de anulação de venda referido no número antecedente, constando do seu teor, designadamente, o seguinte:

"(...)
11.°
Face aos elementos disponíveis, cumpre informar o seguinte:

12.°

Através de venda judicial, por meio de proposta em leilão eletrónico, realizado em 24/10/2012, no âmbito do Processo de Execução Fiscal nº. 2194201101001949 e aps., foi por o ora Requerente o imóvel supra identificado, pelo valor de 10.687,58 €.

13.°

De acordo com o anúncio de venda e cujo conteúdo passamos a transcrever:
"Prédio urbano inscrito sob o n° 599 fração "B", da freguesia de Santa Iria da Ribeira de Santarém e concelho de Santarém, sito na Rua de ... , 6, 2000-592 Santa Iria da Ribeira de Santarém. Registado na Conservatória do Registo Predial de Santarém com o n° 69/19860731-B. Destinado a habitação. Tipologia/Divisões: T3. Permilagem:312,50;N0 de Pisos da fracção:! Área bruta privativa:166,32 m2. Ano de inscrição na matriz:1987 Valor Patrimonial: €37.298,13. Fiel Depositário: Anselmo da Costa Couceiro, residente na Avª Corregedor Rodrigo Dks, 314, 4° Dt°, 2870-153 Montijo."

14.°
Sobre esta matéria, e atendendo ao peticionado pelo ora Requerente, importa antes de mais e de tudo convocar, no seu essencial, o disposto no Art 249.° do CPPT que nos diz: (...)

5 - Em todos os meios de publicitação da venda incluem-se, por forma que permita a sua fácil compreensão, as seguintes indicações:

a) Designação do órgão por onde corre o processo;

b) Nome ou firma do executado;

c) Identificação sumária dos bens;

d) Local, prazo e horas em que os bens podem ser examinados;

e) Valor base da venda;

f) Designação e endereço do órgão a quem devem ser entregues ou enviadas as propostas;

g) Data e hora limites para recepção das propostas;

h) Data, hora e local de abertura das propostas.

15.°

Nos termos do transcrito preceito legal, o conhecimento de que os bens vão ser vendidos é efetuado através da afixação de editais e também pela publicação de anúncios bem como da divulgação através da Internet - cfr.art°.249, n°1 do C.P.PT).

16.°

Sendo certo que, durante o tempo que decorrer entre a data de afixação e publicação dos anúncios e o dia da venda é o depositário obrigado a: mostrar os bens a vender a quem pretenda examiná-los, sendo que pode aquele fixar as horas em que, durante o dia, facultará tal inspeção e devendo tornar tal horário conhecido do público através de qualquer meio, que não obrigatoriamente os editais e anúncios (cfr.artº. 249.°, n.° 6 do C.P.P.Tributário; art°.891, do C.P.Civil).

17.°

Devendo os interessados, contatar e visitar o imóvel para venda, caso mostrem interesse na aquisição do mesmo.

18.°

Ora, in casu, refere o ora Requerente que só depois do entrega da chave é que teve oportunidade de efetuar uma primeira visita ao imóvel, já que não fora possível contatar o fiel depositário.

19.°

Ora, tal factualidade, a ser verdade, não pode vir agora ser assacada à Autoridade Tributária.

20.°

Tanto mais que, de acordo com os elementos constantes dos autos, os anúncios da venda realizada cumprem com os requisitos fixados na lei e mencionados supra.

21.º

Acresce que, "o erro sobre as qualidades de objecto só releva se ocorrer falta de conformidade com o anunciado, como resulta do preceituado na parte final da alínea a) do n. °1 do art257.0 do C.P.P. T., irrelevando, para efeitos de anulação, o entendimento subjectivo do comprador sobre as qualidades do objecto, só podendo a venda ser anulada se for de entender que o objecto transmitido não tinha as características que foram anunciadas" (vide Ac. TCA sul Proc, 4008/10 de 15/09/2010.).

22.°

Ora, da exegese da descrição do bem, já aqui oportunamente transcrito, resulta que não se descortina qualquer erro na qualidade do imóvel.

23.°

E isto porque, é ali referido que o mesmo destina-se a habitação. Não fazendo qualquer descrição do seus Estado, nem referindo que é habitável, por tal descrição não ser obrigatória.

24.º

Impunha-se sim, ao ora Requerente de diligenciar antes da compra, o estado do mesmo.

25.º

Neste sentido, aponta o Acórdão já aqui referenciado, ao afirmar que "Não sendo indicado, no anúncio da venda, qualquer confrontação com caminho e dada a fragilidade da prova sobre esse elemento essencial e resultando da documentação junta pelo recorrente uma duvida insanável sobre a localização do terreno, relevará, para correspondência do anunciado às características do terreno, a possibilidade de efetuar diligências, designadamente uma vistoria ao local ou outras tendentes a apurar se, em relação à localização do terreno vendido, não haverá desconformidade entre a anunciada e a realidade."

26.°

Pelo que, e em jeito de conclusão, é nosso entendimento que o alegado pelo ora Requerente, não tem a virtualidade de conduzir à Anulação da Venda.

Pelo que, é nosso entendimento que deverá o presente pedido ser INDEFERIDO.

Porém, superiormente melhor se decidirá."

(cfr.documento junto a fls.36 a 42 dos presentes autos);

11-Por despacho do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Setúbal, datado de 18 de Junho de 2013 e de acordo com a fundamentação constante no número antecedente o pedido de anulação de venda foi indeferido, constando do seu teor o seguinte:

"Concordo.
Face ao informado indefiro o pedido. Proceda-se em conformidade. Setúbal, 2013.06.18
O substituto legal da Directora de Finanças".
(cfr.documento junto a fls.36 dos autos);

12-De ofício n° 008594, do Serviço de Finanças do Montijo, datado de 18 de Julho de 2013, expedido para o domicílio profissional do mandatário legal, por carta registada com indicação alfanumérica RM 9361 0843 7 PT, foi o reclamante notificado do despacho de indeferimento expresso do pedido de anulação de venda e da informação instrutora referidos nos nºs.10 e 11 (cfr.ofício a fls.86 e verso do processo de execução fiscal apenso);
13-Em 28 de Fevereiro de 2013, foi emitido pelo Município de Santarém certidão com o seguinte teor:
CERTIDÃO
... , Técnica Superior da Divisão de Planeamento e Urbanismo do Departamento Técnico de Gestão Territorial da Câmara Municipal de Santarém.
Certifica-se, em cumprimento do despacho exarado pelo Vereador do Urbanismo e Obras Particulares da Câmara Municipal de Santarém, e em face do requerimento de ... , apresentado no dia dezanove de fevereiro de dois mil e treze registado sob o número cinco mil trezentos e nove, que para o prédio identificado no requerimento apresentado, do qual se junta fotocopia, que está conforme o original, não foi passada licença de habitação e/ou ocupação, por se verificar que a sua construção é anterior ao dia sete de Agosto de mil novecentos e cinquenta e um, data em que, devido à entrada em vigor do Regulamento Geral de Edificações Urbanas, se passou a exigir para as freguesias da Cidade de Santarém a referida licença de habitação e/ou ocupação. -----------
Para constar se passou a presente certidão que assino e faço autenticar com o selo branco em uso neste Município.----------------Santarém, 28 de fevereiro de 2013.------------------------------------
(cfr.certidão a fls. 22 dos presentes autos);

14-A 28 de Janeiro de 2013, e na sequência de vistoria ao imóvel adquirido pelo reclamante e melhor descrito no nº.5, foi emitido pela Direcção Geral de Energia e Geologia "certificado de desempenho energético e da qualidade do ar interior", constando do seu teor, designadamente, o seguinte:

"(...)
3. Descrição Sucinta do Edifício ou Fracção Autónoma
O presente edifício ou fracção autónoma encontra-se devoluto ou em ruína.
(...)
Observações e notas ao presente certificado energético e da qualidade do ar interior (...)
A vistoria foi efetuada no dia 28-01-2013 entre as 11.35 e as 11.45 tendo assistido à mesma o Exmo Sr. Hugo Ataíde que facultou o acesso ao imóvel.
Foi solicitada documentação para a elaboração do presente certificado-planta, caderneta predial, certidão da conservatória do registo predial e, se possível, licença de utilização ou documento que comprove o ano de construção do imóvel, ficha técnica da habitação assinada pelo promotor imobiliário e pelo técnico responsável da obra, assim como documentação comprovativa de eventuais intervenções na envolvente, características dos equipamentos de aquecimento, arrefecimento e produção de águas quentes sanitárias, documentação comprovativa da idade dos mesmos, bem como de operações de manutenção periódica e de eventuais intervenções recentes para melhoria/correcção, tendo sido disponibilizados a caderneta predial e a certidão da conservatória do registo predial. O ano de construção foi estimado. Não existem condições de habitabilidade "
(cfr.documento junto a fls.18 a 21 dos presentes autos);

15-A entrega do imóvel adjudicado ao reclamante e melhor descrito no nº.5, foi efectuada pelo funcionário das finanças de Santarém, ... , em 28 de Janeiro de 2013 (facto confirmado pelo próprio no depoimento que prestou em Tribunal e pelo depoimento da testemunha ... ; facto que se extrai do auto de arrombamento a fls.51 do processo de execução fiscal apenso);
16-O reclamante nunca conseguiu contactar com o fiel depositário do bem imóvel ... (cfr.nomeação de fiel depositário a fls.28 do PEF apenso; facto que se extrai do auto de arrombamento a fls. 51 do PEF; facto que se extrai do depoimento das testemunhas ... e ... e ... ; facto que se extrai do requerimento apresentado pelo reclamante em 12 de Dezembro de 2013 e melhor indicado no nº.6 supra);
17-O reclamante só teve acesso ao imóvel adquirido, na data referida no nº.15 (cfr.facto que se extrai do depoimento das testemunhas ... , ... e ... ; facto que se infere da existência de auto de arrombamento; facto que se extrai do requerimento apresentado pelo reclamante em 12 de Dezembro de 2013 e melhor indicado no nº.6 supra);
18-O bem imóvel adquirido pelo reclamante não tinha portas e a estrutura dos pavimentos era de madeira (cfr.facto que se extrai do depoimento das testemunhas ... e ... ; facto que se extrai das fotografias juntas aos autos a fls.11 a 17 dos autos);
19-A estrutura de madeira dos pavimentos não é uniforme e encontra-se apodrecida em muitos locais (cfr.facto que se extrai do depoimento das testemunhas ... e ... ; facto que se extrai das fotografias juntas aos autos a fls. 11 a 17 dos autos);
20-As paredes estruturais são de barro (cfr.facto que se extrai do depoimento da testemunha ... ; facto que se extrai das fotografias juntas aos autos a fls. 11 a 17 dos autos);
21-O prédio não tem placa de cimento, apenas existe uma zona de betão na cozinha (cfr.facto que se extrai do depoimento das testemunhas ... e ... ; facto que se extrai das fotografias juntas aos autos a fls.11 a 17 dos autos);
22-O telhado é suportado por uma estrutura de barrotes e vigas em madeira em estado muito precário (cfr.facto que se extrai do depoimento das testemunhas ... e ... ; facto que se extrai das fotografias juntas aos autos a fls. 11 a 17 dos autos);
23-Quer na fracção em causa, quer na fracção superior existem buracos no pavimento (cfr.facto que se extrai do depoimento das testemunhas ... e ... ; facto que se extrai das fotografias juntas aos autos a fls. 11 a 17 dos autos);
24-Em determinados locais da fracção e com carga humana, existe risco de desabamento (cfr.facto que se extrai do depoimento das testemunhas ... e ... ; facto que se extrai das fotografias juntas aos autos a fls. 11 a 17 dos autos);
25-O reclamante só teve conhecimento das características do imóvel descritas nos nºs.18 a 24 supra, em 28 de Janeiro de 2013, (cfr.facto que se extrai do depoimento das testemunhas ... e ... , coadjuvado com o requerimento de 12 de Dezembro de 2013 descrito no nº.6 supra e com o auto de arrombamento a fls. 51 do PEF apenso);
26-As características do imóvel descritas nos nºs.18 a 24 supra, não são detectáveis do exterior do edifício (cfr.facto que se extrai do depoimento das testemunhas ... e ... ; facto que se extrai da fotografia junta aos autos a fls.111);
27-A fachada do imóvel não apresenta sinais de ruína ou mau estado de conservação (cfr.facto que se extrai do depoimento das testemunhas ... e ... ; facto que se extrai da fotografia junta aos autos a fls.111);
28-O prédio urbano adquirido pelo reclamante foi inscrito na matriz em 1937, sob o artigo 317, em 1984, inscrito sob o artigo 593 e actualmente encontra-se inscrito sob o artigo 599 (cfr.facto não controvertido: facto alegado no artigo 10 do requerimento de anulação de venda e não impugnado e facto alegado no artigo 10 da presente reclamação e não impugnado; de sublinhar que o reclamante, à data requerente, evidencia de forma expressa no mencionado artigo 10 do requerimento de anulação de venda que "a informação foi obtida junto do balcão do Serviço de Finanças de Santarém e pode, portanto, aí ser confirmada pelos serviços", porquanto em ordem ao consignado no artigo 110, nº.7 do CPPT e atento o facto de tal realidade de facto nunca ter sido posta em causa, primeiramente pelo órgão periférico regional e depois pelo R.F.P., o tribunal considera tais factos assentes por acordo; de referir, outrossim, que se inferem tais factos do teor da certidão do Município que refere que a construção é anterior a 1951 e bem assim da certificação energética, corroborado com o depoimento das testemunhas ... e ... que referiram, sem hesitação, que o prédio era muito anterior a 1987, especificando a testemunha ... que se reporta a inícios do século passado);
29-A fracção autónoma adquirida pelo reclamante não tem condições de habitabilidade (cfr.facto que se extrai do depoimento das testemunhas ... e ... ; facto que se extrai do certificado de desempenho energético a fls. 18 a 21 dos autos; facto que se extrai das fotografias juntas aos autos a fls.11 a 17 dos autos).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, e do processo de execução fiscal apenso, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, não impugnados, e bem assim, no depoimento das testemunhas inquiridas, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.
O tribunal valorou o depoimento prestado pela testemunha ... que revelou razões de ciência firmes, dado que foi o funcionário do Serviço de Finanças que promoveu a entrega do bem.
Evidenciou, sem hesitação, que nunca se conseguiu localizar e contactar o fiel depositário.
Mais referiu que o prédio será muito anterior a 1987, contextualizando que nessa data as placas já seriam em cimento o que não é o caso da fracção em causa.
Quando confrontado com as fotos da fracção constantes nos autos, esclareceu com rigor, o estado deficiente do imóvel, referindo, quando devidamente instado para o efeito, que em algumas zonas tinha receio de andar na fracção.
Foi valorado, outrossim, o depoimento da testemunha ... , engenheiro civil, que trabalha na empresa municipal "Viver Santarém", proprietária da fracção do piso superior, portador de razões de ciência fortes, uma vez que conhece bem o imóvel em questão e esteve presente no dia de entrega do imóvel ao Reclamante. O seu depoimento foi claro, sem quaisquer hesitações, revelando um conhecimento bastante sólido e seguro das características, qualidades e estado em que se encontra a fracção dado o detalhe com que descreveu as mesmas.
O seu discurso revelou-se, no essencial, claro, objectivo e espontâneo, sem contradições ou incongruências, e como tal merecedor da credibilidade deste tribunal. Instado directamente sobre a possibilidade de desabamento referiu que em determinados locais e com cargas, esclarecendo nesse particular que bastaria o peso humano, "há risco de desabamento".
Quanto ao período de construção referiu, sem quaisquer hesitações, que da estrutura do imóvel resulta que o mesmo respeita a data anterior a 1987, reportando-se ao início do século passado.
Quanto ao depoimento da testemunha ... o mesmo revelou-se claro e sem hesitações e relevante para prova da factualidade constante nos nºs.16 e 17 supra, esclarecendo, neste particular, que a própria procedeu à marcação de diversas vendas de bens imóveis do executado e que "não se recorda de que ninguém tenha conseguido falar com o fiel depositário ... …”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida ponderou, em síntese, julgar infundada a excepção de caducidade do direito de acção alegada pela Fazenda Pública e totalmente procedente o presente incidente, com base no esteio erro sobre o objecto transmitido, mais ficando prejudicado o exame do outro fundamento da reclamação.
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Desde logo, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em primeiro lugar e como supra se alude, que o pedido é intempestivo, desde logo, porque a alegada factualidade não é subsumível no artº.257, nºs.1, al.a), e 2, do C.P.P.T., nem nas restantes alíneas do nº.1 do mesmo preceito legal. Que a venda que se pretende ver anulada foi efectuada no dia 24/10/2012 e o requerimento do pedido de anulação da venda data de 25/03/2013, cento e cinquenta e dois dias (152) após a venda, tendo a reclamação (artº.276, do C.P.P.T.) dado entrada, no Serviço de Finanças do Montijo, em 17/05/2013, ou seja, duzentos e cinco dias (205) depois da venda. Ficando assim provada a extemporaneidade/ intempestividade do pedido de anulação da venda (cfr.conclusões 1 a 9 do recurso), com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
O regime de anulação da venda em processo tributário encontra-se previsto no artº.257, do C.P.P.Tributário (cfr.artº.328, do anterior C.P.Tributário), preceito que deve ser conjugado com os artºs.908 e 909, do C.P.Civil (cfr.artºs.838 e 839, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), onde se encontram enunciadas as causas de anulação.
O prazo para deduzir o incidente de anulação de venda é um prazo judicial, atento o disposto no artº.20, nº.3, do C.P.P.Tributário. Com efeito, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, na sua globalidade, apesar de haver uma parte do mesmo que é processada perante órgãos da Administração Tributária (artº.103, nº.1, da L.G.T.). Tratando-se de prazo de natureza judicial, aplica-se-lhe o regime do C.P.Civil (cfr.art.20, nº.2, do C.P.P.Tributário), pelo que ele corre continuamente, mas suspende-se em férias judiciais, mais se transferindo o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os Tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto, tudo nos termos do artº.138, nºs.1, 2 e 3, do C.P.Civil (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2012, proc.4661/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.205; Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, C.P.P.Tributário comentado e anotado, Almedina, 2000, pág.669).
Este prazo é contado desde a data da venda ou da data em que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento ao pedido de anulação da venda, competindo-lhe, neste caso, provar a data desse conhecimento (cfr.artº.257, nº.2, do C.P.P.T.). Sendo que o legislador estabeleceu prazos relativamente curtos para a anulação de venda após a data da mesma, tudo com base em razões de segurança e certeza jurídicas devido a considerações que se prendem com a satisfação das finalidades públicas, a que se destinam os créditos cobrados através de processo de execução fiscal, e que reclamam maior celeridade na definição das situações jurídicas criadas com a arrecadação das receitas, para os entes públicos poderem planear adequada e consistentemente as suas actividades de interesse público (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, proc.4758/11; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.203 e seg.).
“In casu”, o Tribunal "a quo" julgou improcedente a excepção de caducidade do direito de acção em virtude de concluir, do exame da factualidade provada, que resulta inequívoco o reclamante só teve acesso ao imóvel e às qualidades do mesmo em 28 de Janeiro de 2013, logo o conhecimento dos factos que servem de fundamento à anulação ocorreram na aludida data. Por outro lado, tendo o requerimento de anulação de venda dado entrada em 25 de Março de 2013, é o mesmo tempestivo. Já quanto à presente reclamação, resulta da conjugação dos nºs.8 e 9 da factualidade assente com o teor dos artºs.257, nºs. 5 e 7, 276 e 277, nº.2, todos do C.P.P.T., que a mesma foi apresentada dentro do prazo legal para o efeito.
O recorrente entende que não. Desde logo, porque considera que não estamos perante fundamento de anulação da venda enquadrável no artº.257, nº.1, al.a), do C.P.P.T., face ao qual o prazo para intentar o presente incidente era de noventa dias.
Não tem razão o recorrente.
Para tanto, basta examinar o articulado inicial do presente processo, no qual o reclamante estrutura os fundamentos do pedido de anulação de venda, no mesmo surgindo devidamente organizado o esteio que se consubstancia no erro sobre o objecto transmitido (cfr.artºs.2 a 22 da p.i.), o qual é enquadrável no citado artº.257, nº.1, al.a), do C.P.P.T., daí que se conclua que o prazo para dedução do incidente era de noventa dias.
Do exame da factualidade provada (cfr.nºs.7 e 8 do probatório) deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que o reclamante somente tomou conhecimento das características do imóvel que comprara em 28/1/2013, sendo que o pedido de anulação da venda deu entrada na Direcção de Finanças de Setúbal em 25/3/2013, portanto, em tempo visto que ainda não tinha ocorrido o termo final do aludido prazo de noventa dias de natureza judicial e ao qual se aplica o regime do C.P.Civil (cfr.art.20, nº.2, do C.P.P.Tributário), conforme mencionado supra.
Já quanto à tempestividade da presente reclamação, também a mesma se verifica, embora para o seu exame tenhamos que levar em consideração o regime constante do artº.257, do C.P.P.T., na redacção actual, resultante da Lei 64-B/2011, de 30/12 (O.E.2012):
Artigo 257.º
Anulação da venda
1 - A anulação da venda só poderá ser requerida dentro dos prazos seguintes:
a) De 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;
b) De 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do n.º 1 do artigo 203.º;
c) De 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.
2 - O prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, ou do trânsito em julgado da acção referida no n.º 3.
3 - Se o motivo da anulação da venda couber nos fundamentos da oposição à execução, a anulação depende do reconhecimento do respectivo direito nos termos do presente Código, suspendendo-se o prazo referido na alínea c) do n.º 1 no período entre a acção e a decisão.
4 - O pedido de anulação da venda deve ser dirigido ao órgão periférico regional da administração tributária que, no prazo máximo de 45 dias, pode deferir ou indeferir o pedido, ouvidos todos os interessados na venda, no prazo previsto no artigo 60.º da lei geral tributária.
5 - Decorrido o prazo previsto no número anterior sem qualquer decisão expressa, o pedido de anulação da venda é considerado indeferido.
6 - Havendo decisão expressa, deve esta ser notificada a todos os interessados no prazo de 10 dias.
7 - Da decisão, expressa ou tácita, sobre o pedido de anulação da venda cabe reclamação nos termos do artigo 276.º
8 - A anulação da venda não prejudica os direitos que possam assistir ao adquirente em virtude da aplicação das normas sobre enriquecimento sem causa.

De acordo com o regime constante do exposto artº.257, do C.P.P.T., aplicável ao caso "sub judice", o pedido de anulação de venda formulado pelo reclamante (em 25/3/2013) deve considerar-se tacitamente indeferido no dia 9/5/2013 (cfr.artº.257, nºs.4 e 5, do C.P.P.T.), sendo que a presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças do Montijo em 17/5/2013, portanto, sendo tempestiva (cfr.nº.9 do probatório; artº.277, nº.3, do C.P.P.T.).
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente esteio do recurso e confirma-se a decisão recorrida quanto a este segmento.
Aduz, igualmente e em síntese, o recorrente que não é verdade que exista desconformidade entre o que foi anunciado e o que foi vendido. Que não tem que constar do anúncio que a fracção, intra muros, se encontra em bom ou em mau estado, por se entender, neste particular, como decorre aliás da lei, que informação fidedigna só a resultante directamente do exame do próprio bem. Que é, igualmente, irrelevante, para efeitos de anulação, o entendimento subjectivo do comprador sobre as qualidades do objecto, só podendo a venda ser anulada se for de entender que o objecto transmitido não tinha as características que foram anunciadas. Que no caso que nos ocupa é evidente que se trata de fracção autónoma para habitação. Que oferece a estrutura do prédio solidez, ao invés do alegado, não se encontrando, por esse motivo, em ruínas. Que na decisão da compra, o interessado e ora reclamante, não considerou relevante, para a formação da sua vontade, o exame do próprio bem. Que não se verifica um erro sobre o objecto transmitido ou sobre as suas qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado, como estatuído pela alínea a), do nº.1, do artigo 257, do C.P.P.T. (cfr.conclusões 10 a 65 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Analisemos se a sentença do Tribunal "a quo" sofre de tal pecha.
Nos termos do artº.257, nº.1, al.a), do C.P.P.T., a anulação da venda poderá ser requerida, além do mais, no caso de se fundar na existência de algum erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado.
Por outro lado, de acordo com o artº.249, nº.5, do C.P.P.T., com a redacção da Lei 64-B/2011, de 30/12 (aplicável ao caso concreto), os meios de publicitação da venda deviam conter as seguintes indicações:
a) Designação do órgão por onde corre o processo;
b) Nome ou firma do executado;
c) Identificação sumária dos bens;
d) Local, prazo e horas em que os bens podem ser examinados;
e) Valor base da venda;
f) Designação e endereço do órgão a quem devem ser entregues ou enviadas as propostas;
g) Data e hora limites para recepção das propostas;
h) Data, hora e local de abertura das propostas.

Mais se dirá que da identificação sumária dos bens a vender devem constar, não só a sua identificação, mas também as suas qualidades.
É que sendo os anúncios e editais os meios previstos para proporcionar aos potenciais compradores informação sobre as características do bem a vender, deverá entender-se que daqueles deverá constar toda a informação relevante para formação da vontade do comprador que não seja possível obter através do exame dos próprios bens. Trata-se de um exigência manifestamente imposta pelas regras da boa fé que deve caracterizar a generalidade das relações contratuais (cfr.artº.227, nº.1, do C.Civil) e toda a actividade da Administração Pública (cfr.artº.266, nº.2, da C.R.P.). Pela mesma razão, deverão constar dos anúncios e editais todos os elementos que possam influenciar o valor do bem a vender. E recorde-se que do citado artº.257, nº.1, al.a), do C.P.P.T., se deduz que as qualidades do objecto a vender, e não apenas a sua identificação, devem ser anunciados (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.121 e seg.).
O erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação tem de se consubstanciar numa divergência entre as qualidades do objecto da venda e o teor dos editais ou anúncios respectivos. Por outro lado, no caso de erro, para justificar a anulação, não será necessário que o mesmo erro seja essencial, bastando o mero erro incidental (se não fosse o erro, a compra não teria sido efectuada pelo preço que foi) e será indiferente que o comprador tenha culpa na ocorrência do erro, podendo esta, no entanto, relevar ao nível da indemnização prevista no artº.838, do C.P.C((1)). Por outras palavras, o comprador não tem de alegar, nem de provar, os pressupostos gerais da relevância do erro, designadamente o requisito da essencialidade do mesmo, previsto nos artºs.247, 251 e 252, do C.Civil (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.179; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 13ª. edição, 2010, pág.404 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, deve concluir-se que existe, de facto, desconformidade entre o que foi anunciado e o que foi vendido. Ao contrário do que consta do anúncio (cfr.nº.4 do probatório), do mesmo deveria fazer parte informação de que a fracção em venda se encontrava em estado devoluto e ruínas, sem condições de habitabilidade e com inscrição na matriz em 1937.
Acresce sublinhar que a "ratio" da anulação com base em erro sobre o objecto transmitido, por falta de conformidade com o anunciado, se coaduna com a protecção do comprador e com a segurança, certeza e boa fé que devem nortear os negócios jurídicos. Note-se que se trata de venda em processo judicial, logo com uma segurança acrescida.
Compreensivelmente, à luz dos princípios da segurança, da confiança e da boa fé que hão-de reger a actuação do alienante, deposita-se uma superior confiança na identificação correcta e totalmente transparente do bem objecto da venda.
Ora, não constando do anúncio todas as características do imóvel evidenciadas anteriormente, deve concluir-se, com o Tribunal "a quo", que o reclamante foi induzido a formar uma convicção errada sobre o bem imóvel que adquiriu. Como tal, verifica-se uma situação de erro sobre o objecto, imputável à Administração Tributária, dado que é ela a responsável pela publicitação adequada da venda em execução fiscal.
Rematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente também este fundamento do recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 26 de Junho de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)



(Pereira Gameiro - 2º. Adjunto)



1- (sem prejuízo do disposto no artº.257, nº.8, do C.P.P.T.).